Abandonada



Capítulo 20


 


Abandonada


 


Fazer a ronda noturna estava sendo um sacrifício, pois o silêncio era um forte sonífero.


Quando Parkinson me expulsou do time de Quadribol, há um mês, eu pensei que teria mais tempo, estudar o livro de Blake sobre Morgana, e até mesmo saber mais sobre o que acontecia comigo. Contudo, os pesadelos se tornaram mais frequentes. Era comum eu acordar quase todos os dias antes das cinco horas da manhã, assim como dormir quando me encontrava à noite com Sirius. Minhas olheiras estavam ficando mais fortes, o que o deixou preocupado e insistente para saber o que estava acontecendo. Lily, Clair e Louise também me enchiam de perguntas sobre meu abatimento. Até mesmo Severus parecia preocupado – embora raramente eu o visse me olhando.


Dez dias antes, eu escrevera para Arktos contando o que tinha descoberto sobre as Visões Impostas. Eu sabia que ele estava muito ocupado com Voldemort, que estava cada vez mais aterrorizante. No Profeta Diário saía sempre uma notícia sobre os ataques dos Comensais da Morte. Porém eu também sabia que ele não interromperia a pesquisa que prometera fazer, e até perguntei se ele conseguira conversar com nosso primo Alexey, o qual nos salvara quando nossos pais foram assassinados. Mas, como não havia recebido resposta de meu irmão, eu continuava a ler, a procurar, a tentar entender o que aquele homem de olhos roxos queria tanto comigo.


E talvez eu descobrisse, pois, de uma hora para outra, o corredor de Hogwarts mudou totalmente para paredes acinzentadas com quadros e chão acarpetado. Eu estava no castelo que sempre visitava em meus sonhos. Estaquei no corredor, olhando para trás, mas não havia mais nada de Hogwarts.


— Você fez algo muito errado, Ariadne. E irá ser punida por isso.


A voz baixa fez meu sangue gelar. Sonhar com esse homem era uma coisa; tê-lo em minha mente quando acordada era aterrorizante. Pelo visto, eu não tinha controle algum sobre essas visões.


Eu sentia que ele estava atrás de mim, e até sentiria seu toque se ele quisesse. Com a coragem que eu estava longe de sentir – como sempre acontecia –, virei para olhá-lo. Ele não estava sozinho. Senti que meu coração sairia do peito tamanho meu desespero, e não consegui conter o grito de terror.


— Ariadne!


No momento em que Sirius me chamou e tocou meu ombro, toda aquela cena se desfez. Sem nem pensar, o abracei com desespero. Eu estava novamente em Hogwarts, mas a imagem do homem de olhos roxos ladeado pelos meus pais mortos ainda estava muito viva em minha mente. Agradeci aos deuses ao sentir os braços de Sirius ao meu redor, a voz dele em meu ouvido dizendo para me acalmar, que eu estava bem, estava segura. Nem percebi que chorava.


Ele ficou me segurando, sem perguntar nada, por bons minutos, até que eu me acalmasse.


— O que você está fazendo aqui? — perguntei com a voz fraca.  


— O que sempre faço quando você está de ronda. Vim ficar com você. Mas vamos sair daqui, seu grito pode ter chamado a atenção de alguém.


Sirius tentou andar com o braço sobre meu ombro, como se ainda quisesse me abraçar ou proteger, mas eu preferi segurar-lhe apenas a mão. Havia sido um erro correr para ele como se meu mundo dependesse disso. Bem, de certa maneira dependia, pois senti-lo me abraçando fez toda a sensação de morte desaparecer. Eu não conseguia mais negar que Sirius era importante para mim de uma maneira que ninguém jamais fora. Porém, sempre que eu pensava isso, algo insistia em martelar em minha mente que nós nunca daríamos certo, que havia uma barreira desconhecida que nos impediria de seguir juntos – ou simplesmente me impediria. E por mais que eu pensasse sobre o que me impedia de deixar-me levar, nunca conseguia chegar a lugar algum. Então, eu achava que seria melhor não demonstrar tanta dependência desses sentimentos.


Percebi que ele me levava para a sala do terceiro andar que eu sempre me escondia. No entanto, eu não estava preparada para mais perguntas sobre a minha sanidade.


— Acho melhor eu voltar para meu salão comunal — disse enquanto parava de andar. Sirius segurou minha mão mais forte e não deixou que eu fosse embora.  Suspirei. — Sirius...


