O fora



Frank não arredara o pé da Ala Hospitalar, veementemente sentado ao lado de sua namorada, segurando a sua mão delicada.
    Ele estava com um olhar perdido, às vezes, seus olhos lembravam um cachorro pedindo carinho para o dono. Madame Pomfrey observou a cena, com um pouco de pena do rapaz. Aproximou-se colocando sua mão no ombro dele. Frank estava tão absorto no sono pesado de Alice que deu um pulinho de susto ao sentir a mão da bruxa.
    - Querido, ela está bem... Por que não vai descansar?
    - Eu não vou abandonar Alice... – Ele disse entre os dentes, olhando novamente para ela. – Eu devia tê-la protegido... Eu devia ter quebrado a cara daqueles idiotas que fizeram isso com ela! Eu sou um covarde...
    - Ow, não fale assim!
    - Mas é verdade! Eu não sou bom o suficiente para Alice!
    - Se você falar isso de novo... – Uma voz embargada falou em tom áspero, e ainda assim era doce. – Eu juro que te dou um chute, assim que eu descobrir onde estou...
    - ALICE! – Frank jogou seu peso na maca, acariciando o rosto da namorada. Alice parecia desnorteada.
    - Céus... Eu estou...? Na Ala Hospitalar? – Alice fez uma careta.
    - É... Está...? – Frank franziu o cenho. – Não lembra, amor? Você passou mal, eu te trouxe...?
    A menina olhou para o namorado com uma das sobrancelhas erguidas, e assim ficou por uns momentos. Olhou para Madame Pomfrey sorridente ao seu lado e foi girando os olhos para as macas, os armários de poções e toda aquela mobília envelhecida da Ala Hospitalar, se certificando que estava, de fato, no recinto, já que se sentia encoberta por uma neblina que tampava parcialmente sua visão. A mente de Alice demorou a assimilar a situação devido à poção milagrosa que havia tomado. A expressão dela foi ficando cada vez mais assustada ao se recordar do ocorrido. Frank se antecipou, sentindo que toda aquela tensão voltaria.
    - Alice – ele levantou as mãos quando percebeu que ela ia falar algo –, está tudo bem. Minerva está tentando localizar seus pais e seu irmão para certificar que eles estão bem...
    - Dudy... – ela murmurou, lentamente, ainda sentindo-se tonta.
    - Isso, eu pedi pra que ela pudesse os achar, eu te conheço e sei que você só vai sossegar quando os ver bem...
    - Frank, eu tive um pressentimento horrível com aquela carta! – ela comentou, fechando os olhos, mas não parecia nervosa. Na verdade, parecia entorpecida.
    - Então, pequena! – Madame Pomfrey falou num tom harmonioso – Quando você os ver bem, tudo vai melhorar...
    Houve um barulho de passos se aproximando. Frank e Madame Pomfrey olharam para a porta, mas Alice baixou os olhos para seus joelhos, muito tonta para reparar que havia mais uma pessoa chegando no recinto ou que havia três Franks na frente dela.
    - Ora, eu vejo que a Srta Prewett já acordou... – Minerva comentou sorridente, se aproximando.
    - Espera...? – Alice se inclinou para Frank. Minerva estancou no caminho por causa do “espera”. – Como você faz isso?
    - Isso o quê? – Ele a mirou, curioso.
    - É algum feitiço de desilusão? Wow, amor, eu tenho três namorados iguais, que sorte!
    - Ela está melhor? – Minerva perguntou para Frank, embora já desconfiasse da resposta.
    - É... – Frank olhou para a namorada, que agora tinha os dedos na frente dos olhos – Parece que...
    - Frank, por tudo que há de mágico, quantos dedos eu tenho aqui? – ela perguntou, em tom de desespero, colocando a mão na frente dos olhos dele. – Eu sou uma aberração de seis dedos, mesmo?
    - ... ela não está totalmente acordada – Frank completou o raciocínio, com uma expressão frustrada.
    - Merlin, o que vocês me deram? – Ela perguntou numa voz esganiçada. – Poção para acalmar hipogrifos? Eu estou mais lerda que o meu normal.
    - O que você deu a ela, Poopy? – Minerva a olhou com os olhos saltando das órbitas.
    - Err... bem, ela estava muito, muito nervosa mesmo... – Madame Pomfrey corou – Eu dei uma dose dupla de poção de passiflora, cidreira e camomila... Tudo natural... Contudo...
    - Merlin! – Alice exclamou, levando a mão à boca, e todos olharam para ela assustados. – Frank, você está me vendo nua?
    - Quê...? – O garoto fez uma cara.
    - Não me olha! – Ela se encolheu. – Oh, que vergonha!
