Acertos e erros



Capítulo 11


Acertos e erros


 


Aquilo já chegava a ser ridículo. Mesmo assim, eu não conseguia achar aquela situação cômica como Lily me aconselhara.


— Sabe quando chega a ser cômico, para não acharmos que tudo é tragédia? — ela havia me dito de manhã.


Mas, para mim, a tragédia ainda não tinha virado comédia.


Não era comédia ter um ex-namorado me olhando como se eu fosse uma amante de magia negra. Não era comédia ter um ex-namorado olhando também para outro garoto como se ele fosse o culpado pela nossa separação. E, muito menos, não era comédia alguma ter alguém te olhando o tempo todo como se fosse te agarrar na frente de todos, sem se importar que seu ex-namorado pudesse matá-lo a qualquer momento. Pois era assim que Sirius Black me olhava, e era por isso que Paul parecia cuspir fogo pelas ventas feito um dragão enraivecido.


Eu já me sentia incomodada, não somente pelos olhares de Black, mas por praticamente toda Hogwarts ter notado essa atenção que ele me dava. E às vezes esses olhares eram tão intensos que eu os sentia até mesmo quando conversava com outra pessoa.


— Isso não pode ser pouca coisa.


— Louise... — a avisei enquanto virava a página do livro sobre dementadores.


— Estou falando sério, Ari — ela continuou.


— E ela sabe que, por mais que me seja estranho, penso a mesma coisa — Lily emendou. Estávamos na biblioteca estudando Defesa Contra as Artes das Trevas. Lily estava sentada conosco, uma vez que Clair e Remus preferiram estudar juntos. “Não gosto de segurar vela”, ela dissera.


— Viu? — retorquiu Louise. — A Lily conhece o Black bem melhor que nós duas, já que ele também está na Gryffindor. E se ela diz que o modo como ele te olha quer dizer algo é porque quer dize algo sim.


Encarei Louise, querendo que apenas meu olhar irritado fosse o bastante para calá-la.


— E o Paul não para de cuspir fogo quando olha para o Black.


Rolei os olhos. Eu havia me esquecido que minha amiga não se calava facilmente.


— O que vocês querem que eu faça? Caia de encantos pelo Black? Ele só quer chamar a atenção! É só isso que ele faz. Eu não tenho culpa que a mãe dele não lhe dá a mínima para ele exigir atenção de estranhos.


— Se você não sabe do que fala, é melhor não falar, Ari.


— Vai me censurar agora, Lily?!


— Não é censura. — Lily suspirou. Ela me lembrou o Arktos, quando meu irmão se cansava de nossas discussões. E, assim como ele, Lily se cansava logo no começo. — Eu só digo, Ari, que as pessoas podem não ser exatamente como pensamos.


— Então dê uma chance ao Potter — falei, arrogante. Ela não iria me pregar um sermão, sendo que fazia o mesmo que eu.


— Isso é diferente. O Potter é um imbecil mimado e...


— E o Black é um completo idiota que só quer saber de ter toda atenção para si. Eles são farinhas do mesmo saco, Lily. Por que apenas um merece chance?


Ficamos em silêncio por um momento. Até Louise percebeu que, caso a conversa sobre Sirius Black continuasse, a situação não seria agradável.


— Vocês duas são malucas, isso sim.


— Não é questão de maluquice, Louise — Lily falou. Gemi por dentro, porém fingi me concentrar no livro. — A questão é que o Sirius gosta da Ari.


— Ele só gosta de si mesmo — falei, encarando meu livro.


— Quer uma prova?


— E você vai usar Legilimência?


— Não, pois não adiantaria. Você diria que eu influenciei na resposta dele.


— Você é capaz de usar Legilimência? — Olhei para Louise, achando graça de sua admiração.


— Claro que não, sua tonta. E mesmo se a Lily fosse capaz, ela nunca faria isso. É errado demais para ela.


— Não, Louise, não sou capaz desse feitiço ainda.


— Pretensiosa... — resmunguei.


— Mas tenho meus meios para descobrir o que preciso.


— E o que você vai fazer? — Louise perguntou.


