Filha de Drácula



Capítulo 23


Filha de Drácula




 


Mon agaphmenos Dina,


Se você estiver lendo esta carta, então algo aconteceu comigo. Porém, espero que tudo o que eu preciso te contar esteja em segurança. É terrível pedir-lhe perdão de meus atos depois de morto e, além disso, jogando todas essas informações em você. Mas é isso que farei agora.


Fui procurar Alexey como eu disse que faria e o que ele me contou apenas reforçou o que eu já descobrira há alguns anos. Sim, eu desconfiei do primeiro pesadelo que você teve aos quinze anos, contudo quis pensar que fora apenas coincidência. Mas não era.


Na noite da morte de nossos pais eu não fiquei incólume por esperteza de Alexey, que apareceu para nos salvar. O homem que matara nossos pais, o homem de olhos roxos que tanto lhe atormenta, havia me visto e sorriu para mim. Ele me disse que me deixaria vivo, pois eu seria tua perdição, Dina. Na época não entendi o que ele quis dizer. Hoje eu sei. Eu devia ter te protegido de todas as maneiras possíveis e impossíveis, procurado uma maneira de reverter o que ele fizera a você em Paris, e não apenas ter deixado você sem informações. Mas sempre pensei que assim fosse melhor.


Dentro desta caixa está tudo o que consegui descobrir. Não é muito, mas ao menos é o bastante para que você não continue no escuro. Você é esperta, Dina, conseguirá se livrar deste homem. E se conseguimos ludibriá-lo até hoje, não permitindo que a Escuridão a tomasse, talvez você esteja a meio caminho de reverter o que lhe acontece. Mas seu caminho não será fácil. E deixá-la sozinha é o que mais me atormenta. Sei que minha decisão não ficará impune, pois já ouço a porta sendo destruída.


Sim, ele está aqui, agora, pois eu decidi te contar toda a verdade. Porém não conseguirei fazer isso como desejei: olhando nos seus olhos, implorando perdão por meu silêncio e te ajudando a reverter todo o destino que aquele homem quer para você. Neste momento, a única coisa que posso fazer dar certo é meu feitiço para que essa caixa chegue às mãos de Fabian.


Só digo uma coisa a você, minha irmã: não desista. Nunca!


Com todo o amor que eu possuo,


Arktos.


 


Ao reler a carta que Arktos me deixara senti, mais uma vez, como se um peso frio se alojasse em meu coração, como se uma mão cruel o apertasse, passando-me todo o medo e angústia que existiam. Chega a ser engraçado quando almejamos muito uma verdade, mas, quando a temos, nossa vontade muda. Desejamos que pudéssemos continuar a viver na ignorância.


Havia se passado pouco mais de dois meses desde o Dia dos Namorados. Dois meses remoendo o conteúdo da caixa que Arktos me deixara. Tudo o que eu precisava saber sobre quem eu era, minhas visões, o pesadelo que tinha com meus pais... Estava tudo ali. Claro que ela ficava muito bem guardada em meu malão, embora minha primeira vontade tenha sido jogá-la no lago e, por sorte, que a Lula Gigante a comesse.


No entanto, apenas nas últimas semanas tornara-se comum esconder-me no cortinado de minha cama e abri-la novamente. Às vezes eu me pegava desejando que tudo aquilo fosse um pesadelo, mas que, quando eu acordasse, não interferiria em minha vida. Mais uma vez, eu desejei que meus pesadelos fossem como o de qualquer pessoa comum. Contudo, os papéis espalhados sobre minha cama, àquela hora da noite, serviam como um anúncio gritante de vida real e um futuro incerto e tortuoso.


Como se as palavras ali escritas tivessem vida, meus olhos foram mais uma vez atraídos, palavra por palavra, página por página... Até que tudo fosse relido mais uma vez.


Eu era uma vampira. Por mais estranho que isso me parecesse, eu era uma vampira e tinha sangue de feiticeiros em minhas veias. Os escritos que Arktos me deixara, cruelmente detalhados em sua letra inconfundível, explicavam muito bem o que havia acontecido comigo quando eu mal completara um ano de vida e porque eu era tão importante para o homem que me atormentava. O homem de olhos roxos, cujo rosto ainda me era um mistério, porém seu nome já fazia meu medo crescer só em lembrar.


