Portas Fechadas



Harry dormiu mal aquela noite. Estava exausto, mas a força das emoções da viagem até Godric’s Hollow ainda invadia sua mente provocando sonhos estranhos, onde ele via o quarto decorado com pomos de ouro ser iluminado por um clarão verde e os gritos de sua mãe ecoarem.
Acordou encharcado de suor. Aproveitou que o sol já estava a pino e desceu para tomar seu café. Rony continuava dormindo, mas o resto dos amigos já estava no salão conversando e tomando café.
Ele se sentou, pegou um prato com mingau de aveia que surgiu a sua frente e começou a comer. Hermione e Gina olhavam para o rapaz como se esperassem que ele se transformasse em alguma coisa monstruosa de uma hora para outra.
- O que foi? – perguntou reparando nas expressões preocupadas.
- Nada não – apressou-se Hermione.
- Vocês querem é saber como foi lá, não é isso?
- Bom, acho que o básico o Rony nos contou...
- Então vocês já sabem de tudo. Não tem mais nada, a não ser que eu preciso descobrir que removeu os corpos dos meus pais dos escombros provocados pelo feitiço errado de Voldemort.
Ele falou aquilo com uma naturalidade que não esperou que todos a seu redor se engasgassem.
- Para quê isso? – perguntou Rony que chegava naquele momento.
- Você não se lembra da vizinha falando que havia três corpos no local? E se só estávamos meus pais e eu na casa e eu estou aqui, bem, o outro corpo só pode ser dele, não acha?
- E o que você vai fazer quando descobrir? – perguntou Neville.
- Ainda não sei... Só quero saber onde ele foi enterrado. Sem motivos especiais.
- A gente pode ver isso mais tarde – falou Rony – Já sabe para quem vai perguntar?
- Para o Hagrid, eu sei que foi ele que me levou para a casa dos meus tios. Usou a moto do Sirius aquele dia. Só vou acabar de comer e vou ver se ele está em casa.
- Vou com você – falou Gina.
- Não vai, não. Prefiro fazer isso sozinho, por favor – disse mais sério ainda.
Ele acabou de tomar uma xícara de leite e se levantou dizendo que procuraria voltar o mais rápido que poderia.
Quando ele saiu, Gina se virou indignada:
- Por que ele está tão estranho?
- Ele não está estranho – respondeu Rony – Só que ás vezes ele precisa de alguma privacidade. Sempre foi assim, desde o primeiro ano. Ainda mais se o assunto é sobre os pais dele.
- Engraçado – retrucou a garota ainda chateada – ele tem toda coragem do mundo de falar do Voldemort para quem quiser ouvir. Mas na hora de falar dos pais dele, ele corre da gente!
- É que falar daquilo que a gente odeia ajuda a diminuir a raiva. Mas falar de quem a gente ama e não tem por perto, só faz aumentar a tristeza e a saudade – respondeu Rony de um jeito manso que ninguém ali na mesa já tinha visto – Agora, vou lá pra cima pegar minha vassoura e aproveitar esse dia para dar uma volta.
Mas antes que ele saísse, o correio chegou e uma enorme coruja cinza chumbo pousou diante de Hermione com uma carta.
- É do Carlinhos – murmurou ela para Gina tentando fazer com que Rony não visse.
A expressão até então suave no rosto de Rony deu lugar um olhar mais duro e frio, e sem dizer mais nada ele foi para a Torre da Grifinória.
Enquanto isso, Harry caminhava lentamente para a cabana de Hagrid. Escolhia cada palavra que usaria para abordar o guarda-caça sem se exaltar ou deixar escapar que tinha encontrado o Mapa.
Bateu com força na porta, após ouvir barulhos dentro da casa, e esperou Hagrid abrir. A casa estava mais bagunçada do que nunca. As cadeiras estavam viradas no chão, as roupas espalhadas e as panelas todas fora das prateleiras.
- Ah, oi Harry! O que faz aqui?
- Só vim lhe fazer uma pergunta, mas parece que você está ocupado...
- Nada importante, só estava procurando umas anotações, mas acho que as deixei cair na floresta.
