Escolha



Capítulo 26


Escolha


 


As semanas transcorreram sem que eu me desse conta.


Depois da morte de Louise, fiquei o maior tempo possível em casa, procurando algo mais que eu pudesse descobrir sobre como me livrar de Sebastian. Encontrei na biblioteca de casa livros que nunca havia me interessado antes, que apesar de me auxiliarem com novos feitiços, não continham nada que me ajudassem, efetivamente, a me livrar dele.


Lily vinha me visitar com frequência e vez ou outra me chamava – novamente – para fazer parte da Ordem da Fênix. Resistir a Voldemort era a melhor opção, ela me garantia. Eu ainda me mantinha firme na decisão de não fazer parte. Para mim, a decisão não se resumia entre resistir ou não. Era estar protegida de Sebastian em minha casa ou me expor enquanto lutava contra um bruxo das trevas. Porém, a inutilidade daqueles livros misturada à ineficiência que eu era presa naquelas paredes começava a pesar contra essa decisão. E havia dias em que eu me sentia claustrofóbica, mesmo naquela casa tão grande.


Desviei os olhos do livro que lia naquele momento, sobre Famílias Antigas do Leste Europeu, e suspirei. Esfreguei o rosto para depois me levantar, esticando as costas. Pela janela vi que o céu estava limpo, algo difícil nos últimos dias. Sem pensar duas vezes, deixei a biblioteca, peguei algum dinheiro e saí. Desaparatei ainda em frente de casa para o Beco Diagonal.


Andei a esmo, sem muito interesse pelas lojas que ainda estavam abertas, demorando apenas uns segundos mais na loja de Quadribol. A loja de Madame Malkins também estava com roupas novas, e acabei comprando algumas peças. Compras para simplesmente pensar em nada. No entanto, ouvir a vendedora dizer que a moda do outono deste ano era bem mais bonita que a do anterior, e no inverno o uso de xadrez predominaria, fez com que eu saísse de lá às pressas, lembrando-me de Louise. Esse era o tipo de comentário que minha amiga faria.


O riso fácil de algumas crianças acabou me levando até a sorveteria de Florean Fortescue. Pedi um sorvete de frutas e me sentei, esperando.


— Ariadne?


— Oi, Fabian.


— Não esperava te encontrar aqui. — Fabian me cumprimentou com um beijo no rosto. — Achou melhor sair de casa, um pouco?


— Pois é — falei, sorrindo. Fabian também havia me visitado vez ou outra, porém eram suas cartas que vinham com frequência. No início, sua preocupação chegava a ser desconcertante, mas com o tempo comecei a apreciar sua companhia. Tinha algo nele que me fazia desejá-la, e seus cuidados para comigo me faziam sentir como se eu tivesse Arktos novamente em minha vida. — Não está trabalhando?


Ele ergueu as sobrancelhas e me olhou de maneira estranha.


— Eu não trabalho aos sábados.


— Claro que não — desconversei. Meu alheamento havia atingido um nível que eu não percebera. — Eu só pensei... Bem, não importa. Sente-se.


— Obrigado. Como você está?


— Bem. E você?


— Vou indo. Cansado de tanto trabalhar. As coisas estão agitadas no Ministério.


— Imagino.


Uma garota trouxe a taça de sorvete que eu havia pedido. Quando ela se afastou, Fabian continuou:


— E então, já decidiu?


Olhei sorrindo para Fabian e depois meneei a cabeça.


— Sua competição com a Lily está atingindo níveis elevados, sabe?


Ele riu.


— A diferença é que minha maneira de persuadir é diferente.


— Pois é. Ela não tem esses olhos pidões.


— Pidões? — Fabian gargalhou.


— Sim. Aposto que você consegue tudo o que quer.


— Nem tudo.


Baixei meus olhos para o sorvete. A maneira com que Fabian me olhou dizia mais do que eu gostaria de saber.