    - Eu só esqueci que a super dose causa alucinações quando o paciente acorda... – Madame Pomfrey deu um risinho sem graça. – Mas ela estará bem dentro de alguns minutos, é só o primeiro momento mesmo.
    - Ótimo. Eu precisava falar com ela sobre a família...
    - Que tem? – Alice encarou a diretora, com olhos atentos. – A Sra conseguiu falar com eles?
    A palavra “família” parecia ser a chave para trazer a menina de volta. Alice se ajeitou na maca, sentando-se ligeiramente. Frank ainda a observava como se temesse que sua próxima atitude fosse pensar ser um passarinho e se jogar pela janela.
    - Ah, sim, querida, eu consegui contatar seu irmão.
    - Como ele está?
    - Está perfeitamente bem.
    - Ele disse isso? – Alice fez cara de cética – Aham... Eu o conheço muito bem para saber que ele não deve estar nada bem...
    - É, ele deve ser bom em adivinhação também, porque ele me disse exatamente isso – Minerva riu baixinho. – Que você não ia acreditar nele.
    - Edward... – Ela murmurou entre os dentes. – Por que ele me conhece tão bem?
    - Então, eu o propus que mostrasse que estava bem para você. – Minerva completou.
    Alice ergueu uma sobrancelha, esperando uma explicação mais plausível. Minerva só sorria. Frank parecia igualmente confuso.
    - E como exatamente ele vai fazer isso? – Frank perguntou.
    - Era exatamente o que eu ia perguntar. – Alice comentou, olhando de relance para o namorado.
    - Oras, como? Vindo até aqui!
    - Vindo até aqui? – Os dois exclamaram juntos.
    - Eu pedi permissão a Dumbledore, ele não se opôs. – Minerva deu de ombros.
    - Não brinca! – Alice abriu um sorriso iluminado – Ah, Professora McGonagall! Eu amo a Senhora!
    Alice pulou como um gato da cama e se jogou em Minerva, passando seus braços pelo pescoço da diretora da Grifinória e dando beijos em sua bochecha. Frank teve que se segurar para não gargalhar. Alice, finalmente, voltara ao normal.
    - Muito obrigada, muito obrigada! – Alice murmurava entre os beijos.
    - Eu sei, eu sei... Srta Prewett! Menos! – Minerva tentava se soltar, a expressão divida entre descontentamento e alegria. – Poopy, nunca mais quero ouvir que você usou essa poção novamente, entendeu?
    Poopy Pomfrey lançou a ela um olhar tímido e culpado. Frank até pensou em defendê-la, já que Alice não estava mais sob efeito da poção, mas voltou atrás. Manter a competência mental da namorada era mais importante que uma poção daquelas.

O dia passou ligeiro, e quando Sirius olhou para o relógio, já era 6:40h. Olhou para os lados e viu Remus, levantando os olhos de seu livro, o encarando como ele costumava fazer quando queria que Sirius gritasse “Ok, me rendo, sou culpado!”.
    - Não me olha assim! – Sirius rosnou.
    - Assim como? – Remus se fez de desentendido.
    - Assim, como se estivesse me culpando de algo!
    - Oras, eu só te olhei, mas se a carapuça serviu... É porque você deve estar com a consciência pesada. Acertei?
    Sirius abriu a boca para falar algo. Desistiu. Bateu com a palma da mão na testa, sentindo-se o líder de um exército de idiotas, e Remus escondeu o rosto no livro para dar uma risada.
    - Você sempre me pega, putz, eu te odeio...
    - Agora que você já se declarou culpado, gostaria de dividir o que te inquieta? – Remus fechou o livro, olhando atentamente para o amigo.
    Sirius suspirou pesadamente. Olhou para os lados novamente: nenhum sinal de James ou Peter. Aliás... onde estaria Peter, que não era visto desde a última aula? Isso não vinha ao caso. Não naquele momento. O que importava é que Remus estava ali, e nele Sirius confiava seus assuntos do coração.
    - Eu marquei com Amanda, às 7.
    - E...? – Remus arqueou as sobrancelhas.
    O rapaz moreno jogou o cabelo que lhe caía sobre os olhos para trás, e num guincho de impaciência, respondeu, embora relutante.
    - Eu não sei como dizer a ela que eu... – Ele fez uma pausa, incapaz de concluir.
    - Dizer a ela que... você está apaixonado pela Marlene?
    Sirius arregalou os olhos.
    - Me conta, você lê mentes? É legilimente?
    - Eu? – Remus riu. – Sirius, fala sério, eu não preciso ler sua mente, eu convivo com suas neuroses há 6 anos, já estou cascudo... Você é previsível demais para mim.