O rosto de Harry se avermelhou mais do que ele poderia disfarçar. Ver Hagrid daquele jeito só o levava a crer ainda mais que ele era culpado, que realmente havia roubado o mapa de dentro do malão de Harry.
- Algum problema? – perguntou o meio-gigante.
Harry se desconcertou. Tentou pensar em alguma desculpa, mas só conseguiu dizer:
- Fui a Godric’s Hollow ontem.
Hagrid observou Harry com um leve tremor nas mãos.
- O Lupin e a Tonks me levaram depois que eu pedi a McGonagal uma permissão especial.
- E... e como foi lá? – indagou Hagrid fingindo estar a vontade.
Harry se sentou nos degraus de pedra que davam na porta da cabana. Até então ele não tinha conversado seriamente com ninguém sobre a viagem. Curioso, pensou ele, que seria justamente com alguém de quem ele desconfiava que iria acabar se abrindo.
- Foi... não sei, meio estranho. Não foi nada do que eu imaginei – disse assumindo para si mesmo o que custava a acreditar – Eu pensei que quando fosse lá, ia senti-los por perto. Um perfume, uma sensação qualquer de que aquele lugar era familiar. Mas não teve nada disso. Só serviu para aumentar esse vazio que fica aqui dentro.
Hagrid abandonou tudo o que estava fazendo e se sentou do lado do rapaz. Deu uns tapinhas no joelho de Harry e ficou olhando para frente.
- Se Dumbledore estivesse aqui para falar com você – começou o meio-gigante – diria que foi bobagem sua procurar alguma coisa dos seus pais naquela cidadezinha. Diria que tudo o que você precisa deles está aqui – e deu um forte cutucão no peito do rapaz – bem no seu coração. Foi o que ele me disse, pelo menos, quando o meu pai morreu.
- Obrigado, Hagrid!
- De nada... Sempre disse que a gente é muito parecido. Dois deslocados – respondeu dando uma boa risada.
- Hagrid, tem... tem outra coisa...
- Pode falar! Se eu puder ajudar...
- Pode. Quero dizer, acho que você pode me ajudar. Eu conheci uma vizinha deles, dos meus pais. Ela falou que viu retirarem três corpos dos escombros. Meu pai, minha mãe e mais um homem mais velho.
Hagrid continuou encarando o nada. Sabia onde a conversa chegaria.
- Então, como eu sei que foi você que me tirou de lá, bem, eu pensei que talvez você pudesse me dizer se aquele era o corpo, quero dizer, se aquele corpo era... bem...
- Era, Harry. Era sim. Mas eu não sei o que foi feito dele. Como já lhe disse, eu tirei você de lá. Mas deixei o resto para o pessoal do Ministério. Eles precisavam cuidar para que os trouxas tivessem as memórias alteradas e para que os corpos fossem devidamente identificados.
- Os únicos que sabem onde colocaram o corpo dele estão no Ministério?
- Estão. Desculpe não ajudá-lo do jeito que você imaginou.
Harry balançou a cabeça e com um aceno se despediu de Hagrid e voltou para o castelo. Antes de alcançar a porta principal avistou Rony voando junto com Gina e Mione sentada num canto do jardim relendo uma carta com os olhos desfocados.
- Pode parar de fingir que está lendo – disse se jogando no chão ao lado da amiga.
- Não estava fingindo. Já decorei o que diz aqui.
- E o que diz? Posso saber ou é um segredo?
- São só elogios... Uma carta que o Carlinhos me escreveu... Mas diga, como foi com o Hagrid?
- Você até pode mudar de assunto, mas ainda vamos falar de vocês dois mais tarde. Com o Hagrid, só confirmei minhas suspeitas de que ele pegou o mapa e que o terceiro corpo nos escombros era mesmo de Voldemort. Mas foi o Ministério que cuidou dele. Então não tem muito o que fazer.
- Você pode falar com a Jones. Lembra, a Héstia Jones da Ordem? Ela vai dar aulas amanhã para a Armada.
- É, uma idéia e tanto. Mas vamos falar da sua carta... Ta eu sei que não tenho nada com isso, mas você gosta dele?
