Perturbações




Capítulo 05


 


Perturbações


 


O mês de fevereiro passou rápido, o contrário do que estava acontecendo com a primeira semana de março. O que a fazia passar vagarosamente, entretanto, não era a monotonia, e sim o tanto de trabalho que os professores resolveram passar. Preparação para as provas, eles diziam. Contudo a semana não foi tão ruim como poderia.


Paul mostrou-se incrivelmente empenhado em “estudar a situação”, como ele mesmo dissera. Combinamos que não seria nada oficial, o que quer que tivéssemos, mas nossa súbita amizade colorida fez a língua de alguns alunos soltar-se absurdamente. Só que isso era algo normal, em se tratando de Hogwarts. Era incrivelmente fácil ver olhares curiosos seguidos de cochichos quando estávamos juntos. Louise ainda era a que mais verbalizava a dúvida de alguns:


— Eu não entendo. Vocês estão juntos, mas não estão namorando?


— Não.


— Como assim?


Dei de ombros.


— Algo como você e Etan. Estamos nos conhecendo. E não estamos juntos propriamente dizendo. Se estivéssemos juntos mesmo, estaríamos juntos o tempo todo. Entendeu? – Nem eu entendi direito minha explicação. Mas Louise pareceu me entender.


— O que eu entendi é que o Paul é pior que uma Lesmalenta.


— Ele não é tão destrutivo quanto parece – ri de Louise.


Minha amiga rolou os olhos.


— Não é do veneno que estou falando, queridinha, pois quanto a isso você, com certeza, tem proteção. – Ela não se importou com minha indignação. – Estou falando da velocidade dele em tomar alguma atitude. Muito devagar.


Realmente Louise não se conformara, e quase todos os dias me perguntava se Paul e eu havíamos evoluído em alguma coisa. A resposta era sempre a mesma.


Lily e Clair também agiam quase da mesma maneira. Porém elas eram mais contidas, limitando-se à discrição de um olhar quando Paul se aproximava. Mas nem sempre um olhar era o bastante, principalmente depois que março começou e o garoto parou de ser tão lerdo quanto uma Lesmalenta.


— Eu juro que não entendo vocês dois, Ari – Lily disse um dia quando caminhávamos para a segunda aula, Defesa Contra as Artes das Trevas.


— Estivemos levantando uma teoria, sabe? – Clair falou, sorrindo para mim. – De que você não nos conta tudo o que vocês decidem e que estão namorando sim, mas você não fala, porque isso seria admitir que gosta dele.


— Eu não estou mentindo! E qual o problema de eu gostar de alguém? – Me assustava mais o fato de minhas amigas me rotularem como insensível, do que mentirosa.


— Sua autossuficiência ficaria abalada – Clair esclareceu.


— E você, consequentemente, ficaria mais tolerante e – Lily fingiu limpar o canto da boca – menos venenosa.


— Eu não sou venenosa! – ri das duas. – Apenas digo o que penso abertamente e não fico cheia de dengos. Não gosto de frescuras.


— E quanto a ser autossuficiente? – Lily perguntou.


— Eu apenas me garanto – dei de ombros. Elas riram.


— Quanta prepotência.


— Não se esqueça da arrogância, Clair.


Não consegui me segurar e acabei rindo também. Eu honestamente não me importava que minhas amigas me chamassem de arrogante. Às vezes eu agia dessa maneira mesmo, então por que me zangar? Além disso, apesar de todos os meus defeitos, elas gostavam de mim como eu era, por isso, para que mudar? E olha a arrogância de novo...


De todos os meus amigos, quem se afastara totalmente fora Severus. Na verdade, desde que eu decidira sair com Paul que ele parecia não querer falar comigo, e tudo piorou depois da visita a Hogsmeade.


Nós sempre nos sentávamos juntos nas aulas que fazíamos juntos. Entretanto, na semana passada, assim que eu colocara minha mochila em cima da mesa, ele me expulsara como se eu fosse um verme-cego. Aquilo me magoou e desde então eu me recusara a sequer me aproximar para esclarecer o que se passava com meu primo. Portanto, eu passei a me sentar com Paul. Então não foi surpresa vê-lo à porta da sala de aula, me esperando.


