Ordem da Fênix



Capítulo 29


Ordem da Fênix




A reação de todos na sala não demorou mais do que um segundo para acontecer. James deu Harry para Lily, Sirius correu para a janela a fim de verificar quantos Comensais da Morte estavam do lado de fora e Remus e Clair foram para as portas a fim de lacrá-las com um feitiço.


— São três.


— Lily, vá para o quarto e se tranque com o Harry.


— Não irá adiantar, James.


— Lily...


— A casa já não é mais segura! Temos que sair daqui e aparatar, encontrar outro lugar e...


— Certo — ele a interrompeu. James respirou fundo, olhando para o filho por alguns segundos. — Precisamos lhe dar uma brecha para que você fuja com o Harry.


— Tem mais três nos fundos, também. — Remus voltara para a sala.


— Um para cada, então.


Olhei para Sirius, querendo bater-lhe ao vê-lo sorrindo.


— Isso não é um maldito jogo, Sirius — James disse entre os dentes, indo para a janela.


— Assim que você for para os jardins já pode aparatar? — perguntei.


— Não. O feitiço cobre a área do quarteirão.


— Mas deixando os Comensais entrarem aqui, a rua fica livre — Pettigrew completou.


Olhei ao redor. A casa era grande, o que permitia um campo de luta até adequado. Mas era uma batalha de risco. No entanto, todos estávamos dispostos a tudo para que Lily conseguisse fugir com Harry.


— Remus e eu vamos para a porta dos fundos — Clair disse.


— Vou com vocês.


— Valeu, Pete — disse James. — Lily, vamos para trás do sofá com o Harry. Vocês dois, atrás das cortinas — ele apontou para mim e Sirius. — Assim os pegamos de surpresa.


Sirius e eu esticamos as cortinas para que cobrissem uma área maior da parede, o que nos permitiu esconder entre duas janelas. Ele ficou ao meu lado, parecendo calmo – e até animado – para quem iria enfrentar Comensais da Morte. Preocupei-me com essa reação, imaginando o que ele havia enfrentado nesses dois anos para deixá-lo tão tranquilo. Eu sabia que os Comensais da Morte eram cruéis. Eu vivenciara isso quando Louise morrera. Respirei fundo, controlando o nervosismo e a angústia que me tomavam. Fazia tempo que eu não duelava, e a última vez em que isso acontecera, minha amiga morrera. No entanto, eu não queria pensar sobre isso. Dessa vez, todos sairíamos vivos.


— Vai dar tudo certo — Sirius murmurou ao meu lado, apertando minha mão por um instante. Eu apenas acenei.


Pareceu uma eternidade o tempo que os Comensais demoraram para entrar na casa. E depois que eles entraram, tudo pareceu correr rápido demais. Os que vinham pelo fundo arrombaram a porta da cozinha, e o som de coisas caindo e se quebrando foi ouvido ao mesmo tempo em que a porta da frente cedia. O fato de estarmos escondidos nos deu certa vantagem, e James conseguiu estuporar um Comensal da Morte. No entanto, os outros dois eram rápidos e conseguiram se proteger.


Lily ficou o tempo todo atrás do sofá, com Harry chorando em seus braços. Os Comensais bloqueavam a saída, não permitindo que o plano de James funcionasse. Tentei ignorar a apreensão quando ouvi um grito agudo que veio da cozinha, convencendo a mim mesma que deveria ser um Comensal da Morte. Porém, quando mais um deles entrou na sala, vindo de lá, minhas esperanças minguaram. E o segundo que eu hesitei diante do pensamento de que um de nossos amigos havia morrido no outro cômodo quase me matou.


O Comensal com quem eu duelava lançou um feitiço no varão da cortina, que caiu sobre mim, atingindo-me na testa. Atrapalhei-me, tanto pelo desnorteamento que a dor repentina me causou quanto pelos tecidos. Subitamente, as cortinas fecharam-se ao meu redor e eu me senti sendo jogada como se fosse um saco qualquer. Ouvi alguém gritar meu nome, mas não soube identificar. Fui lançada através da janela, sentindo minhas mãos arderem quando os vidros se quebraram, rasgando a cortina e minha pele. No instante seguinte, eu estava jogada na grama, sentindo uma dor aguda na altura do quadril.


Uma vez do lado de fora, o feitiço que o Comensal lançara nas cortinas, que me prendia, perdeu o efeito, deixando-me livre. Havia uma mancha vermelha no tecido branco e meu vestido começara a empapar. Com a mão tremendo, encostei de leve no pedaço de vidro que havia entrado em minha coxa. Respirei rapidamente, tentando clarear minha mente. Eu não teria coragem de arrancá-lo manualmente, então usei o único feitiço que lembrei.