Seu nome era Sebastian. Tio-avô de meu pai. Um homem imortal.


Como Sebastian bem dissera na última visão, eu era uma Vrykolakes. Uma descendente dos mais cruéis feiticeiros que a bruxidade conhecera. Os Vykolakes, entretanto, não eram cruéis aleatoriamente. Eles escolheram essa sina. Muitos anos atrás, meus ancestrais eram magos poderosos e amantes de magia negra, pois faziam rituais de sacrifício envolvendo sangue humano. O que se sabe, realmente, era que a família continha escritos antigos – e que hoje foram inteligentemente incinerados, de acordo com as anotações de meu irmão – que evocavam criaturas demoníacas. A criatura que eles evocaram, ainda antes da morte de Vlad Tepes III, pela primeira e última vez, foi Belial, a pedido do então rei que buscava vingança. O demônio permitiu que Vlad matasse a todos que o traíram, mas em troca ele e os Vrykolakes deveriam prometer que todos os seus descendentes serviriam apenas a Belial.


Compostos por magos negros e seus adeptos, os Filhos de Belial eram os responsáveis pela criação de monstros que tinham a função de escravizar a sociedade, eram materialistas e aos poucos perverteram-se e criaram diversos rituais e sacrifícios. Alguns dos rituais consistiam em beber sangue humano, o que rendeu aos Vrykolakes e Vlad Tepes a alcunha de vampiros.


Contudo, tão logo Belial teve o que queria, houve uma profecia que, quando uma criança nascesse descendendo de um Filho de Belial e um feiticeiro, ela seria responsável ou pela imortalização de Belial ou sua decadência total. Se optasse por ser imortal, e encontrasse também um Filho de Belial, ambos trariam os tempos de trevas no mundo. Caso ela escolhesse o caminho da Luz, a sua morte seria também o fim do império do demônio.


 O que meu irmão descobriu, e Alexey, nosso primo, descobrira na noite que meus pais morreram, era que minha mãe descendia de feiticeiros galeses. E meu pai descendia de um Vrykolakes. Portanto, Sebastian acreditava que eu fosse a criança da profecia. Meus pais morreram tentando impedir a primeira parte de um ritual que Sebastian iniciara, o qual consistia em amaldiçoar minha alma, forçando-me a viver a escuridão, segui-la onde estivesse. Eu deveria viver como um Vrykolakes.


Arktos não soube dizer como, mas até hoje conseguimos evitar que eu me transformasse em alguém cruel. De certa maneira, o início do ritual não saíra como Sebastian havia desejado. Entretanto nada mais importava. Eu era uma feiticeira e Filha de Drácula, assim como Sebastian. E por ambos sermos Filhos de Drácula, nossos destinos já estavam traçados. Ou eu viveria eternamente nas Trevas ou deveria morrer.


A movimentação do lado de fora de meu cortinado forçou-me a guardar novamente todos aqueles papéis. Meus olhos demoraram-se alguns segundos mais na carta de meu irmão, mas logo eu a enfiava dentro da caixa e a fechava seguramente. Notei os olhos preocupados de Louise em mim quando comecei a me arrumar, mas não dei atenção à minha amiga. Ela fora a única que notara minha mudança, uma vez que foi difícil ocultar meu medo tão logo soube do que eu estava destinada. Acordar preocupada e dormir com a feição angustiada tornara-se rotina. Mas como eu não queria que ninguém mais soubesse de meus problemas, logo a máscara de indiferença tornou-se frequente. E como não poderia ser diferente, deixei o quarto rapidamente, respondendo ao bom-dia de Louise com um simples sorriso.


Fui direto para o Salão Principal, sabendo que Sirius estava me esperando como ele havia dito que o faria. Eu o vi assim que virei o último corredor, conversando com James Potter, e tão logo ele me viu, despediu-se do amigo. Desde que eu descobrira que descendia de vampiros, estar com Sirius tornara-se uma leve tortura a cada dia. Ele não sabia do que Arktos descobrira, pois quando ele me questionou sobre o conteúdo da caixa disse apenas que se tratava de alguns documentos legais. Dizer a ele sobre o possível monstro que eu poderia me tornar não era possível. Pena, rejeição ou repulsa vindas de quem eu amava se tornaria tão intoleráveis que menti.  


