Apenas "Sirius"



Capítulo 16


 


Apenas “Sirius”


 


Andei apressadamente pelo corredor, querendo chegar o mais rápido possível à enfermaria. Eu sentia o líquido em minhas costas tornar-se cada vez mais sólido, queimando minha pele. Suspirei entre aliviada e dorida quando passei pela porta da Enfermaria.


— Madame Pomfrey!


A curandeira saiu de um cortinado, fechando-o cuidadosamente atrás de si, e me encarou um pouco irritada.


— Oras, não precisa gritar. Está morrendo, por acaso?


— Não, afinal eu ainda preciso matar o idiota do Crabbe — retruquei com azedume.


Ela indicou-me a cama mais próxima, ao que eu sentei.


— Posso saber o que aconteceu?


Isso aconteceu — retorqui, mostrando minhas costas sujas pela poção.


— Todo esse escândalo por causa de uma poção que saiu errado?


— Você diz isso por não ser suas costas que estão queimando — resmunguei. — Dá para tirar isso logo, por favor?


— Vamos tirar sua camisa primeiro — ela me falou, cerrando as cortinas em volta de minha cama para depois auxiliar-me. Mexer as costas, um milímetro que fosse, fazia a dor aumentar. — Agora, deite-se de bruços.


Em poucos minutos com Madame Pomfrey fazendo seu trabalho, senti a sensação de queimadura diminuir, e então consegui relaxar o corpo. Minha mente, claro, começou a arquitetar o plano para revidar o que Crabbe havia feito.


Eu sabia que ele derramar poção mal-preparada em minhas costas fora proposital. Na noite passada, eu o tinha surpreendido fora do salão comunal após o horário permitido, o que lhe rendera hoje uma detenção com o simpático zelador Filch. Além disso, ele estar lendo um livro sobre Arte das Trevas havia feito sua detenção piorar – fora o extenso sermão do diretor Dumbledore.


Esqueci-me momentaneamente de Crabbe quando senti Madame Pomfrey derramar algo em minhas costas.


— O que é isso? — perguntei desconfiada, embora estivesse gostando da sensação de frescor.


— Um remédio. À base de Aloe vera, se você quer mesmo saber — ela emendou, me olhando. Voltei a relaxar na cama. — Logo você poderá se vestir, mas por enquanto permaneça deitada assim. Tenho que atender outro paciente.


— Quem está aqui?


Encarando-me, prestes a fechar o cortinado, Madame Pomfrey disse, seca:


— Cuide de suas costas, senhorita Lakerdos. Eu volto assim que for necessário.


Resmunguei alto. Suspirando, acomodei-me na cama, mas logo estava me contorcendo a fim de verificar como estavam minhas costas. Eu conseguia ver apenas uma pasta esverdeada, nada mais. Se ao fim de tudo eu ficasse com alguma marca, Crabbe se arrependeria de ter nascido.


Desistindo de tentar enxergar como o ferimento estava, tentei voltar a me concentrar no que faria àquele idiota. Contudo, uma conversa cochichada chamou minha atenção. Identifiquei a voz de Clair.


— Ele já está dormindo — a ouvi dizer.


— E você falou com ele? — Meu corpo enrijeceu ao reconhecer a outra voz.


— Não, Sirius — Clair falou, parecendo cansada e triste. — Eu não sei como dizer isso.


— Pode não parecer, mas o Remus é durão, Clair.


— O meu medo não é ele não aguentar o preconceito, mas ele confirmar e desistir de tudo.


Tentei ouvir algo mais, porém, ou eles tinham se calado ou diminuíram ainda mais as vozes.


— Ari? Você está aí?


Eu não sei como consegui fazer isso estando deitada, mas praticamente pulei na cama.


— Black, não ouse entrar aqui! Não estou em condições de ser vista por um garoto! — eu quase gritei. Ouvi o infeliz rir baixo do outro lado.


— Eu imagino. Não entro por respeito a você, embora eu tenha certeza que não será uma visão desagradável.


— Você fala isso porque não está com uma pasta gosmenta em suas costas — repliquei, sentindo minhas bochechas queimarem absurdamente.


— Mesmo assim. A gente se vê, Ari.