— Eu pensei que você desejasse ser Auror, como me disse uma vez — ele falou, o tom leve voltando.


— Me lembro disso. Mas tanta coisa aconteceu... E não sei se quero trabalhar para o Ministério. — Lily havia me dito que desconfiavam que Comensais da Morte estivessem infiltrados no Ministério da Magia. A ideia de que alguém facilitava a morte de muitos me enojava; eu não queria fazer parte de um lugar assim.


— Você conseguiu NIEMs suficientes.


— O bastante — dei de ombros.


— Estamos precisando de gente no Ministério.


— Não duvido.


Concentrei-me no sorvete e Fabian se calou por alguns instantes. Antes que eu quebrasse o silêncio, incomodada, ele começou a falar de seus sobrinhos. Eram todos filhos de sua irmã Molly, com Arthur Weasley. O mais velho era Bill, que faria oito dali alguns dias, seguido de Charlie, de cinco, Percy, que fizera dois anos há pouco, e os gêmeos Fred e George, de recentes sete meses. Ele se divertia falando sobre os sobrinhos, demonstrando carinho. Imaginei que criar uma família em meio a esse caos era algo sofrível. Mas ter mais filhos era impensável. Que dirá cinco!


Por fim, Fabian já falava sobre a possível festa de aniversário do mais velho, convidando-me.


— Não sei, Fabian. Sua irmã nem me conhece.


— Ela não vai se importar, e essa será uma ótima oportunidade para você finalmente conhecer minha família. Além disso, você tem passado muito tempo trancada em casa. Isso não é saudável, Ariadne.


— Você nem sabe se vai ter festa.


— Conheço a Molly. Ao menos uma coisa entre família vai ter.


— E eu não faço parte da família — falei sorrindo.


— Vai ser daqui duas semanas. Pense. Mando uma coruja, confirmando.


A carta de Fabian veio com um dia de antecedência, e suas palavras me intimavam, não aceitando minha recusa. Olhei para a carta e depois para o livro inútil que tinha em cima da mesa. Dei de ombros e a respondi com um simples “OK”.


— Você não vai se arrepender — Fabian falou assim que aparatamos nos arredores da casa de sua irmã, no dia seguinte.


— Caso eu me arrependa, sei muito bem o que fazer — falei, sorrindo de lado.


Fizemos o caminho até o quintal em silêncio. O lugar estava enfeitado com balões e fitas, e uma pequena tenda para proteger do frio que o fim de outono trazia. Para meu alívio, a festa não fora apenas para a família, embora o lugar não estivesse cheio. Tinha duas pessoas que trabalhavam com Arthur, o cunhado de Fabian, e alguns vizinhos. Reconheci Amos Diggory, pois o vi quando fui ao Ministério junto de Arktos, e ao seu lado estava a esposa com um inquieto garoto no colo. Fabian me disse que era o filho deles, Cedric, de dois anos.


— Ao menos eu acho que já fez dois — ele disse, olhando por uns segundos mais para o garoto que, finalmente, conseguira se livrar do colo da mãe e corria para os garotos Weasley.


— Finalmente você chegou!


Olhei para quem havia se aproximado. Ele era incrivelmente parecido com Fabian, chegando a ser desconcertante. Mesma altura, mesmo desenho de rosto, cabelos acobreados. Eles poderiam ser diferenciados apenas pelo jeito do cabelo: enquanto o de Fabian era certinho, penteado para trás, o do outro tinha uma bagunça medida, como querendo ser descolado. Além disso, os olhos de Fabian eram de um castanho intenso, e o de seu irmão gêmeo, azuis.


— Ariadne, este é meu irmão, Gideon.


— Ah, então você é a famosa Ariadne.


— Famosa? — Vi de relance Fabian corar.


— Fabian fala bastante de você — Gideon continuou, enquanto me levava para junto da irmã, Molly.


— Não é bem assim — resmungou Fabian.