Encostei a varinha no pedaço de vidro e contei mentalmente até dois.


— Uediuósi — Com um movimento rápido, apontei para o lado e o pedaço de vidro saiu da minha perna obedecendo ao movimento da varinha. Voltei novamente a varinha para a coxa, que continuava a sangrar, e murmurei: — Episkey. — Não era o feitiço mais efetivo para aquele machucado, mas eu não tinha tempo de usar algo mais elaborado. Sentindo pontadas de dor, levantei-me da grama. Porém, antes que eu entrasse novamente na casa, um dos Comensais saiu.


De algum modo eu sabia que aquilo aconteceria. Eu me tornara um alvo fácil, machucada e sozinha e em um lugar que não poderia aparatar, com meus amigos ocupados demais tentando se manterem vivos.


— Como eu esperei por isso — a voz feminina por trás da máscara mostrava-se excitada. — Àquela noite você teve sorte, mas não hoje. Hoje eu vou te matar.


— Do que você está falando? — Embora reconhecesse a voz, não consegui entender do que a Comensal estava falando. Sentia-me um pouco zonza pela pancada do varão da cortina.


— A noite que matei sua amiguinha, naquela praça trouxa! — Com um aceno da varinha, a máscara da mulher desapareceu, revelando olhos grandes e irritados.


— Bellatrix Black — murmurei, surpreendida. Olhei de relance para a casa, vendo Sirius duelar contra um dos Comensais.


— Preocupada com meu priminho, queridinha? Aquele traidor do próprio sangue não merece tal consideração. E hoje sou eu quem vai te deixar marcas como a que você deixou em mim.


O feitiço de Bellatrix veio rápido e mal tive tempo de me proteger. Usei a árvore que havia nos jardins como proteção, tentando pensar em uma maneira de vencê-la. Por um instante me lembrei do que Sirius havia me dito quando estávamos em nosso último ano em Hogwarts. Ele havia descoberto que a prima havia se juntado a Voldemort, e mesmo não sendo surpresa, isso o deixou com muita raiva.


Bellatrix era uma mulher cruel, que conhecia arte das trevas e adorava esse conhecimento. E ela era uma das melhores bruxas que Sirius conhecera. Se alguém se colocasse em seu caminho, raramente saía inteiro ou vivo. Eu não era tão inferior a ela, sabia disso. Contudo, minha perna doía e sangrava muito, e eu percebia que um galo crescia em minha testa onde o varão da cortina acertara. Minha debilidade poderia ser fatal.


Respirei fundo e saí de trás da árvore, tentando estuporar Bellatrix. Ela protegeu-se facilmente, assim como quando lancei novamente outro feitiço, seguido de um terceiro.


— É só isso que você consegue? — ela sorriu, debochada. — Esperava mais depois do que aconteceu àquela noite. Ou você é uma daqueles imbecis que precisam de um incentivo para mostrar o que tem?


Apertei a varinha, com raiva, atacando-a. Tentei ignorar as dores e me concentrar em Bellatrix, porém, a dor em minha cabeça só aumentava. Não consegui me proteger quando um feitiço veio em minha direção, jogando-me com violência para trás e fazendo a varinha soltar-se de minha mão. Levantei-me o mais rápido que consegui, mas isso só piorou a tontura que sentia.


Antes que eu alcançasse minha varinha, ouvi a voz de Bellatrix gritar uma maldição. E então era eu quem gritava, contorcendo-me de dor na neve. Era como se mil facas estivessem perfurando minha pele, atingindo os ossos que se quebravam. Não sei quanto tempo durou, mas pareceu uma eternidade. Quando a maldição cessou, meu corpo parecia intensamente quente e eu não conseguia me mexer pela dor. Abri os olhos e vi Bellatrix em pé ao meu lado. Ela mexia os lábios, como se me dissesse algo, mas eu ouvia apenas meus ouvidos zunirem. A dor então recomeçou, e dessa vez minha cabeça parecia que iria explodir. Dos dedos do pé até meu último fio de cabeço a dor corria intensa, meu corpo se contorcia. Eu sabia que não poderia morrer apenas com a Maldição Cruciatus, mas durante aquele tempo eu imaginei que, assim que ela parasse, meu coração faria o mesmo.


Mas ele não parou, embora a percepção de que a temperatura de meu corpo tenha aumentado ainda mais juntamente com a sensação dos ossos quebrados, as mil facas cravadas em todo canto e a luz da lua minguante que parecia me cegar.