— Olha seu namoradinho te esperando – Lily zombou.


— Não é namorado, Lily, é o Qualquer-Coisa.


— Qualquer-Coisa? – Virei-me para Clair. – A teoria de vocês foi tão longe assim?


— Não, eu inventei isso agora. – Clair sorriu para mim, apreciando minha cara de espanto. – Enquanto ele não for seu namorado, será o Qualquer-Coisa.


— Por todos os deuses... Definitivamente, Clair? Hoje você se esqueceu de tomar seu remédio.


Clair apenas abanou a mão, despedindo-se de mim, e entrou na sala de aula, com Lily rindo logo atrás.


— Maluca – resmunguei.


— Quem é maluca? – Paul perguntou. Ele já estava ao meu lado.


— Clair. Sabe como ela vai te chamar, enquanto a gente não tem nada oficial? De Qualquer-Coisa.


Para minha surpresa, Paul gargalhou.


— Interessante – ele disse por fim. Havíamos entrado na sala, e como o Prof. Donne ainda permanecia de costas para nós, nos demos a liberdade de ficar um de frente para o outro. – Por que não “rolo”, ou até “namorado”?


— Não me pergunte como a cabeça da Clair funciona, Paul. Eu já cansei de tentar descobrir o que há por baixo daqueles cachos.


— Mas eu ainda quero descobrir o que há por baixo desses cachos. – Ele levou a mão aos meus cabelos quando falou. Meus cachos nem se comparavam com os de Clair. Os dela eram perfeitos macarrõezinhos, cheios, em um loiro maravilhoso que causava inveja em muitas garotas. Os meus eram um ondulado que só ficava bonito se eu trançasse meus cabelos à noite; eu não tinha muita paciência para isso.


Assim que levei minha mão à de Paul a fim de tirá-la dos meus cabelos – aquela intimidade me constrangia na frente de tanta gente –, o Prof. Donne pigarreou. Bem na nossa frente.


— Desculpe se incomodo o namorico do casal – ele falou com aquela voz suave que me causava calafrios –, mas eu preciso começar minha aula. Posso, Srta. Lakerdos, Sr. Johnson?


Paul respondeu “Desculpe, professor”, mas eu fiz um aceno com a cabeça, tentando não mostrar como aquele homem me irritava enquanto me assustava. Eu não sabia como Dumbledore permitira que o irmão gêmeo de Doloro de Lara desse aula para nós. Pois o Prof. Donne realmente parecia aquele bruxo sombrio e desagradável da história de Nesbit.


— Eu não sou contra namoros, senhores – o professor falou, virando-se para a classe –, a questão é que eles raramente os ajudam a se defender contra as Artes das Trevas.


— Droga – Paul murmurou ao meu lado.


Eu pensei no mesmo xingamento. No entanto, eu ainda tinha a esperança de que o professor nos esquecesse e não nos tomasse como exemplo para tudo o que fosse explicar naquela aula. Essa era uma das piores qualidades do Prof. Donne: quando ele se irritava com algum aluno, ele era tratado como Cristo na cruz. E não havia escapatória. Se o aluno ficasse quieto a aula toda, ainda conseguia fugir de uma detenção; isso era uma coisa rara.


— Hoje iremos estudar Dementadores. Se vocês abrirem os livros na página 435, verão como se defender desses seres. – Ele esperou que todos abrissem os livros para continuar. – E se repararem bem, verão que namorico, passar mãos nos cabelos, ou qualquer afeto, não irá repelir essas criaturas.


Certo. Minha esperança se fora.


— Claro que um Dementador irá te beijar. – Ele riu com ironia. – Mas não será um beijo apaixonado, garanto a vocês. Na verdade, ele irá sugar sua alma.


Eu abaixei meu rosto, encarando o livro. Se começasse a lê-lo, fingindo que o que o professor falava era apenas uma ladainha imprestável, talvez conseguisse engolir meu temperamento e não pegar uma detenção por responder a um professor.


— Por isso, repito: não será passando a mão no cabelo de sua namoradinha, nem a olhando com cara de Lesmalenta, e muito menos fingindo que está concentrado em um livro que vocês conseguirão lutar contra um Dementador.


