Descobertas e decepções



Capítulo 14


 


Descobertas e Decepções


 


Os dias que antecederam minha volta a Hogwarts passaram rapidamente, embora eu os tenha passado a maior parte sozinha. Arktos estava trabalhando muito; os aurores eram requisitados o tempo todo devido ao aumento de ataques que vinham acontecendo a trouxas ou mestiços. Voldemort trazia cada vez mais seguidores para sua ideologia torpe de purificação do sangue mágico.


Contudo, uma vez que ele ainda agia de maneira suja, como em surdina e através de ameaças, era praticamente impossível saber quem realmente estava ajudando-o nisso, onde ele se encontrava ou qual seria seu próximo movimento.


Arktos nunca me contava tudo o que acontecia. No entanto, cada vez que ele chegava em casa com o semblante carregado de decepção e raiva eu sentia meu coração apertar. Estudar não estava sendo uma prioridade para mim; eu queria estar com meu irmão, saber que ele chegaria em casa bem, que chegaria vivo. Mas dizer isso a Arktos e conseguir seu consentimento eram duas coisas muito diferentes.


— E seu amigo, voltou a escrever? — Arktos me perguntou. Estávamos sentados em um dos bancos da Estação Kings Cross há alguns minutos, onde a quantidade de alunos aumentava gradativamente.


— Não — falei, suspirando. — Ele não escreveu nesses últimos dias.


— Será que desistiu de você? — meu irmão brincou. Olhei para ele com uma careta.


— Por quê? Sou tão enjoativa assim?


— De vez em quando.


— Então, que bom que estou indo embora, não?


Arktos riu. Em seguida, passou o braço por cima de meu ombro, trazendo-me para junto dele e me abraçando.


— Eu nunca gosto quando você vai, Dina. Afinal, sua irritação constante é o que me faz rir.


— Que bom que alguém está feliz, aqui. — Porém, eu não consegui ficar com raiva de Arktos por tais comentários. Meu coração ainda estava apertado.


— Mas, então? E o tal amigo?


— Eu não sei... — Encostei-me no banco, o braço de meu irmão ainda em meu ombro. — Não entendi por que ele parou de escrever. Talvez tenha acontecido alguma coisa, mas não vou ficar me roendo por isso.


— Talvez ele esteja preparando uma surpresa para quando voltarem à escola.


— Como me dizer quem ele realmente é.


— Quem sabe? — Arktos riu.


Ficamos em silêncio novamente. Olhei para o lado, tentando encontrar uma de minhas amigas em meio à balbúrdia de alunos, mas ninguém havia chegado ainda.


— Dina?


— Sim?


— Por que você não me chamou essa noite?


Senti meu corpo tenso. Durante a noite eu havia tido outro pesadelo envolvendo a morte dos meus pais. Eu não havia gritado como antes, isso eu sabia, no entanto acordara chorando.


— E por que eu deveria fazer isso? — desconversei.


— Eu te ouvi, Dina. Outro pesadelo, não foi? Por que não me chamou?


— Você não deveria estar acordado, para começar.


— Dina...


— Foi uma opção minha, Ark. Você já está muito ocupado com Voldemort.


— Então quer dizer que eu devo perseguir um bruxo das trevas e deixar minha irmã de lado?


— Não use esse tom de voz comigo.


— Que tom?


— Como se eu fosse uma criança que não sabe o que faz. Eu sei o que eu faço! Não quero te preocupar.


Arktos suspirou.


— E você acha que é assim? Diz que não quer me preocupar e tudo está decidido?


— Claro, é a minha vida — falei óbvia.


— E a minha também. Você é minha irmã — Arktos continuou, não permitindo que eu dissesse qualquer coisa —, eu me preocupo com você não por ser uma obrigação, mas por amor, Dina. Se você não está bem, se continua com esses pesadelos, como vou me concentrar aqui fora?


— Você deve se concentrar aqui fora, Arktos — falei, sentindo-me irritar. Encarei meu irmão. — Você é um auror, deve impedir tudo isso. Impedir Voldemort, seus comensais...