— Ele só está cumprindo uma promessa.


— Pois é, há quem acredite que é apenas isso. Cerveja amanteigada?


Peguei a cerveja que Gideon me oferecia ao mesmo tempo em que Molly chegava.


— Então você é Ariadne Lakerdos? — ela perguntou, sorrindo.


Senti que corava. Aquelas pessoas pareciam saber muito de mim. Olhei para Fabian, mas ele apenas deu de ombros e sorriu. 


Passar a tarde com a família de Fabian foi delicioso. Eu já ouvira sobre eles, mas não muito. Fabian sempre falava mais do trabalho quando nos víamos, ou sobre quando eu sairia de casa e viveria um pouco.


Molly era uma anfitriã adorável, e seu marido muito simpático. Ele fez questão de me mostrar o carro que tinha na garagem, perguntando se meu irmão havia feito reparos no dele. Não pude ajudar muito, afinal, nunca fui fã de carros como Arktos. Só sabia que havia feito um feitiço para o espaço interno ficar maior, porém imperceptível para quem visse de fora. Arthur Weasley gostou da ideia.


— Com cinco filhos, vou precisar de bastante espaço — completou.


Já Gideon parecia fazer questão de constranger o irmão. Contou algumas situações engraçadas, nas quais Fabian havia se metido quando adolescente, como quando fez o teste para jogar Quadribol em Hogwarts, mas acabou perdendo as calças, presas no poste da Ravenclaw, ou quando uma garota lhe lançou um feitiço que fez os cabelos ficarem verdes durante boas semanas.


— Fiquei parecendo um duende — Fabian disse.


— E quase lançou a moda do chapéu, na escola.


— Eu precisava esconder aquilo — Fabian apontou para a cabeça —, não era agradável andar para cima e para baixo como se eu fosse um abacate.


— Ela foi muito desagradável, isso sim — falou Molly com uma careta; ela se juntara à conversa, depois. — Ainda não entendo por que ela fez isso.


— Eu a ofendi.


— Você lhe falou a verdade, ela que não gostou — ela disse, direta. Olhou para mim. — Eu não entendo essas pessoas que não toleram as verdades. O que é real é real, não há por que discordar ou lutar. Charlie, solte esse bicho agora! — Molly gritou a última frase ao ver o filho segurar uma espécie de lagarto nas mãos. O animal se contorcia, querendo se livrar. Charlie, entretanto, pareceu não ouvir a mãe, pois continuou a estudar o animal, olhando-o como se fosse um espécime raro. — Ah, esse menino — queixou-se. Então pediu licença e saiu.


— Já estou até vendo — Fabian falou, olhando para o sobrinho argumentar algo com a mãe.


— O quê? — perguntei.


— Charlie e Hagrid serão grandes amigos em Hogwarts.


— Molly irá surtar! — riu Gideon. — Imagine só juntar a curiosidade do Charlie com a aptidão de Hagrid com animais perigosos? Será uma carta por semana dizendo que o garoto se acidentou em algo.


— Já estou até vendo o sermão que a Molly dará todas as vezes.


— Ao Charlie ou Hagrid? — retorquiu Gideon, rindo.


Olhei mais uma vez para Molly e Charlie. Finalmente o menino havia soltado o lagarto, embora não estivesse satisfeito. Ele entrou em casa, batendo os pés fortemente. Coube a Arthur ir atrás do filho.


Suspirei, olhando aquela família.


Durante toda a minha vida sempre havia sido apenas eu e Arktos. Claro que tia Françoise tentara de tudo para que nos sentíssemos parte de sua família, além de Elizabeth ter feito de tudo para se portar como uma mãe que eu sempre necessitei. Contudo, sempre que eu pensava em família, a primeira e única pessoa que me vinha à mente era meu irmão. Éramos apenas nós dois, uma família quebrada, incompleta, mas se sustentando com uma união que ninguém poderia negar. E agora eu estava sozinha, enfrentando todos os problemas que somente Arktos, com sua maturidade e carinho, poderia me ajudar a suportar.


