Encenação inútil



Não havia mais ninguém ali.
    Não ouviam passos, risos ou qualquer som que não fosse o da respiração um do outro e das batidas dos corações descompassados de ambos. Remus e Emmeline se beijavam, dispensando palavras, porque naquele beijo, eles estavam demonstrando algo que palavras nunca poderiam descrever: paixão. Emmeline sentia as mãos quentes de Remus percorrerem seus cabelos, descendo-lhe acariciando a face gentilmente, enquanto ela passou os braços pelo seu pescoço, quase ficando nas pontas dos pés, por ele ser alguns centímetros mais alto que ela. Quanto tempo haviam esperado por isso? Um, dois anos? Talvez a vida inteira...
    Por isso, aquele momento era só deles. E a natureza os presenteou com uma leve brisa com odor de rosas que entrou pela janela aberta, e balançou os cabelos da menina, que fizeram cócegas no nariz dele. Remus riu, Emmeline abençoou mentalmente aquele sorriso lindo e levou a mão até os seus cabelos de tom dourado, sentindo-os entre os dedos e agradecendo porque ele era real, não era só um fruto de sua imaginação fértil. Remus, por sua vez, esqueceu-se da sua sina de ser alguém que não deveria ser amado por se achar um monstro, para admirar a beleza dos lindos olhos azuis dela. Por noites mal dormidas sonhou com aqueles olhos, como eles o faziam sentir-se um garoto normal... Mas isso não era hora para se lembrar dessas coisas. Ela estava ali, e só isso importava agora.
    - Desculpa, Emme... – Remus falou num sussurro, enquanto pegava delicadamente sua mão e encostava o lábio num beijo. – Eu não consigo mais esconder o que sinto por você... Eu desisto. Eu não quero tentar te manter longe de mim.
    - Você não tem que se desculpar! Remus, eu... Eu desejei tanto isso!– Emmeline corou.
    Remus foi até o céu e desceu, glorioso, após essa declaração. Emmeline sentiu vontade de chorar ao ver que o sorriso dele aumentara e seus olhos estavam brilhando como dois diamantes.
    - Eu sou completamente louco por você, Emmeline Vance!
    - E eu por você, Remus Lupin...
    E se abraçaram novamente, se beijando mais apaixonadamente ainda. Porém... Estavam em Hogwarts. Logo alguém apareceu para acabar com aquele sonho. Afinal, todo conto de fadas precisa de um vilão mala e antes do “E viveram felizes para sempre” muita coisa ainda acontece.
    - Isso são modos, monitor da Grifinória?
    A voz de Severus Snape era inconfundível. Remus e Emmeline se separam num pulo. Emmeline pensou que seria tão fácil sacar a varinha e estuporá-lo, mas isso não eram modos de uma garotinha de família. O que Remus pensaria dela, se soubesse que sua futura namorada era uma psicótica estuporadora de garotos idiotas? Seria o fim dos dias e de um possível relacionamento sério! Só por isso segurou a onda.
    - Snape, eu não estou fazendo nada desrespeitoso. – Remus falou cortês, mas estava praguejando internamente, mandando até a oitava geração do sonserino arder nas chama de Hades.
    - Oras, se ficar se esfregando com a vulnerável da Vance no meio do caminho não é desrespeitoso... Precisamos rever o código moral de Hogwarts...
    Emmeline manteve os olhos fixos nos punhos de Remus, que se fecharam bruscamente, enquanto o garoto contraía todos os músculos do seu corpo, cerrando os dentes com raiva. “Qualquer coisa, eu pulo em cima do ranhoso arranho a cara dele toda, defendo Remus e alego que fiz isso para apartar uma briga e manter a ordem, e ainda saio como a heroína da história...” Ela pensava bravamente olhando as veias ressaltadas do amado, como se realmente fosse grande e forte o suficiente para apartar qualquer tipo de briga que os dois pudessem iniciar ali.
    - Acho melhor você medir as palavras, Snape... – Remus falou, mas parecia uivar, pois sua voz saiu num assovio arrastado, cheio de ódio. Emmeline sentiu medo dele por um momento. Nunca o vira com raiva antes.
    Severus riu maquiavelicamente, com os olhos pequenos de maldade. Tirar Remus do sério era algo difícil, acabara de descobrir o ponto fraco dele... Emmeline Vance. Ele olhou para a garota, que sentiu os olhos dele em cima dela e o encarou, como uma valente águia que encara a tempestade de frente e não deixa de voar.
    - Vance, isso é desprezível. Ser pega com o monitor aos amassos – Severus implicou.