Bellatrix aproximou seu rosto do meu e sorriu.


— Implore.


— Vá para o inferno — murmurei.


— Depois de você.


A dor veio de novo, porém não durou muito dessa vez. Fiquei deitada no chão, o rosto na neve gelada como se isso fosse aliviar a dor e a sensação de queimação que me percorria inteira. Ouvi gritos, maldições e feitiços serem ditos por vozes desconhecidas. Comecei a me levantar, procurando minha varinha, mas o fiz devagar para que a tontura não me atrapalhasse. O golpe que eu levara na cabeça mais a Maldição Cruciatus me debilitaram mais do que eu poderia imaginar.


— Não se esforce, Ariadne. Marlene, preciso de você aqui!


— Fabian...


— Está tudo bem. Eles foram embora — Fabian disse enquanto me ajudava a me sentar no chão. — Marlene! — ele gritou novamente.


— Lily e Harry...


— Eles estão bem. Todos estão bem. O que aconteceu com você?


— Bellatrix Black. — Levantei a mão para a testa, sentindo um inchaço. Onde o varão me acertara estava crescendo um belo galo.


Reconheci Marlene Mckinnon, uma das amigas de Lily, da Gryffindor, assim que ela se aproximou. Ela olhou meu corpo inteiro, parando alguns segundos na perna ensopada de sangue e depois na minha testa.


— Foi uma pancada feia, hein?


— Conte-me uma novidade, Mckinnon — resmunguei.


Sem se importar com meu mau humor, Mckinnon apontou a varinha para minha testa e murmurou algo que não entendi. Senti um pouco de incômodo, mas logo passou.


— Vai precisar levá-la ao Saint Mungus?


— Seria bom — respondeu enquanto apontava a varinha para os pequenos cortes que eu tivera na mão e nos braços quando atravessei a janela. — A pancada foi feia, e embora as piores sejam quando não fazem esses galos, seria bom ter alguém para observá-la à noite para que não tenha uma concussão sem supervisão.


— Eu não quero ir para um hospital. — Novamente foi como se eu estivesse falando sozinha.


— E a perna? — Fabian perguntou.


— Nada grave. Posso curá-la aqui mesmo.


Gemi quando ela rasgou meu vestido na altura do corte e utilizou os feitiços adequados para limpar e fechar o machucado. Assim que terminou, retirou do casaco um frasco, despejando um pouco de seu conteúdo na tampa que tinha o tamanho de uma xícara de café.


— Beba.


— O que é isso?


— Poção Revigorante.


Assim que engoli a poção, senti meu corpo se esquentar agradavelmente. A dor da Maldição Cruciatus não havia cessado, e onde o vidro me cortara ainda estava dolorido, mas conseguia me mover sem a ajuda de Fabian.


— Você precisa ir ao Saint Mungus. O galo em sua testa está imenso.


— Estou bem, Fabian. Eu apenas quero ver como Lily está e depois ir para casa.


— Você está sem condições de aparatar, Ariadne. Nem pensar.


— Eu vim com o carro do Arktos. — Apontei para o carro preto estacionado em frente à casa dos Potter, para depois entrar na casa.


O lugar estava um caos com móveis quebrados e fora de lugar. Lily estava sentada no sofá, intacto apenas no assento que ela ocupava, acalmando Harry. Ele ainda se mexia em seus braços, como se quisesse sair dali e se esconder. Mas ao menos não chorava mais, limitando-se a apenas alguns resmungos.


— Como ele está? — perguntei, sentando-me ao lado dela, no braço do sofá.


— Inquieto. Mas bem. — Ela aproximou-se de James, que conversava com Sirius e Remus. — James, precisamos ir.


— Eu sei. — Ele olhou ao redor para depois cochichar algo no ouvido de Lily, que acenou como se concordasse. — Vou pegar as coisas do Harry.  


James saiu da sala. Aproximei-me de Lily.


— Para onde vocês vão? — perguntei baixo, apenas para ela ouvir.


— Para a casa de Clair, em Yorkshire. Ela está sozinha, e como mora em um bairro trouxa é mais difícil de nos encontrarem lá.


Eu apenas acenei, sem saber o que dizer. Lily então franziu o cenho, olhando para minha testa.


— Não é nada — apressei-me. — Mckinnon já cuidou de mim, só preciso ir para casa descansar.


— Lily, vamos. — James voltara para a sala com duas mochilas.


— Se cuide, Ari. — Ela me abraçou.


— Vocês também.