Senti minha garganta se fechar e uma desconcertante vontade de chorar. Resmunguei um “com licença” e me levantei, andando até a cerca que havia a alguns metros. Segurei as lágrimas e respirei fundo. Eu havia prometido a mim mesma que não choraria mais por Arktos, pois de nada valeria. Meu período de luto havia passado, e remoer sentimentos não era uma opção. Preferi, então, apreciar o por do sol, que deixava aquele lugar ainda mais bonito. O jogo de cores era algo que me acalmava: o céu rosa e laranja que se mesclava ao verde contínuo do chão deixava tudo maravilhoso.


— Espero que não estejamos te aborrecendo.


— Não — falei, sorrindo de leve e olhando de relance para Fabian, que também se apoiara à cerca e olhava para frente. — Só vim aqui apreciar a vista.


— Na primavera, fica tudo florido, perto do rio — ele apontou à nossa direita, onde algumas árvores já estavam praticamente sem folhas. — Mas aproveitar o rio, mesmo, somente no verão. A água fica um gelo, depois.


— Eu não sabia que você e Gideon eram gêmeos — falei depois de um tempo de silêncio, encostando-me à cerca e voltando a olhar na direção da festa.


Fabian sorriu.


— Sua cara de surpresa foi legal — disse-me, rindo. — Sabia que Molly deu o nome de Fred e George aos seus gêmeos em homenagem a nós? Fabian e Gideon, Fred e George.


— Sério? Que gentil.


— Sim, ela...não se mexa.


Fiquei tensa diante da mudança de voz de Fabian. Porém, como ele pedira, não me mexi. Com os olhos, acompanhei sua aproximação e ele levar a mão até a altura do meu pescoço, passando por ele e, de uma vez, jogando algo para longe.


— O que era? — perguntei, não vendo nada.


— Fada mordente — resmungou. — Achei que Molly houvesse se livrado de todas. Deixe-me ver se ela te mordeu.


— Eu teria sentido — falei, mas Fabian não me deixou me afastar.


Ele foi para trás de mim, retirando os cabelos de meu pescoço e olhou com cuidado. Fiquei parada, esperando ele dizer se havia algo ou não, mas Fabian nada disse. Depois, senti sua mão deslizar com suavidade por meu pescoço e notei que aquilo não era mais ele verificando minha saúde. Dei um passo para frente e voltei meu cabelo para o lugar, para depois olhá-lo.


— Não tem nada — ele disse rapidamente, a voz um pouco quebrada, o rosto corado.


— Que bom. — O primeiro pensamento que me veio foi que eu deveria ir embora. No entanto, antes que eu dissesse algo mais, Molly já nos chamava, dizendo que iria cortar o bolo. Fabian e eu andamos até a mesa ao centro da tenda, com um silêncio constrangedor.


Os minutos seguintes foram estranhos. A familiaridade se fora, ficando apenas a sensação de que estar ali era errado. Engoli o bolo sem apreciá-lo como gostaria, enquanto sorria para o que quer que Molly me dizia sobre os filhos. Fabian se afastara, ficando com o cunhado, mas eu sentia seu olhar. Lily estava terrivelmente certa: os sentimentos de Fabian para comigo não eram nada fraternais.


— Desculpe, Molly, mas tenho que ir — disse, declinando o segundo pedaço de bolo que ela me oferecia. — Não gostaria de chegar em casa muito tarde.


— Claro, você está certa. — Ela limpou as mãos, que estavam um pouco sujas com o glacê, para depois pegar minhas mãos nas dela. — Foi um prazer ter você aqui.


— Obrigada. Adorei conhecer sua família.