— Me responda uma coisa, professor. – Ótimo. Minha língua não conseguira ficar dentro de minha boca. Eu até conseguia vislumbrar minha detenção. – Por favor.


— Pois sim, Srta. Lakerdos.


— Quais sentimentos são necessários para se produzir um Patrono?


Paul sussurrou meu nome, em aviso. Assim como ele, o Prof. Donne sabia onde eu queria chegar. Os olhos dele brilhando de raiva e seu sorriso sardônico o denunciavam.


— Antes de qualquer sentimento, Srta. Lakerdos, e isso também serve para todos vocês, classe... É necessário capacidade para produzir tal feitiço. Se vocês tiverem sorte, nunca toparão com um Dementador. – O sarcasmo dele era intragável. Tive que morder o interior de minha boca para não dizer que muitos ali tinham muito mais competência do que esse projeto de de Lara. – Mas caso algum cruze o seu caminho, uma fumaça será o bastante para colocá-lo longe o bastante para vocês fugirem com uma desaparatação. Apenas bruxos do nível de aurores conseguem produzir um patrono corpóreo.


Ele deu uma pausa e caminhou até sua mesa, recostando-se nela e nos encarando. Respirou fundo e continuou a falar.


— Mas, respondendo à sua pergunta, Srta. Lakerdos – e lá estava a voz suave novamente. – Além da capacidade e inteligência, você deve recorrer a uma lembrança, preferivelmente, que o deixou feliz, com esperança.


— Ou seja – concluí –, você deve se lembrar de seus namoricos, certo? Dos momentos que passou com alguém que gosta, que passou a mão nos seus cabelos, que te olhou como se fosse uma Lesmalenta. Além, claro, da teoria que conseguiu absorver dos livros. É isso, professor?


Sim, eu cavara minha própria sepultura. E o professor estava prestes a me enterrar viva.


— Nenhum casinho será forte o bastante, Srta. Lakerdos. Se quiser depender de namoricos, aconselho que vá mais fundo em sua relação.


Senti meu rosto transformar-se em brasa. O que aquele idiota estava falando?! Era eu quem tinha dezesseis anos, não ele! Ele devia ser o amadurecido na sala de aula.


— Enquanto isso – ele continuou –, é melhor que se concentrem no aprendizado. Copiem o que estou passando no quadro-negro.


Eu não consegui ver aquelas costas viradas para mim, enquanto sabia que o sorriso sardônico continuava nos lábios daquele professor intragável. E nessas horas eu queria muito, muito mesmo, que meu temperamento fosse igual ao do Arktos. Ou fosse tão inteligente quanto Lily para conter meu temperamento.


— Me diz, professor. O senhor consegue produzir um patrono corpóreo?


O Prof. Donne virou-se para mim, achando graça da minha pergunta.


— Claro, Srta. Lakerdos.


Com um aceno da varinha, um ouriço translúcido correu pela sala até desaparecer pela porta.


— Satisfeita?


— Sim, professor – respondei com uma voz angelical. – Ao menos temos a certeza de sua inteira capacidade e inteligência. – E para um bom entendedor, meia palavra sempre bastava. Por isso, poucos alunos conseguiram segurar o riso. Foi a vez do rosto do professor parecer brasa.


Tratei de copiar o que estava no quadro-negro quando uma voz ao fundo da sala fez-se ouvir.


— Prof. Donne? Tenho uma dúvida.


— Sim, Sr. Black?


Sorri. Era admirável o controle na voz do professor. Eu tinha certeza que o que o deixava calmo era ele pensar nas formas de detenção que me daria, ao fim da aula. Pois eu sabia que não escaparia impune do que fizera.


— O senhor disse sobre o beijo do Dementador. O que acontece com a mente da pessoa?


— Fica vazia. O corpo fica vazio. Como pode um ser humano viver sem alma, Sr. Black? Perde todo o sentimento, toda a vontade de viver. Todas as lembranças. Bondosa seria a pessoa que desse fim à vida de alguém que foi beijado por um Dementador, pois sem a alma que lhe foi sugada, o corpo é apenas um trapo velho.