Acompanhei com os olhos meus amigos saírem da casa e cruzarem a rua para finalmente aparatarem. Vi três bruxos na rua, vigiando, e os reconheci de Hogwarts, embora não me lembrasse de qual Casa foram. Dumbledore, que eu estava vendo pela primeira vez, também estava do lado de fora. Ele olhava a casa com os olhos tristes e cansados, parecendo tentar entender o que havia acontecido de errado. Eu também queria saber. Meus amigos ficaram protegidos durante um bom tempo para que, na primeira vez que eram visitados, sua localização fosse descoberta. Era uma coincidência que eu não conseguia entender. Olhei para os desconhecidos que estavam do lado de fora e naquela sala. Em quem não deveríamos confiar?


— São membros da Ordem — Fabian falou, ao meu lado. — Todos aqui são. A casa dos Potter tinha um perímetro de proteção que, se fosse comprometido, saberíamos.


— E como tudo isso foi comprometido? — retorqui, olhando-o. — Quem contou aos Comensais?


Fabian não me respondeu. Olhei novamente pela sala. Em um canto, Mckinnon ajudava Sirius, colocando uma faixa ao redor de seu braço como fizera com minha perna. Ele sorriu agradecido e se levantou, indo em direção à porta da casa. Pensei que fosse vê-lo sair para os jardins, mas ele logo voltou com meu casaco nas mãos, vindo em minha direção.


— Você vai congelar desse jeito. — Sirius me ajudou a colocá-lo, embora não precisasse. Devido à preocupação que eu estava com Lily e Harry, não percebi que usava apenas o vestido, que agora estava com um rasgo horrível na altura da coxa. A casa, sem janelas e de portas abertas, estava fria. Sirius esfregou as mãos em meus braços, aquecendo-os, para depois fazer o mesmo com minhas mãos. — Como você está? — ele perguntou, ainda segurando minhas mãos nas dele.


— Bem — falei, sem muita coragem de olhá-lo e cruzando os braços para que minhas mãos ficassem livres. — Só preciso ir para casa.


— Sei... Marlene não te mandou ir ao hospital?


— Ela não manda em mim — dei de ombros. — E eu disse que estou bem.


— Claro. Esse galo grita mesmo que você está bem.


Olhei para Sirius com má vontade, erguendo as sobrancelhas. Senti minha testa doer a esse gesto, mas disfarcei.


— E você entende muito disso, não é?


— Claro que sim. Ou você não se lembra dos inúmeros balaços que já recebi na cabeça e dos tombos de vassoura que faziam Madame Pomfrey resmungar que Quadribol ainda iria me matar?


Meneei a cabeça, sorrindo.


— Não mataram, mas te deixaram lesado.


— Não é bom você aparatar. Se você quiser, eu te levo de moto.


— Moto? Não sabia que você tinha uma.


— É nova.


— Eu vou levá-la, Black, não precisa se incomodar. — Olhei surpresa para Fabian. Eu havia me esquecido que ele estava parado ao meu lado. — Ariadne veio com o carro de Arktos, e uma vez que eu sei dirigi-lo, serei a companhia adequada. Além disso, se ela se sentir tonta na tua motocicleta, não seria nada agradável o que poderia acontecer.


— Não estou pedindo sua permissão, Prewett. — A voz de Sirius saiu tranquila, mas eu o conhecia bem. Ele não estava nada feliz com o fato de Fabian me acompanhar. No entanto, eu sabia que a alternativa de Fabian era melhor. Em todos os sentidos.


— Ele está certo, Sirius. Não posso deixar o carro aqui.


Sirius me encarou quieto, não gostando. Contudo ele não poderia me forçar a deixar o carro para trás - e, de quebra, também Fabian -, e eu sabia que ele não faria isso. Meneando a cabeça e desacreditando no que eu havia dito, afastou-se.


Fabian e eu deixamos a casa dos Potter no momento em que os Aurores chegavam para fazerem seu trabalho de “limpeza”.


O trajeto até minha casa foi silencioso. Preferi assim, pois não estava com humor para conversar. Além disso, logo comecei a me lembrar da briga que eu tivera com Lily, em sua cozinha, quando ainda pensávamos que o dia de Natal seria celebrado com alegrias, e não com mais medo. Eu sabia que ela apenas desabafara, e não havia tentado jogar suas frustrações em mim ou algo assim. Contudo, suas palavras martelaram em minha cabeça a tarde toda, e após o ataque dos Comensais da Morte, tendo a atenção e preocupação de Sirius em mim, senti que, por mais que eu relutasse, Lily tinha razão.