Contudo, manter a mentira estava se tornando cada vez mais difícil. Ele queria me ajudar a descobrir sobre meus pesadelos, então, para que eu conseguisse mantê-lo longe de tudo isso, fingi que não sonhava mais com Sebastian. E era isso que consistia a tortura: mentir para Sirius usando ou uma máscara de indiferença ou meu melhor sorriso sabendo que, cedo ou tarde, eu não poderia mais tê-lo por perto.


— Demorou subir — Sirius disse depois que nos beijamos.


— Eu não estava achando essa blusa. Queria estar bem vestida para a vitória de Slytherin — disse sorrindo em provocação.


— Então ouso dizer que perdeu seu tempo. Nós iremos ganhar hoje.


— Isso é o que você pensa.


— Quer apostar?


— Não.


— Medo de perder, não é? Entendo...


— Claro — retorqui, sarcástica. Tentei entrar no Salão Principal, mas Sirius segurou-me pela mão, puxando-me novamente para ele.


— Me-dro-as — ele falou pausadamente.


Semicerrei os olhos e cruzei os braços, olhando-o em desafio.


— Se Slytherin ganhar, e eu digo “se” somente para não te magoar, você ficará o resto do dia com meu blusão e o cachecol da minha Casa. E você ainda tem a sorte do blusão ser unissex.


— Feito. — Sirius pegou minha mão na dele, apertando-a, firmando o acordo. — Mas sinta-se preparada para pagar a sua parte na aposta.


— Que será?


— É melhor dizer depois — ele deu de ombros.


Olhei-o desconfiada para em seguida adverti-lo.


— Não vale nada imoral.


— Nossa, Ari, por quem você me toma? — ele falou um pouco alto demais, claramente fingindo estar ofendido.


— Nada imoral, Sirius — repeti. Ele sorriu.


— Pode ficar tranquila. Só acho que será melhor te pegar de surpresa. — E com os lábios quase tocando minha orelha, falou: — E em um lugar que estejamos apenas nós dois.


Depois de uma hora de jogo, entretanto, comecei a me arrepender amargamente de fazer a aposta com Sirius. Gryffindor vencia por setenta pontos de diferença, e eu sabia que o Potter era bem melhor que Powell na busca pelo pomo. E o arrependimento só aumentou quando Sirius passou perto de mim, na arquibancada, e me disse para me preparar.


Claro que ele não me forçaria a fazer nada imoral, mas eu o conhecia muito bem para esperar algo agradável e leve como mini-pufes.


Então o estádio desapareceu. Não existiam mais gritos ao meu redor, jogadores ou a expectativa de pagar a aposta a Sirius. Havia apenas o castelo de Sebastian, seus olhos à minha frente e a sensação de medo e vazio.


— Sentiu minha falta, Ariadne? — a voz suave arrepiou-me, causando calafrios.


— O que você quer?


— Vê-la. E também parabenizá-la, embora um pouco tarde, pelas descobertas e percepções corretas a nosso respeito.


— Então Arktos... Ele estava certo?


— Mais certo, impossível. Embora o fato de reverter não seja real.


Senti um bolo formar-se em minha garganta e minhas pernas fraquejarem. Caí sentada sem perceber.


— Eu vou reverter isso.


— Não, você não vai, Ariadne — Sebastian retorquiu, a voz suave e fria me dilacerando mais do que uma Maldição Cruciatus conseguiria. — Como eu disse a você e ao seu irmão, você será minha. Espere-me em seu aniversário, minha querida.


Com horror, vi longos e brancos dedos vindo em direção ao meu rosto, querendo tocá-lo. Olhei novamente para Sebastian, porém, como sempre, eram apenas seus olhos que eu via. Então senti sua respiração quente em meu ouvido antes que ele dissesse:


— Você será minha, Ariadne. E quem tentar impedir morrerá como seus pais, como seu irmão. E nem pense em se matar para impedir isso. Caso tente ser nobre, quem irá sofrer as consequências será o namoradinho que você tanto preza, assim como seus amigos. Vai querer carregar mais uma morte?


— Sirius...


— Ari?


A feição preocupada de Louise foi a última coisa que vi antes de desmaiar.