Senti alívio ao ouvir o apito do trem. Não que eu fosse questionar o amor de Arktos, ou qualquer coisa do tipo; a questão era que eu não gostaria que ele se preocupasse comigo e se esquecesse de sua proteção.


Antes que eu subisse no trem, entretanto, meu irmão segurou-me pela mão.


— Eu prometi a você que encontraria respostas — ele disse, e eu vi sua determinação no olhar. — Vou cumprir o que prometi, Dina.


Abracei-o forte, sem pensar em nada para retorquir.


— Tome cuidado, Ark.


— Pode deixar. Agora, vá.


Ainda me despedi de meu irmão pela janela, acenando até que ele sumisse quando o trem fez a curva.


— Ari! Finalmente te encontrei.


Sorri quando vi Lily.


— Não encontrou antes porque não quis, pois eu estava sentada...


— No banco com o seu irmão. É, eu vi.


— E por que não foi até nós?


Lily deu de ombros.


— Vocês pareciam bem concentrados. Não quis atrapalhar.


— Você está indo para a cabine dos monitores?


— Estou. Por isso estava te procurando.


— Espero que não fiquemos lá por muito tempo — falei enquanto caminhávamos para o vagão seguinte, onde os monitores sempre se encontravam. — Não estou a fim de ter uma reunião logo agora.


— Vai ser a coisa de sempre. Mas, dessa vez, quem vai instruir os novos monitores serei eu.


Parei de chofre e encarei Lily.


— Você se tornou Monitora Chefe?


Lily acenou afirmativamente e seu rosto era puro orgulho. Meus olhos então foram para o distintivo que estava preso em seu uniforme, ao lado do brasão de Gryffindor.


— Quer dizer que você está pior do que antes?


— Como assim, pior?


— Mais certinha.


Lily rolou os olhos, mas sorriu.


— Vamos logo para essa reunião.


A reunião foi rápida. Quando eu ia sair, chamei Lily, mas ela disse que precisava conversar com o outro Monitor Chefe também.


— Vá com Remus, depois eu encontro vocês na cabine.


— Você está indo se encontrar com Clair, Remus? — perguntei.


— Estou.


— Então tudo bem.


Seguimos em silêncio, uma vez que havia muita gente por perto. Desde que eu vira Remus, queria lhe fazer uma pergunta. Só pude verbalizar minha dúvida quando entramos na cabina onde Clair nos aguardava e, claro, depois de cumprimentá-la.


— Remus, como está o Potter?


A expressão serena de Remus mudou totalmente. A tristeza no rosto de meu amigo me fez sentir pena de Potter mais uma vez.


— Ele está bem. Na medida do possível, é claro. Sirius está dando muita força para ele.


— Eu soube que eles não puderam fazer nada, que... Que ficaram presos no quarto.


— James não se perdoa por isso — Remus me respondeu, suspirando. — Pensa que deveria ter conseguido se livrar, ter ajudado os pais.


— Mas ele não poderia fazer nada! — Clair falou. — Esses comensais são cruéis, e poderiam tê-lo matado. Ter matado os dois!


— No fundo o James sabe disso. Ele só precisa ter um tempo para assimilar que não teve culpa alguma.


Como se esperasse que terminássemos a conversa, a porta da cabine se abriu. James Potter parou por alguns segundos, estático por me notar, para então assumir sua postura arrogante ao entrar na cabine. Fiquei dividida entre admiração e pena naquele momento. Mas sabia que “pena” era um sentimento que o Potter não tinha necessidade de que alguém sentisse por ele. Mesmo assim, decidi sair da cabine ao notar que atrapalharia. Ele gostaria de ficar junto dos amigos, mesmo que não quisesse desabafar, e eu sabia que ali não era bem-vinda por ele. Ele precisava desse tempo. E eu o daria.


— Eu preciso procurar Severus. Nos falamos depois, Clair.


— Tudo bem.


Lancei um olhar para Potter, que encarava a paisagem através da janela. Era realmente estranho vê-lo tão apático.


Caminhei pelos vagões, procurando Severus. Fui encontrá-lo em um dos últimos. Antes não tivesse.