Hermione procurou disfarçar e fugir da pergunta e os dois ainda ficaram ali conversando até Gina e Rony voltarem para o almoço.
A segunda-feira chegou com uma chuva fraca e um frio que indicava que os dias de sol estavam se despedindo. Quando chegou a hora da reunião da Armada, os amigos se dirigiram através do Armário Sumidouro na Sala Precisa para a loja afastada da Travessa do Tranco.
Após a aula sobre todo o funcionamento do Ministério da Magia, que contou com um material visual de primeira linha exibindo plantas de todos os andares, com descrição detalhada dos departamentos, listas de funcionários inclusive do Departamento de Mistérios, Harry se aproximou de Héstia Jones e perguntou se ela sabia qual departamento cuidou da remoção do corpo de Voldemort.
- Sinceramente, Harry, não vou saber lhe informar. Mas vamos combinar o seguinte, eu pesquiso isso esta semana e lhe mando uma coruja informando.
Eles saíram da loja pouco antes das 23 horas e foram conversando animados pelo corredor agora iluminado com archotes encantados. Quando chegaram até a porta do outro armário, Neville percebeu que ela estava trancada.
- O que aconteceu? Alguém bateu a porta quando passou? – perguntou forçando a porta com o ombro.
- Não, fui eu quem passou por último. Fiz daquele jeito de sempre, coloquei o suporte e encostei a porta – falou Dino.
- Mas a porta não quer abrir!
- Tenta usar a sua varinha, Neville – exasperou-se Mione.
- Ah, é – o garoto puxou a varinha e pronunciou – alorromora.
A porta destrancou-se, mas eles não se viram livres para ir até o corredor. A porta que saía da Sala Precisa também havia sido trancada e nenhum deles conseguiu destrancar, mesmo usando outros tipos de feitiços.
Harry andou pela sala e avistou pela janela escondida atrás de alguns móveis velhos que muita gente corria pelo jardim. Havia um clarão intenso saindo das janelas correspondentes ao Salão Principal.
- Tem alguma coisa de errado acontecendo – berrou Harry quebrando o vidro da janela para poder ouvir alguma coisa.
Todos se agitaram dentro da sala. Ouviram murmúrios resquícios de gritos apavorados de medo e dor. Os alunos se precipitavam para fora do castelo, correndo sem saber ao certo para onde.
- Temos que sair daqui – falou com o peito quase explodindo de preocupação e ansiedade.
- Como? A porta está trancada! – gritou Gina.
- Olha, a Torre da Grifinória não é tão longe daqui. Se convocarmos nossas vassouras, poderemos sair voando – sugeriu Rony.
Mas quando eles iam apontar a varinha para a direção da Torre, Dobby apareceu seguido de outros elfos domésticos e falou autoritário:
- Nem Harry Potter, nem amigos de meu senhor Harry Potter vão poder fazer isso!
- Dobby, para com isso, as pessoas estão lá embaixo precisando de ajuda! – falou Harry com raiva do elfo doméstico.
- Dobby segue ordens de McGonagal e ela tratou de ordenar que Dobby impede Harry Potter de descer. Muito perigo lá fora. Dobby não colocar vida de Harry Potter em perigo.
Harry sabia que era tolice insistir. A magia dos elfos era bem superior a sua apesar de serem submissos.
- Me deixe apenas acompanhar pela janela – pediu o garoto.
Dobby estalou os dedos e só então permitiu que ele chegasse ao peitoril de novo. Tinha lançado um encantamento, bloqueando qualquer ação para fora da janela, como se uma parede invisível estivesse ali.
- Deixe a gente ver também, Dobby – pediu Hermione.
Dobby alargou a janela transformando-a, momentaneamente, dando a ela a largura de uma vitrine. Todos correram para ver o que se passava.
A nova luz no gramado chamou a atenção de duas figuras que corriam atrás de um grupo de alunos. Eles olharam para cima e todos puderam reconhecer as terríveis máscaras que denunciavam os temidos comensais da morte.
Um deles deu um sorriso debochado por trás da máscara e, apontando a varinha para o alto, lançou um jato de luz verde.