— Claro — respondi, sarcástica. Então me lembrei de algo. — Black? Black? — chamei novamente, pensando que ele não me ouvira.


— O que foi? Quer me ver?


— Em seus sonhos... — falei baixinho. Mais alto, continuei: — A Clair está aí, não está? Peça para ela vir aqui.


— Isso é uma ordem?


O tom de riso dele me fez semicerrar os olhos, irritada. Ele realmente tinha esse condão.


— Não, Black, é um pedido.


— Não me pareceu ser o tom de um pedido.


Por favor? — retorqui num falsete.


— Não acho que seja assim que se diga, Ari. Vamos, você consegue.


— Black, você tem muita sorte de eu não poder me levantar daqui, caso contrário já teria te dado uns tapas.


Ele riu.


— Sabe, só não lhe respondo com o que me veio à mente, porque, mesmo você não acreditando, eu te respeito. E dizer o que pensei me faria perder vários pontos com você.


— Se você me respeitasse como diz, nem sequer teria pensado nisso, seu grosseiro.


— Eu sinto respeito por você, Ariadne. Não disse que era santo.


— Como se eu fosse acreditar — resmunguei.


Senti todo meu sangue fugir quando ouvi o cortinado se abrindo.


— Sou eu — Clair disse, achando graça da minha reação. Ouvi o risinho que o Black deu.


Apenas movendo os lábios, pedi a ela que dissesse para Black ir embora. Clair ergueu as sobrancelhas, questionando meu motivo, ao que eu movi os lábios como se dissesse “anda logo”. Dando de ombros, ela fez o que eu pedi, para em seguida sentar-se em minha cama.


— Então, o que você quer?


Indiquei para fora do cortinado, ao que ela entendeu o que quis dizer. Revirando os olhos, Clair verificou se o Black havia ido mesmo embora.


— O Sirius já foi. O que você quer, Ari?


— O que está acontecendo?


Minha pergunta pareceu pegá-la de surpresa. No entanto, Clair entendeu o que eu quis dizer.


— Meus pais — falou, sentando-se ao meu lado. A voz dela era um suspiro triste.


— Aconteceu algo a eles?


— Não, não, nada disso. Eles... Eles me mandaram uma carta, semana passada.


— E?


— Eu devo terminar meus estudos nos Estados Unidos.


— Como assim, se estamos no último ano?


Clair não respondeu, porém seus olhos encheram-se de lágrimas que logo caíam por seu rosto.


— É por culpa de Voldemort? — perguntei depois de um tempo, ao que ela meneou a cabeça negativamente. — Então o que é?


— Remus. — Ela me encarou. — Eles descobriram que ele é um lobisomem.


— Mas... como? Como eles podem ter descoberto?


— É que eu sou uma idiota! — Clair desabafou, irritada consigo mesma. — Eu nunca deixo as cartas de Remus em casa. Pelo menos, não as que ele comenta sobre sua situação. Mas, uma que ele me mandou nas férias ficou esquecida no meu quarto. Minha mãe a encontrou quando foi arrumá-lo.


— E por que, raios, ela estava arrumando seu quarto em pleno outubro? — Clair me encarou; entendi seu olhar. — Certo, pergunta idiota. Desculpe.


Minha amiga suspirou.


— O que eu faço, Ari? Como vou dizer ao Remus que meus pais querem me ver longe dele? Eu... Eu amo Remus.


Eu não sabia como ajudar minha amiga nessa situação, então preferi o silêncio. Mas uma coisa eu devia dizer.


— Você deve dizer a ele, Clair. Não sei como, mas você precisa.


— Eu sei...


— Sinto muito.


Clair me deu um sorriso minguado. Seus olhos então se focaram em minhas costas.


— Está doendo?


— Não. O remédio que Madame Pomfrey passou em mim já está fazendo efeito. Na verdade, está um pouco gelado, mas um gelado gostoso.


Olhei para Clair quando ela não respondeu. Ela parecia concentrada em minhas costas. Eu iria perguntar se havia algo errado, mas ela logo interrompeu seu próprio silêncio.


— Você devia lhe dar uma chance.


— O quê?


— Sirius. — Ela me olhou. — Ele gosta de você, Ari.