— Não dê moral a ela, Louise!


— Como eu disse, eu tenho meus meios.


Olhei para Lily. Não gostei daquele sorriso. Afinal, por mais que eu confiasse em minha amiga, aquilo parecia cheirar a armação. Mas Lily nunca faria algo para me prejudicar.


— Eu só acho que vai ser como procurar um caldeirão de galeões ao fim do arco-íris.


Minhas amigas não disseram nada, concentrando-se em seus respectivos trabalhos.


Passado dez dias, Lily parecia ter se esquecido de questionar Sirius Black. Mas para minha infelicidade, ele não tinha deixado de me encarar como se eu fosse a única pessoa naquela escola. Eu continuava a fingir que não percebia, o que me proporcionava alguma dignidade, contudo minha paciência, como eu sempre digo, tem um limite pequeno.


E eu me irritei completamente quando vi Severus e Sirius Black discutindo num dos corredores do castelo.


Era uma tarde de sábado, e uma vez que o sol estava convidativo nos jardins, todos estavam lá fora. Apressada, consegui me aproximar dos dois e consegui escutar o fim da briga.


—... e se continuar assim, Ranhoso, a coisa vai ficar feia pra você.


— É melhor você não me ameaçar, Black, pois quem tem algo a perder não sou eu.


— O que está acontecendo aqui? — perguntei a alguns passos de alcançá-los.


— Nada, Ariadne. Vá cuidar da sua vida, sim?


Estupefata, não consegui responder a Severus, que logo saía daquele corredor. Eu conhecia meu primo, e no estado em que ele estava, se eu estivesse a dois passos dele, seria azarada. E embora não quisesse estar tão próxima de Sirius Black, ele era o único que poderia me dar alguma explicação.


— Black, por que você estava ameaçando meu primo?


— O que você acha? — a voz dele estava carregada de ironia, o que já me irritou mais do que o normal. — Seu priminho seboso fica metendo aquele nariz grande onde não deve.


— Olhe aqui, Black, eu não admito que...


— Quem não admite sou eu, Ariadne — ele me cortou, como se me acusasse de algo. — E vou te lembrar de uma coisa: se seu priminho continuar se metendo onde não deve, eu vou cumprir minha ameaça sim. A coisa vai ficar feia para o lado dele.


— Mas o que ele está fazendo? — exigi saber.


Ele olhou para os lados antes de me responder:


— Remus.


Franzi as sobrancelhas, não entendendo a princípio, contudo logo percebi a que ele se referia. Isso fez com que minha raiva fosse parcialmente diminuída.


— Severus continua bisbilhotando sobre Remus? Mas... Ele não fala nada comigo.


— Por que, ele deveria?


— Severus me conta tudo, Black — retorqui, óbvia, não gostando daquele tom sarcástico. — Enfim — continuei, não querendo ouvir o que ele tinha a falar —, pode ficar tranquilo que vou sondar meu primo. Alguma coisa ele deve ter em mente.


— Foi o que ele deixou claro enquanto conversávamos.


— Como assim?


— Ele disse que tinha um plano e...


— Oi, Sirius.


— Hã... Oi, Marlene.


Rolei os olhos com aquela interrupção. Marlene McKinnon também pertencia à Gryffindor; com certeza era uma das fãs de Sirius Black. E que, pelo visto, não gostava de nada de ele estar conversando comigo. Claro que eu não me importava com o que ela pensava ou gostava, mas eu queria continuar minha conversa com o Black em particular. Portanto, sem dizer nada, segurei-o pelo pulso e o puxei para uma sala próxima.


— Posso saber o que foi isso? — ele me perguntou tão logo fechei a porta na cara daquela garota.


— Só quero terminar nossa conversa em paz.


— Se você quisesse ter um momento a sós comigo, Ariadne, era só falar.


Cruzei os braços ao ouvir a insinuação na voz dele. Porém, logo tive que descruzá-los e colocar um dedo no peito de Sirius Black.


— Não ouse se aproximar de mim, Black. Não entrei aqui com nenhuma intenção que não fosse conversar.


