Uma loucura ou a sabedoria de



Capítulo 18

Uma loucura ou a sabedoria de um tolo?




De todas as teorias que eu havia levantado, ficar às escondidas com Sirius não foi o fim do mundo. Claro que eu ainda considerava isso uma loucura e tinha praticamente certeza que logo tudo estaria acabado. Era questão de tempo até eu entender o que se passava comigo e dar um basta.

No entanto, cada vez que eu me encontrava com Sirius, eu sentia uma grande ansiedade mista a um medo que eu não sabia de onde vinha. Ao menos, não exatamente. Era algo que me deixava sempre tensa, tanto nos últimos minutos antes de encontrá-lo quanto nos primeiros que eu passava com ele. Talvez o fato de estarmos nessa loucura há uma semana fosse o motivo de tanta tensão.

E era essa exata tensão que eu sentia, voando sobre o campo de quadribol, pois, ao mesmo tempo em que Parkinson indicava o fim do treino, eu avistava Sirius encostado nas arquibancadas. Por ser o batedor da Casa dele, logicamente ele conhecia os horários de treinos. Quando finalmente desci para o campo, meu coração já disparava: ansiedade e temor.

— O jogo contra Hufflepuff será no primeiro sábado de dezembro. Quero todos concentrados! — Parkinson falou enquanto caminhávamos para fora do campo.

Retardei meu passo, demorando um pouco mais que os outros a deixá-lo.

— Ariadne? Posso conversar com você?

— Claro, Paul. Algum problema?

— Bem... — Ele olhou em volta e fez uma careta. Olhei na mesma direção e percebi que Sirius parecia confortável demais em nos olhar de longe. — Podemos ir ao vestiário? Não quero ninguém ouvindo.

Hesitei por alguns segundos, mas dei de ombros em seguida.

— Tudo bem.

Paul fechou a porta, cuidadoso, quando entramos. Ele parecia tenso. Ri intimamente, notando a ironia.

— Então... O que você quer conversar?

— Certo...ahm... Como foi seu verão?

Pela minha expressão, ele deve ter notado que aquela conversa para mim era, no mínimo, estranha. Vi as bochechas de Paul corarem.

— Paul...?

— Eu queria ter conversado com você antes. Quero dizer, assim que voltamos de férias. Na verdade, eu queria ter tido essa conversa no verão, uma vez que não foi difícil descobrir onde você morava, pois seu irmão é auror e eu tenho um tio que trabalha no Ministério, então foi só fazer algumas perguntas e pronto: descobri onde era a residência dos Lakerdos.

Eu nunca ouvira Paul falar tão rapidamente. Ele aproximou-se de mim, a passos ágeis, e segurou minhas mãos. Uma vez que eu não esperava por isso, não tive reação imediata, nem mesmo quando ouvi o baque estridente da minha vassoura no chão.

— Foi uma idiotice como terminamos. Bem, eu acho que eu fui um idiota, te pressionando daquela maneira porque o Black te agarrou à força. A gente tinha acabado de começar um namoro, e você não era obrigada a me amar.

— Paul — comecei, percebendo aonde aquela conversa chegaria. E não estava gostando. Tentei livrar-me de suas mãos, mas ele segurou mais forte.

— Eu senti saudade, Ariadne. De verdade. E pensei que... Que tal se a gente tentasse de novo?

— Por que isso agora? — Consegui soltar-me dele. — Paul, a gente não dava certo antes e não daria agora.

— E como você pode ter tanta certeza?

— Eu apenas tenho!

Minha voz saiu mais dura do que eu gostaria, no entanto não me arrependi, embora Paul tenha se mostrado desanimado com minha rejeição.

— Você está saindo com alguém? — ele perguntou um pouco relutante. — Está gostando de alguém?

— Não é isso.

— Então é o quê?

— Não dá, entendeu? Eu não gosto de você e sei que nunca vou gostar. Não do jeito que você quer.

— Nossa... Direto ao ponto, não?

Ele olhou para os próprios pés. Suspirei, frustrada.

— Certo... Ahm... Eu já vou indo.

Quando Paul fechou a porta atrás de si, bufei, soltando o resto da minha frustração. Era só aquilo que me faltava! Olhei para o chão, procurando minha vassoura. Agachei-me para pegá-la quase ao mesmo tempo em que ouvi a porta do vestiário abrir-se novamente. Gemi, um pouco aborrecida, pensando que Paul havia retornado.