A parede invisível convocada por Dobby amorteceu o feitiço, mas Harry caiu de costas berrando com as duas mãos apertando a cicatriz.
A marca, deixada por Voldemort quando Harry tinha apenas 1 ano de idade, agora ardia mais do que todas as outras vezes.
Rony segurou o amigo no chão, para que ele não se machucasse, já que estava se contorcendo e debatendo como se tivesse uma convulsão. Enquanto isso, Hermione tentava em vão retirar as mãos dele do rosto que já mostrava visíveis sinais de arranhões e um leve arroxeado no olho.
Gina olhava tudo perplexa, sem saber o que fazer. Tremia de medo e segurava com força a mão de Luna, que estava a seu lado.
Harry sentia a cicatriz se aprofundando, como se uma lâmina de gelo a cortasse cada vez mais. A lâmina passava pelo sinal em forma de raio hora gelando a ponto de lhe dar calafrios, hora esquentando de tal forma que ele juraria que estava pegando fogo.
Ele se sentiu arrancado do corpo e caiu por um túnel profundo e escuro. Ainda berrava e sentia dor, mas sabia que estava longe da Sala Precisa, Longe dos amigos, longe de Hogwarts.
Ele parou de cair quando avistou um imenso matagal. Piscou algumas vezes e abriu os olhos tentando focalizar alguma coisa. Avistou a toca que fora de Aragogue. As inúmeras acromântulas fugiam com a presença dele. Ele deslizou suavemente, pôs a língua para fora e percebeu que estava no rastro certo.
- O meio-gigante está aqui – ouviu a si mesmo sibilando.
Mais um solavanco e ele foi arrancado do lugar que estava. Voltou rápido para cima e caiu na sala do Largo Grimmauld. Observou tudo de um ponto de vista estranho. As únicas coisas que conseguia avistar eram os degraus sujos que levavam ao segundo andar.
Ouviu um berro maior que o seu. A mãe de Sirius lhe mandava sair e ele sentiu uma dor ainda maior quando a bruxa do retrato acertou sua cabeça com o anel de esmeralda que usava no dedo.
Ele caiu de onde estava, rolou as escadas e aterrissou bem sobre uma mesa, coberta com uma toalha de linho puro e branco. Sentiu um frio estranho escorrer por suas costas e então se viu levantado e indo em direção a uma boca enorme, que sorria exibindo dentes amarelados e pontiagudos. Uma horrenda língua bifurcada lambia os lábios finos e quase brancos. Os lábios de Voldemort.
Harry tentava se debater, mas parecia que não tinha braços ou pernas. Sentia um pavor acima de qualquer um que já sentira na vida. Voldemort o tinha em suas mãos e agora beberia sua alma.
Quando sentiu os lábios gélidos daquele homem encostarem-se a sua cabeça, ele teve um grande arrepio. A cicatriz em sua testa brilhou e os lábios de Voldemort se queimaram. Ele soltou Harry praguejando que aquilo estava enfeitiçado e quando o garoto caiu ao chão se viu novamente na Sala Precisa.
Dobby já trazia uma vasilha com solução de murtisco para aplicar aos arranhões no rosto do rapaz e todos olhavam aflitos. Gina soluçava amparada por Luna e Neville. Rony e Hermione ainda estavam ao lado dele. Hermione abaixando as mãos do amigo, enquanto Rony permanecia sentado, com os ombros de Harry apoiados em seus joelhos.
Harry tentou falar alguma coisa, mas Dobby balançou suas orelhas negativamente sobre o rosto assustado do garoto.
- Mais tarde, meu senhor. Mais tarde! Depois que professora ver Harry Potter e depois que tudo for acalmado.
E meteu um pano limpo cheio de remédio sobre a cara assustada de Harry.
O barulho nos andares de baixo do castelo já havia se dissipado. Dobby estalou os dedos e destrancou a porta.
Um dos elfos sumiu e minutos depois voltava, não com a professora Minerva, como todos imaginaram, mas com Alastor Moody.