— Tudo bem. — Ele então se afastou. Surpreendi-me com aquela atitude, uma vez que eu tinha certeza que, como sempre, ele tentaria alguma coisa para me agarrar. — Algum problema, Ariadne?


O tom de riso na voz dele me irritou.


— Não. Só fico surpresa por você finalmente perceber que eu não quero coisa alguma com você.


— Quem disse que meu assentimento foi por alguma percepção inexistente?


— O quê?


Ele suspirou.


— Quem disse que eu aceitei me afastar de você por perceber que não sentimos nada?


— Eu entendi o que você disse, Black — respondi com azedume —, só não entendi por que raios você disse isso.


— Ah, sim... É que eu pensei que...


— Que seja — o cortei —, não é para isso que estamos aqui. Estávamos falando sobre Remus e Severus.


— Verdade — ele retorquiu com uma careta. — Remus e o Ranhoso.


Tomei fôlego, pronta para mandá-lo não falar assim de meu primo, mas era inútil.


— O que o Severus falou que iria fazer?


— Que iria, não. Que vai fazer.


— O que ele vai fazer?


— Ele não falou realmente o que vai fazer, só disse que fará algo para provar que tem algo errado com Remus.


— E Severus é muito obstinado.


— Deve estar no sangue.


Fingi não ouvir a provocação enquanto me sentava em uma cadeira. Black imitou meu gesto, sentando-se ao meu lado. Rolei os olhos e me levantei.


— Vou tentar descobrir o que Severus tem em mente. Pode deixar que, no que depender de mim, ele não vai saber sobre Remus.


— Assunto resolvido, então?


— Sim.


— Então o assunto agora é sobre nós dois.


— Esse tópico não existe e... Black, me solte!


Mais uma vez – e, com certeza, sem minha vontade e autorização –, eu me encontrava presa. Black tratara de me abraçar fortemente, deixando meus braços entre nossos corpos. A opção de estapeá-lo ou dar-lhe um belo soco estava fora de cogitação.


— Me solte. — Embora meu coração já estivesse disparado pela raiva, minha voz saiu calma.


— Somente quando você confessar que sentiu minha falta.


— Eu não senti sua falta, Black.


— Sentiu, sim. Você acabou com seu namoro com o Johnson simplesmente para que eu voltasse a te beijar.


Eu ri alto.


— Claro, é verdade — falei cheia de sarcasmo. — Você me beijar à força é a razão pela qual vivo, Sirius Black.


Black ergueu as sobrancelhas e sorriu levemente. Em seguida, com brusquidão, aproximou seu rosto do meu. Entretanto, nossos lábios mal se tocavam. Suspendi a respiração, assustada. Black me segurar era algo que eu conseguia lidar. Mas se ele me beijasse, eu não saberia como poderia reagir. E isso me deixava mais assustada ainda. Eu deveria confessar isso a alguém – um curandeiro especializado em doenças mentais, de preferência – antes que eu fizesse uma besteira sem tamanhos.


Percebi que eu me encontrava apenas com a ponta dos pés no chão. Uma coisa que eu não tinha igual a Arktos era a altura. E isso, às vezes, era uma coisa muito chata. Afinal, Sirius Black nunca agarraria uma mulher que fosse maior do que ele.


— Me solte agora, Black. — Se eu tivesse conseguido, teria me chutado por minha voz não estar tão firme como antes. 


— E se eu não o fizer?


— Quebro os dedos dos seus pés de novo.


— Seria meio difícil quando você não alcança o chão, Ariadne — o idiota riu, erguendo-me facilmente.


— Black! Seu grande trasgo, idiota! Me coloque no chão agora!


— Em um minuto.


— Em um minuto, não! Agora.


Ele, obviamente, não me obedeceu. No entanto, o que eu achei que seria óbvio que fosse acontecer também não aconteceu. Surpreendendo-me novamente, Black não me beijou. Ficou apenas me encarando, como se quisesse gravar cada parte de meu rosto: testa, olhos, nariz, boca...