— O que... Ah, é você — completei aliviada.

— Esperava outra pessoa?

— Pensei que fosse Paul. — Vi Sirius trancar a porta do vestiário. Minha tensão voltou com força total. Disfarçando-a, continuei, enquanto sentava-me no banco: — Ele acabou de sair daqui.

— Oh, sim, eu ouvi a conversa de vocês. Você foi bem cruel, sabia? Falando daquele jeito, tão direta. Senti até pena do coitado do Johnson.

— Ele vai sobreviver — retorqui, dando de ombros. — E com que direito você ouviu uma conversa que não lhe dizia respeito?

— E quem disse que não me dizia respeito? — Sirius pareceu um pouco surpreso ao me perguntar. Ele também se sentou, de frente para mim; sua perna esquerda estava dobrada, uma vez que ele pusera o pé no banco.

— Ao que eu me lembre, você não era assunto da conversa.

— Ao que eu me lembre, fui sim. Sabe — ele sorriu de uma maneira que não gostei —, eu não fazia ideia de que fora o culpado por vocês terem terminado aquele namoro fracassado.

— Deixe de ser arrogante, Sirius — falei com maldade. — Você nunca será motivação para qualquer tipo de coisa.

— Verdade? Não é o que me parece aqui. — Sirius abaixou a perna, uma de cada lado no banco, e se aproximou. Senti minha tensão aumentar. — O que te motiva, então, Ariadne? O que te faz ficar aqui comigo, sozinha nesse vestiário? O que te motivou a me beijar na biblioteca?

— Sabe que eu ainda não sei? — retorqui sincera, mas sem deixar de soltar um pouco de sarcasmo em minha voz. — Talvez eu seja louca, afinal de contas, e deva me internar no Saint Mungus o quanto antes.

— Mas essa sua loucura não se cura no Saint Mungus — ele falou, colocando uma mecha, que escapara de minha trança antes firme, atrás de minha orelha.

— Então você é um especialista nisso?

— Não. No caso da sua loucura, não sou o especialista. Creio que eu esteja mais para doença — ele beijou meu pescoço — e cura — depois foi para meus lábios. Antes que ele aprofundasse o beijo, o empurrei.

— Você é um presunçoso idiota, sabe disso, não?

— Eu não sou. Apenas diagnostico a realidade, Ari.

— Na maneira que ela lhe apraz.

— Vai me culpar por isso? — Sirius retorquiu, dando um meio sorriso.

— Não, não vou.

Peguei minha vassoura e levantei-me do banco.

— Aonde você vai? — Sirius perguntou quando me viu andando em direção à porta. Diverti-me com o tom descrente em sua voz.

— Daqui a pouco será servido o jantar e eu ainda preciso tomar banho.

— E vai me deixar aqui, sozinho?

— Você não precisa ficar aqui sozinho. — Olhei para ele e sorri, notando seu aborrecimento.

— Tem razão. Não vou ficar sozinho.

Em segundos, Sirius retirou a varinha de seu bolso e apontou para minha vassoura; sem dizer feitiço algum, ela voou em sua direção.

— Agora quer me mostrar o quanto você é bom em feitiços não-verbais? — perguntei, cruzando os braços.

— Feitiço Convocatório é fácil.

— Eu não preciso da vassoura agora — retruquei, entendendo o que ele queria.

— Eu sei que não. Mas você vai ter outros treinos, e também terá o jogo contra Hufflepuff antes das férias de Natal. Vai precisar dela nestes momentos.

— Você não se atreveria...

— Quem sabe? — ele disse despreocupado, jogando a vassoura de uma mão para outra, porém sem se livrar da varinha.

— Você é impossível!

— Não, eu sou um presunçoso idiota. É isso que nós fazemos.

Rolei os olhos. Não adiantaria usar magia, pois eu não o pegaria desprevenido. Então, aproximei-me dele e a um metro estiquei o braço, meus gestos claros.

— Eu não vou te devolver — ele riu.

— Isso é o que vamos ver — devolvi, dando um passo em sua direção. Sirius colocou a vassoura atrás de si e deu dois passos para trás. — Deixe de ser criança! Sirius! — irritei-me quando dei outro passo em sua direção, o que acarretou mais dois passos dele para trás.