— E nós precisávamos saber para quem meu irmão manda tantas cartas — Gideon, que estava ao meu lado, falou. Vi Molly repreendê-lo com o olhar, mas o irmão não ligou. — Fabian! Ariadne está indo embora.


— E precisava gritar assim? — Molly disse, meneando a cabeça. Gideon apenas sorriu em resposta.


— Já está indo?


— Não quero chegar em casa muito tarde, Fabian.


— Bom, sendo assim, então vamos.


— Ah, não, você não precisa...


— Eu insisto, Ariadne — Fabian me interrompeu. — Não quero você andando sozinha.


— Não há perigo.


— É melhor não arriscarmos — Molly disse.


Eu preferiria não estar sozinha com Fabian depois do que acontecera mais cedo, mas não tive como recusar diante da pressão. E todos ali me olhavam, não entendendo minha recusa.


Aparatamos a uma rua de distância de minha casa.


— Minha irmã gostou de você — Fabian falou.


— Também gostei dela. Sua família é muito legal.


— Eu não tenho do que reclamar — ele sorriu.


Quando alcancei o portão, despedi-me de Fabian. Minha intenção era dar-lhe um beijo no rosto, como sempre fazíamos para nos despedir, mas ele me surpreendeu, virando o rosto para que nossos lábios se encontrassem. Recuei imediatamente.


— Fabian, eu... Eu — hesitei, sem saber como lidar.


— Eu pensei bastante para fazer isso, Ariadne — ele disse. — Não é uma coisa que apareceu de uma hora para outra. Mas apareceu. Sei que você terminou um namoro há poucos meses, então não estou te cobrando nada de imediato. Só...pense nisso, está bem?


— Fabian...


— Só pense.


Não consegui desviar o olhar de Fabian quando ele me encarou. O que eu classificara dias atrás como “olhos pidões” estava lá, mas com uma intensidade que me atingia como eu nunca imaginei. Havia algo que me fazia querer ceder a Fabian, que o beijasse, que o pensar fosse mandado para longe, e apenas agir seria o ideal. Talvez ele deva ter percebido o que se passava comigo, pois no instante seguinte, ele me beijava.


Foi um beijo reticente, quase casto. Mas que não durou muito. Afastei-me dele, sem coragem de olhá-lo daquela vez.


— Pense nisso, Ariadne — Fabian falou antes de finalmente ir embora. Eu continuei encostada ao portão, tentando entender o que havia acontecido.


Eu não amava Fabian, sabia disso. O que eu sentia era carinho por alguém que se preocupava comigo sendo que não tinha necessidade nem dever. Fabian sempre falava que era um pacto que havia feito com Arktos, mas ele não precisava estar o tempo todo preocupado comigo, mandando cartas, aparecendo em minha casa e exigindo que eu vivesse minha vida em vez de ficar trancafiada em um escritório. Ninguém poderia substituir Arktos em meu coração, mas eu nutria por Fabian um carinho fraternal. Disso eu tinha certeza.


Então, por que raios eu o beijei?


O sangue dele é incrivelmente forte, Ariadne. Você sente que vocês poderiam ser um excelente par.


Meneei a cabeça, querendo afastar aqueles pensamentos.


— Vá se ferrar, Sebastian — disse entre os dentes, abrindo o portão de casa.


Você sabe que eu tenho razão.


— Com ele não é uma perda de tempo?


Tive a impressão que meu coração sairia pela boca; minha mão tremia pelo susto quando segurei minha varinha em reflexo.


— O que você está fazendo aqui? — perguntei. Guardei minha varinha e olhei para os lados, mas Sirius estava sozinho.


— Bancando o idiota — ele retorquiu, rindo. Ele estava a poucos passos de mim, as mãos nos bolsos da calça e notei a tensão que havia em seu rosto e ombros. — Quando eu te beijava de surpresa, você faltava me matar. Mas quando é ele, você não faz nada. Aceita de bom grado. E o jeito com que você o olhou... O jeito com que vocês se beijaram...