— Você precisa se acalmar, primeiro.


— Eu estou calma.


— Então, por que sinto sua mão tremendo?


— Eu prefiro não falar disso agora.


Ele parou de andar, embora não soltasse minha mão, e me encarou.


— Quando você quer falar? Quando tiver enlouquecido com o que quer que esteja acontecendo? Ari, pelo amor de Deus! Aquele seu grito foi... Eu nem sei como descrever. Ouvi você gritando antes de virar o corredor e achei que alguém estivesse te torturando, ou pior! — Como eu não disse nada, ele continuou. — O que aconteceu com você tem a ver com o fato de você não conseguir dormir? Os pesadelos?


— Sim — confessei. Sirius não era idiota. Eu sabia que ele havia perguntado apenas para confirmar suas suspeitas óbvias. E eu também não queria iniciar uma discussão. Seria idiotice de minha parte, uma vez que ele presenciou meu grito de terror minutos atrás. Além, claro, da crise de choro em seus braços. Dizer a ele que eu estava bem e que o acontecido não era importante era o mesmo que dizer que hipogrifos não voavam.


— Você já descobriu alguma coisa sobre o que está acontecendo?


Hesitante, olhei para nossas mãos juntas. Sirius não me forçaria a ficar com ele e responder suas perguntas. Mas eu precisava desabafar! Então, contei o que eu podia, tanto para eu me sentir mais tranquila, tanto para ele parar de fazer perguntas.


— Descobri um pouco.


— E o que você descobriu?


— Ao que parece, alguém está impondo suas memórias para mim. Eu vejo o que a pessoa quer, entende?


— Como um legilimente?


— Mais ou menos. Não são meus sentimentos ou memórias, é de outra pessoa.


— E como são esses pensamentos?


— Basicamente? — perguntei num suspiro. — Mortes. A dos meus pais, principalmente.


— Mas por que essa pessoa faz isso?


— Isso eu ainda não sei.


— Tem como bloquear esses pensamentos como se bloqueia um legilimente?


— Estou tentando encontrar uma maneira, mas até agora não vi nada.


— Que tal oclumência?


Olhei surpresa para Sirius. Sua ideia me parecia absurda de tão prática, mas talvez ele estivesse certo.


— Não é uma ideia ruim. — Sorri. — Obrigada.


Ele apenas deu de ombros.


— Você precisa de ajuda nessas pesquisas?


— Não, Sirius. Meu irmão também está pesquisando. E para ajudá-lo, até mandei uma carta contando sobre as coisas que descobri.


— E o que ele disse?


— Ainda não respondeu.


— Talvez ele não tenha descoberto nada de importante.


— Ou o que descobriu é tão ruim que ele não quer me dizer por carta. —Estremeci de medo diante desta possibilidade. Sirius abraçou-me novamente, querendo me consolar; mais uma vez, a sensação ruim começou a sumir de mim. Suspirei, aliviada. Eu poderia acostumar-me a isso.


A carta de Arktos chegou no dia seguinte, ao café da manhã. Aproveitei que aquele domingo amanhecera gelado pela neve que caíra durante a madrugada e fui para os jardins, embaixo do carvalho que havia perto do lago. Poucos alunos estavam do lado de fora do castelo, o que foi bom. O que meu irmão escrevera não era o que eu esperava.


 


Mon agaphmenos Dina,


Não se preocupe muito com esses sonhos, por enquanto. Guarde suas anotações com você e, assim que vier para o Natal, conversaremos.


Sim, falei com Alexey, o que foi bem esclarecedor, embora ele continue com aquele ar irritante de quem só ajuda por ser obrigado (acho que ele, na verdade, gosta da gente, mas não admite).


Nos vemos daqui duas semanas.


Agapi,


Arktos.


 


Olhei para a carta com mau humor. Eu queria que Arktos tivesse sido mais claro, que já me dissesse o que descobriu.


— Do seu irmão?


— Sim.


— O que ele diz? Descobriu algo? — Sirius ficou ao meu lado tentando ler a carta que eu ainda tinha aberta em minhas mãos.


— Parece que sim. Ele só diz que conversaremos no Natal — falei, guardando a carta no bolso do casaco.


— Duas semanas passam rápido, você vai ver.