— Eu posso fazer isso durante um bom tempo, sabe? — ele retorquiu, seu sorriso aumentando gradativo à minha frustração.

— Quer saber? Eu não vou brincar disso — falei, afastando-me em direção à porta. — Depois eu a recupero, de um jeito ou de outro.

— Ari. Ari! — ele me chamou, rindo. — Tudo bem, eu te devolvo.

Eu estava prestes a destrancar a porta. Quando me virei, Sirius estava a dois passos de mim, estendendo minha vassoura. Segurei-lhe o cabo firmemente, achando que ele faria alguma gracinha, mas antes que eu a puxasse para mim, Sirius puxou-a, levando-me junto. Tão logo me choquei com ele, já me enlaçava pela cintura, prendendo-me.

— Achou que eu desistiria tão facilmente? — ele falou, parecendo divertir-se com minha irritação.

— Como você é infantil, Black.

— Não sou infantil. Você que é o tipo que não curte um pouco de diversão. Parece uma velha, cheia de dengos.

— Eu não sou velha! Agora me solte, pois preciso ir tomar banho e jantar.

— Está vendo? Uma velha! Mas eu te solto. Daqui a pouco.

Eu ainda tentei me livrar quando Sirius me beijou, porém minha irritação começou a findar, perdendo o motivo. Depois de alguns segundos, perguntei-me por que ele havia demorado tanto para me beijar.


XXX






— Você está diferente.

Olhei para Louise enquanto terminava de abotoar a camisa de meu uniforme.

— Diferente? Como? — perguntei.

— Não sei... Parece — ela franziu o cenho, pensando. — Parece feliz com algo.

Sorri para Louise; em seguida, sentei-me na cama, tratando de colocar as meias e os sapatos.

— Eu sou feliz, Lou, ou você nunca percebeu?

— Eu percebo que você é um pouco mal-humorada, talvez uma consequência pelo mimo que seu irmão sempre teve com você. E não me olhe assim, você já confessou isso uma vez. Claro que quando Arktos reafirmou foi mais enfático, também.

— Eu não sou mal-humorada. Só não tolero algumas coisas e me irrito fácil com elas.

— Fale o que quiser, mas que você está diferente, está.

— Você está vendo coisas, isso sim.

— Sei...

— Tchau, Lou! — falei, acenando para ela enquanto saía do quarto.

— Tchau? Como assim, tchau? Você vai me dizer o que está acontecendo, Ariadne, e será agora!

— E o que você quer que eu diga? — perguntei achando graça. Ela havia corrido para me alcançar enquanto terminava de arrumar o cabelo.

— Por que você está tão propensa a sorrisos. Desde que eu te conheço, nunca a vi acordar alegre. Você não é alguém recomendável às sete horas da manhã.

Rolei os olhos, enfadada.

— E o que você quer que eu diga? — repeti.

— Quem é ele.

— Ele quem? — retorqui.

— Não me trate como idiota.

— Nunca, Lou!

— Já disse que odeio seu sarcasmo?

— Mas não foi você quem disse que ódio é um sentimento muito forte?

— Que seja.

Uma vez que Louise ficou em silêncio, virei meu rosto para olhá-la. Como eu esperava, ela estava pensando. Segui meu caminho, tranquila, porém contando mentalmente, querendo saber quantos segundos ela aguentaria aquele silêncio, além de seu pensamento não levá-la a lugar algum.

— Você fez as pazes com seu primo? — ela perguntou depois de pouco mais de dois minutos.

— Não — falei, chateada. — Severus mal me olha. E, quando o faz, parece que vai lançar uma maldição em mim.

— Vocês nunca ficaram tanto tempo brigados, não é?

— Não.

— Dessa vez não tem volta, Ari?

— Eu não sei, Louise.

Ficamos em silêncio, e uma vez que lembrar-me de Severus mandou meu bom-humor para longe, Louise preferiu deixar suas perguntas para depois. Essa disposição também não lhe foi muito difícil, uma vez que ela fazia dupla com Etan nas aulas, enquanto Lily era quem se sentava comigo.