Não sei por quanto tempo ele ficou me olhando dessa maneira ou quando ele finalmente me colocou no chão. A única coisa que eu sabia era que não queria sair dali. Queria continuar a sentir seu polegar fazendo leves carícias em minhas bochechas ou quando sua mão acariciava meu pescoço, fazendo minha pele se arrepiar. Havia algo em seu olhar que não permitia me mover. Algo que eu não conseguia diagnosticar. Algo que começou a me assustar.


De repente, Black sorriu levemente, como se tivesse constatado alguma coisa interessante e, sendo essa coisa muito interessante, seu rosto virou levemente para o lado, como se quisesse estudá-la com afinco.


— Que interessante... — ele falou, ainda sorrindo. E sem se preocupar se eu tinha voz ou não para questioná-lo sobre o que era interessante, continuou. — Seus olhos ficam claros quando você se deixa levar... Além de suas bochechas ficarem coradas.


— Black...


— Você fica linda, assim.


Aquelas palavras na boca dele fez minha cabeça rodar. Ele dissera de uma maneira tão simples, como se não fosse errado estarmos tão próximos; como se nada no mundo importasse, se não nós dois. Ele parecia prestes a dizer algo; e se meus instintos estavam corretos, o que quer que ele fosse dizer estava totalmente ligado ao olhar dele que, instantes atrás, me assustara.


— Ari, eu...


— Eu preciso ir, Black.


E ainda sentindo minha cabeça rodar, além de minhas pernas não estarem totalmente firmes, saí daquela sala, tentando deixar meus receios para trás.


Não saí mais àquele sábado. Nem mesmo a fome foi capaz de me fazer deixar o seguro cortinado de minha cama. Louise me trouxera um pedaço de torta de rim embrulhado em um guardanapo, escondida. Eu a agradeci, mas não respondi ao seu olhar questionador.


O que eu falaria para minha amiga? Que nunca me sentira tão próxima de um garoto como nos minutos em que fiquei nos braços de Sirius Black? Nem quando Paul me beijava eu sentia minha cabeça zonza; nem quando Paul me abraçava eu me sentia tão segura; nem quando Paul me olhava com tanta intensidade eu gostaria de ser beijada por ele.


O que eu falaria para Louise, sendo que eu nem sabia o que estava acontecendo comigo?


Em um instante eu odiava Sirius Black! E agora, o que eu mais queria era que ele entrasse pelo meu quarto e me beijasse até perder o fôlego; e depois de recuperá-lo em poucos segundos, que me beijasse de novo, e de novo...


O dia seguinte também não foi muito aprazível. Eu sabia que deveria sair do quarto, mas meu receio em encontrar Sirius Black me deixava sem saber como agir. E isso era frustrante! E logo minha frustração dava lugar à raiva; portanto, logo eu me sentia cheia de dignidade novamente.


Tomei café da manhã junto de Louise sem verificar se ele estava na mesa dos leões, andei com ela pelos corredores sem me importar que ele pudesse aparecer a qualquer momento e, mais tarde, fingi que ele não me olhava de longe. Quando ele parecia querer se aproximar de mim, entretanto, eu logo fazia questão de deixar o lugar em que estava.


Com os dias, não foi difícil para Louise ou Lily perceberem o que estava acontecendo.


— Isso é ridículo! — Lily falou, sua voz era apenas um sussurro, uma vez que estávamos na aula de Transfiguração.


Eu não respondi nada, fazendo-a copiar furiosamente algo no caderno.


— Até o Potter perguntou se você tinha enfeitiçado o Sirius — ela continuou. — Olhe só! O Potter me perguntando isso, e ofendido! É claro que eu disse a ele que você não tinha feito nada, uma vez que nunca perderia tempo com uma Poção do Amor. A Clair também percebeu que havia algo errado, mas como ela está preocupada com o Remus, não notou tudo.


— O que há com o Remus? — perguntei, tentando mudar o foco da conversa.


Lily suspirou.


— Lua cheia daqui uns dias.


Como se fosse apertado um botão, eu me enrijeci na cadeira e olhei para trás, focalizando Severus.


— Droga — murmurei, voltando a encarar meu próprio caderno.


— O que foi?


— Preciso resolver um assunto que acabei me esquecendo. Aquele idiota...