- Que bom que nenhum de vocês conseguiu sair – falou Moody respirando fundo e parecendo cansado – Mas agora é hora de ir. Weasley, você agüenta carregar o Potter?
- Eu... eu posso andar... – falou Harry.
- Pode, mas não deve! – ralhou o ex-auror – Enquanto a Srta Granger ajuda a Srta Lovegood a trazer a outra Weasley e o resto pode ir para os dormitórios. Nós vamos estar lá assim que tudo estiver decidido.
Todos obedeceram as ordens de Moody. Quando chegaram a ala hospitalar viram que todos os leitos estavam cheios. E mais, a ala havia sido ampliada em pelo menos três vezes.
Madame Pomfrey corria atarefada, sendo auxiliada por elfos e professores. Muitos alunos apresentavam sérias marcas de queimaduras e cortes, provocados por feitiços fortíssimos.
Os conselheiros ajudavam o professor Slughorn a preparar as poções com os ingredientes que eram esvaziados dos armários da escola e com as plantas que a professora Sprout trazia de braçada das estufas.
- Mais dois para vocês cuidarem – falou Moody em voz alta.
- Harry! – exclamou a professora Minerva – Mas eu pensei que ele não conseguiria sair...
- E não saiu, professora – explicou Rony – Harry teve uma crise de dores a cicatriz, se debateu muito.
- Mas já estou melhor! Só preciso dormir – resmungou o rapaz apoiado nos braços do amigo.
- Só precisa dormir? Olhe para o seu rosto! Parece que foi atacado por uma coleção de facas voadoras. Papoula – chamou McGonagal – prepare uma cama para o Potter. Mas numa sala separada, por favor. E coloque uma cama extra. Vamos precisar de toda vigília possível!
Harry foi colocado numa sala pequena, onde recebeu uma camada de pomada sobre os machucados e tomou uma poção para dormir sem ter sonhos. Com autorização da professora, Rony e Hermione ficaram para ajudar a cuidar das vítimas do ataque e vez ou outra escapavam para ver se Harry continuava bem, fazendo perguntas a Moody, que ficou instalado junto com o rapaz.
Quando dia raiou, a escola estava ainda mais barulhenta e cheia. Os pais dos alunos foram contatados e muitos chegaram a escola decididos a levar seus filhos dali. Em nenhum momento a professora McGonagal ou um dos 12 Conselheiros tentou impedir, só solicitavam que esperassem a hora do almoço para que todos fossem devidamente medicados antes de partir.
Harry acordou com os olhos inchados. Os músculos estavam doloridos e ele teve um pouco de dificuldade para sentar na cama. Viu que Moody finalmente havia saído de seu posto e, depois de colocar os óculos, levantou-se da cama.
Ainda estava com a mesma roupa da noite anterior. Apenas calçou os sapatos e procurou os colegas. Hermione ficou na ala hospitalar para esperar por ele, enquanto aproveitava e limpava tudo com alguns feitiços simples.
- Bom dia – murmurou ele.
- Harry, você está de pé! – exclamou ela feliz.
- Onde estão os outros?
- No Salão Principal. Eu fiquei esperando por você.
- E a Gina?
- Fique tranqüilo, ela está ótima. Os pais dela já chegaram também.
- Os pais dela estão aqui?
- Você não tem nem idéia do tamanho do ataque não é?
Harry balançou a cabeça negando. Viu que a ala hospitalar estava vazia e achou que tudo estivesse bem. Só depois que Hermione lhe fez essa pergunta é que ele reparou que ela estava com as roupas amassadas e sujas da noite anterior, com os cabelos presos num coque mal feito e estava descalçando luvas iguais às da Madame Pomfrey.
- Foi horrível! – disse com a voz triste – Nós trabalhamos a noite inteira aqui. Cinco mortos, Harry! Isso mesmo, cinco! E todos alunos!
- Todos foram... amaldiçoados?
- Não... isso que foi pior. Nenhum deles foi simplesmente assassinado – Hermione agora revelava uma revolta na voz – Eles foram torturados sim, mas com outros feitiços. Feitiços que os deixaram tão feridos, tão fracos que eles não resistiram.