Quando Lily começou a namorar James Potter, eu pensei que perderia minha dupla nas aulas. Claro que era Severus quem fez dupla comigo durante vários anos, mas depois que ele começou a mudar, era Lily quem me socorria. E uma vez que James não se importava em ficar com Sirius, a situação não chegava a ser um problema. No entanto, tinha apenas um pormenor: a mesa em que ficávamos era a da frente ao dos dois. A coisa boa era que era sempre do meio para trás, pois James e Sirius se recusavam terminantemente a se sentarem muito na frente.

Portanto, não foi surpresa ver um espaço na mesa que Lily deixara sua bolsa. Sorri para minha amiga quando passei por ela e James; vislumbrei Sirius por apenas um segundo, o bastante para ele piscar um olho para mim e sorrir discretamente.

Tão logo me sentei, a Prof.ª McGonagall entrou. Ela esperou que os alunos se acomodassem, o que durou poucos segundos.

— Creio que vocês leram o capítulo 23. — Foi possível ouvir alguns resmungos pela sala. — Pois bem... Quero que copiem o que deixei no quadro. Um complemento sobre os efeitos de uma transfiguração mal feita.

— O Rabicho deve saber. Continua mexendo o nariz como um rato — ouvi Sirius falar atrás de nós, o que me fez sorrir.

— Silêncio — ordenou a professora. A partir de então, só se ouviu rabiscos de penas nos pergaminhos.

Assim que escrevi a primeira frase do quadro, comecei a sentir algo estranho. Era parecido com o que sentira em Hogsmeade, no dia do ataque dos Comensais da Morte. Mas não havia nada que me ameaçasse naquela sala de aula! Tentando ser discreta, olhei ao redor; ninguém sequer me olhava. Depois não foi apenas meu coração que estava acelerado: minha respiração tornou-se ofegante.

— Ari? Você está bem?

Engoli com dificuldade; a sensação que eu tinha era que iria vomitar.

— Está tudo bem, Lily — falei com um pouco de dificuldade.

— Tem certeza?

— Tenho. Foi só um mal estar.

Forcei-me a respirar fundo. Não ajudou em nada. No entanto, eu não queria chamar atenção; não gostaria que todos notassem que havia algo errado comigo para que ficassem cuidando de minha vida depois. Portanto, transpareci para Lily que estava tudo bem. Voltei a copiar o que estava no quadro, torcendo para que aquela aula terminasse logo.

Poucos minutos antes de se ouvir o sinal indicando o fim da aula, eu já estava bem. No entanto, percebi que minha camiseta, nas costas, estava ensopada de suor.

— Não é melhor você ir ver Madame Pomfrey? — Lily me perguntou quando saímos da sala.

— Não precisa, Lily. Já estou bem.

— Bem, não parecia àquela hora. Achei que você fosse ter um treco.

— Não exagere. Foi só um mal-estar momentâneo. Além disso, não quero falar do que aconteceu, principalmente perto deles. — E com um gesto da cabeça, indiquei Sirius e James atrás de nós.

— Caso te interesse, eles também ficaram preocupados.

— Claro — retorqui sarcástica. — Afinal, seu namorado me adora, não é?

— Essa sua intransigência com o James me irrita, sabia?

— Eu faço uma ideia — retorqui, sorrindo.

Vi Lily rolar os olhos, aborrecida, para em seguida olhar para trás e esticar o braço, chamando o namorado.  

Na hora do jantar, percebi que talvez tivesse sido melhor ter procurado Madame Pomfrey. Louise estava ao meu lado e falava algo que há algum tempo eu não conseguia entender. Minha mente parecia que estava presa em outra coisa. Ou lugar.

Começou com meu coração disparando, e respirar tornou-se difícil. Porém o mal-estar não durou tempo bastante para que Louise percebesse. Como se meu corpo estivesse anestesiado, eu não conseguia me mexer, porém minha mente estava a mil. Senti-me em um de meus sonhos, andando por um corredor escuro, contudo não procurava por ninguém. A sensação que eu tinha era que eu estava naquele lugar apenas para ser vista, nada mais.

Logo nos encontraremos, Ariadne.



— Ari?

Olhei para Louise, saindo de meu transe. Não sei se a voz dela foi responsável por isso ou se minha mente estava livre.

— O quê?

Louise olhou-me com os olhos semicerrados. Então sorriu.

— Você estava pensando nele, não é? Por isso está tão felizinha por aí, toda aérea...