Quando acordei havia uma confusão de rostos. Só consegui decifrar quem era aquele pequeno grupo depois de alguns segundos com várias vozes perguntando se eu estava bem, alguém mandando chamar Madame Pomfrey e o que havia acontecido comigo. Minha primeira reação, entretanto, foi me sentar, o que provou ser um erro, pois o mundo pareceu girar mais rápido.


— Continue deitada, Ari — Sirius pediu, ajudando-me a deitar. Ouvir sua voz foi tanto um conforto quanto uma angústia.


— Saiam da frente, todos vocês, deixem-na respirar — Madame Pomfrey apareceu. — Srta. Lakerdos, o que está sentindo?


— Tontura. E meu estômago... — falei com a voz um pouco fraca e sentindo que iria vomitar a qualquer momento.


— Como imaginei. Mas é sempre melhor perguntar antes. Aqui, beba isso, que logo a senhorita melhora. Agora, todos para fora — a curandeira continuou para meus amigos enquanto eu bebia todo o líquido adocicado. Assim que terminei, fechei os olhos novamente. — Ela precisa recuperar as forças e vocês não poderão fazer mais nada.


— Mas ela via ficar bem? — ouvi Lily perguntar.


— Claro que sim. Eu não estou aqui à toa, não é? Agora, todos para fora!


— Eu posso ficar mais um pouco, Madame Pomfrey? Sou primo de Ariadne.


— E eu sou namorado! — Sirius retorquiu, não gostando que Severus ficasse comigo ao invés dele.


— Dez minutos, Sr. Snape, por ser parente da garota. Quanto ao resto, não vou me repetir.


Ouvi Sirius afastar-se, xingando Severus, mas logo o silêncio reinava na Enfermaria. Senti a mão de meu primo apertar a minha, o que me confortou um pouco.


 — Eu sei que você está acordada — ele falou, por fim. — E sei também que pensa que não percebi que você está diferente. Tem certeza que não quer conversar, Dina?


Em seguida à pergunta de Severus, a voz de Sebastian ecoou agourenta em minha mente. Vai querer carregar mais uma morte? Não, eu não queria. Meus pais e Arktos estavam mortos por minha culpa. Eu não suportaria levar mais uma pessoa que eu amava para o túmulo.


— Estou bem — disse. Respirei fundo e olhei para Severus, sorrindo levemente. — Deve ser a pressão dos NIEMs.


Ele ergueu as sobrancelhas e riu em deboche.


— Claro, pois você é do tipo que se estressa com as provas.


— Não são provas comuns. São NIEMs, Sev. Mas fico feliz por você se preocupar — apertei a mão dele na minha, reforçando o que eu dizia.


— Você sabe que estou aqui por você, não sabe?


— Sei. Obrigada.


— Sr. Snape, deixe-a descansar agora, sim? — Madame Pomfrey apareceu, finalmente expulsando Severus da Enfermaria. E quando se afastou, ainda a ouvi:  — Mais uma com estresse por NIEMs. Como se o mundo fosse acabar por isso.


Madame Pomfrey me liberou à hora do jantar. Segui então para o Salão Principal e sentei-me isolada para não ver a preocupação ou o questionamento de ninguém. Contudo, assim que terminei de comer, Sirius já me esperava do lado de fora juntamente de Lily e Potter.


— Como você está? — Lily perguntou assim que me viu.


— Estou bem. Foi apenas um mal-estar. Estou um pouco estressada por causa dos NIEMs.


— Só isso? — Sirius retorquiu, me olhando com desconfiança.


— Claro que é — disse, sorrindo. — Eu quero muito conseguir uma vaga no Ministério, então estou me cobrando demais por isso.


— Você não precisa seguir os mesmos passos do seu irmão para deixá-lo orgulhoso, Ariadne. 


Olhei para Potter, surpresa por ter se pronunciado e, ainda por cima, por ter me chamado de “Ariadne”. Desde nossa conversa no lago, quando ele me agradeceu pelas condolências e por ter interferido na briga no trem, no início do sétimo ano, não havíamos nos falado de maneira decente. Pensei, com ironia, que conseguíamos ser decentes apenas quando falávamos de nossos mortos. E também como conseguíamos entender o outro em determinados sentidos.