A porta da cabine em que ele estava se encontrava semiaberta, por isso que, entre as risadas de alguns dos ocupantes, pude distinguir a voz de Rodolphus Lestrange. Ele parecia estar se vangloriando de algo.


— Aquilo foi realmente fácil. Acho que vou entrar sem problemas. Só preciso terminar a escola.


— E seus pais, o que disseram? — ouvi outro garoto perguntar, porém não reconheci a voz.


— Que estão orgulhosos de mim, é claro.


— Depois de seu irmão ter abandonado vocês, isso servirá para deixá-los com uma reputação melhor, não é? — Severus falou. Percebi o sarcasmo em sua voz.


— Sirius foi embora por ser um idiota. E ele quase pagou por isso.


— Soube que o Potter está choramingando pelos cantos — uma garota disse; senti nojo por ouvir o prazer em sua voz. — Quem vocês acham que fez o serviço? Aposto que seu pai estava junto, Avery.


Senti os pelos de minha nuca eriçarem. Eu não fazia ideia de quem estava dizendo aquilo, mas ela saber que o pai de um dos alunos de Hogwarts estava no ataque feito à casa de James Potter me deixou atônita. Outra coisa que também me fez pensar foi ouvir toda aquela conversa: o irmão de Sirius estava envolvido no ataque?


— Fique quieta, sua imbecil. Alguém pode ouvir! — Avery, o filho, cortou a garota, enraivecido.


 Tratei de sair logo dali antes que me descobrissem. Ser da Slytherin não me abonava em nada; eles poderiam muito bem me ameaçar para não contar a alguém sobre o que acabara de ouvir.


Como que por um milagre, dois vagões depois achei uma cabine vazia. Entrei e fechei a porta atrás de mim.


Joguei-me sentada no banco, surpresa demais pelo que ouvira. Uma coisa era saber tudo o que estava acontecendo pelo mundo e saber que alguns conhecidos estavam envolvidos nisso. Contudo, ouvir aqueles possíveis Comensais da Morte, e filho dos próprios, me fez perceber que cada vez mais Severus se afundava. Não entendia por que meu primo estava naquela cabine, conversando com aqueles imbecis. O que Severus queria provar com tudo isso?


Deitei no banco e suspirei, cansada. Passei a encarar o teto da cabine, não conseguindo encontrar uma resposta para minha pergunta. Que Severus sempre quis se mostrar inteligente e totalmente capaz em feitiçaria, isso não era dúvida para ninguém. Entretanto, querer mostrar-se superior, entrando em um grupo tão sujo como o de Voldemort? E, além disso, o pai de Severus era um trouxa!


Fiquei sem saber o que pensar, deixando minha mente se turvar com o nada. Por alguns minutos, ouvi o vaivém de alunos pelo corredor, deixando-me hipnotizar também pelo barulho do trem. Talvez por isso que demorei a perceber que do lado de fora o som de risos deu lugar a ofensas. E, entre essas ofensas, ouvi a voz de Severus. Atenta, encostei-me à porta para entender o que estava acontecendo.


— É realmente interessante ver alguma humildade nessa sua cara, Potter. Achei que só houvesse arrogância e imbecilidade.


— Arrogância pode até ser, Ranhoso, mas imbecil eu deixo para você ser.


— Hmm... Todo agressivo. Penso que isso se deve à morte do papai, não? Fiquei sabendo que você chorava feito um bebê quando os aurores chegaram, é verdade? — ouvi Severus rir com desprezo. — Tão corajoso quando está em vantagem, porém medroso como um rato quando se vê perdendo. A vida realmente ensina, Potter.


No mesmo instante em que Severus terminava de desabafar sua raiva, eu abri a porta da minha cabine. Segurava minha varinha firmemente, pois sabia que essa provocação não ficaria barata. E não me enganei.


Percebi que Severus me olhou, pego de surpresa por não saber que eu estava ali. No entanto eu não o olhava; minha atenção foi rapidamente para o Potter que já se preparava para lançar uma azaração. Eu a impedi de atingir Severus com um feitiço escudo. Minha intromissão o irritou.


— Cai fora, Lakerdos.


Eu não lhe dei atenção.