— Hum... E o senhor sabe disso como? – eu ouvi o tom de riso na voz do Black. O idiota queria ganhar uma detenção por quê? – Alguém mandou algum relatório para o senhor ou teve alguma experiência no assunto?


Dessa vez ninguém riu. A provocação gratuita de Sirius Black era incompreensível. E para o Prof. Donne, inadmissível.


— Há relatos de pessoas que estudaram o caso, Sr. Black. Por isso sabe-se tanto. E o que o senhor também precisa saber, é que fará companhia para a Srta. Lakerdos na detenção que os darei. E para não perdermos mais tempo inutilmente, falo com ambos ao fim da aula. Agora, copiem o que há no quadro-negro.


Eu não entendia absolutamente nada do que acontecera nesse último minuto. Por que cargas d’água Sirius Black fizera essa graça? Certo que não era a primeira detenção que ele pegava – assim como não era a minha primeira vez também –, mas provocar um professor sem motivação? OK, eu também poderia ter ficado quieta, só que segurar meu temperamento era algo que eu apenas conseguiria com o tempo; talvez com terapia. Portanto, só tinha uma explicação para o que o Black fizera: ele era completamente idiota.


Ao fim da aula, o Prof. Donne esperou que todos deixassem a sala antes de se dirigir a nós. Paul, Lily e Clair me desejaram boa sorte, mas eu também vi o olhar de Lily dizendo que eu poderia ter poupado tudo o que se passaria a seguir.


— Você tinha que deixá-lo irritado, não é?


Olhei surpresa quando Sirius Black ficou ao meu lado e me dirigiu a palavra parecendo irritado e ofendido. Realmente o cara era louco.


— Eu não pedi para você provocá-lo – respondi secamente.


— Mas eu tinha essa piada esperando desde que ele começou a falar sobre Dementadores. Não deixaria que a atenção ficasse toda em você e no seu namoradinho.


— Paul não é meu namorado.


— Verdade?


— Verdade. Mas nem sei por que estou te falando isso.


— Vai ver você se importa com o que penso.


Ergui as sobrancelhas e contive o riso que queria escapar. Se eu risse naquele momento, talvez minha detenção piorasse. Olhei para o Black e o vi sorrindo para mim, arrogante.


— Você é maluco, só pode.


— Você não faz nem ideia.


— Aproximem-se, vocês dois.


O professor nos chamando fez com que eu me esquecesse das provocações de Sirius Black. Aquele maluco não era nada com a bomba que, com certeza, cairia em nossas cabeças naquele momento. O Sr. Donne não perdoava em suas provocações durante as aulas quando se irritava com um aluno, e conseguia ser cruel em seus sermões. O Prof. Dumbledore devia estar esclerosado por aceitar aquele ser pestilento em sua escola. Ou, simplesmente, muito desesperado.


Suspirei só de pensar que passaria horas em detenção com Sirius Black. Deus devia me odiar.


— Em primeiro lugar, Srta. Lakerdos, não tolerarei mais suas atitudes mal-criadas em sala de aula. Você ter sido criada por um irmão que permitia tudo, mimando-a com uma babá incompetente, não justifica sua falta de educação e respeito para com os outros. Tenho certeza que seus pais estão se revirando no túmulo por presenciarem tamanha deseducação e petulância. Devem é estar muito frustrados por não conseguirem viver o bastante para educá-la como merecia. Ou, quem sabe, estão muito felizes por não presenciarem tudo isso em vida.


Senti meu rosto transformar-se em brasa mais uma vez. Por mais que Arktos e Elizabeth fossem uma família maravilhosa para mim, eu sentia muita falta dos meus pais, mesmo não me lembrando deles em absoluto. E o Prof. Donne sabia disso. Ele mandara uma carta para Arktos falando de meu mau comportamento, e meu irmão respondera que eu ser arredia era apenas um meio de que ninguém visse como eu era afetada pela falta dos meus pais. Como essa ausência me machucava. Meu irmão achava que estava me ajudando quando disse isso.


E eu estava pagando muito caro pelo meu temperamento ruim.


Minha vontade era sair dali, principalmente por sentir meus olhos arderem. Eu via a boca do professor se mexer, mas não escutava nada do que ele dizia ao Black.