Ela encostou-se a uma das camas. Alisou os lençóis, distraída, enquanto olhava para a janela.
- E você ficou aqui...?
- Fiquei, a noite toda. O Rony também ficou e ajudou bastante. Mas acho que agora a gente precisa descer. McGonagal só está esperando por você para começar.
Eles foram para o Salão Principal que exibia grandes bandeiras negras em memória aos cinco alunos assassinados na noite anterior. Mas no alto da mesa dos professores estava uma bandeira branca com uma imensa fênix pintada.
O vento que entrava pelas janelas abertas e ondulava as bandeiras, dava a impressão de que a fênix voava gloriosa entre eles.
Harry se sentou com Hermione, próximos aos Weasley, e esperou que a professora falasse.
Ela se levantou e pediu silêncio. Um pedido desnecessário, visto que todos estavam tristes e preocupados demais para conseguir conversar.
- A noite passada foi, com certeza, a noite mais triste da história de Hogwarts. E temo em pensar que talvez representa a última noite da escola. Os acontecimentos foram, como todos, sabem imprevisíveis. E por isso tão devastadores. A segurança do castelo foi feita e refeita pelo Conselho dos Bruxos e pelo Ministério da Magia. E nunca pensamos que eles teriam a ousadia de nos atacar assim.
“O que mais me entristece não é fechar a escola. É pensar que vocês, pais, perderam a fé em Hogwarts. Perderam a confiança que demoramos mais de mil anos para construir.”
“Não pretendo me demorar demais, pois entendo que hoje não é uma data para discursos. Quero apenas lhes informar que Hogwarts fecha suas portas hoje. E só as reabrirá quando o mundo for novamente seguro e nós tenhamos tempo de recuperar a confiança que demoramos séculos para construir.”
Ela se sentou sustentando os olhares dos pais que vacilavam entre o medo, a raiva e a compaixão. Harry ouviu muitos pais murmurando palavras de apoio, dando a entender que confiavam em Hogwarts. Mas ele sabia que o único meio de proteger aquelas crianças seria mandá-las para longe.
Os malões foram trazidos por elfos domésticos que depositaram tudo aos pés de seus donos. Harry aceitou o convite dos Weasley de ir para a Toca junto com eles e Hermione.
Quando saíam do castelo, se depararam com a cena mais triste de todo o trimestre. As famílias das cinco vítimas fatais andavam pelo jardim carregando o que decididamente eram os corpos das crianças.
Um particularmente pequeno pertencia a um aluno do primeiro ano da Corvinal. Chamava-se Harry Greyard. A mãe do pequeno menino, ainda segurando uma capa de escola que o filho usava quando foi atacado, olhou para eles ali parados nos pés da escada.
Ela se dirigiu para eles e pegou na mão de Harry sem dar tempo ao rapaz de reagir.
- Ele se chamava Harry por sua causa... Quando você destruiu aquele monstro a primeira vez foi... foi incrível e eu pensei que esse nome daria sorte para o meu bebê.
Ela começou a chorar e soluçar. O marido se aproximou e abraçou-a com força. Harry pensou que ele iria lhe xingar, dizer que seu nome dera azar ao menino, mas ele olhou bem nos olhos do rapaz e ordenou mais do que falou:
- Acabe com ele outra vez, Harry Potter! Por favor, faça isso por nós!
Ele puxou a esposa e saíram levando o corpo inerte da criança numa espécie de maca coberta por um longo manto com as cores da casa a que Harry Greyard pertenceu por poucos meses.
Harry ficou abalado o resto do dia. Quando chegou na Toca mal falou com os amigos. Só depois que o sol se pôs é que Rony conseguiu fazê-lo sair do quarto e comer alguma coisa.
No meio do jantar, a Srª Weasley fez um comentário que despertou Harry de sua apatia.
- E o Hagrid? Não o vimos no salão Principal...
O garoto levantou da mesa com tanta força que quase derrubou a tigela de sopa.
- O que foi, Harry? – perguntou a mãe de Rony.
- Acho que o Hagrid corre perigo!