— Quem é idiota?


— Black. Ele me fez esquecer algo muito importante.


— Que é?


— Severus está tentando descobrir algo sobre Remus. Por que ele se ausenta tanto. E eu prometi ao Black que tentaria descobrir o plano do Severus, mas...


— Ficou ocupada demais pensando nele e fugindo dele também?


— De Severus?


— Não se faça de retardada, Ari.


— Você quem faz perguntas sem sentido, Lily.


Aproveitei o sinal do fim da aula e fugi de minha amiga.


Uma vez que eu tinha uma desculpa perfeita para deixar meus pensamentos sobre Sirius Black de lado, corri para Severus, fazendo dupla com ele na aula de Poções.


Ele ficou a aula toda em silêncio. Somente quando estávamos saindo da sala de aula, rumo ao salão comunal, que ele resolveu conversar.


— Você está estranha esses dias.


— Estranha? Não acho.


— Está sim.


— Não estou. Quem está estranho é você, Sev.


— Eu? — ele perguntou, rindo.


— Sim. Você me parece muito preocupado.


— Fique tranquila, Dina, pois minhas preocupações não são nada absurdas.


— Será? — Olhei para os lados e, ao perceber que estávamos meio que isolados, falei um pouco mais baixo: — Eu percebi que você não para de olhar para um grupo da Gryffindor. Um grupo bem seleto, aliás.


— Notou, é? Eu te achei tão aérea esses dias... Tem certeza que você notou que algo está realmente acontecendo, Dina?


Assim como ele, fui descaradamente irônica.


— Eu realmente estava um pouco aérea. Não sei se o que fiz com Paul foi certo. Ele merecia um pouco mais de respeito. Estou cogitando pedir desculpas a ele.


Severus ergueu as sobrancelhas, parecendo acreditar em minha desculpa esfarrapada. Sorte minha.


— Mas o que me preocupa é você, Sev — continuei, minha voz aflita. — O que você está aprontando? Vai procurar encrenca novamente com aqueles idiotas?


— Tem certeza que você acha eles idiotas, Dina?


— Claro que tenho.


— Interessante saber disso.


— Por que todo esse sarcasmo, Sev? — perguntei parecendo ofendida.


— Nada demais.


— Severus...


— Olhe, Ariadne — notei a mudança do apelido para o nome, mas meu rosto triste – e fingido – permanecia —, cuide dos seus problemas que eu cuido dos meus.


— Mas é que não parece que você está cuidado dos seus problemas, Sev. Eu fico preocupada. Você é meu primo e eu gosto de você!


— Então trate de me apoiar mais e pare de pensar no que não deve e fugir do que não precisa.


— O que você quer dizer com isso?


— Você sabe do que estou falando. E se realmente gosta de mim, Dina, como você diz, e se tem algum respeito pelo nosso parentesco, então não se meta mais em meus assuntos.


Rapidamente Severus se afastou de mim, deixando-me parada, para trás, no corredor.


Por essa conversa eu sabia que meu primo estava aprontando alguma coisa grande e que, com certeza, não me contaria. A única opção que me restava era vigiá-lo nos próximos dias, quando Remus iria se refugiar na Casa dos Gritos. Contudo, nada de diferente aconteceu.


Fazíamos duplas nas aulas normalmente e Severus se mostrava com seu humor habitual. Nas tardes após as aulas, ficávamos na biblioteca estudando e, no salão comunal, ele se juntava aos seus amigos, deixando-me de lado. Cheguei a pensar que nada aconteceria de extraordinário, embora soubesse que a ameaça de meu primo aos gryffindor não havia sido vã. E foi no último dia de lua cheia que eu tive esta certeza.


Era sexta-feira. Severus estava mais taciturno e concentrado que o normal. Não conversamos muito, e quando o fazíamos, ele se mostrava irritado por eu interromper sua concentração. À tarde fomos à biblioteca como de costume. Ficamos estudando até a hora do jantar. Estávamos no meio do caminho quando ele estacou no corredor.


— O que foi? — perguntei.


— Esqueci meu livro de feitiços — ele falou parecendo muito aborrecido.