Embora não fossem os NIEMs que havia provocado meu desmaio, eles também me preocupavam exatamente por eu querer muito seguir os passos de Arktos. Continuar o que ele fazia e, de alguma forma, honrar sua vida.


— Você tem pensado muito nisso, não? — retorqui com um sorriso. Ele apenas deu de ombros. — Agradeço a preocupação de todos, mas, acreditem, estou bem.


— Então você quer ser Auror? — Sirius me perguntou enquanto passava o braço por minha cintura.


— Algo assim.


— Algo assim? — Lily perguntou.


— Bem, eu... Eu estive pensando seriamente em ser Inominável.  


— Nossa, você não pensa pequeno, hein?


Eu apenas dei de ombros e sorri diante do comentário do Potter. Neste momento, dois alunos do sétimo ano da Hufflepuff passaram por nós e cumprimentaram-no, efusivos.


— Bela pegada, Potter! A Gryffindor vai ter azar em não tê-lo ano que vem!


— Obrigado, Morris.


— Vocês ganharam? — perguntei desanimada.


— Com certeza! — foi a resposta animada de Potter. — Sabe, Ariadne, se fosse você a apanhadora da Slytherin, vocês teriam uma chance. Mas não acho ruim que seu capitão seja um idiota e a tenha expulsado do time.


— Não se pode ter tudo na vida, não é? E, a propósito, de onde surgiu isso? — perguntei, apontando-o. — Você recebeu um balaço na cabeça?


— Ideia da Lily.


— É muito chato ter Potter pra cá, Lakerdos pra lá, tanta provocação, sendo que, no fim, vocês terão que se entender de uma maneira ou outra.


— Eu nunca vou me entender com o Potter, Lily. É o destino.


— Você se entendeu com o Sirius — minha amiga insistiu.


— É diferente.


— Em que sentido? — Lily insistiu.


— Em todos. É diferente e ponto.


— Ela me ama, Lily, é isso — Sirius interferiu. Rolei os olhos diante de sua fala presunçosa. — O James não possui nada que possa oferecer a ela.


— Não tecnicamente — falei baixo, contudo os três ouviram. Porém, o mais indignado foi Sirius.


— Como assim?


— Eu disse tecnicamente! — ri.


— Eu sabia que não seria uma boa coisa toda essa intimidade, Lily. Eu disse a você! Venha, ainda temos uma comemoração acontecendo no salão comunal.


Sirius e eu continuamos no corredor, vendo-os se afastar.


— Vamos também.


— Aonde estamos indo?


— Nenhum lugar surpreendente.


Seguimos de mãos dadas para o terceiro andar. Os corredores ainda estavam cheios devido ao horário e vez ou outra Sirius era cumprimentado pelo jogo.


— Quanto tempo o jogo continuou depois que eu desmaiei? — perguntei.


— Não continuou. Madame Hooch apitou, porque James pegou o pomo, e foi ao mesmo tempo em que Louise chamou a atenção de todos.


— Não deve ter sido difícil para ela. Louise sabe ser histérica. — Sorri, pensando em minha amiga. Eu havia notado seu olhar preocupado no jantar, mas ela respeitou minha vontade de isolamento à mesa. Precisava agradecer-lhe, ainda.


— Você também me matou de susto.


— Eu não fui a primeira a surtar por causa dos NIEMs, Sirius. Teve a Alice Hopkins e o Willy Dawson também.


Vi Sirius abrir a boca, pronto para dizer algo em resposta, mas ele preferiu o silêncio. Mentalmente, agradeci minha sorte. Eu sabia que ele desconfiava de minha ausência de pesadelos depois de tanto tempo. Vez ou outra eu o percebia me olhando preocupado e angustiado.


Seguimos de mãos dadas e ficamos em silêncio até que estivéssemos sozinhos na sala de sempre. Sirius me levou até a janela, ao que ficamos olhando para os jardins e as árvores que ocultavam o cemitério de Hogwarts. Mas logo eu me esquecia da bela visão através da janela e me ocupava em olhar para Sirius.