Eu havia preferido fugir e deixar a felicidade para trás em vez de lutar pelo que eu amava. Claro que eu sabia, também, que deixar Sirius de fora da minha batalha contra Sebastian não era uma opção irrelevante. Eu estava tirando mais um homicida de sua vida, pois ter Voldemort e Comensais da Morte caçando-o de tempos em tempos já era o bastante. E eu tinha absoluta convicção de que, se eu envolvesse Sirius em meus problemas, Sebastian o caçaria. Faria o que prometeu dois anos atrás.


Suspirei, passando a mão no rosto. O cansaço que eu sentia de tudo isso me deixava doente.


— Está se sentindo bem?


— Sim. Só cansada.


— Já estamos chegando.


E de fato estávamos. Ironicamente, pensar em meus problemas fazia o tempo passar rápido. Fabian estacionou o carro do lado de fora e logo saiu para me ajudar, embora não precisasse.


— Eu não estou inválida, sabe? — Ele sorriu. — Obrigada, Fabian.


— Eu não vou embora. — Fabian cruzou os braços e seu sorriso aumentou. — Por acaso acha que vou te deixar sozinha, sendo que você deveria ter ido ao Saint Mungus?


— Já disse que estou bem.


— A Marlene foi bem explícita quando disse que você deve ficar sob observação. Ariadne, concussão é uma coisa séria, sabia? — Abri a boca para argumentar, mas ele não permitiu. — Ou você me deixa entrar e cuidar de você ou te mando para o hospital. A escolha é sua.


— Isso é ridículo.


— Não. Ridículo é você querer ficar sozinha, sendo que precisa de cuidados — Fabian falou sério.


Eu não precisava deixar Fabian entrar, e caso ele tentasse, o feitiço de proteção não permitiria. Contudo, eu também gostaria de conversar com ele sobre o fato de ter um traidor na Ordem da Fênix.


— Entre — falei, dando de ombros.


— Eu sabia que você faria uma escolha apropriada, embora não a certa, que seria você passar a noite no hospital.


— Prefiro ficar em casa. — Assim que Fabian entrou atrás de mim, fechei a porta. — Eu vou trocar de roupa. Pode ficar a vontade.


— Obrigado.


Subir a escada fez o machucado na perna doer e suspirei aliviada assim que os degraus acabaram. Mckinnon o havia fechado, mas a lesão ainda existia.


Assim que cheguei ao meu quarto, fui até o espelho para verificar o galo em minha testa, porém ele não estava muito grande. Troquei de roupa o mais rápido que consegui, colocando um abrigo confortável e voltei para a sala, encontrando-a vazia.


— Fabian?


— Aqui! — Sua voz veio da cozinha.


— O que você está fazendo? — perguntei quando o vi mexendo nos armários.


— Chá. Uma boa xícara antes de dormir e amanhã você estará nova. Ao menos é o que minha irmã sempre diz — ele sorriu e retirou duas canecas. — Você gosta com leite?


— Apenas um pouco.


Ele serviu as duas canecas e eu peguei o vidro de mel que estava no balcão, adoçando o chá que ele me dera.


— Está bom.


— Sou um exímio cozinheiro.


Ri de seu tom orgulhoso e explicitamente fingido. Recostei-me no balcão, bebericando o chá. Quando a caneca estava na metade, finalmente quebrei o silêncio.


— Como você acha que os encontraram?


Fabian franziu o cenho e deu de ombros antes de me responder:


— Não faço ideia. Eles estavam escondidos há mais de dois meses e, então...


— Você acha que alguém disse aos Comensais?


— Eles não descobririam sozinhos. Dumbledore foi bem categórico com os Potter, quando disse para eles ficarem escondidos. Pensei que aquela casa num bairro trouxa fosse o bastante.


— Eles também, pelo visto. — Bebi um pouco mais de chá.


— No que você está pensando? — Fabian me olhou, curioso e sério.


— Em quem pode ter dado a informação. — Eu o olhei. — Com certeza alguém está passando informação a Voldemort e seus Comensais.


— Mas, quem?


— É isso que temos que descobrir.


— Temos?


— A Lily me chamou, dois anos atrás, para fazer parte da Ordem da Fênix. Você também. Acho que está na hora de dizer sim a vocês.


— Então você acha que é alguém da Ordem?


— Quem mais poderia? Você me disse que a Ordem sabia da proteção da casa dos Potter. Eles estavam escondidos há meses, Fabian, e justamente quando recebem a primeira visita, os Comensais da Morte decidem aparecer. Não é coincidência. Não pode ser.


— E como você vai fazer para descobrir?


— Prestar atenção em todos. E manter a localização dos meus amigos a mais sigilosa possível.


— Como posso te ajudar com isso?