— Eu gostaria de não falar sobre pessoas desagradáveis.


— E o que você fez foi injusto.


— Eu não fiz nada a Sirius... Black — emendei, flagrando-me em minha própria gafe. Preferi não olhar o sorriso de Clair.


— Eu não estava me referindo ao Sirius, e sim à Lily e James.


— É uma idiotice, isso sim. Eles juntos, quero dizer.


— E por que você acha isso?


— Ah, Clair, nós sabemos o quão insuportável o Potter é! A Lily vivia dizendo isso.


— Ele mudou. As pessoas amadurecem, Ari, e percebem que há certas coisas na vida que são irrelevantes. Agir feito um moleque é uma delas quando se tem uma guerra iminente.


— Agir feito homem agora não o abona em nada.


— Você irá culpar o James e o Sirius pelo resto da vida sobre as criancices que eles fizeram ao teu primo? Então, por que você não culpa teu primo pelo que ele anda fazendo agora?


— Ele não... — interrompi minha defesa a Severus. O olhar de Clair me desafiava, e eu sabia que não ganharia. Severus não tinha defesa, ao menos não através de antigos argumentos. Preferi não encará-la. — É complicado, Clair.


— Eu sei. Ele é seu primo. E Lily é sua amiga. Sua melhor amiga. Você deveria apoiá-la, e não rechaçá-la por estar gostando de alguém. Mesmo que você não goste deste alguém.


Eu sabia que Clair tinha razão. Ter sido grosseira com Lily fora uma reação exagerada, no entanto, eu me desesperei quando a vi com o Potter. Eu me via no mesmo caminho, contudo, não conseguia deixar o passado para trás. Estar gostando de Sirius era... Suspirei, frustrada, por não conseguir dizer apenas seu sobrenome. Era como se seu nome estivesse cravado em minha mente. Ele não era Sirius Black ou Black, era apenas Sirius.


Senti Clair levantar-se da cama. Gemi, num misto de raiva e frustração.


— Ari, o que foi? Está doendo?


— Por que você namora o Remus? — perguntei, encarando-a. Percebi que ela estranhou minha pergunta. — Ele é um lobisomem, Clair, e caso vocês se casem, não poderão ter filhos para que eles não corram o risco da maldição. Ele é inteligente, é verdade, e bonito também. Mas ele tem tantos defeitos, passivo demais em minha opinião, e seus pais não gostam dele!


— Ari, aonde você quer chegar? — Clair perguntou enquanto se sentava de novo.


— Como eu posso estar com uma pessoa que eu sempre disse que odiava? Que achava petulante, arrogante, idiota... Que vive pegando no pé do meu primo, que ficou enchendo minha paciência quando eu estava com Paul, me perseguindo...


— O James ficou te perseguindo?


— Claro que não! Não estou falando da Lily e do Potter, Clair.


— Oh... Certo.


— Isso é uma idiotice — falei, desanimando-me. — Nunca dará certo. Por mais que você diga que ele goste de mim. Não vai dar certo.


— Como você sabe?


— Simples! — retorqui frustrada. Na verdade, eu estava era em desespero. — Como eu posso ficar com Sirius? Ele é tão... Argh! Nem sei o que dizer! Ele é tudo que eu não quero! Ele é arrogante, e teimoso, e...


— Leal? — Clair me interrompeu.


— Como é? Leal onde? — perguntei descrente.


— Com Remus. E James, e Peter também. Ele é leal à amizade que tem com os três.


— Isso é o mínimo que ele deveria dar à amizade — falei, não querendo concordar com Clair. Mas ela não se intimidou pelas minhas palavras.


— Não se você vier de uma família cheia de preconceitos e preceitos de que o sangue puro é tudo no mundo bruxo. Sirius não é leal a Remus, ao seu segredo, por ser uma obrigação de amigo; é leal porque o Sirius assim o é, por ele gostar, respeitar e admirar o Remus apesar de tudo o que os outros possam pensar ou dizer. E eu o amo também por isso, por ele ser uma pessoa maravilhosa.


— Você ama o Sirius?


— Eu quis dizer o Remus — ela sorriu, percebendo também sua incoerência nas palavras.


Eu respirei fundo, afundando meu rosto no travesseiro.