    - Nossa, está tão na cara assim?
    - Claro que está, você falta voar em James quando ele fica de conversinhas com Marlene, ou quando um outro garoto chega nela, ou ainda, quando ela...
    - OK, OK... – Sirius levantou a mão, interrompendo o amigo. – Eu já entendi... Mas Amanda...?
    Remus se ajeitou na poltrona, inclinando o corpo para frente. Os olhos azuis fitaram Sirius como os de um pai que aconselha um filho.
    - Você não a ama.
    - Peeeem! – Sirius imitou um alarme, pressionado seu próprio nariz com o dedo indicador. – Resposta errada, cara pálida. Eu amo aquela porcaria. Se eu não a amasse, eu não estaria com ela. Não ela sendo da Sonserina.
    - Então me responde, sabe tudo... O que você sente por Amanda? Na real – Remus cruzou os braços na frente do corpo, olhar de malícia para Sirius.
    Sirius pensou um pouco antes de responder. Remus era terrível, qualquer palavra mal colocada seria usada sem piedade contra ele.
    - Eu... Bom... Amanda é linda, me deixa... Tipo... Err... – ele ficou corado e não terminou a frase.
    - Te deixa à vontade? – Remus arriscou.
    - É... Pode ser isso... – Sirius concordou num murmúrio, mas mudou de assunto. – Ela é engraçada quando estamos juntos. E é isso.
    - É só isso? Então, próximo tópico: O que você sente por Marlene?
    Essa pergunta fez o coração de Sirius saltitar. Seus lábios lentamente se curvaram num sorriso torto. Quando ele falou, parecia uma criança que durante a noite sonhou com a casa de doces de João e Maria.
    - Marlene é... Linda, inteligente, engraçada... Quando eu a vejo, eu penso: “Puxa, com essa eu casaria”. É determinada, corajosa. Marlene é o tipo de garota que intimida um cara, não é de brincadeira. Eu me sinto meio... meio...
    - Idiota? – Remus arriscou de novo.
    - Eu ia dizer estúpido, mas idiota serve. Me sinto meio idiota perto dela... como se eu não fosse bom o bastante, como se eu não fosse capaz de fazer uma garota como ela feliz. É como se eu fosse um vira-lata sarnento e Marlene fosse uma cadela premiada com pedigree.
    - Que comentário infeliz... Você estava indo tão bem mas sua última frase acabou com tudo – Remus lamentou, suspirando.
    Ele e Sirius se entreolharam, e ambos riram.
    - Agora, responda rápido: Qual delas você ama e por qual delas só tem atração física? – Remus perguntou com um olhar de “eu tenho razão”.
    Sirius não teve dúvidas quando respondeu.
    - Eu amo a Marlene... – Ele falou, seus olhos acinzentados brilhando. – Amanda é só atração física...
    - Então, vá até a peitu... – Remus balançou a cabeça – até Amanda... e diga exatamente isso a ela. E depois... O principal: diga isso a Marlene.
    - Cara, você é o melhor, Aluado! Se eu fosse mulher, eu te dava uns pegas.
    - Merlin que me defenda... – Remus desconjurou, batendo três vezes em um móvel de madeira ao lado de sua poltrona.
    - Eu tenho que parar de andar com Jay-gay, estou ficando tão veado quanto ele... Credo... Então, eu vou resolver minha vida! Valeu, Remus! Eu te devo uma...
    - Na realidade... você me deve várias, por que não dizer, todas. Eu que sou um ser sublime e nunca te cobrei – Remus riu.
    - É, você também tem que parar de andar com James... Está tão humilde quanto ele.

No Salão Comunal da Sonserina, o papo não era outro senão o grande momento de Severus Snape. O nome dele estava em todas as conversas: alguns elogiavam a atitude dele, outros caçoavam da sua má sorte de ter sido pego. Mas o fato era que estavam felizes, maquiavelicamente felizes, por ter resultado toda aquela balbúrdia em uma aluna da Grifinória chegando ao descontrole emocional. Fabuloso, era o que as mentes maléficas pensavam. E uma delas era Narcissa Black.
    - Nossa, eu nunca levei muita fé no Snape, ele tem uma ligeira queda por aquela insuportável da Evans, mas eu te digo, mordi minha língua agora.
    - Cuspa, Cissy! – Amanda falou sem olhar para a amiga.
    - Cuspir? – Narcissa ficou confusa – Cuspir por quê?
    - Você não mordeu a língua? Cuspa o veneno antes que você morra envenenada  – A garota deu um risinho – “Ipsi venena bibas”, bebe tu mesmo teu veneno...
    - Nossa, que engraçado...