— A detenção de vocês será amanhã à noite – ouvi ao longe. – Procurem Madame Pince às sete horas da noite. Eu já a avisei com o patrono que conjurei, mais cedo na aula. Tenho certeza que empilhar livros fará vocês pensarem melhor nesses atos rebeldes sem causa de adolescentes. Agora vão.


Virei automaticamente, não conseguindo enxergar nada à minha frente. A raiva me borbulhava, assim como a mágoa. E meus olhos ardiam cada vez mais pelos dois motivos. Contudo, senti uma mão segurar meu braço. Olhei para Black, sem entender. Por que ele me segurava e encarava o professor como se... Merlin! Eu podia jurar que ele tremia de raiva. Será que o sermão que o professor dera a ele fora tão ruim assim e ele queria uma testemunha de que o assassinato fora por pura defesa?


Chacoalhei a cabeça. Eu estava ficando louca. Certo que a ferocidade no olhar de Black me deixou inquieta, mas a postura dele me assustava mais ainda. Ele em nada parecia o adolescente imbecil de minutos atrás, e sim um homem que estava prestes a defender alguma coisa muito seriamente. E eu notei, quando ele falou, que quem ele iria defender seria eu.


— Professor, eu acho que o senhor se esqueceu de uma coisa.


Olhei para o Prof. Donne, que erguera os olhos surpresos para seu aluno. Ele também se admirou com a expressão de Black.


— O que eu esqueci, Sr. Black? Creio que já os repreendi e falei de suas detenções.


— O senhor se esqueceu de pedir desculpas para Ariadne. O fato de Ariadne e eu sermos indisciplinados em sua aula não lhe dá o direito de ser cruel, e citar os pais de Ariadne daquela maneira foi um golpe baixo.


Por que ele dizia meu nome daquela maneira? E várias vezes? Aquela discussão me parecia tão surreal que eu não conseguia dizer ou fazer nada


— Mas ela ter crescido sem a figura de um pai e de uma mãe a deixou dessa maneira. Eu não menti, Sr. Black.


— Ah, sim, esqueci que o senhor é um especialista. Logo se vê. Eu não sou filho de chocadeira, Prof. Donne, e fui tão insolente quando Ariadne.


Vi que Black passara dos limites. Ele desafiara o professor logo depois de provocá-lo na frente da sala toda. Ele queria piorar a própria situação, só podia!


— Eu não vou admitir que um adolescente que acha possuir o rei na barriga interfira em minha metodologia. Saiam os dois da minha sala. Agora! E se tiverem alguma reclamação, o lugar de encaminhá-la é na diretoria.


— Talvez seja interessante procurarmos o Prof. Dumbledore, mesmo. Aposto que ele não aprova a sua metodologia, professor.


— Não precisamos da intervenção do diretor. – A sensação de surrealismo havia sumido. Era eu quem deveria estar sendo arrogante, exigindo não ser destratada por um professor idiota; Black não tinha nada que estar me defendendo. – Caso lhe interesse, Prof. Donne, eu tive uma boa educação. A questão é que eu apenas a uso com quem merece. Agora, com licença, pois estamos nos retirando de sua sala como o senhor pediu.


Dessa vez fui eu quem agarrou o braço do Black, mas para arrastá-lo porta afora. Quando o soltei, no corredor, ele segurou minha mão novamente.


— Você deveria contar ao Dumbledore o que ele fez, Ariadne.


Aquela mão apertando a minha, mais ele dizer meu nome com tanta intimidade, foi o estopim para eu explodir toda a raiva e mágoa que me atormentou na sala daquele professor odioso. Nem me dei conta que meus olhos estavam cheios de lágrimas.


— Primeiro de tudo: não me chame de Ariadne. Não sou sua amiga, Black, para você ter esse tipo de intimidade. E isso nos leva à segunda coisa: eu não preciso de um defensor. Você não é ninguém para se meter em minha vida ou interferir em como as pessoas devem ou não me tratar.


Não ter conseguido reagir imediatamente aos ataques do Prof. Donne fora um absurdo para mim. Agora, eu jogava toda a minha raiva na única pessoa que não merecia nada disso. Mas eu não gostava de Sirius Black. Eu o odiava por ele ser um biltre arrogante que sempre humilhava meu primo. Então não me importei com a expressão ofendida que ele me dirigia e nem com minha injustiça.