Eu sabia que ele me amava, pois ele havia dito isso. E não havia sido apenas uma vez. Contudo, vê-lo ali do meu lado, fazendo de tudo para que eu me esquecesse do falso estresse pelos NIEMs, se preocupando comigo por causa de meus pesadelos e tudo o que acontecia comigo, me fez perceber o quanto eu o amava. Eu não sabia que era tão forte, tão intenso e tão dolorido. A simples menção de Sebastian de que o mataria me fez notar, enfim, que eu não suportaria viver em um mundo no qual Sirius não existisse. Eu não poderia perdê-lo. Mas também não poderia tê-lo comigo. O único jeito seria deixá-lo, sem possibilidade de que ele tentasse ir atrás de mim. E eu sabia que havia apenas um meio de isso acontecer. Eu deveria mentir. E muito.


— Foi apenas a Lily, ou você também pediu ao Potter uma trégua entre nós? — perguntei.


— Estávamos conversando uma noite, James e eu, no dormitório. O assunto acabou surgindo.


— Vocês falavam sobre mim?


— Não exatamente. — Sirius suspirou e recostou-se na janela, olhando para mim de braços cruzados. — Ele me perguntou por que você estava tão diferente, esses últimos dias.


— O Potter estava preocupado comigo? — Sirius ergueu as sobrancelhas, censurando minha descrença em seu amigo. — Tudo bem, desculpe. Continue.


— O que eu poderia dizer? Mesmo que você estivesse tendo seus pesadelos, eu não poderia contar ao James. Então só pude falar que você não estava em um momento bom, que tinha brigado com seu primo.


Rolei os olhos.


— Claro, pois qualquer situação ruim tem que ter o Severus no meio.


— Não foi essa minha intenção, Ari. Porém vocês vivem discutindo, e como também não estavam se falando esses dias, aproveitei a deixa. E falando no Ran... no Snape — Sirius corrigiu-se diante do meu olhar. — O que vocês tanto conversaram na Enfermaria?


— Nada demais — e dei de ombros. — Ele só queria saber o que acontecia comigo. O que foi?


— Nada, eu só... Nada.


— Me diz o que você pensou!


— Ari, você já percebeu que depois que começamos a namorar, o Snape brigou muito mais com você?


— Eu sei que ele sente ciúmes. Severus tem um sentimento de posse muito forte.


— Não acho que seja apenas isso.


— E o que você acha, então?


— Acho que ele gosta de você.


— Claro que gosta, ele é meu primo!


— Ari, por favor. Você entendeu o que eu quis dizer.


Não aguentei e ri diante daquela constatação.


— Ah, Sirius, por favor digo eu! Severus e eu somos primos. Não há nada passional entre nós.


— Não da sua parte.


— OK, mesmo se ele gostasse de mim, como você diz, nós não daríamos certo.


— Não?


— Não. — Descruzei os braços de Sirius e os coloquei de volta em minha cintura. — Afinal, você sabe que eu vivo em uma eterna mudança de humor. Acha que Severus aguentaria isso tão placidamente como você?


— E quem disse que sou indiferente às suas variações de humor?


— É o que parece...


— Ah, mas eu não sou indiferente. Uso a meu favor, só isso. Na verdade, suas variações de humor é o que mais gosto em você.


— Verdade? Por quê? — Fiquei genuinamente surpresa.


— Quando você está calma, como se fosse a pessoa mais tranquila do mundo, eu fico sentado com você sob o carvalho dos jardins e gosto de te observar. — Sorri quando Sirius deu um leve beijo em meu pescoço. Então ele se afastou, sua mão pousando em minha cintura mais uma vez. — Se você está muito irritada, a ponto de cuspir fogo como se fosse um dragão ensandecido, eu me afasto somente para que você perceba que não sou seu alvo de morte. Então, quando você começa usar a sensatez, eu uso sua raiva a meu favor.


Sirius puxou-me novamente para junto dele de supetão, surpreendendo-me. Nossas bocas estavam a milímetros e todo pensamento coerente sumia de minha mente.


— Você não consegue pensar muito bem quando estou perto de você.


Abri a boca uma, duas vezes, mas nenhum xingamento me vinha à mente. Quando finalmente consegui pensar em “arrogante idiota”, Sirius já me beijava. Era intenso, faminto, como se sua vida dependesse daquele beijo. Mas também foi rápido. Quando nos separamos, meu coração estava tão acelerado que eu sentia que ele sairia do meu peito.