— Black, por favor, leve seu amigo daqui — falei calmamente. Então, fiquei de costas para os dois gryffindors e encarei Severus. Para ele, minha voz e minha feição estavam desgostosas. — Acho melhor você sair daqui, Sev. Já causou tumulto demais em tão pouco tempo.


Ele sorriu de maneira desagradável para mim.


— Por acaso eu falei alguma mentira? — ele retrucou, zombeteiro.


Eu amava meu primo. De verdade. E embora nunca tivesse Potter em minha lista de amigos, a postura de Severus me enojava. Ele parecia gostar realmente da morte do pai de James Potter. E depois do que eu havia ouvido...


— Eu sempre te apoiei, Severus, quando o assunto era você se defender do Potter e das humilhações que ele o fazia passar junto dos amigos dele. Mas crueldade não é defesa. Além disso — falei erguendo a mão para calar qualquer resposta que ele quisesse dar —, você deve ao menos respeitar o luto da pessoa que te salvou a vida.


As bochechas de Severus ficaram levemente coradas. Ele não me respondeu nada em palavras, mas seu olhar duro, cheio de raiva e ressentimento, foi o bastante para eu saber que fizera algo imperdoável. Então ele se virou e saiu do vagão. Eu também me virei para entrar em minha cabine, porém vislumbrei pelo canto do olho que Potter e Black ainda continuavam ali. Detive-me à porta por alguns segundos, hesitando. Então olhei para Potter.


— Meu irmão disse que seu pai era um grande auror, Potter. Sinto muito.


Em seguida entrei no vagão e fechei a porta.


O motivo de eu ter dito isso a Potter foi uma incógnita por alguns dias. Eu sempre o detestei por ser um completo imbecil, um arrogante que se sentia superior simplesmente por jogar quadribol e fazer o tipo popular. E, claro, por atacar Severus gratuitamente. Contudo, percebi que, não era por ser James Potter que agi dessa maneira; a atitude de Severus fez eu me lembrar de minha preocupação com Arktos. Meu irmão estava lutando na mesma guerra que o Sr. Potter lutara. Eu poderia estar no lugar de James Potter com alguém tirando algum proveito de minha tristeza.


E eu só consegui perceber que era assim que eu pensava porque, nos dias seguintes, notei um James Potter completamente diferente. Claro, ele não perdera sua irritante vivacidade. No entanto, ainda sim estava diferente.


Mas não tive muito tempo para me preocupar com ele. Na segunda semana de aula, minha preocupação era com meu tempo.


Eu honestamente não sabia mais o que fazer com meus horários vagos. OK, eu poderia estudar um pouco mais, colocar as lições em dia, ou até mesmo descansar um pouco se não quisesse ter o cérebro derretido como se um dragão tivesse expelido fogo dentro de minha cabeça. Porém, meus descansos eu gostava sempre de passar perto do lago, curtindo uma enorme sombra, talvez até na companhia de um livro... No entanto como eu descansaria do jeito que eu gostava, sendo que, assim que chegasse ao lago, deveria voltar para minha próxima aula?


Era por isso que eu comecei a adorar as quartas-feiras. Minha última aula era vaga nesse dia, logo, havia poucos alunos perto do lago. Aquele era um lugar que muitos gostavam de passar o tempo por, justamente, estar perto da água, proporcionando um maior frescor no ar. Esse ano o verão fora insuportavelmente quente, e as temperaturas ainda não estavam agradáveis no começo daquele outono.


Não me isolei em uma sombra mais distante, entretanto. Como o sol não estava escaldante, e ainda se mantinha escondido entre grandes nuvens, fiquei sob uma pequena árvore com sombras defeituosas. Joguei minha mochila ao meu lado e me sentei no chão. Sem me conter, também tirei meus sapatos e meias e senti a água fria refrescar meus pés; em seguida, afrouxei minha gravata e abri um botão da camisa. Apoiei as mãos no chão e joguei a cabeça para trás, vendo os desenhos que se formavam em minhas pálpebras fechadas por causa do jogo de luz.