— Certo. Desculpe por ser legal com você – ele respondeu sarcasticamente.


— Não preciso que ninguém seja legal comigo. Não preciso que você seja legal comigo!


— Verdade, me esqueci como você é autossuficiente – ele zombou.


Ótimo! Mais uma vez minha autossuficiência sendo tópico de conversa.


— Vá para o inferno, Black.


Virei para ir embora para a terceira aula, mas, pela terceira vez, senti a mão dele me segurar.


— Escute aqui, Senhorita O-Que-Eu-Faço-É-Tudo-Certo-E-Ninguém-Tem-Nada-A-Ver-Com-A-Minha-Vida. Eu não te defendi esperando aprovação, e muito menos para te deixar irritada feito uma louca que nem sequer sabe o significado da palavra “obrigado”.


— Eu sei o que signifi-


— A questão é que eu percebi como você ficou quando ele falou dos seus pais – ele me cortou, enfurecido. Não podia culpá-lo. Às vezes eu não entendia como eu conseguia ser tão grosseira e mal-agradecida com as pessoas que se importavam comigo; elas sendo minhas amigas ou não. – Mesmo você querendo se posar de forte, eu vi que isso te abalou. Não sou seu amigo, é verdade, mas não poderia ficar quieto com uma idiotice daquelas!


— Você não me conhece, Black, então como poderia saber o que me abala ou não? – Essa foi a melhor desculpa que consegui dar. Não colou. Na verdade, pareceu deixá-lo mais zangado ainda.


Ainda me segurando pelo braço, Black deu um passo à frente. Embora minha mente dissesse que ele estava prestes a me bater por ser uma imbecil completa – e por todos os deuses, admitir que eu estava agindo feito uma imbecil era tão ruim quanto ser defendida por Sirius Black –, não desfiz minha expressão irritada e arrogante e muito menos me afastei.


— Eu não sou cego – ele falou sério. – Além disso, não te conheci hoje, Lakerdos, então sei muito bem como você é. Não tenho culpa por ser um bom observador.


— Você... Você esteve me espionando?


— E se estiver? – ele retorquiu, petulante, e dando um meio sorriso. Toda a raiva que ele me dirigira anteriormente sumira. Mas eu não gostei nada dessa nova expressão. – Garanto que não é nada ruim te observar. – Não estava gostando mesmo!


Raiva e ultraje tomaram conta de mim. Como se não bastasse perseguir meu primo, agora eles estavam me espionando. E, ainda por cima, parecia que o Black continuava com isso, já que ele não falou “E se estivesse”, mas “E se estiver”. Com um safanão, me livrei da mão que ainda segurava meu braço e dei um passo para trás.


— Deixe-me em paz – disse entre os dentes. Apontei-lhe o dedo acusatoriamente e quase cuspi as palavras seguintes. – E diga ao Potter que já é insano ele correr atrás da Lily, que dirá agora ele e você também me perseguirem como fazem com meu primo.


Os olhos dele me fitaram com descrença.


— James não está te observando e muito menos te perseguindo. Quem te observa sou eu.


— Então deixe você de agir de maneira doentia!


Dessa vez consegui ser eficaz em minha saída. Estava quase a virar o corredor, quando Black me chamou novamente, gritando meu primeiro nome. Me segurei para não arrancar a varinha de minhas vestes e lançar um feitiço no meio daquela cara.


— Vai se jogar no lago, Sirius Black!


— Talvez depois de cumprirmos a detenção amanhã, Ariadne, quando vou ter oportunidade de te observar um pouco mais – ele gritou de volta, o riso notável em seu tom de voz.


Quando virei para trás, minha mão indo em direção à varinha, não o encontrei mais.


O resto do dia eu passei como se estivesse privada de qualquer sentimento; limitava-me a dar como resposta apenas um monossílabo. Se eu falasse coisas demais, tinha certeza que desabafaria tudo o que me atormentava às minhas amigas. Elas perceberam e me deixaram em paz. Paul também.