— Eu não estava pensando em ninguém, Louise. — Fiquei agradecida pela fixação de Louise sobre eu estar apaixonada por alguém; não queria que ela também percebesse meu mal estar naquele momento.

— Vamos, me diz quem é ele!

— Você é uma chata insistente, sabia?

— Aprendi com você. Mas saiba de uma coisa — ela segurou-me pelo braço, apenas para que eu não deixasse o Salão Principal naquele instante — eu vou te observar. Porque eu sei que está faltando algum ingrediente nesse caldeirão.

— Você não vai achar nada, Lou.

— Isso é o que vamos ver.

Uma vez que eu conhecia Louise, era melhor ficar de olho e procurar ser o mais discreta possível. Porém, naquele instante, ela não era minha principal preocupação. Desde que eu começara a ter pesadelos sobre meus pais, eles aconteciam apenas quando eu dormia. Mas agora eu visitava o mesmo lugar acordada, como se fosse forçada a isso. Pensei em escrever para Arktos, talvez ele soubesse o que se passava comigo. Contudo eu não queria mais essa preocupação sobre meu irmão. Além disso, ele me dissera que tinha uma pista, então eu esperaria.

Mudei de trajeto. A princípio, pensei em ir para meu salão comunal, esperar que desse a hora de iniciar minha ronda como monitora, mas preferi ir à biblioteca. Pesquisar um pouco não seria ruim, e assim eu poderia ajudar Arktos.

Uma das matérias que eu havia dispensado em meu sexto ano era Adivinhação. Eu não era do tipo que acreditava que o futuro já estava escrito e, com algumas folhas de chá ou bola de cristal, ele se mostraria para mim quando quisesse. Mas, neste caso, Adivinhação era o único ramo que eu estava cogitando que poderia me ajudar.

Assim que achei a seção, comecei a olhar a esmo. Dentre “Folhas de Chá: seus aspectos e funções” e “Tudo o que você precisa para prever catástrofes”, um livro me chamou a atenção quando eu já procurava na terceira fileira da estante. “Sonhos ou Visões? Como diferenciar?”. Algo que eu sabia sobre meus sonhos era que eles não vinham ao acaso e não eram algo propriamente de mim. Era impossível eu sonhar com meus pais sendo assassinados, uma vez que eu não tinha nem um ano ainda quando tudo aconteceu; não havia lembranças para que pudessem aparecer depois de quinze anos. Além disso, mais recentemente eram os sonhos onde eu caminhava por um corredor de pedras, como aqueles castelos antigos. De onde eu havia tirado um castelo como aquele?

Ainda em frente à estante, abri o livro, procurando por algo útil. A introdução da autora já me fez torcer os lábios, desgostosa.




“Como saber se você está tendo um sonho comum ou uma visão? Na verdade, não se sabe. Não logo de início. Para que você saiba diferenciar seus sonhos vulgares de visões proféticas, primeiramente tem que aceitar a grande arte da Adivinhação como sendo a mais complexa de todas as artes.

Uma miríade de informações é necessária para que, ao fim, a interpretação de visões ou sonhos seja o mais correto e perto da verdade possível.

Meu livro não será a única fonte que você deverá procurar para que consiga entender por que seus sonhos não parecem vir de você, mas de uma fonte mais forte. São necessários anos de estudo.

Contudo, o mais importante, é necessário ter a mente aberta. Certos tipos de conhecimento só tem serventia quando se deixa o ordinário para trás e percebe que, ao estudar a nobre arte da Adivinhação, tudo o que nos rodeia não passa de uma extensa fonte de conhecimento e auxílio nesse mundo físico para que, ao fim, cheguemos ao apogeu de nosso espírito e mente.”





Folheei, procurando por algo, mas nada que me chamasse a devida atenção. Tudo naquele livro parecia mostrar que meus sonhos – se eu os fundamentasse nele – eram apenas uma evolução de meu espírito, minha energia mágica.

— Uma evolução um tanto macabra, pelo visto — resmunguei, folheando-o um pouco mais. Quando estava prestes a desistir, uma frase chamou minha atenção.