— Acho que sim... O que você está fazendo? — perguntei enquanto empurrava Sirius.


— Tentando te beijar?


— Aqui no meio dos jardins? Alguém vai nos ver!


— Não tem ninguém aqui, Ari. — Sirius me puxou e me colocou contra a árvore, prendendo-me.


— Sirius, nós combinamos manter isso em segredo.


— A árvore nos protegerá de olhos curiosos — ele disse, beijando minha bochecha.


— Até que algum casal tenha a mesma ideia.


— Não posso condená-los.


— Isso é maluquice...


— Bom, eu estou maluco. E você?


Não pude responder a pergunta de Sirius. Na verdade, nem quis, pois logo ele me beijava e toda a minha resistência e razão desapareciam. Por apenas neste instante, eu coloquei meus problemas de lado... Esperar duas semanas para conversar com Arktos não me parecia um absurdo, agora.


Mandando a precaução às favas, abracei Sirius pelo pescoço, deixando que ele ditasse o ritmo daquele beijo. Ri quando soltou um muxoxo e, segurando-me pela cintura, me colocou em cima de uma raiz, o que nos deixou quase no mesmo nível. Às vezes, eu achava cômica nossa diferença de altura, o que parecia aborrecê-lo em alguns momentos.


Além do ritmo, Sirius também ditava a intensidade do beijo, a qual estava aumentando. E foi impossível conter um gemido quando ele apertou-me em seus braços. Minha vontade era sair daquele lugar imediatamente... Ir para um lugar mais privado.


Porém ele interrompeu o beijo.


— Que foi? — perguntei com a voz engrolada.


— Acho que escutei alguém.


Escorreguei de cima da raiz e quase caí, fazendo Sirius rir.


— Quem?


— Deixe-me ver. Ah, só o James e a Lily.


— O quê?! — segurei-me para não gritar apavorada, enquanto Sirius parecia calmo demais. — Eles não podem nos ver aqui. Muito menos a Lily.


— Por quê?


— Depois do que falei para ela sobre o Potter? Nem pensar! Ela me jogaria na cara, e não estou a fim, obrigada.


— Se contássemos, tudo ficaria mais fácil, Ari.


— Sirius, não! — Segurei-o pelo braço, puxando-o novamente para trás do carvalho.


— Eu não entendo você querer esconder isso dos nossos amigos.


— O Potter não é meu amigo.


— Você entendeu o que eu quis dizer. E, Ari, nós estamos juntos há dois meses! Por quanto tempo mais você acha que continuaremos anônimos?


Respirei fundo, tentando me acalmar.


Eu queria parar de me esconder com Sirius e de fingir uma indiferença que eu estava longe de sentir quando estávamos em público, e não entendia o medo que me enchia sempre que essa decisão estava definida. Severus não era mais desculpa, e na verdade nem me importava mais com o que ele iria pensar depois de tanto tempo agindo friamente comigo apesar de eu estar com problemas e ele saber muito bem disso. E havia outra coisa que Sirius também estava certo: por quanto tempo continuaríamos anônimos? Louise já desconfiava que eu estava com alguém, e Lily e Clair não disseram nada, mas eu conhecia minhas amigas; notava que era vigiada durante o dia a fim de perceberem qualquer deslize.


E, oras, Sirius e James Potter eram muito amigos! Uma hora ou outra, o Potter o pressionaria de tal maneira que mentir ou esconder se tornaria impossível.


Com essa certeza, só houve mais um pensamento que fechou os argumentos em deixar nosso relacionamento às claras e mandar para o espaço minha hesitação: naquele castelo, ninguém mandava em minha vida; eu fazia o que bem entendia e pronto.


— Seja o que os deuses quiserem, então — falei, dando de ombro.  


O sorriso e o beijo estalado de Sirius foi uma resposta deliciosamente empolgante.


— Você não vai se arrepender.


— Eu espero que não.


— Só não espere que não haja ironias.


— Posso sobreviver a isso totalmente.


E colocando uma máscara de indiferença, deixei que Sirius segurasse minha mão e me tirasse detrás daquele carvalho.