— Eu não sei o que fazer — falei, a voz abafada. Olhei então para minha amiga. — E Severus me mataria.


— Ele terá que lidar com isso.


— Eu sei o que vocês pensam do Severus, mas ele é minha família. E a felicidade do meu primo também é a minha, Clair.


— Eu sei. E ele tem que entender isso, assim como você de que, se você continuar afastada do Sirius, não vai viver o que está sentindo por ele. E, Ari... É tão bom amar, namorar a pessoa que gostamos — Clair sorriu para mim, como se explicasse uma coisa óbvia e maravilhosa ao mesmo tempo. Eu não duvidava de minha amiga. Mas queria muito.


— Eu não sei o que sinto por Sirius, Clair. Não sei mesmo — falei, mais sincera do que eu realmente imaginava. — E ainda não sei se estou preparada para isso.


— Pelo menos pense no que eu te disse.


— Eu vou pensar. Obrigada, Clair.


Clair sorriu e se levantou. Quando abriu o cortinado, hesitou por alguns segundos, para então me olhar novamente.


— Lembre-se que o primeiro passo você já deu: parou de chamá-lo de Black.


Revirei os olhos quando vi seu enorme sorriso.


Deixei a enfermaria no fim do dia, praticamente à hora do jantar. Meu caminho até o salão principal foi despercebido, uma vez que eu ainda pensava na conversa que tivera com Clair. Em um ponto, minha amiga estava completamente certa: eu não devia ter brigado com Lily. E lhe devia desculpas.


O salão principal já estava cheio, mas não havia sinal dela. Não precisei esperá-la à porta por muito tempo. Ela vinha de mãos dadas com o Potter, juntamente de Clair, Pettigrew e Sirius. Fiz uma careta ao notar que voltar a chamá-lo de Black não seria fácil.


Cruzei os braços e esperei que eles se aproximassem. Lily parou a poucos passos de mim, como o resto. 


— Podemos conversar?


— Por quê? — Potter adiantou-se, arrogante. — Você tem algo mais a nos dizer?


— Eu quero conversar com minha amiga, Potter. E gostaria que vocês nos dessem licença — falei sem me alterar. Eu devia isso a Lily.


— Então deixaremos vocês conversarem — Clair interveio. Olhei agradecida para ela.


Somente quando vi que estávamos sozinhas, interrompi o silêncio.


— Você sabe que eu não sou boa em pedir desculpas, não é? — falei, tentando quebrar a dureza do olhar de Lily. Não funcionou muito bem. Suspirei sentindo certo desânimo. Os olhares duros de Lily nunca antes foram direcionados a mim. — Eu fui uma idiota — disse por fim. Pensei que ficaria incomodada em confessar esse pensamento, no entanto me senti mais aliviada. Talvez a semana que fiquei sem conversar com Lily tenha me mostrado o quanto nossa amizade era importante para mim. Mas para dizer o resto que ainda estava em minha mente, preferi não encará-la diretamente. — Você tem todo o direito de viver sua vida com quem você quiser, e eu não tinha o direito de dar aquele chilique. Foi infantilidade e egoísmo. Me desculpe, Lily.


— Por mais que você não se simpatize com James — ela disse, chamando minha atenção —, não entendi toda aquela reação, Ari. Certo que eu pensei que você surtaria, mas não tão exageradamente.


— É que você nunca o suportou, Lily. O que te fez mudar?


— Eu não mudei. Ele mudou.


— Eu não acho que ele tenha mudado tanto assim... Certo que a morte do pai o fez acordar para a vida, o deixou mais amadurecido e...


Lily pareceu um pouco sem graça.


— O que foi?


— Quando estávamos indo embora, ao fim do sexto ano, o James veio conversar comigo. Assim que eu saí da cabine para você conversar com seu primo — ela esclareceu —, o James me chamou. Ele estava no mesmo vagão.


— Posso saber o que vocês conversaram?


— Basicamente, ele me pediu desculpas por ter agido feito idiota todos esses anos. E que iria mostrar que tinha mudado. Que eu merecia que ele mudasse.


— Então ele ter assumido ser idiota foi a primeira vez que você notou que ele “mudou”?