— É só me dizer quando terá a próxima reunião da Ordem da Fênix. Vou fazer parte dela para tentar descobrir quem está traindo meus amigos.


— Claro.


Coloquei a caneca na pia e respirei fundo. A dor na minha testa havia diminuído, mas o corpo continuava dolorido pela maldição de Bellatrix. Eu precisava dormir.


— Eu já vou dormir.


— Sim, você precisa descansar.


Subi até meu quarto com Fabian atrás. Ele ficou em pé na porta, parado, olhando-me enquanto eu me deitava. De certa maneira não achei tudo aquilo estranho. Ter alguém cuidando de mim era algo bom, e eu sentia falta dessa atenção e carinho. Ajeitei-me debaixo das cobertas e respirei fundo, quase um suspiro cansado, fechando os olhos.


— Boa noite, Fabian.


— Boa noite, Ariadne.


Antes que eu percebesse já adormecia.


Foi a claridade que entrava pela janela que me despertou no dia seguinte. Abri os olhos devagar e me remexi na cama, sentindo meu corpo bem melhor do que eu esperava. Sentei-me e passei as mãos pelo rosto, e a dor que senti ao pressionar, sem querer, o inchaço na minha testa me lembrou que eu não estava completamente inteira. Somente quando joguei as cobertas para o lado que vi Fabian.


Ele estava dormindo na poltrona em frente à minha cama, o cobertor que utilizara quase caindo no chão. Levantei devagar e silenciosa, cobrindo-o novamente. Pelo canto dos olhos vi que nevava, então fui até a janela. Eu sempre gostara de neve, pois ela me lembrava das guerras de bola que eu e Arktos travávamos, além dos imensos bonecos que gostávamos da montar. Sorri diante dessa lembrança. Intencionei afastar da janela e trocar de roupa, mas um vulto no portão chamou minha atenção. Um vulto que logo se transformou em alguém que eu conhecia. Sem acreditar no que eu via, verifiquei se Fabian ainda dormia, e assim que me certifiquei, fechei as cortinas e saí do quarto, fechando também a porta atrás de mim.


Desci rapidamente até a sala, abrindo a porta de uma vez, deixando meu visitante com a mão erguida pronta para bater.


— Dina, como voc-...


— O que você quer, Severus?


Minha agressividade o surpreendeu, no entanto sua reação durou pouco tempo.


— Soube do ataque. Vim aqui para saber como você está. — Seus olhos foram para o inchaço em minha testa. — Quem fez isso?


— Uma amiga sua, tenha certeza — retorqui com sarcasmo. — Ela não te contou como foi legal me torturar?


— Torturar? Quem fez isso?


— E de que adianta lhe contar, Severus? Você vai fazer alguma coisa? Claro que não, pois você está do lado dele!


— Dina, eu...


— Não! — Interrompi antes que ele prolongasse com sua defesa sem sentido. — Você está ao lado de Voldemort, um homicida que quer meus amigos mortos! Que quer matar inocentes simplesmente por não terem o sangue puro! O que ele faria com você, Severus, se descobrisse que seu pai é um trouxa? Ou ele sabe? Deve ser por isso que você atacou teu pai nas férias do sétimo ano, e não por uma briga idiota. Você estava se provando para o seu amado mestre.


— Chega!  — Ele se irritou, abrindo a porta e entrando na sala. — Não vou ficar ouvindo esse monte de porcaria. Eu vim aqui para ver como você estava, se tinha se recuperado. Soube do ataque aos Potter sim, mas como eu poderia saber que você estava no meio? Até onde eu sabia, você estava viajando com aquele seu primo. Não em Londres. Não na casa deles!


— E o que mudaria se você soubesse de mim, Severus? Iria ao meu socorro?


— Iria sim! Eu nunca permitiria que alguém lhe machucasse, Ariadne. Entenda isso!


— É difícil entender, sabe? É difícil ter alguém que eu amo do lado errado dessa guerra, pronto para matar quem quer que apareça só porque tem pais trouxas.


Severus não disse nada, apenas ficou me olhando. Eu percebia a batalha que havia dentro dele. Sabia que ele nunca me machucaria, que dirá permitir que alguém me torturasse. Como ele soube do ataque aos Potter e de minha presença na casa deles, não me importava. Na realidade, a presença de Severus em minha casa apenas aumentava minha angústia e impotência.


— O que você quer, Severus? — exigi.


— Eu queria saber como você está.


— Estou muito bem.


— Que bom...


— Mais alguma coisa?


— Quero que você tome cuidado. Não visite os Potter, não fique perto de ninguém da Ordem da Fênix.


— É um pouco tarde para isso. Ontem mesmo decidi me juntar à Ordem — respondi friamente. — Mais alguma coisa?