Fiquei desse jeito por um bom tempo, sentindo o vento fresco do fim do dia balançar levemente meus cabelos. Eu parecia até sentir um leve e agradável cheiro de lavanda que me parecia familiar. Gostei daquele cheiro. Somente quando meus pulsos começaram a ficar dormentes que me endireitei e abri os olhos. Pulei de susto e quase gritei quando não me vi sozinha.


— Por todos os fantasmas desse castelo, você quer me matar do coração, me assustando assim? — perguntei, sentindo meu coração disparar pelo susto.


— Desculpe. — James Potter sorriu. — É que você estava tão quieta que resolvi te esperar sair do transe antes de me pronunciar. Dizem que, quando se interrompe algo assim, a pessoa pode morrer com um ataque do coração.


— Claro — falei aborrecida. Retirei meus pés da água e os sequei, utilizando magia. — O que você quer, Potter?


— Sabe que agora me parece muito idiota o que eu vim fazer aqui?


— Combina com você, ser idiota.


— Sabia que aquele seu jeito não duraria por muito tempo — ele retorquiu, rindo.


— Que jeito?


— Durante a viagem.


Eu o olhei, parando de afivelar meu sapato. Potter parecia relaxado apoiando um braço em seu joelho dobrado e encarando o lago à nossa frente. Como se conversar sobre o que aconteceu no trem fosse algo normal. Como se conversar comigo fosse rotina.


— Você não precisava ter se metido — ele disse por fim, ainda tranquilo.


— Eu sei que você sabe se defender.


— Na verdade, estou mais acostumado em vê-la defendendo seu primo.


— Eu sempre vou defender Severus.


Potter pareceu entender o que quis dizer.


— Não acho que você poderá defendê-lo por muito tempo, Lakerdos. O Snape está escolhendo seu próprio caminho.


Por mais que eu quisesse dizer que aquilo não era da conta dele, senti meu coração apertar ao perceber que Potter tinha razão. Severus estava cada vez mais longe de minhas mãos, de minhas defesas, de alguma salvação.


— Não acho que você tenha vindo aqui para me falar sobre meu primo, Potter — falei, concentrando-me em afivelar o outro sapato.


Ele riu levemente. Então suspirou.


— Meu pai sempre dizia que, se não tivesse em Ian McGraw um irmão, gostaria de fazer dupla com o seu irmão Arktos.


— Seu pai dizia isso? — perguntei estupefata.


— A-ham. E também me perguntava por que eu não tinha amizade com você, sendo que seu irmão era uma grande pessoa.


— E o que você dizia a ele? — perguntei sem muito interesse.


— Que você era diferente do seu irmão, muito chata e arrogante.


— Quanto elogio — resmunguei, pegando minha mochila e tencionando me levantar. A próxima coisa que Potter disse me parou.


— Mas vejo que você não é nada disso. Ou simplesmente amadureceu, sei lá — ele deu de ombros. — Acho que todos nós amadurecemos, ao fim de tudo.


Eu fiquei em silêncio, olhando o perfil daquele garoto que eu me acostumara a odiar. Agora, vendo-o tão sério e sincero comigo, percebi que há muito tempo deixara de odiar James Potter. Talvez esse sentimento começara a me deixar quando ele salvara a vida de Severus. Ele, então, me olhou.


— Obrigado pelas suas condolências, Lakerdos. Só é uma pena que, agora, não vou poder dizer ao meu pai que a garota chata e arrogante também pode ser justa. — Ele me deu um sorriso triste antes de se levantar. — Nos vemos por aí.


Eu continuei parada, minha mão segurando a mochila, vendo James Potter ir em direção às portas de carvalho do castelo. Vi também Sirius Black encontrar-se com ele e perguntar algo, olhando para mim em seguida com o cenho franzido. Depois os dois entraram no castelo.


Aquela conversa ficou em minha cabeça durante um bom tempo, e no café da manhã do dia seguinte eu ainda lançava olhares curiosos e confusos para a mesa da Gryffindor, do outro lado do salão principal. Louise rapidamente me questionou.


— Não estou gostando desse olhar — ela falou, chamando minha atenção.


— Não é nada.


— E o que esse nada estaria fazendo na mesa dos leões?