Eu não queria mostrar como o sermão do Prof. Donne mais a discussão com Sirius Black me afetara. O primeiro por falar aquelas coisas sobre meus pais. Eu não suportava quando Arktos falava deles, quando se decepcionava comigo, que dirá uma pessoa que não é nada minha! Já a discussão com Black me afetara porque ele dissera verdades em minha cara que ninguém tivera coragem de falar antes.


Falar que eu era arrogante e não dava a mínima para o que as pessoas faziam para mim e por mim era algo que eu não queria aceitar. Eu não era fácil, isso era verdade. E minha prepotência já me deixara remoendo meu remorso várias vezes. Contudo, ouvir todas essas verdades do Black, que era alguém que eu não suportava, fazia com que todas as minhas ações parecessem piores.


Quando fiquei sozinha, cumprindo minhas obrigações de monitora, não consegui refrear meus pensamentos, e logo o sermão daquele professor me inundava a cabeça novamente.


Outros professores já haviam me dito, em seus momentos de irritação, que eu era muito petulante e mandariam uma coruja para Arktos, já que ele era meu responsável. Entretanto, eu sempre dizia que não seria mal-criada novamente, e tudo se resolvia. Mas ter que lidar duas vezes por semana com o Prof. Donne era mais do que eu suportava.


Quando Arktos respondeu ao professor, enviou uma carta para mim também. O sermão dele fez com que eu repensasse muitas coisas; eu li o sermão palavra por palavra e minhas atitudes melhoraram com os professores. Além disso, conviver com Lily e Clair também me ajudou. O fato de Lily seguir regras e, por isso mesmo, ser mais justa, além da constante companhia da delicada educação de Clair fez com que eu aprendesse muito. Todavia, quando eu me sentia pressionada ou injustiçada, meu lado arrogante e um pouco grosseiro vinha à tona. Essa era minha defesa. E às vezes me arrependia de utilizá-la.


Olhando por aquele corredor gelado de Hogwarts, a dor que sempre sentia por ter crescido sem meus pais começou a me consumir. Minha garganta e meus olhos arderam. No entanto, não me permiti chorar. Tudo isso era por culpa daquele professor detestável! Ele que se explodisse. O Donne até poderia sonhar comigo chorando pelo que ele me dissera, mas a realidade seria outra. Olhei para meu relógio e suspirei de alívio. Poderia dar meia volta e correr para o aconchego da minha cama. E amanhã acordaria tão bem como acontecera hoje.


Quando acordei no dia seguinte, entretanto, percebi que havia alguma coisa errada. As cortinas da minha cama haviam sumido, assim como as camas de minhas companheiras de dormitório. Procurei minha varinha embaixo de meu travesseiro, onde seu sempre guardava, mas ela também havia sumido. Levantei-me devagar e acendi o abajur ao lado de minha cama. Aquele não era meu quarto. Definitivamente.


O cômodo onde eu estava era todo de pedras negras, algumas levemente acinzentadas – com certeza pelo tempo. A cama era grande, como de casal, e tinha um lençol de seda branco com quatro travesseiros em um conjunto de cobertores combinando.


Franzi o cenho, me perguntando como vim parar aqui. Ao que me lembrava, depois de terminar minha ronda, entrei no meu quarto e já me enfiei na cama tão logo troquei a roupa. Instintivamente olhei para baixo, verificando se ainda vestia meu pijama, e confirmei. Ao menos uma coisa estava certa. Decidi sair daquele quarto para tentar descobrir alguma coisa.


Enquanto saía do quarto, levantei a hipótese de como havia chegado àquele lugar, porém era difícil até mesmo de responder às perguntas simples. Onde eu estava? Quem tinha me tirado de Hogwarts? E onde estava a pessoa que havia feito isso?


Essa última pergunta fiz mais de uma vez, pois, à medida em que eu andava por corredores acarpetados, não via ninguém. Era como se eu estivesse sozinha naquele lugar.


Andei mais, virando inúmeros corredores de portas trancadas, sem, contudo, encontrar alguém. Até que, depois do que me pareceram agonizantes quinze minutos, ouvi sussurros. Primeiramente não entendi o que diziam, então distingui meu nome. Parei de andar e olhei para trás, assustada, mas nada vi.