    - Ao menos, Ranhoso, eu tenho a quem amassar e quem me amasse, e você? Ah, desculpa, seu nariz não deixa você beijar ninguém, né? – Ela respondeu em tom irônico, deixando Remus em dúvida se ela era tão inocente mesmo como ele pensava.
    - Você não está em condições de fazer piadinhas, Vance! Estão encrencados! Os dois! – O garoto falou em fúria, pela bela verdade que Emmeline havia jogado em sua cara.
    - Alto lá, Snape! – Remus avançou no garoto e Emmeline sentiu os joelhos tremerem ao pensar o que ele faria. – Cale sua boca! Eu sou tão monitor quanto você e não admito que deturpe minhas ações! Eu e Emme não estamos fazendo nada demais, se você quer fazer da nossa vida um inferno como a sua, lamento, não vai conseguir!
    Remus ofegava, trêmulo, parecendo fazer uma força descomunal para não voar em cima de Severus e acabar com a raça dele. Emmeline segurava levemente em seu braço, em pânico, sem saber o que fazer. “Dane-se ser a heroína, diabos!” lembrou-se da estupidez que pensara em fazer minutos antes. Os dois garotos se encaravam friamente.
    - Ah, para! Remus! Se divertindo sozinho? Que tipo de amigo é você?
    A voz de Sirius ressoou no corredor, fazendo Emmeline sussurrar de olhos fechados “obrigada por me ouvirem, Claricauns amigos... Eu os devo uma, vou colocar um jarro com vinho no jardim hoje à noite em agradecimento...”. Sirius parou de braços cruzados entre Severus e Remus, fazendo o sonserino arder de raiva.
    - Não se meta, Black...
    - Sim, eu me meto quando eu quiser, Remus não está sozinho...
    - Sirius... – Remus levantou a mão, dando um basta. – Não vale a pena. Acho que Snape entendeu que se ele quiser me fazer tão infeliz quanto ele, estará perdendo o tempo...
    - Ah, mas isso é óbvio! Ninguém consegue ser mais infeliz que essa praga – Sirius revirou os olhos.
    - Não, Black? Nem se essa pessoa fosse um... – e pregou os olhos com malícia em Remus – ser... Diferente? Tivesse um segredo muito... curioso... para guardar?
    Sirius não conseguiu disfarçar a surpresa e Remus ficou mais pálido que seu normal. “Ele sabe!” pensou. Sentiu vontade de gritar. Não era possível. Há poucos minutos atrás era o garoto mais feliz do mundo, beijando a garota mais linda de Hogwarts... E agora era o monstro das luas cheias de novo. Será que nunca seria feliz de fato? Por Merlin... Emmeline não entendera a indireta, mas não se fez de rogada.
    - Quer um ser mais diferente que você, seu babaca?
    - Como ousa, Vance? – Severus virou todo o corpo em fúria para ela
    - Não, como VOCÊ ousa, Ranhoso! Deixa de ser implicante! Se ninguém te quer, é porque você é um idiota! Não tente apagar o brilho do Remus, você nunca chegará aos pés dele... Nem se nascesse de novo!
    Remus, mesmo sob o impacto da acusação subliminar de Severus, olhou ternamente para Emmeline, mas logo sentiu um aperto no peito. “Estou mentindo para ela... Eu a amo, não posso deixá-la sem saber que tipo de monstro eu sou...”. Sirius, então, percebeu que a defesa tinha um fundamento maior, e olhou de Remus para Emmeline com um olhar de malícia, embora ainda estivesse com vontade de bater em Severus.
    - Cuidado Vance... – Severus disse em tom de ameaça – As aparências enganam...
    - Ah, cala sua boca... Vai ver se estou nadando no Lago Negro, vai? Aproveita e lava seu cabelo seboso, ou se afoga logo de uma vez... Remus, vamos? Prefiro ouvir um trasgo roncando à voz desse garoto dos diabos!
    Assim que Emmeline praguejou tudo o que queria e não queria também, viram que alguns alunos da Sonserina foram atraídos até ali, provavelmente por constatarem que Severus estava sozinho com três alunos da Grifinória, e isso, para bons entendedores, era de fácil tradução: briga. Ela revirou os olhos ao ver as figuras: Domini Bletchley, um garoto que o tinha músculos hipertrofiados e nada de cérebro; Travis Lestrange, um rapaz moreno claro que talvez se não fosse tão mal, seria até bonito; Evan Rosier, um loiro pálido que estava mais para zumbi do que humano pelas marcas roxas que tinha abaixo dos olhos. Remus e Sirius se entreolharam, esperando pelo pior, mas, pelo menos para Sirius, o pior ainda estava por vir.