Suspirei. Louise era minha amiga, e seria sincera se eu lhe fizesse uma pergunta, além de também ser discreta se assim eu pedisse.


— Louise — comecei, brincando com o pedaço de pudim de carne que eu não comera —, você me acha arrogante e chata?


— Por que você está me perguntando isso?


— Só me responda, por favor. — Como ela demorou a me responder, eu a encarei. — Sou tanto assim?


Louise riu.


— Digamos que você é arrogante e chata sim, Ari, mas tolerável.


— E eu deveria ficar feliz com isso? — retorqui com azedume.


— Talvez — minha amiga deu de ombros. — Ao menos você é autêntica. Não fica por aí fazendo fofocas, destratando a todos como alguns fazem. De uma maneira que é só sua, você respeita os outros. Porém é intolerante sim.


— Eu sei que não sou um primor de delicadeza. Mas só por isso sou chata? O fato de eu dizer o que penso e não agir como todos esperam não quer dizer que eu seja arrogante e chata.


— E esse discurso vai para qual estante? Complacência?


— Eu posso fazer o tipo complacente sim! — falei, lembrando-me de Remus. — Assim como posso ser uma pessoa meiga.


Louise riu.


— Ari, desculpe, mas acho que é difícil você ser meiga. Sua amiga Clair é meiga. Você pode ser, no máximo, tolerante. Ou, se estiver apaixonada de verdade, uma pessoa um pouco mais romântica. Mas ainda de uma maneira sua.


Torci os lábios em uma careta. Pelo visto, Louise me conhecia melhor do que eu esperava.


— E isso nos remete ao início de nossa conversa — ela continuou —: o que há de tão interessante na mesa dos leões?


— Nada de tão interessante assim.


— E mais uma característica tua: mentirosa.


Olhei para Louise e consegui sorrir ao ver a feição irritada dela pela minha desculpa.


— Não sou mentirosa. Afinal, você não sabe para onde eu estava olhando exatamente. Portanto, você não pode saber se meu alvo era interessante ou não.


— Eu vou fingir que acredito para você fazer o mesmo.


— Certo. Então, vá fingir com o Etan, vai.


— Não preciso fingir com ele, queridinha. É tudo a mais pura das verdades.


E sorrindo de orelha a orelha, Louise foi de encontro ao seu namorado. Caminhei sozinha para a aula de Feitiços. Assim que cheguei na sala, comecei a andar na direção de Severus que, mais uma vez, me ignorou descaradamente. Dessa vez, fazer as pazes com meu primo seria mais difícil. Com um suspiro, fui em direção à Lily.


— Está difícil, não é? — ela falou.


— Está. Ele não me perdoa por não ter ficado do lado dele. Por ter defendido o Potter.


— Foi realmente surpreendente, Ari, isso tenho que admitir.


— Eu sei. Mas o que você queria que eu fizesse? As palavras que ele usou para atacar o Potter... Lily, foi horrível! Eu faria isso com qualquer um. Só coincidiu de ser aquele idiota.


Ouvi uma risada curta atrás de mim. Dei de cara com o Potter me encarando e, quando percebeu que havia chamado minha atenção, acenou um cumprimento.


— Agora ele está querendo ser educado — resmunguei para Lily.


— Talvez — minha amiga falou. — Mas acho que ele está, na verdade, mais amadurecido. Deve ser horrível perder um pai.


— Deve ser — murmurei apenas para mim mesma.


O dia passou rapidamente, e uma vez que tínhamos muita lição para fazer, termina-lo na biblioteca não foi difícil. Clair se juntara a mim e a Lily, e mais tarde Remus apareceu. Pensei que seus amigos logo poderiam se juntar a nós, e até vi Potter e Black à porta da biblioteca. Porém, depois de uma rápida discussão que os dois tiveram, foram se sentar a três mesas longe de nós. Sem me segurar, soltei um suspiro aliviado.


— Algum problema, Ari? — Clair perguntou.


— Problema? Não, por quê? — retorqui, surpresa.


— Nada... Eu só pensei que... Bem, deixa pra lá. — Clair deu de ombros, voltando a se concentrar no próprio livro.