Demorou alguns segundos para Lily e o Potter nos verem, pois estavam mais concentrados em si mesmos. Mas, quando nos viram, eles estacaram, olhando-nos entre perplexos e assombrados. Ao menos era assim que Lily me olhava, e como a feição do Potter era parecida, achei que ele também achava que estava tendo uma visão. Para meu espanto, Lily então sorriu e meneou a cabeça. Eu conhecia aqueles gestos muito bem e eles sempre vinham acompanhados da frase “Eu sabia que isso aconteceria”. Já Potter me pareceu ultrajado.


— Que porcaria é essa? — ele perguntou apontando para nossas mãos entrelaçadas.


Pensei em dar-lhe uma resposta grosseira, mas Sirius foi mais rápido:


— A mesma que você e Lily têm. — E mais casual ainda, continuou. — Cadê o Remus? Ele não estava com vocês?


— Esquece o Remus, Sirius! Desde quando você está com a Lakerdos?


— Faz dois meses.


— Tudo isso? Como eu não percebi? — Lily retorquiu.


— Somos bons em esconder, só isso — falei, sorrindo de maneira arrogante.


— Por que você não me contou? Eu encontraria um contrafeitiço — Potter continuou, olhando para Sirius, que riu.


— Não preciso de contrafeitiço.


— Então é demência...


— Ei! — agora era eu quem estava ultrajada.


— Você é uma tremenda cara de pau, Lakerdos. Quem diria, hã? 


— Tenho um ótimo mestre para isso, Potter. 


— Eu sei. Seu primo, não é?


— Eu me referi a você, caso não tenha notado.


— Ah, parem com isso, vocês dois — Lily interveio.


— Ele quem começou! — respondi. Virei-me para Sirius. — Foi por isso que não quis contar. Seria melhor se você tivesse feito isso sozinho. Não sou obrigada a aguentar esse demente.


— Se eu fosse demente estaria com você, Lakerdos, não com a Lily. Sem querer ofender, cara.


— Não ofendeu — Sirius retorquiu. Ele parecia estar se divertindo com a situação.


— Vamos sair daqui — falei, puxando Sirius. — Não estou a fim de ouvir o matraquear do Potter e...


— O que foi?


— Ari, você está bem? — Lily perguntou quando eu parei de falar e estaquei. Senti que o sangue fugia de meu rosto.


Droga! Não era assim que eu queria que Severus soubesse de meu envolvimento com Sirius. Não de surpresa, não comigo segurando a mão dele, conversando com Lily e Potter. Eu vi a mágoa e a repulsa em seu rosto quando ele deixou os jardins, voltando para o castelo. Eu sei que ele se sentiu traído ao me ver ali; muito mais de quando discutimos no ano passado quando ele foi parar na Casa dos Gritos ou quando eu defendera Potter no trem.


E embora eu tivesse pensado minutos antes que não me importaria com o que quer que Severus pensasse sobre Sirius e eu, percebi que me importava sim. E muito.


— Eu não queria que fosse assim — lamentei.


— Ele vai sobreviver, Ari.


— Ele vai achar que foi traição. Eu o conheço.


— Mas foi ele quem se afastou de você. Você sabe disso.


— Ei sei, só que... — Suspirei. — Se já não estivéssemos brigados, eu iria correndo atrás dele neste momento, explicaria tudo e então ficaríamos bem depois de alguns dias. Mas agora sei que a raiva dele vai ser difícil de remediar.


— Você acha que ele pode fazer alguma coisa a você? — Sirius me perguntou com preocupação.


— Não. Mas a você, sim.


— Ele não será tão idiota assim.


Olhei para o Potter ao ouvi-lo. Ele estava sério; parecia até mesmo que não acabáramos de ter uma discussão. Porém eu conhecia Severus. Ele se sentia traído e sua raiva aumentou. Ele seria capaz de tudo. Mais uma vez minha preocupação pelo caminho que ele escolhera, ao lado de Voldemort, me angustiou.


— Espero que não — disse, apenas.


A única pessoa que não mostrou surpresa foi Louise.


Estávamos sentadas no dormitório, ao fim daquele domingo, quando lhe contei que estava namorando Sirius. Uma vez que ela sumira o dia todo com Etan, só a encontrei antes de irmos jantar.


— Certo, agora me conte a novidade — ela falou, simulando um bocejo.


— Como assim?


— Ari, você acha que é a rainha da discrição, mas eu não disse que descobriria quem era seu namorado secreto? Eu sei que você está vendo Sirius Black há três semanas. Ficou mais fácil depois que você saiu do time. Além, claro, dos olhares que você lançava para a mesa da Gryffindor. Ah, sim: o Sirius não consegue ser tão discreto quanto você para passar bilhetes por baixo da mesa.