    Amanda ria, olhando para o grande relógio do Salão Comunal, que marcava 10 minutos para as 7. Ela agradeceu por Domini estar em detenção, já que ele se encarregara por conta de risco de ser o guardião dela, não desgrudando para nada. Ela levantou-se, fingindo indiferença. Ainda tinha que despistar Narcisa, que era um poço de curiosidade e achava que todos lhe deviam explicações de sua vida. Ela caminhou relaxadamente até a saída.
    - Ei, vai aonde? – Narcissa falou com uma voz esganiçada.
    - Eu vou comer algo. Fome noturna – E saiu sem mais explicações.
    A garota loira ganhou os corredores, olhando para os lados, certificando-se que não era seguida. Caminhou até um determinado local, que era muito conhecido seu, desejando intimamente ficar em privacidade com Sirius. Do nada e muito de repente, uma grande porta de madeira mogno entalhada ergueu-se diante de seus olhos. Ela sorriu e entrou, procurando por Sirius. Ele não estava lá, mas a Sala Precisa estava perfeita para um casa de namorados: havia uma lareira com chamas crepitantes, várias almofadas e um leve perfume de rosas no ar. Alguns momentos depois, um ruído a fez virar-se para trás. Sirius entrava lentamente, olhando para ela com cautela.
    - Six! – ela correu e se jogou em seus braços. – Olha isso, é lindo!
    - É, estou vendo... – ele falou, afastando os braços da garota.
    Amanda o olhou franzindo a testa. Sirius manteve dois passos de distância dela, quando se virou com uma expressão grave, fitando-a duramente.
    - O que foi? – ela quis saber.
    - Amanda... Eu preciso ser sincero com você – falou sem rodeios. – Precisamos parar com isso.
    A despeito do olhar severo dele, Amanda sentiu uma euforia inexplicável, e abriu um sorriso.
    - Então, quer dizer, assumir nosso namoro? É isso? Dizer para todos que nos amamos, e que não importa nossas casas...
    - Não... – ele revirou os olhos.
    - Não?
    - Não!
    - Então...? Como é?
    Ele suspirou profundamente. “É isso que dá a fama às loiras...” ele pensou.
    - Temos que terminar com isso.
    - O... Quê? – Amanda fez uma cara.
    - Eu não posso mais ficar com você. Estou apaixonado por outra. Não posso mentir para mim, não mais. Desculpa, Amanda. Eu amo a Marlene, eu não quero fazê-la sofrer e eu preciso que ela saiba disso.
    Houve um momento de silêncio, o momento necessário para que os olhos da garota se enchessem de lágrimas, que rolaram depois pelas suas bochechas rubras de raiva.
    - Você... – Ela começou a falar entre os dentes trincados – Você está... Me dispensando... Por causa da... Marlene McKinnon?
    - Parabéns, essa é a pergunta que vale um milhão... – Ele debochou. – Isso. Acabou. Mas, pense pelo lado positivo, você já tem um estepe, não é? O inteligente do Bletchley.
    - Sirius Black... – Amanda não estava para brincadeiras. – Você não pode fazer isso comigo!
    - Ah, não posso? Mas eu já fiz!
    Ele se antecipou, andando até a porta. A mão de Amanda agarrou seu braço com força antes que ele pudesse deixá-la falando sozinha.
    - Não ouse me dispensar como se fosse uma pena velha!
    - Eu nem sei o que estava fazendo com você até hoje, garota...
    - Você vai se arrepender disso! Vai se arrepender pelo resto dos seus dias, Sirius, escreve o que estou te dizendo!
    - Desculpa, não trouxe tinta, se não até aproveitaria a “pena velha” – e apontou para ela – para escrever sua ameaça. Agora, me solta.
    Sirius soltou seu braço das mãos dela, e Amanda ficou estática, olhando o garoto sumir porta afora. Seu coração estava descompassado, ela fazia esforço para respirar, mas o ar, antes com perfume de rosas, estava pesado. As lágrimas caíam com mais intensidade agora, e ela cedeu aos joelhos trêmulos, se jogando numa das almofadas e chorando copiosamente. “Como ele pôde ser tão frio!?” Ela pensava, um ódio sobrenatural lhe enchendo a alma. “Como pôde me tratar como uma qualquer, depois... Depois de tudo o que vivemos!”
    - Você vai se arrepender... – ela murmurou, arrebentando com as mãos uma capa de almofada e fazendo as penas voarem – Você tem muitos segredos, Sirius Black. E eu não vou te poupar. Eu também sei ser cruel.
    E entre as lágrimas e as penas que voavam livremente agora que ela batera com a almofada no chão, um sorriso de vingança surgiu no rosto de Amanda.

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