Os sussurros continuavam cada vez mais altos e inteligíveis, pedindo às vezes para eu ficar onde estava ou ir aonde quer que a voz estivesse. É claro que eu fui na direção contrária. À medida em que andava, cada vez mais rápido, meu medo crescia com a proximidade da voz. E meu medo aumentou mais ainda por eu começar a reconhecer aquele lugar. Eu sabia que ali era perigoso, que era onde eu morreria caso não conseguisse sair. Era ali que meus pais foram assassinados.


Talvez fosse meu pânico crescendo, me consumindo, mas eu visualizei alguém se movendo no corredor perpendicular ao que eu estava. Estaquei no corredor para depois começar a recuar, receando o que quer que fosse encontrar. Contudo, algo me impelia a andar, e eu sabia que era a voz que antes sussurrava meu nome.


Quando alcancei a esquina do corredor, parecia que meu coração sairia pela boca. Eu não queria olhar o que me esperava, pois eu sabia que não iria gostar. Mas a voz dizia que eu precisava olhar. Dei um passo à frente, porém, sem me conter, fechei os olhos tão logo percebi que, o que quer que me chamava, estava bem à minha frente.


Duas mãos então seguraram meus braços. Comecei a me debater, enlouquecida, sem coragem de abrir os olhos e ver quem tinha aquelas mãos frias que me seguravam, prendendo-me firmemente.


— Ariadne! – uma voz rouca e feminina me chamou. Reconheci aquela voz, embora não soubesse como.


Ao abrir os olhos, fixei-me em um rosto invisível pela escuridão; a única coisa que via era um par de olhos vermelhos. Debati-me violentamente, tentando me livrar, não querendo reconhecer aquele rosto que se mostrava gradativamente. Quando consegui, topei contra o corpo de um homem. Ele me virou de maneira agressiva. Eu esperava ver outro rosto invisível, mas de olhos vermelhos brilhantes; esperava reconhecer aquele rosto também. Contudo, foi um rosto pálido e sem sentimentos que eu vi, o qual portava um par de olhos roxos tão frios que minha impressão foi que meu coração parou de bater.


Eu gritei.


 


xxx


 


N/B Voltando a respirar... Mana eu amei esse capitulo, ele é tão tenso, a incerteza da relação com o Paul, a indiferença do Severo – Ciumento!! – Ser foco de atenção das más línguas... O Donne, nossa, me diz aonde eu encontro esse infeliz mal amado que eu vou lá dar uma lição nele. Como pode ser tão cruel. Aff e se tudo isso já não fosse mais que suficiente ainda tem esse sonhos que são tão perturbadores. Não é a toa Ariadne ter se comportado daquela maneira em “Encontro das trevas”. Só quem passa é que sabe. Mas então, tem a tensão dela com o Sirius, é claro que ela ainda não se deu conta do que é tudo o que ela sente, mas eu sei!!! Rsrsrs. Vixi empolguei. Liv, trabalho nenhum com esse capitulo, adorei, parabéns e muito obrigada!!


Beijos amo.


 


N/A: Olá! Como prometido, fanfic sem demoras a atualizar!


Espero que todos tenham gostado deste capítulo que foi, até agora, um dos mais difíceis de escrever. Primeiramente por causa da agressividade do professor Donne. Para um professor de Hogwarts, ele foi bem agressivo, mas aí me lembrei do Snape quando se tratava do Harry. A inspiração foi boa..hehe.. Embora eu odeie o Donne, mas não o Snape.


A comparação com Doloro de Lara, de Edith Nesbit, foi espontânea. Li o conto dessa autora há pouco tempo, e não consegui segurar os dedos enquanto digitava o capítulo e formulava a personalidade desse professor.


Assim como essa discussão também deu mostras da personalidade da Ari, a discussão dela com o Sirius mostrou mais do que ela ainda consegue enxergar.


Por isso que espero que tenham gostado.


Quanto ao sonho... Bem, para isso deverá ter lido “Harry Potter e o Encontro das Trevas”. Quem não leu, não se desespere, mas um suspense será inevitável.


Espero que tenham gostado!


Beijos a todos! Especialmente à minha querida beta Kelly!!! Te amo, querida!


Livinha.

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