Retorci o nariz quando Sirius se aproximou mais.


— Então você bebe feito um gambá e vem até minha casa?


— Para eles, estou em casa, dormindo. James fez questão de ficar até mais tarde para verificar.


— Vá para casa, Sirius — suspirei, cansada.


— E se eu não for?


— Então fique aqui.


Bati o portão e segui para dentro de casa. Pensei que estaria segura, mas logo Sirius me alcançou, impedindo que eu fechasse a porta. Perguntei-me como ele conseguira entrar, mas então me lembrei de que eu havia liberado sua passagem pelo Feitiço de Proteção no dia que Louise morrera.


— Sirius, vá embora, por favor.


— Por quê? Pelo que sei, temos um bocado de coisa para conversar.


— Você não está em seu juízo perfeito. Você bebeu.


— Mesmo se eu estivesse sóbrio, Ariadne, eu não estaria em meu juízo perfeito. — O olhar dele era puro rancor. — Eu não estou em meu juízo perfeito desde que me apaixonei por você, e tudo só piorou quando...


Doeu-me fisicamente quando vi seus olhos encherem-se de lágrimas. Mas Sirius as segurou. Respirou fundo e, quando voltou a me olhar, a dor em mim aumentou. Sim, ele estava bêbado, e talvez fosse exatamente por isso que havia criado coragem para estar ali em minha casa, confrontando-me, mostrando-se como raramente fazia.


— Eu não entendo. Você primeiro diz que devemos nos separar, pois não sente nada por mim, e então a gente fez amor àquela noite como se nada mais importasse, nada mais existisse... E depois você se afasta novamente, mas sei que continua me amando. E agora Fabian?


— Eu não tenho nada com Fabian, Sirius. Ele é apenas um amigo.


— Um amigo que você estava beijando — ele praticamente rosnou.


— Não vou discutir isso. Não com você nesse estado.


— Sim, pois as coisas só acontecem quando você quer. Eu havia me esquecido como você consegue ser egoísta, Ariadne.


— Agora você está sendo injusto.


— Você é egoísta, Ariadne. Sempre foi. De um jeito ou de outro, as coisas sempre terminam como você quer.


— Não. Isso não é verdade e você sabe disso.


— A única coisa que eu sei é que eu estou aqui, na sua frente, e você só pensa em si mesma. Em estar com aquele... De tanta gente, tinha que ser Fabian Prewett? Eu conseguia sentir raiva do Johnson, mas não do Prewett, com aquele jeito dele tão educado, tão pré-disposto a tudo!


— Fabian e eu somos apenas amigos, Sirius. Não temos nada.


— Mas vocês estavam se beijando! Vai negar para mim que sente algo por ele?


Por um instante pensei em retrucar. Sirius e eu estávamos separados, ele não tinha o direito de vir me cobrar satisfações. Mas entre nós nada era como deveria. Mais uma vez ele me cobrava. E eu não tinha coragem de mentir para mantê-lo afastado de uma vez por todas. Eu sabia que essa seria uma boa oportunidade: eu me envolveria com Fabian e manteria Sirius afastado. Contudo, o que eu faria com o que sentia por ele? Quanto tudo acabasse, quando eu conseguisse me livrar de Sebastian, o que eu faria com Sirius e Fabian?


Eu queria Fabian ao meu lado para suprir um vazio que era deixado por Arktos e Sirius, porém o largaria tão logo me fosse conveniente. Tão logo Sirius me aceitasse de volta quando tudo estivesse bem. Porém, eu ainda tinha a alternativa dada por Lily. Eu poderia contar toda a verdade a Sirius. Dizer a ele tudo sobre Sebastian.


Sim, faça isso. E você presenciará sua morte lenta e dolorosa. A voz de Sebastian era como uma maldição.