Novamente ele apenas me olhou, talvez lutando para decidir o que dizer em seguida. Mas eu não queria conversa.


— Apenas vá embora, Severus — disse, cansada. — Fabian está aqui em casa. Se ele o vir, com certeza o prenderá.


— Fabian?


— Prewett. Um amigo. Ele cuidou de mim, ontem, me vigiando caso eu tivesse alguma concussão — apontei o inchaço na testa. — Não que eu lhe deva alguma explicação.


— Entendo.


Severus virou-se para ir embora, no entanto eu o chamei depois que ele deu alguns passos. Ele parou, olhando-me.


— Eu sei que seu mestre tem alguém na Ordem da Fênix. E vou descobrir quem é.


Sem dizer nada, meu primo voltou a caminhar em direção ao portão, saindo de minhas vistas rapidamente.


Os dias seguintes que se passaram foram monótonos. Eu ficava em casa a maior parte do tempo, esperando uma carta de Lily que nunca chegava. Eu queria muito saber como minha amiga estava, se estava tudo bem na casa de Clair, porém eu não recebia nenhuma notícia. Eu apenas conversava com Fabian, que sempre me mandava cartas, querendo saber como eu estava, se queria me encontrar com ele para ir ao Caldeirão Furado. No entanto, minhas respostas continuavam as mesmas: era perigoso demais ir ao Beco Diagonal. Ter Voldemort e Sebastian podendo aparecer do nada era um risco que eu não estava muito disposta a correr à toa.


Duas semanas depois, recebi notícias de Fabian sobre a próxima reunião da Ordem da Fênix. Ele me dera instruções para aparatar em um bairro trouxa ao sul de Londres, um lugar afastado e pobre, e que o esperasse na esquina de um botequim velho com letreiros queimados. Identifiquei o lugar facilmente. Ele estava fechado, com um guarda do lado de fora protegendo a única porta que servia como entrada e saída. Fabian me encontrou logo, pois já me esperava.


— Que lugar é esse?


— Um bar qualquer. Não é aqui que nos encontraremos. Venha comigo.


Fabian colocou a mão em minhas costas, guiando-me dois quarteirões de onde estávamos. Paramos em frente a uma casa que parecia prestes a cair. Fabian olhou para os lados e então pegou minha mão, levando-me para dentro dela. Logo percebi que a aparência do lugar era um feitiço muito bem feito. Assim que passamos pela porta aparentemente quebrada, mas que abriu perfeitamente bem, o lugar mudou por completo.


Havia uma sala de tamanho médio, com sofás e mancebos. À frente tinha uma escada que levava para o segundo andar e à direita tinha uma cozinha, de onde era possível ouvir algumas vozes.


— De quem é esse lugar?


— Era da família de uma tia distante da Jones. Sarah Jones. Ela estudou em Hogwarts na mesma época que eu, mas era da Hufflepuff. Ninguém ligará essa casa à Ordem.


— Acabou com o tour, Prewett? — Um homem baixo e de aspecto severo havia saído da cozinha e sua voz era quase um rosnado. Ele me era estranhamente familiar, mas não me lembrava de onde. — Vocês são os últimos a chegar.


— Estamos indo, Moody. Ele é um dos chefes do Departamento de Aurores — Fabian cochichou para mim enquanto íamos até a porta que levava ao cômodo do lado —, treinamento em campo. Osso duro.  


— Nada simpático, isso sim.


Fabian apenas sorriu e abriu a porta para me deixar passar. A cozinha era grande, e abrigava uma imensa mesa com dezesseis lugares. Havia duas cadeiras sobrando, onde fomos nos sentar. Para meu incômodo, elas ficaram em frente a Sirius. Seus olhos pareciam me condenar enquanto Fabian puxava a cadeira, gentilmente, para eu me sentar.


— Seja bem-vinda, Ariadne — disse Remus, ao lado dele. Eu sorri.


— Sim, temos uma nova integrante — falou Dumbledore, à ponta da mesa. Ele me olhava com carinho e até orgulhoso. — Quero apresentar-lhes Ariadne Lakerdos, uma ex-aluna de Hogwarts.


— Lakerdos? — Olhei para Moody. — O que você era do Arktos Lakerdos?


— Irmã.


— Claro. A semelhança é grande. Sinto muito pela sua perda.


— Obrigada — falei, desconfortável. Era como se as condolências de Moody fossem inadequadas, ou até ditas como convenção social, não por real sentimento. Mas preferi deixar essa sensação de lado.


Dumbledore começara a falar sobre o motivo de estarmos ali.