— Não sei, acho que sim — Lily deu de ombros. — E não diga “mudou” tão cética, Ari. Ele está diferente sim.


— É, talvez... — concordei, mas ainda sem muita convicção. Claro que eu havia notado a mudança no jeito de James Potter. Mas, mudar tanto em tão pouco tempo? Para mim, ele ainda continuava a ser um idiota. Bem, talvez não tão idiota assim... — Quando você percebeu? Quero dizer, que você gostava dele?


— Talvez nas visitas que eu fiz a ele, no verão.


— Você o visitou no verão? — perguntei, realmente surpresa.


— Sim. Eu fui ao funeral do pai dele e o James me pediu para que lhe fizesse companhia. Não consegui dizer não e... Bom, depois a gente deu uma volta e conversamos, e ele me fez prometer que o visitaria. E de novo, não consegui dizer não.


— E nessas visitas, vocês... — retorqui, querendo que Lily completasse meu pensamento.


— Em uma dessas visitas, nos beijamos. — Ela sorriu. — Não foi planejado, sabe? Acho que nem ele esperava isso.


— Como se ele nunca tivesse te beijado, não é?


— Foi diferente, Ari — Lily suspirou, o que me deixou frustrada. — Foi calmo, foi quente, foi... Foi maravilhoso. Eu nunca pensei que James pudesse beijar assim. Que eu pudesse beijar assim.


— Sabe que, colocando dessa maneira, minha raiva já não tem sentido algum?


Preferi encarar os jardins através de uma janela. Encarar Lily me parecia que eu estava prestes a encarar a mim mesma. Ela riu de minha reação.


— Ari, às vezes o que achamos de alguém é a mais pura verdade. Porém, será que essa pessoa não pode mudar? Não pode amadurecer, se tornar alguém confiável?


Sorri para Lily, embora sem entusiasmo.


— Fico feliz em saber que você o acha confiável, Lily. Mas será que ele merece essa confiança?


— Merece. E não apenas o James merece essa confiança. E você sabe o que quero dizer.


— Ótimo, virei o assunto da conversa — retorqui aborrecida. — Por acaso Clair te contou alguma coisa?


Lily sorriu e deu de ombros. Para ela, isso era um “sim”.


— Não precisa se irritar. Só saiba, Ari, que ele também mudou.


A conversa com Lily rendeu mais do que eu esperava. Nosso relacionamento voltou ao normal, no entanto, tal conversa também me fez pensar em algo que eu estava muito relutante: Sirius Black.


Eu ainda não conseguia diagnosticar totalmente o que eu sentia por ele. Sabia que vê-lo andar despreocupado pelos corredores e olhar e sorrir para mim me fazia corar, mas também me deixava irritada. Que o fato de ele insinuar vir em minha direção me deixava nervosa, com vontade de sair correndo ou simplesmente deixar acontecer. No entanto, sempre que minha mente queria me forçar a deixar acontecer, a imagem de Severus aparecia como se me censurasse.


Tentei falar com meu primo nos dias que correram. Mas uma semana havia se passado e ele continuava a fingir que eu não existia. Por isso que, quando acordei no fim de semana, não estava com clima de visitar Hogsmeade.


— Você vai. — A ordem de Louise foi tão firme que eu a olhei espantada. — É o primeiro fim de semana que vamos ao povoado. É o fim de semana do Dia das Bruxas. Vai estar ótimo!


— E você vai me forçar? — perguntei, rindo.


— Se for preciso.


Admirada, vi Louise segurar a varinha despreocupadamente.


— Certo, quem é você e o que fez com minha amiga?


— Digamos que andar com Etan me fez perceber meu real poder de persuasão.


— Eu não vou fazer o que você quer em troca de beijos, Lou.


— Vá para o inferno, Ari — ela retrucou quase indiferente, o que me fez rir. — Ande logo, que eu tenho certeza que o dia será maravilhoso!


Tamanha empolgação de Louise acabou me convencendo, e logo eu estava na carruagem.


Depois que cheguei a Hogsmeade foi fácil me esquecer de Severus. Fui com Louise e Etan até a Dedosdemel religiosamente; na época de Dia das Bruxas os doces eram maravilhosos! Ficamos quase uma hora lá. Louise era louca por doces.