— E quando você está assim, entregue — Sirius continuou, o que me forçou a olhá-lo —, eu sei que valeu a pena insistir em você, Ari.


— Me diga — falei num impulso.


— O quê? — Sirius perguntou, me olhando.


— A minha parte na aposta. Como eu devo pagá-la.


Ele sorriu e fez um carinho no meu rosto.


— Não precisa de pressa.


— Não quero ficar com dívidas.


— Tem certeza?


— Absoluta.


— Eu gostaria que você dançasse para mim.


Um arrepio subiu por minha coluna e senti meu rosto esquentar. A expectativa de dançar para Sirius era tão agradável quanto tensa.


— O quê? — retorqui, querendo rir. — Dançar?


— Isso mesmo. Uma vez eu ouvi você conversando com a Lily, dizendo que adorava dançar.


— Mas dançar, assim, do nada? E sem música?


— Não é assim do nada. E eu tenho música.


— Tem?


— Digamos que eu já tinha algo assim em mente, hoje de manhã.  


Senti meu rosto esquentar ainda mais e as mãos suarem de agitação. Certo que eu adorava dançar, mas eu nunca tinha dançado fora da segurança do meu quarto, onde ninguém pudesse me ver. Além disso, eu nem sabia se dançava direito!


— Eu não sei se danço bem, Sirius — confessei.


Ele, porém, apenas sorriu. Afastou-se de mim, andando de costa, e sentou-se em uma mesa ao fundo da sala. Percebi somente neste momento no pequeno rádio que havia ali. A música começou, mas eu ainda hesitei por alguns segundos. Preferi fechar os olhos, relaxando, esquecendo-me que Sirius estava ali, me observando.


A música então começou a me embalar, os movimentos foram naturais e eu até gostei, ao fim, que Sirius estivesse me olhando. Imaginei que estávamos dançando juntos e que minhas mãos eram as dele. Mãos que passavam por meu pescoço, minha cintura, quadris...


Abri os olhos, vendo-o com as feições indecifráveis, apertando a mesa mais do que o necessário. Senti-me maravilhosa com aquela reação. A música estava quase ao fim quando me aproximei dele e coloquei suas mãos na minha cintura, trazendo-o para dançar comigo. E embora eu soubesse que não poderia permitir, deixei que Sirius me apertasse em seus braços, fazendo-nos perceber o quão tenso estávamos diante de uma necessidade que fazia meu corpo inteiro tremer.


No entanto, ficamos ali, dançando, ouvindo a parte final da música. Sem que eu refreasse, meus olhos se encheram de lágrima com os versos finais. A música, ironicamente, mais me parecia um pedido mudo de que Sirius nunca mais me soltasse, nunca me abandonasse. A música, entretanto, parou. E eu continuei abraçada a ele até me acalmar. Somente quando o horário de recolher se aproximou que ele me levou até a bifurcação dos corredores que levavam a nossas salas comunais.


— Ei — ele me chamou, segurando-me pela mão depois que nos despedimos. — Não importa o que esteja acontecendo, Ari. Você pode confiar em mim sempre.


— Eu sei.


E com um leve beijo, despedi-me de Sirius. Não quis pensar que ele desconfiara da minha desculpa esfarrapada. De que não havia sido culpa dos NIEMs que eu desmaiara. Tão logo cheguei na segurança de meu dormitório, deitei na cama, fechei as cortinas e lancei-lhes o feitiço imperturbável de sempre. Demorei a adormecer e não tive uma noite tranquila.


 


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N/B: Perfeito! Tenso e Intenso. Fiquei meio assim, quando li o título do capítulo, mas sabia que você não ia me deixar na mão. Não me arrependi, sua explicação sobre os Vrykolakes me convenceu! Bjsssssssss


 


N/A: Uma vez que este capítulo já estava bem estruturado, não foi difícil escrevê-lo rapidamente. E confesso que foi meu recorde..rsrs.. Claro que a semana de folga ajudou muito.


Espero que tenham gostado e se convencido da minha explicação sobre o lado vampiro da Ariadne. (Sim, mais um para o catálogo..hehe.. Ao menos ela tem um lado bom: não brilha!)


Obrigada sempre, Priscila Louredo!


Beijos a todos e até o próximo.


Lívia.

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