    Logo atrás dos garotos, Narcissa Black vinha, determinada e de nariz em pé, de braços dados com Amanda Stonebreaker. Essa, ao ver o moreno da Grifinória, ruborizou, deixando suas bochechas mais rosadas que o normal.
    - Ajuda, Snape? – Travis falou com tom de superioridade, encarando com raiva Sirius.
    - Aposto que agora toda aquela coragem deve ter ido pro ralo – Evan falou em alto tom – Um só é fácil, mas agora estamos em maior número...
    - Não precisava de vocês! – Severus bufou.
    - Ah, fala sério, Snape! – Domini deu um tapa nas costas dele, fazendo-o dar um passo à frente involuntariamente. – Quem ouve até pensa que você realmente é alguém... Eu adoraria cair na mão com um deles – e fechou o punho, dando um soco na outra mão espalmada, intimidando os outros dois.
    - Não... – Amanda soltou-se de Narcissa, e pegou no braço musculoso de Domini. – Não precisa, eu aposto que eles já estavam de saída... – a loira olhou profundamente para Sirius.
    - Não, não estávamos não, Stonebreaker... – Sirius debochou. – Sabe? Hogwarts é de todos... Ou vocês acham mesmo que vocês mandam aqui?
    - Aí, Mandy! Está vendo? – Domini reclamou como uma criança que justificava seu erro com o erro do outro.
    - Black, eu não acho que vocês estejam em vantagem... – Amanda disse, mas na verdade queria dizer “não comece, por favor...”
    - Desculpa, mas eu não lembro de ter pedido sua opinião, garota. – Ele a encarou com raiva. Amanda ficou ligeiramente ofendida.
    - Ah, Mandy! – Narcissa falou como se fosse vomitar. – Não gasta vocabulário com esse traidor do sangue cretino e seus amiguinhos tão desprezíveis como ele!
    - Sirius, Emme... – Remus começou quando viu que Sirius estava a ponto de estourar. – Não vamos dar corda para essa babaquice... Temos aula agora...
    - Uhum... Fugindo! Que patético... – Travis riu maleficamente.
    - Os leões covardes... argh! – Evan completou triunfante.
    - É melhor não continuarmos mesmo... – Severus foi de contra. – Temos aula... E temos que dar o exemplo...
    - A primeira coisa sensata que você falou hoje, Ranhoso... ou melhor, em toda sua desprezível exixstência – Sirius retrucou.
    - Sirius, por favor... – Remus sussurrou.
    - Não seja tão implicante, Sirius... – Amanda falou em tom de pedido.
    Os demais Sonserinos olharam para a loira confusos. Ela o havia chamado pelo primeiro nome, e isso, para ela, eles pensaram, era muita intimidade... Nem Narcissa, que era sua prima (embora odiasse ter que admitir isso) o chamava de “Sirius”. O próprio Sirius também arregalou os olhos. “Ela pirou...” pensou, sentindo o coração acelerar. Amanda sentiu que havia falado besteira.
    - Desde quando eu te dou essas intimidades de me chamar pelo primeiro nome, Stonebreaker? – Sirius praticamente não abriu a boca ao dizer, os dentes estavam perfeitamente trincados. – Adoraria que não se dirigisse a mim, mas se fizê-lo, que seja por Black!
    Amanda ficou muda, constrangida. Um silêncio sepulcral pairou no recinto.
    - Mandy, que deu em você? – Narcissa observou a amiga, confusa.
    - É, minha boneca... – Domini perguntou, passando a mão enorme pelo rosto da garota, tentando demonstrar alguma sensibilidade inutilmente. Sirius ficou pasmo com tal demonstração de afeto em público.
    - Sei lá, esse garoto irritante me tira do sério! – Amanda parecia a ponto de chorar, e tirou a mão de Domini do seu rosto ao perceber que Sirius a questionava com o olhar.
    - Não quero que esse idiota te irrite, minha rainha... – Domini se curvou e beijou os lábios dela. Sirius se segurou. Amanda se esquivou.

Não adiantava encenação. Sirius e Amanda sabiam exatamente o que sentiam um pelo outro. Naquele momento, tudo que Amanda queria era se jogar nos braços do moreno, dizer que o amava e que não aguentava mais fingir que era sua inimiga. Sentia-se ameaçada pelas outras garotas que se jogavam para Sirius, e a cada dia o sentimento de perda a sondava sem piedade. Sirius, por sua vez, estava mais confuso que nunca. Remus reparou isso, quando viu a reação dele ao presenciar aquele beijo estranho de Domini e Amanda. Remus sabia de tudo, Sirius o confidenciara os encontros escondidos e seus sentimentos pela garota. Mas... Agora, com Marlene... Marlene sim, era a garota ideal. Sirius lembrou-se disso quando virou nos calcanhares e caminhou para longe dali, mas não antes sem deixar seu último comentário ilustre.