Preferi ficar com ela e Etan àquele tarde, pois me pareceu a melhor opção. Certo que eu estava sobrando, no entanto, entre eles a Lily, Clair, seus respectivos namorados e o que vinha de brinde, Louise e Etan ainda ganhavam. 


— Você vai acabar engordando com tantos doces, isso sim — a provoquei, recebendo uma careta como resposta.


— Ah, pode ficar tranqüila, Ariadne. Metade desses doces será dividida comigo — Etan completou.


— Você vai ter que fazer por merecer, se realmente quiser esses doces.


— Ah, mas isso não é problema.


Eles pararam, mas eu continuei andando. Uma coisa era eu sobrar enquanto conversávamos; outra, bem diferente, era ficar ali perto enquanto eles se beijavam.


— Virou especialista em segurar vela?


Oscilei meu passo apenas um pouco, no entanto não parei de andar.


— O que você quer, Black?


— Nada de mais — ele retorquiu, soando indiferente. Olhei-o de esguelha e notei que ele parecia despreocupado com as mãos enfiadas nos bolsos da calça. — Ou tem alguma lei que nos proíba de conversar?


— Não há lei. Só o bom senso.


— Eu não acho que bom senso tenha algo a ver com isso. E não vejo mal algum em conversarmos.


Olhei-o desconfiada.


— Você não pode conversar com seus amigos?


— James está ocupado com Lily, assim como Remus com Clair. Até Peter tem alguém hoje para se ocupar. Portanto, resolvi me ocupar com você — ele concluiu, sorrindo para mim.


Rolei os olhos, um pouco aborrecida. Falei sarcástica:


— Então hoje é meu dia de sorte.


— Claro que é! Não é todo dia que eu me ocupo em te salvar.


— E de quê você está me salvando?               


— Deles — ele respondeu, indicando o casal que estava atrás de nós. Ou melhor, estava, pois quando me virei para olhar, Louise e Etan haviam sumido. Ótimo.


— Eu não preciso que você seja meu herói, Black.


— Às vezes eu penso isso mesmo, com tantos escudos e pedras que você tem em seu poder.


— Isso é o que se espera quando se tem tantos trasgos nos rondando.


Ele riu com meu comentário. Francamente, eu não sabia por que Sirius ainda insistia com tudo isso. Ele não poderia me deixar em paz? Deixar-me sozinha com minhas dúvidas para que elas sumissem assim como as sensações estranhas que eu estava sentindo naquele momento?


— Black, por que... Por que você... — Olhei para trás. Algo me dizia que alguém nos observava, porém não consegui ver ninguém.


— Por que eu o quê? — ele perguntou, chamando minha atenção. Eu continuaria procurando se Sirius não tivesse virado meu rosto para olhá-lo. — Ari, o que foi?


Tirei a mão dele do meu rosto e olhei novamente para trás. Minha nuca pinicava e eu sentia meu coração começar a bater mais forte, como um prenúncio de adrenalina.


— Tem alguma... alguma coisa. — Apertei meus olhos, tentando focalizar melhor qualquer coisa.


— Onde?


— Não sei. Quero dizer... nessa floresta.


— Ari, não há nada aqui. É na floresta de Hogwarts que tem criaturas perigosas, não nesse bosque. O único problema de Hogsmeade é a Casa dos Gritos, esqueceu?


— Olhe direito, Sirius. Preste atenção. Você não está sentindo algo estranho?


— Na verdade, estou sim. Mas acho que é porque você me chamou de Sirius.


Desliguei-me do bosque por completo. Ainda de costas, percebi que não havia soltado a mão dele desde que a havia retirado de meu rosto. Notei também que meu rosto começava a esquentar e meu coração bater mais rápido do que antes quando sua outra mão pousou em minha cintura.


A quem eu queria enganar? Havia algo sim entre nós dois. Eu não sentiria meu corpo formigar à toa; no entanto, eu ainda não conseguia ter certeza de meus reais sentimentos por Sirius.


— Ari...


— Não faça isso — supliquei num murmúrio quando ele me chamou, seus lábios quase tocando minha orelha.


— Por quê? — Sirius perguntou, não sendo mais apenas sua mão em minha cintura, mas sim seu braço.