Quando olhei para Sirius novamente, ele já estava perto de mim. Muito perto. Meu corpo prontamente respondeu àquela curta distância: coração disparado, boca seca, pernas e mãos trêmulas. Minha saudade parecia gritar. E Sirius notou. Sua raiva cedeu à mesma saudade que eu sentia e ele se aproximou ainda mais.


— Ari...


— Isso não está certo — minha voz saiu chorosa; envergonhei-me pela minha fraqueza.


— Está sim. Eu te amo. Você me ama. Quer algo mais certo que isso?


Nada fiz quando ele me envolveu com seus braços, fazendo com que nossos corpos se tocassem. Ou quando ele começou a beijar meu rosto e dizer o quanto sentia minha falta enquanto seus lábios roçavam minha orelha. Nós sabíamos que eu cederia se ele continuasse com aquilo, e por mais que eu soubesse que era errado, um risco para a vida de Sirius, era difícil ordenar que meu corpo se afastasse do dele. E quando ele disse meu nome num apelo, não pensei duas vezes em jogar tudo para o alto.


A imagem de Sebastian furioso invadiu minha mente, mas decidi correr o risco. Lily estava certa. Eu precisava deixar que Sirius entrasse em minha vida totalmente, entender que assim seria melhor.


Fui para meu quarto com Sirius e, finalmente, deixei que ele me beijasse por inteira, que retirasse minha roupa e suas mãos percorressem meu corpo em um carinho torturante. Senti o gosto de Uísque de Fogo em sua boca, a maciez de seus cabelos sob minhas mãos e o peso de seu corpo. E nada mais importava.


 


XXX


 


Lily sorria ao meu lado enquanto Sirius e James riam de algo que Pettigrew dissera. Remus vinha da cozinha trazendo um prato de pequenos lanches enquanto Clair trazia as cervejas amanteigadas. Olhei para Lily novamente, notando a avantajada barriga. Pisquei, surpresa. Desde quando Lily estava grávida? Virei para questioná-la, mas Clair puxou Lily para uma conversa e... Clair também estava grávida!


Uma moça, então, saiu da cozinha. Era bonita, com curtos cabelos castanhos. Sirius foi até ela e a beijou. Senti minhas pernas tremerem. Perguntei o que aquilo significava, mas eles não pareciam me ouvir. Ninguém ali me notava.


— Eles seguirão suas vidas.


Não me virei para olhar Sebastian parado ao meu lado. Eu não conseguia tirar os olhos da visão de Sirius com outra, mesmo que fosse apenas uma visão que o vampiro impunha a mim.


— Você não está destinada a isso, Ariadne. Você está destinada a ficar comigo.


— E seu eu não quiser? — retorqui, olhando-o finalmente.


— Você tem o direito de lutar, mas vai perder.


— Então, que diferença faz resistir ou não?


— A diferença, minha cara, é isso. — Sebastian apontou para o grupo feliz. — Isso é o que acontecerá se você não resistir. Seus amigos ficarão bem. Eles não sofrerão consequência de teus atos impensados. Mas, se você resistir como vem fazendo...


Sebastian movimento levemente sua mão e a cena mudou. Uma figura encapuzada entrara na sala, as mãos brancas à mostra, nuas, rebatendo qualquer feitiço que eles lançavam de suas varinhas. Lily foi jogada contra a parede, caindo inconsciente. James tentou socorrê-la, mas já estava morto antes de alcançá-la. Clair, Remus e Petigrew não tiveram chance alguma. A moça que Sirius beijara já estava sendo segurada pelo pescoço, embora fosse mais alta que o atacante. Ela tentou se livrar, porém não conseguiu, e logo a vida também se esvaía de seus olhos.


Sirius foi o último a ser morto. A figura encapuzada aproximou-se dele devagar, facilmente defendendo-se dos feitiços que tentava acertá-la. Com um leve aceno, a varinha de Sirius foi para longe. E foi então que o atacante se mostrou: cabelos negros compridos alcançando-lhe a cintura, pele pálida, lábios vermelhos e olhos dourados. Uma vampira.