    - Nossa, isso foi nojento. Agora as serpentes estão em clima de romance e eu não vou ficar aqui assistindo tal cena deplorável...
    - Vamos também, Remus... – Emmeline pegou a mão dele e o puxou, tentando andar rápido para acompanhar Sirius.
    - Vão mesmo, perdedores! – Evan gritou.
    - Que foi, Mandy? – Domini olhava atentamente para ela, que estava com olhos lacrimosos.
    - Nada, eu odeio brigas desnecessárias, só isso...
    - Às vezes você me decepciona, Amanda! – Narcissa bradou raivosa. – Isso são modos de uma Sonserina? “Não seja tão implicante, Sirius...” – E remendou a amiga, fazendo cara de maluca ao imitá-la.
    - Não enche, Cissy! Vai caçar o que fazer, retardada! – Amanda empurrou a amiga e saiu correndo dali.
    Amanda poderia até correr, mas não conseguia fugir de uma coisa: Sirius. Ele estava entranhado em seu coração, e por mais que ela tivesse aceitado ficar com Domini Bletchley, depois de muito o grandalhão insistir, ela não o conseguia esquecer. Por noites, pedia, ou melhor, implorava para esquecê-lo, já que era lógico que aquele relacionamento não tinha futuro. Era ridículo, ela pensava, que eles não pudessem assumir esse relacionamento em público, mas era mais ridículo ainda o jeito como ele a tratava na frente dos outros. Não era o mesmo Sirius que a beijava, a abraçava carinhosamente, que a acolhia nos braços fortes como uma menininha desprotegida... Não mesmo. Sirius e ela tinham uma história juntos, fosse como fosse, ela não acreditava como se deixava ser tão humilhada assim.
    Ela andava ligeiramente, deixando as lágrimas rolarem pela bochecha vermelha de raiva, quando uma mão a puxou pelo braço, bruscamente. Ela se viu num beco entre os corredores quando reparou quem a havia puxado.
    - Está perdendo a noção? – Sirius falou num cochicho quase inaudível.
    - Você me maltrata tanto! – Amanda fechou o punho e começou a socar o peitoral dele. – Eu deveria te odiar por isso!
    - Mandy, Mandy! – Sirius a sacudia pelos ombros, como se tentasse fazê-la voltar do chilique. – Escuta! A gente precisa conversar sério... Te encontro às 19, depois da última aula, naquele mesmo lugar...
    - Eu não vou! – ela ia gritar, mas ele tampou sua boca a tempo.
    - Shhh! Está maluca? – Sirius colocou a cabeça para fora do vão, certificando-se que não havia ninguém ali.
    - Eu não vou! Eu te odeio! Você me faz mal, Sirius! Mal! – Amanda chorava copiosamente e era difícil para ele entender o que ela falava entre os soluços.
    - Nós temos uma história, Mandy... não podemos fingir que não, acabar desse jeito. – Sirius falou quase no ouvido dela, fazendo-a esquecer que o odiava ao sentir os pelos de seu braço arrepiarem. – Me encontre lá, por favor, nem que seja pela última vez.
    - Está bem... Eu vou, porque eu te amo, Sirius – ela se rendeu, virando o rosto, dando um beijo nos lábios de Sirius por puro impulso.
    Mesmo sem querer, Sirius correspondeu ao beijo. Afinal, Amanda era, ou havia sido um dia, sua grande paixão. Tudo conspirava para tal beijo: estavam a sós, num lugar que ninguém os poderia ver, a não ser se os estivessem de fato procurando, o perfume de Amanda era inacreditavelmente delicioso e a garota era a perfeição em pessoa. Era uma encenação inútil aquela, quando estavam somente os dois. Sirius era homem, e nenhum pouco santo. A beijou, passando a mão pelos cabelos macios e brilhantes dela, apertando os dedos entre suas madeixas, sentindo que ela se entregava àquele momento de corpo e alma, quando ela entrelaçou os braços pelo corpo dele, deixando que ele a encostasse na parede e que suas mãos percorrem seu corpo desde os cabelos até o quadril, enquanto seus lábios passeavam desde sua boca até seu pescoço.
    Era só ele e ela ali, e esqueceram de onde estavam. Mas, do outro lado do corredor, um par de olhos observava a cena, deixando suas lágrimas pingarem no chão escuro do corredor.
    Marlene McKinnon saiu correndo, chorando e desconsolada dali.

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