Era de conhecimento geral dos membros da Ordem que Voldemort estava atrás dos Potter. Contudo, desde o ataque que houvera no Natal, eles estavam novamente escondidos. Dumbledore não entrara em detalhes do esconderijo, e ninguém o questionou. Foi dito, também, que os últimos ataques começaram a envolver lobisomens, alguns gigantes e dementadores, o que provocou a revolta e assombro de alguns, enquanto outros não se mostravam inteiramente surpresos.


A sensação que eu tive, enquanto ouvia as notícias de Dumbledore, era como se uma sombra fria nos envolvesse, tirando-nos a coragem pouco a pouco, percebendo o quão longe Voldemort chegara com sua onda de terror. Famílias desfeitas, bruxos em desespero, trouxas sem entender o que acontecia. Uma guerra que envolvia todos, mesmo os que nunca ouviram falar ou sequer acreditavam em magia.


Dumbledore pedira para Remus tentar descobrir alguma coisa entre os lobisomens - todos ali na Ordem sabiam de sua situação, e ninguém parecia duvidar de sua lealdade. Quanto aos que trabalhavam no Ministério, o diretor pediu que continuassem de olho em quem estava ali infiltrado a mando de Voldemort. E ao restante, que tomassem conta de seus vizinhos trouxas, e a cada sinal de problema, que enviassem um Patrono pedindo ajuda.


Algumas horas depois, todos já iam embora. As pessoas saíam aos pares ou trios, a fim de que a casa não chamasse atenção aos poucos transeuntes daquele bairro. Demorei um pouco mais, conversando com Remus e Clair. Eu queria saber como estavam meus amigos.


— Eles estão bem, na medida do possível — Clair falou.


— Diga a Lily que quero vê-la logo.


— Pode deixar. Vamos, Remus?


— Claro.


— Vou com vocês — Pettigrew, que estava conversando com Sirius, despediu-se do amigo e se juntou ao casal. — Nos vemos por aí, Lakerdos.


— Claro...


— Vamos em seguida? — Fabian me chamou, entregando meu casaco.


— Obrigada. Eu acho que...


— Você me acompanha, Sirius? — Marlene Mckinnon havia entrado na sala, sorrindo para Sirius. Notei que ele me olhou de esguelha enquanto passava por mim e Fabian, acompanhando sua colega gryffindor. A mão desnecessariamente nas costas dela. Voltei meus olhos para Fabian e sorri.


— Vamos.


Claro que eu sabia que agir defensivamente, porém também de maneira ofensiva, não era a melhor jogada. Mas eu não permitiria que Sirius saísse ganhando aquela situação. Não enquanto ele sabia que, tudo o que eu vinha fazendo para nos manter longe, era para que ele ficasse seguro. Entretanto, mesmo assim permiti que Fabian me acompanhasse até em casa, esbarrasse vez ou outra sua mão na minha enquanto caminhávamos e dei a liberdade necessária para ele entender que eu queria algo diferente. Assim que chegamos no portão de minha casa, lembrei da vez que ele me beijou depois da festa de aniversário de um de seus sobrinhos. Eu sabia que ele tentaria algo. Suas cartas durante aqueles dias, seu cuidado e atenção para comigo faziam parte da estratégia que eu via que ele traçava cuidadosamente.


— Tem uma danceteria trouxa bem legal, no centro — ele disse de repente. — O que acha de dançar, amanhã?


— Eu não sei...


— É trouxa, e é seguro, também. E com tantos eletrônicos num mesmo lugar, se houver magia, saberemos. A energia trouxa oscila quando há magia, sabe?


— Lembro de algo assim, na escola.


— Amanhã, às oito horas da noite? Jantamos e depois vamos dançar.


Estava tudo errado, eu sabia. Mas Sirius continuara a vida dele, mesmo dizendo que me amava. Não que sua reação às minhas opções fossem injustas, também... Contudo, ali estava Fabian, fazendo de tudo para me conquistar, enquanto Sirius decidira levar Marlene Mckinnon em casa em vez de estar ali comigo. Eu estava sendo egoísta, infantil e burra. Mas outra parte de mim praticamente gritava para manter Fabian perto, e era uma sensação tão estranha quanto forte. E, como era também a mais cômoda, ouvi essa outra parte.


Portanto, concordei em me encontrar com Fabian no dia seguinte e, quando nos despedimos, permiti que ele me desse um leve beijo nos lábios.


— Até amanhã, Ariadne.

Compartilhe!

anúncio

Comentários (0)

Não há comentários. Seja o primeiro!
Você precisa estar logado para comentar. Faça Login.