— Mas isso aconteceu só uma vez!


— Foi o bastante para mim. Eu estava de olho, esqueceu?


Eu tive que rir da vitória de Louise.


— Você realmente se empenhou.


— Não foi tão difícil, assim.


— Ah, não seja arrogante — falei rindo e lhe jogando um travesseiro.


 


XXX


 


Para minha total surpresa, as duas semanas antes do feriado de Natal passaram rapidamente. Talvez fosse minha preocupação por Severus intentar algo contra Sirius, o que me deixou alerta durante esses dias. Eu já testemunhara a crueldade de meu primo e não gostaria de fazê-lo novamente. Contudo, mais do que nunca, eu havia me tornado uma completa estranha para ele, e sua indiferença naqueles dias se tornou comum. Portanto, com a chegada do feriado de Natal – e uma vez que Severus não ficaria na escola –, me senti um pouco aliviada.


Outra coisa que fizera a semana voar foram os olhares e gracejos dos alunos ao me verem andar de mãos dadas com Sirius, o que, para minha surpresa, não me aborreceu, e sim me divertiu.


— Achei que você se aborreceria mais com tanta atenção.


— Lily me deu uns toques — falei enquanto me virava para olhá-lo.


Como de costume, estávamos na sala de sempre. Não era para nos escondermos de alguém específico, pois não havia mais necessidade, e sim por já ter passado da hora de recolher e eu estar fazendo minha ronda (minhas obrigações como monitora haviam sido vergonhosamente esquecidas). Pensando melhor, estávamos nos escondendo sim, mas de Filch.


Sirius havia trazido com ele uma manta para nos acomodarmos melhor no chão da sala, na qual estávamos sentados naquele momento.


— Uma vez que ela também bradava odiar o Potter, ela foi bem simpática em me dizer como resolveu tudo isso quando começaram a namorar.


— E o que ela disse?


— Basicamente para não ligar. Mas prefiro usar ameaça, mesmo.


— Que tipo? — ele riu.


— Eu sou monitora, Sirius. Posso muito bem ameaçar um engraçadinho metido à besta. E acho que minhas ameaças de azaração também são bem fortes.


— Mas não a vi ameaçando ninguém.


— Eu não fico o tempo todo com você. E esse tipo de coisa, prefiro fazer na surdina... Quanto menos testemunhas, melhor.


— Não sei como é você na surdina com os outros, mas — ele beijou meu pescoço — estou gostando de como você é na surdina comigo.


— E eu prefiro esta surdina, caso te interesse.


— Me interessa muito.


A noite poderia durar para sempre com Sirius me beijando que eu não me importaria. E uma vez que eu iria para casa no dia seguinte, não liguei em ficar na surdina até altas horas. Claro que eu estaria com olheiras no dia seguinte, mas, e daí?


— Você sabe o que Clair decidiu? — perguntei depois de algum tempo.


Os pais de Clair haviam escrito para ela há dias, dizendo que ela deveria voltar para casa no Natal, pois a família partiria para os Estados Unidos, onde tinham parentes. Porém não era apenas Voldemort o motivo dessa viagem. Depois de descobrirem que Clair namorava um lobisomem, os pais dela haviam decidido tirá-la da escola tão logo pudessem. Ela ainda não decidira o que fazer. Mas, uma coisa Clair afirmara bem convicta: ela não abandonaria Remus.


 — Eu a vi conversando com o Remus, hoje. Ela disse que ficará em Hogwarts no Natal — Sirius disse.


— Os pais dela vão pirar.


— Algo me diz que eles não vão deixar isso barato. Vão fazer alguma coisa.


— Você acha que eles virão aqui para buscá-la?


— Provavelmente.


— E, então, o Clair fará?


Sirius não me respondeu. Assim como ele, eu também não conhecia os pais de Clair o bastante para saber como eles tratariam Remus quando o vissem ou como agiriam se precisassem buscar a filha. Porém, já tínhamos uma premissa pelas cartas que eles escreveram, e que não era nada boa.


Passei uma noite sem sonhos, o que era raro. E mesmo dormindo pouco, meu humor estava ótimo na manhã que iríamos embora.


— Ah, o amor! Nos deixa incrivelmente propensos a cantarolar...