“Há também as visões impostas. Para que isso aconteça, o bruxo que tem essas visões precisa estar dormindo, pois é apenas neste momento que verdadeiramente descansamos nossa mente – a libertamos. Além disso, o bruxo que vai impor tal visão precisa ter alguma relação com o bruxo imposto, ou então ter algo em seu poder que seja diretamente ligado ao imposto, como um fio de cabelo. Caso o bruxo que impõe a visão tenha ligação consanguínea com o bruxo imposto e, além disso, possua algo ligado ao imposto, a visão poderá ser imposta até mesmo com o imposto acordado.

Mas esta é uma área da Adivinhação que poucos conseguem praticar, pois necessita de um alto nível de evolução espiritual e mágico. Somente uma bruxa conseguiu escrever devidamente sobre Visões Impostas, que foi Morgana Le Fay.”


Procurei por algo mais, mas era apenas nestes parágrafos que a autora falava sobre Visão Imposta.

— Ótimo...

Devolvi o livro à estante e comecei a procurar por algo de que ela falara, quem sabe não acharia os escritos de Morgana? No entanto, Madame Pince já começava a expulsar os alunos da biblioteca.

Estava quase alcançando meu salão comunal, quando um aluno, que pelo tamanho só poderia ser do primeiro ano, me chamou para em seguida entregar-me um bilhete.


Pelo que sei, hoje você tem ronda.
Não se assuste se for surpreendida em um corredor escuro.
S.B.


Sorri, momentamente esquecendo-me de minha frustração com o livro.

Sirius e eu não havíamos combinado nada sobre quando e onde nos encontraríamos, contudo ele tinha o condão de descobrir-me quando eu estava sozinha. Desde que havíamos nos beijado na biblioteca ele me surpreendia, sendo em minhas rondas como monitora ou durante os dias pelos corredores, puxando-me para uma sala vazia. E depois de três semanas de encontros escondidos, eu tinha de admitir: ele parecia um especialista em ser sorrateiro.

Como não poderia ser diferente, meia hora depois de eu ter começado minha ronda, senti-me sendo puxada pela mão para dentro de uma sala. Antes que dissesse alguma coisa, a porta se fechava e lá estava eu entre a parede e meu captor.

— Oi — ele disse enquanto me abraçava pela cintura.

— Olá.

— Como você está?

— Bem — respondi, estranhando o tom preocupado em sua voz. — Por quê?

— Você estava estranha de novo, no jantar. Como aconteceu na aula de Transfiguração.

— Ah, isso... — sorri, mostrando-me relaxada. — Não foi nada. Só algo que eu deva ter comido que não me fez bem.

— E desde quando uma indigestão te deixa tão concentrada no nada?

— Cada um apresenta sintomas diferentes, Sirius.

Ele semicerrou os olhos, desconfiado.

— Não acredito em você — disse.

— E eu não quero falar sobre isso — retorqui.

— E sobre o que você gostaria de falar?

— Quem disse que quero conversar?

Pelo meu sorriso, ele percebeu onde eu queria chegar.

— Se é assim que você prefere, quem sou eu para lhe negar algo que também quero?

Como eu sabia que aconteceria no momento em que Sirius tocou meus lábios, uma enorme tensão se apoderou de mim. E que em poucos segundos se dissipou. Naquele momento, não me parecia loucura alguma estar ali, beijando-o, deixando que ele me abraçasse forte, e retribuir.

Depois de tanto tempo, pensei que minha ansiedade diminuiria, e com ela totalmente perdida, eu poderia dar um basta no que quer que tivéssemos. Mas, a cada dia, ela parecia aumentar. Eu realmente ansiava ver Sirius quando acordava, ansiava por ele me sequestrar durante o dia por alguns minutos, ou se aproveitar de eu estar sozinha e me surpreender. Na verdade, eu fazia de tudo para facilitar-lhe.

Depois de um tempo, ficamos apenas abraçados. Na posição em que eu estava, conseguia ouvir o coração de Sirius diminuir as batidas pouco a pouco. Fiquei aliviada em saber que eu não era a única que sentia o coração acelerar quando nos beijávamos. Vez ou outra ele encostava o nariz em meu pescoço e respirava fundo, como se quisesse sentir o cheiro dos meus cabelos soltos. Eu sempre me encolhia, sentindo o corpo se arrepiar.