- Como assim? Acalme-se! Se Hagrid estivesse em perigo, ele teria nos avisado – falou o Sr° Weasley.
- Não, ele não sabe que está em perigo. Ele está sendo seguido pela mesma cobra que atacou o senhor! – disse Harry convicto.
A visão de Harry dois anos antes salvara a vida de Arthur Weasley. Na ocasião, Harry viu através da cobra Nagini que ela havia atacado o pai de Rony. Depois, uma outra visão acabou resultando na terrível luta no Ministério que acabou com a morte de Sirius Black e a captura de alguns comensais, inclusive Lucius Malfoy.
- Olha, sei que estão pensando se podem ou não confiar nas minhas visões. Mas esta foi real. Eu senti que foi.
- Acho que você terá que nos explicar direito, Harry. – pediu Arthut Weaslei com calma.
Harry detalhou toda a visão que teve na noite anterior enquanto o castelo estava sendo atacado. Até a parte em que acreditou que Voldemort o segurava e estava preste a sugar sua alma.
- Vocês entendem agora a diferença dessa visão para a visão do Ministério? Todas as vezes que eu vi através de Nagini eram visões reais. E mais, não tem como Voldemort implantar em mim a visão de um lugar em que ele nunca esteve.
- Mas quem garante que ele nunca esteve lá? – perguntou Gina preocupada.
- Olha, quando Voldemort estudou em Hogwarts Aragogue era ainda um filhote. Depois, quando ele esteve na floresta sugando o sangue dos unicórnios, ele ainda estava vivo. Mas nessa visão, estava só a toca, sem Aragogue e as outras acromântulas estavam fugindo.
- Nós vamos averiguar isso, Harry! Vou falar com a Tonks e ela pode...
- Eu vou junto! – disse determinado.
- Você está louco, menino? – exaltou-se a Srª Weasley.
- Eu preciso ir! Eu conheço aquela floresta quase tão bem quanto o Hagrid. Sei exatamente como chegar na toca que foi de Aragogue.
- Não discuta, Harry! – pediu Rony segurando o braço do amigo e puxando para subirem – Quando Tonks tiver alguma notícia vai falar com a gente. Agora vai dormir, acho que você ainda não está legal!
Harry subiu as escadas pronto para estourar com Rony quando chegassem no quarto. Mas ele mal entrou, Rony trancou a porta e já foi falando:
- Pode engolir o grito e a raiva. Contraria mamãe depois de hoje só ia piorar a situação. Você vai ficar quietinho aí fingindo que está dormindo. Quando tudo estiver quieto, a gente aparata em Hogsmeade e vai atrás do Hagrid.
Harry levou alguns segundos para entender o que o amigo havia acabado de dizer. Quando conseguiu, só pode perguntar:
- Mas você já conseguiu passar no teste de aparatação?
- Que teste? Esqueceu das aulas que a Tonks nos deu? Você não vai amarelar agora, vai?
Nesse instante a porta do quarto se abriu e Hermione e Gina entraram perguntando:
- Amarelar por quê?
Não tinha outro jeito a não ser revelar o plano para elas.
- Mas se vocês forem – protestou Harry – todos vão descobrir.
- Disso cuido eu – falou Gina revistando uma bolsa que estava escondida num canto atrás do armário de Rony.
- O que tem aí? – perguntou o irmão da garota interessado.
- Isso vai vedar as portas e toda vez que alguém se aproximar daqui vai pensar que é bobagem nos incomodar.
- Onde conseguiu?
- Ganhei do Fred e do George, chama-se Kit Solidão Legal. Eles inventaram há pouco tempo.
- Tudo bem, tudo bem, vocês venceram! Agora vão se trocar e deixem tudo preparado – falou Rony.
Ele ainda desceu para dizer que tinha feito Harry se deitar e ele logo caíra no sono.
- É tão bom ver que você amadureceu, Rony. Deixou de ser o meu Roniquinho e já é um homem – disse a mãe do garoto na ponta dos pés enquanto apertava as bochechas do rapaz.
Rony não conseguiu evitar uma fisgada de remorso por mentir tão descaradamente para a mãe numa situação como aquela.

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