Fiz uma careta para Louise, embora sorrisse. Ela era a que mais fazia gracinhas comigo. Porém nada aborrecedor. Eu até me sentia mais viva nesses instantes com Louise.


— Sirius vai para casa?


— Vai. Bem, não para a casa dele, afinal ainda está morando com os Potter.


— Então vocês terão toda uma viagem para se despedir?


— Sim.


— Sabia que é bem fácil achar uma cabine vazia, nas férias de Natal?


Sorri, embora sentisse minhas bochechas esquentarem levemente ao tom natural de Louise – que eu sabia ter muita malícia oculta.


— Você que é a desavergonhada, Louise, não eu.


— Já lhe disse que não sou desavergonhada. Apenas aproveito minha vida. E você deveria fazer o mesmo, Ari.


— Vou fazer o máximo, então. Já vai tomar café?


— Daqui a pouco. Ainda tenho algumas coisas para organizar.


— Pois eu já vou.


— Sim, vá se encontrar com seu namoradinho.


Apenas abanei a mão para Louise enquanto saía do quarto.


Assim que saí do meu salão comunal, entretanto, um dos monitores da Slytherin me abordou.


— Lakerdos, o Prof. Dumbledore está te chamando no escritório dele.


— Aconteceu alguma coisa?


— Não faço ideia. Ele só pediu que eu a procurasse.


— Tá... Obrigada.


Eu não entendi essa chamada repentina, e durante o trajeto me perguntei o que o diretor queria comigo. Pensei até mesmo que seria sobre minha displicência como monitora. Será que alguém havia me dedurado? Isso seria muito constrangedor...


Porém o diretor me recebeu com um olhar cansado, e olhando para o lado, vi o Prof. Slughorn, também muito preocupado. Somente quando percebi que também estava na sala o chefe de Arktos, o auror Rufus Scrimgeour, que comecei a perceber que o assunto poderia ser referir ao meu irmão.


Você fez algo muito errado, Ariadne...


A voz do homem de olhos roxos ecoou em minha mente ao mesmo tempo em que meu mundo desabava pela voz de Dumbledore.


Arktos estava morto... Comensais da Morte em minha casa... Meu irmão, morto...


Não, meu irmão escrevera para mim há duas semanas, estava me esperando em casa! Foi o que eu disse a eles. Mas Scrimgeour era cruel. Slughorn e Dumbledore também eram.


Arktos estava morto...


Antes que Slughorn me fizesse sentar, eu já tinha fugido da diretoria. Não enxerguei para onde estava indo; esbarrava em algumas pessoas, cega pelas lágrimas, pela dor, pela vontade de morrer ali e agora. Uma multidão estava descendo as escadas, obviamente indo ao Salão Principal tomar café da manhã, inconscientes de que o mundo estava acabando. Não... Para eles, o mundo continuava normal. Apenas o meu mundo acabara. Meu mundo morrera.


Arktos estava morto...


Entrei na primeira sala que vi. Eu precisava chorar. Precisava ficar sozinha. Precisava definhar em paz, sem ninguém me atrapalhando, sem ninguém para intrometer. Eu precisava morrer. Os braços que me rodearam não sei quanto tempo depois, tentando me acalmar, nada podiam fazer. Meu corpo todo doía, meu coração sangrava, nada mais importava, pois Arktos estava morto.


— Severus.... Arktos...


— Eu sei, Dina. Eu sei.


— Ariadne? — A voz de Sirius foi como uma facada em meu peito. Eu não o queria ali. Não agora. Eu não o desejava partilhando a minha dor, partilhando do meu sofrimento. Sirius era apenas alegria e felicidade. Ele não deveria estar ali.


— Sai daqui — murmurei, sem olhá-lo.


— Você a ouviu, Black — Severus disse.


Não entendi o que Sirius respondeu, mas no momento não me importava. Eu só tinha uma realidade naquele momento. A realidade cruel da morte.


Arktos me abandonara.


 


XXX


 


Tradução dos dizeres de Arktos, na carta: Minha querida e Amor


 


N/A: Não vou me estender na nota, pois este capítulo ainda me deixa com dor no coração. Como minha beta me disse: eu sabia que isso aconteceria, mas, mesmo assim, fiquei triste. 


Então, até o próximo capítulo.


Beijos.


Lívia.

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