— Tudo bem, voltamos para buscar.


— Não, eu volto sozinho.


— Que isso, Sev, eu volto com você.


— Não me acha capaz de ir buscar um livro, Dina? — ele perguntou, rindo. — Pode ir pra Slytherin, eu volto sozinho. Nos encontramos daqui vinte minutos no salão comunal para subirmos pra jantar, certo?


E sem que eu pudesse evitar, tive que continuar o meu caminho.


No entanto, mal havia dado dez passos, algo me deixou inquieta. Olhei para trás, não vendo mais meu primo. Por mais que eu quisesse pensar que Severus não seria capaz de nenhuma maldade, eu também sabia que ele seria capaz de tudo para se vingar dos amigos do Potter. As brincadeiras imbecis que eles tanto faziam para humilhar Severus haviam deixado meu primo sem limites quando queria dar o troco.


Sem me dar conta, meus pés já me levavam novamente para a biblioteca.


Antes que eu chegasse lá, entretanto, uma confusão no corredor me fez parar. Severus, James Potter e Sirius Black duelavam no meio do corredor.


— Severus! — gritei, mas ele não me deu atenção.


Eu nunca havia visto meu primo duelar daquele jeito, nem quando treinávamos em minha casa, junto de Arktos. Em seu rosto havia uma raiva, misto a uma firmeza e dedicação estranhas; além disso, seu rosto mostrava uma vitória ainda não conquistada.


Já Black e Potter estavam incrivelmente irritados.


— Parem com isso! — exigi quando me aproximei o bastante para ser ouvida. Como não foi o bastante, larguei meus livros no chão e retirei minha varinha das vestes, pronta para repelir qualquer feitiço. Assim, aproximei-me do meu primo. — Severus, pare com isso! Um professor pode aparecer a qualquer momento.


— Dina, saia daqui!


— Precisando de sua priminha para te ajudar, Ranhoso? — Potter gritou, sarcástico.


— Eu não sou como você, Potter! Não preciso de ajuda.


E com uma força e raiva que eu nunca achei que Severus usaria um dia contra mim, ele me empurrou, fazendo com que eu caísse no chão. Eu não consegui reagir a isso, assim como não sei quem me ergueu do chão depois de um momento. Senti vontade de esganar meu primo ali e agora, porém algo chegou primeiro que eu. Vi Severus quase cair para trás com um feitiço e, em seguida, tentáculos começarem a surgir em seu rosto. Olhei para ver se fora Black ou Potter quem usara o feitiço, mas o que enxerguei foi Sirius Black aproximar-se furiosamente de Severus e desferir-lhe um soco no queixo. A força do impacto foi tanta que meu primo caiu no chão. E eu tinha certeza que Black só não continuou batendo em meu primo, porque seus amigos – Pettigrew também apareceu, surgindo do nada – o seguraram.


— Seu comensal nojento! — Black gritou. — Quem você pensa que é para tratar os outros assim? Primeiro Peter, e depois sua própria prima? Você não merece metade do carinho que ela tem por você.


— Quero que você vá para o inferno, Black! — Severus havia se levantado; ao contrário do que poderia parecer, os tentáculos que se moviam em seu rosto não deixava a cena cômica como deveria. — Você e seus “achismos” não me interessam. E se eu fosse você, não me preocuparia tanto com a Ariadne. Ela sabe se cuidar muito bem. Só precisa saber do que realmente é capaz e do que verdadeiramente é feita.


— Ah, sim, e você sabe de todas as respostas, não é mesmo, Ranhoso?


Quando Severus ergueu a varinha para lançar um feitiço em Black, agi instintivamente. A passos rápidos, aproximei-me de meu primo e ergui seu braço, fazendo com que o feitiço explodisse um pedaço do teto.


— Severus, pare!


— Solte-me, Ariadne. — Havia tanta raiva nos olhos do meu primo devido a minha interferência que todo o triunfo que eu havia visto anteriormente desaparecera. — Já disse para você não interferir em meus assuntos.


— Você é meu primo e eu interfiro sim — falei entre os dentes.


— Pois vá você também para o inferno.