Senti o ar me faltar e as pernas falharam. Aquela vampira era eu mesma.


— Mate-o, Ariadne — Sebastian havia entrado na casa, também. Eu sabia que era apenas uma visão, mas minha vontade foi matar as duas figuras de Sebastian que estavam em minha mente: a que estava ao meu lado e a que recém entrou na casa. No entanto, eu tinha apenas olhos para Sirius encarando minha versão vampira. Olhando o monstro que eu havia me tornado.


— Por quê? — ele murmurou.


A Ariadne vampira sorriu complacente. As mãos pálidas alcançaram-lhe o rosto, com carinho.


— Você fez com que Sebastian perdesse tempo — ela falou, a voz suave. — Você fez com que eu perdesse tempo. Estou melhor agora, e você quase atrapalhou tudo. Então, você deve pagar, Sirius.


— Eu tentei te ajudar, como você pediu! Havíamos descoberto uma maneira!


— Mas nada foi o bastante. E eu agradeço por isso.


— Nós ainda pode-


Minha visão se embaçou quando a Ariadne vampira retirou um punhal de suas vestes e enfiou no peito de Sirius. Sem pestanejar. Sem hesitar. À medida que Sirius caía, minhas forças voltaram e eu corri para ampará-lo. Mas ele passou por minhas mãos como se fosse fumaça, caindo no chão. Eu sabia que ele olhava para minha versão vampira, não para mim. Mas eu sentia aqueles olhos me encarando com tristeza.


— Eu sempre te amei — ele disse, a voz fraca.


— E esse é um problema exclusivamente teu — a Ariadne vampira retorquiu, sem sentimento, a voz gelada.


Eles saíram, restando apenas o Sebastian que aparecera primeiro.


— Faça o que está em seus planos, Ariadne — ele disse duramente —, e este será o destino de quem você tanto preza. Diga a todos para irem contra mim. Fique você também contra mim. E a última coisa que verá será o homem que ama olhando-a com temor. Eu vou conseguir transformá-la de qualquer maneira. No entanto, a consequência de sua transformação cabe apenas a você. A vida deles está em suas mãos. A escolha é apenas sua. E escolha rápido.


 


XXX


 


Acordei chorando. Ao meu lado, Sirius estava vivo, respirando pesadamente. Minhas mãos tremiam quando eu o toquei no peito, onde o punhal o havia acertado.


— Em uma visão — murmurei. — Em uma visão.


Uma visão que irá se concretizar.


Sem fazer ruídos, saí da cama e fui até a janela. Os primeiros flocos de neve do inverno já caíam. Fui até minhas roupas, vesti-me e peguei a capa para me proteger.


E então fui embora sem olhar para trás.


 


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N/B: Definitivamente esse é um dos melhores capítulos até agora. Teve um pouco de tudo: alegria, saudade, angústia, medo e muito, mais muito amor! Quem quer saber o que o Sirius vai fazer quando acordar levanta a mão!!!! o/ Fico no aguardo do próximo. Bjks da Pri.

N/A: Olá, queridos. Como eu disse, a situação está caminhando para o fim – embora não na velocidade que eu gostaria, mas estou satisfeita com o resultado. Espero que tenham gostado.


Um obrigada especial à minha querida beta consultora Priscila Louredo, sempre disposta a me ajudar com suas opiniões sempre benvindas! Obrigada sempre, mana.


E também a Duda (não se angustie! Estou me concentrando em Lembranças justamente para ela não ficar em hiatos. Gosto dessa história, então fique tranquila que irei terminá-la.), Perseus Fire (que o Leão não tenha te pegado! Rsrs) e Bruna (delícia te ver por aqui, querida!). Beijos a todos.


Aos outros que acompanham, espero que tenham gostado.


Até o próximo (que já está sendo escrito ;-D )


Lívia.

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