— Não sei. Só não faça, por favor.


— Por que você não admite, Ari? Admita que sente algo por mim.


— Eu não posso. Eu não sei o que sinto por você, eu...


— Você?


A estranha sensação havia voltado, e agora com mais força, a tal ponto que eu não conseguia ignorá-la. Retirando o braço de Sirius de minha cintura, afastei-me alguns passos dele em direção ao bosque. Havia alguma coisa ali sim, eu sentia. Minha intuição passou para certeza quando vi um vulto movimentar-se sorrateiro.


— Ari...


— Tem alguém ali — falei, minha voz cheia de certeza. — Black, olhe com atenção.


— Ah, não, voltamos ao Black de novo? — ele reclamou.


— Deixe de ser criança e olhe. — Puxei-o para onde eu estava e apontei na direção que havia visto o vulto. — Bem ali.


— Eu não vejo ninguém.


— Olhe direito.


Ficamos alguns segundos em silêncio, encarando o bosque.


— Ari, eu não estou vendo coisa alguma.


— Mas tinha algo ali. Eu não estou louca e... — Agindo por instinto, como se tivesse ouvido um alerta em minha mente, derrubei Sirius no chão, caindo junto com ele. A confusão em seu rosto durou pouquíssimo tempo, pois logo o choque o atingiu quando um raio de luz vermelho chocou-se com um dos bancos que havia ali perto.


— Comensais da Morte — ele falou com um tom de surpresa em sua voz. Virando-me pude ver do que ele falava: havia uma pessoa perto de nós, apontando-nos a varinha. Antes que outra maldição nos atingisse, alguém surgira em nossa frente, duelando com o comensal. Era Remus.


Rapidamente nos erguemos, ao mesmo tempo em que gritos eram ouvidos.


— São Comensais! É um ataque! — Clair disse, embora não fosse necessário.


— Mas... por quê? — perguntei, minha mente ainda não associando a situação.


— Não interessa, Ari — Clair disse, e com autoridade, completou: —, apenas pegue sua varinha e se defenda!


A ordem de Clair foi o bastante para me despertar. Eu nunca havia visto um ataque de Comensais da Morte antes; eles costumavam agir na surdina da noite, não permitindo ninguém se defender. Além disso, o máximo que eu havia duelado era na escola, onde Magia Negra não era permitida, muito menos matar seu oponente.


Porém, eu não deveria pensar nisso. Na verdade, nem sequer conseguiria, pois quando outro Comensal juntou-se ao que atacara a mim e Sirius, tivemos que ajudar Remus.


Eles eram rápidos e não tinham piedade. Os gritos pelo vilarejo eram ouvidos e eu temia que um desses gritos tivessem sido dados por Louise ou Lily. Será que elas estavam bem?


Percebendo que ali, sem proteção, éramos alvos fáceis, corremos para perto das lojas, onde poderíamos nos defender melhor.


— Cadê a Clair e o Remus? — perguntei um pouco aflita quando apenas eu e Sirius nos escondemos dentro da Dedosdemel.


— Eles estavam bem atrás de mim e...


O casal entrou na loja, interrompendo Sirius.


— Você sabe de Lily, Clair? Ou Louise?


— A Lily está com o James, eu os vi no Três Vassouras. Mas não sei de Louise.


— Eles estão bem, Ari, não se preocupe. — Olhei para Sirius quando ele apertou minha mão, tentando me acalmar. A conversa que tive com Lily, no início da semana, pareceu me pressionar ainda mais. “Será que essa pessoa não pode mudar? Não pode amadurecer, se tornar alguém confiável?”. Consegui sorrir, sua confiança também me alcançando.


Sem soltar minha mão, ele virou para conversar com Remus. Olhei para o lado de fora enquanto os escutava.


— Não podemos ficar escondidos aqui, Remus. Temos que fazer algo — ele disse.


— Temos que ver se há alguém aqui na loja que está disposto a ir lá fora. Mas não podemos pressionar ninguém.


— Tem gente chegando — falei, percebendo pessoas correndo pelas ruas, porém correndo para duelar com os Comensais. Reconheci-os de imediato. Era aurores. E tão logo percebi-os, também vi meu irmão. — Arktos!