Conversávamos de vez em quando. No entanto, eu fugia das conversas. Elas começavam sempre neutras, sem nada em especial, mas em seguida divergiam para um caminho que eu ainda não estava disposta a seguir.

De repente, lembrei-me de algo que queria perguntar-lhe há algum tempo.

— Como você consegue?

Sem soltar-se do abraço, Sirius me olhou, não entendendo minha pergunta.

— Consigo o quê? Te beijar a noite toda? — Encolhi-me ligeiramente quando seus lábios voltaram a tocar meu pescoço. — Fácil, fácil.

— Estou falando de outra coisa.

— Do quê, então? — Ele me olhou quando o empurrei levemente.

— Você parece que usou um feitiço para descobrir todas as vezes que estou sozinha — disse, olhando-o desconfiada.

— Ah, isso. Eu te disse, noutra noite. Tenho meus truques — ele falou, sorrindo. Ergui as sobrancelhas, minha expressão mostrando minha exigência por uma resposta melhor. Ele riu e afastou-me de mim. — Eu não vou te contar.

— E posso saber por quê?

— Porque você é monitora.

Não gostei do riso na voz dele.

— Remus também. E tenho certeza que ele sabe desse seu feitiço.

— Lógico que sabe, afinal ele ajudou a desenvolvê-lo.

Cruzei os braços e o olhei um pouco irritada. Eu não gostava de ser contrariada.

— Depois diz que mudou... Continua o mesmo arrogante mimado, isso sim.

Sirius gargalhou, irritando-me mais.

— E você continua chata, sabia?

— Chata? Eu não sou chata, Sirius Black! Você que é um completo abusado e...

Eu não pude terminar de xingá-lo, pois Sirius já me prendia novamente em seus braços e me beijava. Tentei esmurrá-lo, mas não fui bem sucedida. E, francamente, depois de um tempo, bater nele era a última coisa que se passava por minha cabeça.

— Então vai ser assim? Sempre que eu disser algo que você não goste, vai me beijar?

— Aprendi que só assim você fica quieta.

Abri a boca para retorquir, mas Sirius ergueu as sobrancelhas e seu sorriso ficou maior. Presunçoso. Semicerrei os olhos e meneei negativamente, fazendo-o rir.

— Como eu disse, só assim para você parecer como a bailarina.

— Sei...

— Siga a música, Ari — ele disse, acariciando meu rosto com a ponta dos dedos, encarando-me. — Só siga a música que vai dar tudo certo.

Eu não consegui responder ao que ele dissera. Seu olhar, tão intenso como nunca havia visto antes, fixou-se no meu de tal maneira que fez meu coração acelerar e a respiração difícil.

— Acho melhor nós irmos — disse.

— Por quê? Não está gostando de ficar aqui comigo?

Na verdade eu estava. E muito. Esse era o problema. Como resposta, entretanto, preferi olhar para meu relógio e constatar o que eu já desconfiava.

— Eu devo estar em meu salão comunal daqui a quinze minutos — falei, saindo de seu abraço. Logo ele me puxava de volta. — Sirius...

— É o beijo de despedida — ele disse, dando um meio sorriso.

— Eu tenho que estar nas masmorras em quinze minutos!

— Você já me disse isso.

— Eu não vou te dar um beijo de despedida! — falei, desvencilhando-me. Ri quando ele bufou, frustrado. — Boa noite.

— Você é uma garota muito má, Ariadne Lakerdos! — ele falou, alto demais em minha opinião.

Sorri e acenei a guisa de despedida enquanto o deixava na sala.


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NB: Parafraseando o Sirius, “Você é uma garota muito má, Lívia Cavalheiro!” Como pode deixar o Sirius sozinho???? Como pode fazer a Ari ter essas visões??? E, principalmente, como pode terminar o capítulo assim????? Eu queria mais, hehehehe. Bks da Pri


N/A: E depois de tanta turbulência, um capítulo quase em seu total de “love is in the air”..rsrs... Dedico este capítulo à minha beta Priscila Louredo, afinal, ela foi a que mais xingou a Ariadne (e a mim também, vale dizer) devido a esse lenga-lenga desses dois.
Bem... Espero que todos tenham gostado!



E Ana: desculpe, querida, mas há certas perguntas que não devem ser respondidas... Espero muito que tenha gostado do capítulo. Beijo grande.


Até o próximo, queridos!
Lívia.

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