Senti vontade de perguntar o que ela havia pensado, porém o rápido vislumbre que ela deu para a mesa de Potter e Black serviu para me manter calada. Talvez ela tenha notado que fora justamente a decisão dos dois que me deixara aliviada.


Uma das coisas que eu também havia percebido ao voltar a Hogwarts era que Sirius Black parecia ter me deixado em paz definitivamente. Cogitei que o período em que ele ficara longe de mim, nas férias, servira para fazê-lo perceber que não sentia nada por mim, ao fim de tudo. Afinal, nessas duas semanas de volta às aulas, ele sequer havia me olhado. Nem quando cruzávamos no mesmo corredor ele me olhava direito; parecia se satisfazer com um simples relance, isso quando parecia me notar.  


No entanto, eu também havia notado que, quando ele se aproximava, eu ficava tensa. Na aula de Poções do dia anterior ele havia se sentado na mesa ao lado da minha. Lily não entendeu por que eu havia errado a minha poção, mas eu sabia. E explicar a ela minha tensão era admitir que eu pudesse estar sentindo algo por aquele imbecil.


Suspirei novamente, percebendo aonde meus pensamentos haviam me levado. E sem querer levantar suspeitas para que Clair me indagasse novamente ou olhasse para a mesa perto da nossa, levantei-me parecendo desgostosa.


— Estou cansada, vou dormir.


E sem esperar comentários, fui embora.


Fui colocando meus livros na mochila enquanto caminhava para meu salão comunal. Estava prestes a entrar em uma das passagens secretas que havia no castelo – uma das poucas que eu conhecia – quando ouvi uma conversa estranha. Honestamente, eu parecia um radar ambulante para esse tipo de coisa. Eu deveria estar com alguma maldição.


Deixando esse pensamento de lado, encostei-me à porta fechada da sala vazia. O que eu havia ouvido fora alguém irritado. Não tinha entendido direito, mas o tom da conversa que fora suspeito. O que eu ouvi, mais uma vez, preferia nunca ter ouvido.


— Você pensa que é qualquer um que se junta ao Lorde das Trevas? Precisa ter talento e, acima de tudo, ter alguma indicação.


— E suponho que você recebeu essa indicação, Snape? — um garoto retrucara.


— Sim, recebi. O que você acha que fiz durante minhas férias? Fui para uma colônia de férias?


— Pois foi o Malfoy quem me mandou procurar você — ele reforçou. E, mais confiante, continuou: — Sim, pode fingir surpresa, Snape. Você não é o único que tem o talento que o Lorde das Trevas aprecia.


Percebi que Severus continuava a conversar com quem quer que fosse que estivesse ali com ele, mas me recusei a continuar a ouvir. Novamente eu tive outra prova do caminho que meu primo estava tomando. Um caminho totalmente sem volta. Minha vontade era entrar naquela sala e bater nele até que voltasse à razão. Porém, outra parte do meu cérebro só queria sair dali e permitir que meu coração se apertasse até não aguentar mais.


Refiz meus passos, voltando para o caminho normal, sem atalhos. Quando virei o corredor, trombei com alguém. Olhei para frente e vi que Black me encarava preocupado.


— O que aconteceu, Ari? Por que você está chorando?


Automaticamente levei minha mão ao rosto, como se quisesse negar que chorava. Mas uma lágrima teimosa havia caído de meus olhos sem eu segurar.


— Não é nada. Cuide de sua vida, Black. — E embora minha voz tivesse saído baixa e triste, meus passos foram determinados. Rapidamente alcancei meu dormitório e escondi-me dentro do cortinado.


Adormeci logo, porém tive meu sono atormentado por pesadelos onde envolviam Severus como Comensal, Sirius Black me beijando e Arktos não voltando de suas missões como auror.


 


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N/A: E a fic caminha em seus momentos sombrios. Porém, logo teremos surpresas bem boas e – de certa maneira – esperada por vários!


A Priscila Louredo, meu muito obrigada pela betagem! Sempre arranjando um tempo pra mim. Beijos, mana! Te amo.


E a quem acompanha a fic, meu obrigada!


Beijos a todos e até o próximo capítulo.


Livinha.

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