Soltei a mão de Sirius e corri para fora. Eu não deixaria meu irmão duelar sozinho.


— Ariadne!


O grito de Clair não me fez olhar para trás, contudo chamou a atenção de Arktos, distraindo-o. Isso permitiu que um feitiço atingisse-lhe o braço, cortando-o. Alcancei meu irmão e usei um feitiço escudo quando o comensal lançou-nos outro feitiço.


— Dina, volte para dentro da loja agora! — Arktos ordenou enquanto se restabelecia.


— Não mesmo.


— Droga.


Não ficamos sozinhos por muito tempo. Depois do susto, muitos bruxos adultos que estavam no vilarejo e alunos de Hogwarts que não queria ficar apenas olhando juntaram-se aos aurores, o que começou a ser ruim para os Comensais da Morte.


Eu só consegui notar que Dumbledore havia chegado com Hagrid minutos depois, quando o som de aparatação pode ser ouvido frequentemente. O último comensal que aparatou ainda teve tempo de mandar um recado para o diretor antes de sumir, e como ele estava próximo de mim e de Arktos, pude ouvi-lo:


— O Lorde das Trevas está pronto, Dumbledore. Esse é apenas um recado de que sairemos das sombras.


Depois que ele aparatou, ainda ficamos atentos, não querendo nenhuma surpresa. Aos poucos, porém, a tensão foi diminuindo. Olhei para os lados e vi que Sirius estava ao meu lado.


— Vou procurar por James e Lily — ele falou.


— Louise e Etan! — lembrei-me. Intentei sair dali, mas Arktos segurou-me pelo pulso.


— Dina, preciso conversar com você.


— Ark, eu preciso...


— Agora. — A voz dele, firme, me fez hesitar.


— Tudo bem, Ari, eu procuro seus amigos — Sirius disse, afastando-se rapidamente.


— O que você quer falar comigo?


— Por que você não ficou na loja? Quer morrer, por acaso? — Notei que a firmeza em sua voz era apenas uma tentativa de segurar a raiva que sentia.


— Por que eu deveria ficar lá, sendo que você estava lutando? Eu nunca o deixaria sozinho, Ark! — falei, indignada.


— Eu não preciso de sua ajuda, entendeu? — ele quase gritou, chamando atenção de algumas pessoas que passavam por ali.


— Então eu não devo ajudar meu irmão, é isso? — falei, tentando não demonstrar a raiva e tristeza que sentia naquele momento. Não consegui muito. — Achei que fôssemos uma família.


— Dina, eu... — Arktos suspirou e passou a mão pelo rosto de maneira cansada. Eu sabia que ele não dissera aquilo por mal, mas mesmo assim me magoara. — Meu dever é te proteger, não o contrário!


— Nosso dever é proteger um ao outro, Arktos. E foi isso que fiz.


— Eu sei, Dina. Me desculpe. Mas é que... Vê-la aqui, brigando contra os Comensais da Morte de Voldemort, me fez lembrar de...daquele dia.


Eu soube de imediato do que ele falava: o dia em que nossos pais foram assassinados.


— Bem, eu não pretendo morrer tão cedo, sabe? — Tentei passar um pouco de animação para tirar a tensão que ele sentia. Ao menos Arktos sorriu um pouco. Mas logo a preocupação voltava ao seu semblante. — O que foi?


Ele pareceu um pouco relutante para me dizer o que se passava em sua mente. Eu conhecia meu irmão; algo o preocupava.


— Arktos, o que...


— Ei, Lakerdos.


Juntos, viramos para a direção da voz, porém era meu irmão quem chamavam.


— Eu tenho que ir, Ari, depois conversamos.


— Depois quando?


— Eu vou até a escola. Agora, é melhor você ir também. Não há nada mais por aqui.


Vi Arktos se afastar em direção a outro auror. Porém, em vez de ir para Hogwarts, fui procurar por meus amigos.


 


xxx


 


N/A: Primeira semana de ano novo pede capítulo novo! Espero que todos tenham gostado!


Agradeço aos que favoritaram a fic e que ainda a acompanham.


Beijos para todos.


FELIZ 2012!


Até o próximo capítulo com mais beijos. =D


Livinha.

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