Foi pior que levar um tapa no rosto. Além da agressão, Severus me tratara com desprezo. E eu não entendia por quê.


— Um dia, talvez, eu vá. E espero não te encontrar lá, Sev.


E sem me importar com a expressão de pena de Sirius Black ou a de raiva que Severus ainda me dirigia, saí daquele corredor.


Mais tarde, em meu quarto, Louise apareceu para me ver.


— Está tudo bem?


— Acho que sim.


Ela sentou-se ao meu lado.


— Que foi? — perguntei.


— Não gostei de sua resposta. “Acho que sim” é um pouco vago, não acha?


— Talvez.


Ficamos em silêncio por alguns minutos. Louise colocou meus livros, que estavam em seus braços, ao seu lado. Eu os havia esquecido no corredor.


— Depois que você saiu — ela falou —, seu primo foi para a enfermaria, enquanto Potter, Pettigrew e Black iam para a torre. — Como não respondi nada, ela continuou: — Seu primo logo foi liberado com o rosto novo em folha, mas não veio pra cá. Ouvi ele e Avery conversando. Ele falou para seu primo se vingar dos dois gryffindor, mas Snape falou que já tinha algo em mente.


Por um lado, ouvir Louise fazia eu me lembrar do olhar de Severus. Tinha tanta raiva ali que eu não sabia se havia feito algo ao meu primo. Eu queria mandá-la ficar quieta. Entretanto, eu também queria saber o que havia acontecido assim que deixei aquele corredor.


— Lily me perguntou de você. Eu disse que você estava legal, só cansada. Eu te trouxe também um pastelão e suco.


— Obrigada, Lou, mas não estou com fome.


— Tudo bem. Vou deixá-los do lado da sua cama, se você quiser.


Em seguida, Louise saiu. Fechei meu cortinado e tentei dormir.


Era inútil.


Fechar os olhos fazia me lembrar tanto de Severus quanto de Sirius Black. O ódio do primeiro e a raiva do segundo. A única diferença era que a raiva de Black não era destinada a mim, mas sim ao meu primo, o que fez minhas lembranças sobre nossa última conversa voltarem.


Eu não queria acreditar, de maneira alguma, que Sirius Black sentia algo por mim. E, ainda mais, queria acreditar que eu sentia algo por ele. Era surreal. Absurdo. Ridículo! De onde havia surgido esse sentimento? Quando? Como? Por um instante, peguei-me a pensar se a vingança que Severus tinha em mente me afetaria de alguma maneira quando ela fosse executada contra Black e seus amigos.


Ergui-me da cama de supetão. Louise dissera que Severus já tinha uma vingança em mente. Será que estava ligada a Remus? Será que meu primo daria um jeito de dizer a todos sobre a situação dele? E será que, para isso, ele daria um jeito de entrar na Casa dos Gritos?


Rapidamente levantei-me da cama e saí do quarto sem dar atenção para Louise. Procurei Severus no salão comunal, mas não o vi. Olhei para o relógio, que indicava ser quase onze horas da noite. Sem pensar duas vezes, saí.


Enquanto subia os andares até o hall de entrada do castelo, olhava pelas janelas disponíveis, verificando se encontrava Severus pelo jardim. Nada. Eu não fazia ideia como ele chegaria ou entraria na Casa dos Gritos, só sabia que ele precisava alcançar o exterior da escola.


Quando cheguei nos jardins, só precisei esperar alguns segundos para ver, ao longe, um grupo de três pessoas correndo desembestadas. O primeiro que vi foi Potter.


— Onde está Severus?


— Lá dentro.


— Dentro de onde? — perguntei quase sem paciência.


— Do Salgueiro Lutador. Agora, dê-me licença, Lakerdos.


E me tirando de sua frente, vi Potter correr até o salgueiro. Pensei em gritar, avisando que a árvore o jogaria longe, mas qual não foi minha surpresa quando ela, do nada, parou de se mover. 


Eu estava pensando que ele estava louco. O que ele faria perto daquela árvore? Em quê isso ajudaria para buscar Severus que estava só Deus sabia onde? Foi então que, mais uma vez, surpreendi-me àquele dia. No lugar de James Potter, prestes a entrar no espaço que havia entre o Salgueiro Lutador e o chão, estava um cervo.


— Animago — murmurei bobamente. Minha ficha caiu. — É assim que vocês se aproximam de Remus.


— Me desculpe, Ariadne.


Somente neste momento vi Black atrás de mim.


— Sirius, o que está acontecendo?


Ele ficou espantado por alguns segundos, para então sorrir, parecendo triste.


— Este não era o momento que eu havia planejado para ouvir você dizer meu nome.


Só então percebi que, em meu nervosismo, não o chamei pelo sobrenome.


— Black, me responda!


— Me desculpe, Ariadne. Eu não devia ter feito isso, mas... Eu saí do sério, entende?


— Do que você está falando?


— Depois que você saiu do corredor, mais cedo, e o Snape foi à enfermaria, eu o segui. E disse a ele que...


— Disse o quê? — perguntei quando ele hesitou. Eu não estava gostando para onde aquela conversa estava seguindo, mas eu devia saber.


— Eu disse que, se ele estava com tanta vontade de saber o que estava acontecendo neste castelo, que atravessasse o caminho que existia secretamente debaixo do Salgueiro Lutador.


— Black, para onde vai esse caminho?


— Casa dos Gritos — a voz de Black foi um murmúrio rouco.


— Você o mandou ao Remus? — perguntei aflita e sem voz.


— Ariadne, sinto muito. Me desculpe! Eu agi sem pensar.


— Saia de perto de mim — gritei. — Se algo acontecer ao meu primo, será sua culpa, Black! Eu nunca vou te perdoar! E o Remus? Você não pensou no Remus? O quão egoísta você é, Sirius Black? É tão egoísta a ponto de sacrificar seus amigos? A ponto de me sacrificar?


— Eu não pensei, Ariadne! Me desculpe!


— Pensar não é algo que você faz, disso eu já sei. E pare de me pedir desculpas!


Afastei-me dele, sentindo-me impotente. Fiz uma pequena oração, pedindo a qualquer deus que estivesse me ouvindo que não deixasse que nada acontecesse a Severus ou Remus.


Depois do que pareceu uma eternidade, vi Potter trazendo Severus. Meu primo estava mais pálido que o normal. Somente quando eles finalmente se afastaram do Salgueiro Lutador que eu consegui correr para abraçá-lo.


— Você está bem?


— Vocês terão tempo para isso depois, Srta. Lakerdos.


Sem soltar Severus completamente, virei-me para trás e vi Dumbledore juntar-se ao grupo junto de um ofegante Pettigrew. Eu nem havia notado que ele havia saído para chamar o diretor.


— Todos para meu escritório, agora.


— Professor Dumbledore, o Lupin, ele...


— Eu disse todos para meu escritório, agora, Sr. Snape. E até chegarmos lá, não vou querer ouvir uma conversa sobre o que foi visto além desses jardins.


Sem ter alternativa, todos seguimos o diretor, silenciosos. Eu tentei apoiar Severus, mas ele parecia ter nojo de mim. Ofendida, segui ao seu lado, entre aliviada por vê-lo bem e com uma imensa tristeza por pensar que havia perdido algo muito importante àquela noite.


 


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NB: E aí está o episódio em que Potter salva o Ranhoso, digo, Severo da morte... Capítulo excelente, mas sinceramente, a Ariadne está me dando nos nervos. Desencanta, mulher! É o Sirius!!!! O lindo, inteligente, sarcástico, sexy Sirius!!! PeloamordeMerlin, Liv querida, desencanta esses dois antes que eu tenha um treco! Bjks


 


NA: OK, eu vou fazer o máximo para desencantá-los nos próximos capítulos..rsrs... Talvez o próximo até tenha algo... Espero que todos tenham gostado.


E esse capítulo veio logo, porque eu aproveitei o feriadão!


A Luh Broekhart, meu muito obrigada!


Ah, sim...e a quem acompanha, logo terá um capítulo novo de “Sombras de Uma Escolha”.


Beijos, queridos!


Liv

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