Momentos Inesquecíveis



Johnny estava eufórico. Pelo que podia se lembrar, nunca antes uma história havia saído de sua mente com tanta velocidade e clareza. A sinopse, que ele terminara numa única noite em claro, já se encontrava na mesa de seu empresário. A verdade era que, pela primeira vez, Johnny nem mesmo pensava na venda do roteiro. Estava absorvido demais com a trama.
Ele escrevia o tempo todo. Via-se obrigado a acordar às três da madrugada para digitar a história, enquanto comia qualquer coisa que encontrava à mão.
Johnny simplesmente ignorava se seu telefone tocava e deixava de responder aos recados deixados na secretária eletrônica. Se sentia necessidade de um pouco de ar fresco, levava o laptop para a varanda.
No final, pegou o primeiro rascunho de sua impressora, à medida que cada folha de papel saía. Alguns acertos aqui, pensou, rabiscando anotações nas margens. Um pequeno ajuste aqui e ali, e estaria terminado. Mas, enquanto lia, ele já sabia que nunca havia escrito algo tão bom, nem tampouco havia conseguido concluir um projeto com tanta rapidez. Desde o primeiro momento em que havia se sentado para começar o roteiro, apenas dez dias haviam se passado. Talvez tivesse dormido apenas trinta ou quarenta horas ao todo, naqueles dez dias, mas não se sentia cansado. Pelo contrário, sentia-se exultante.
Depois de juntar toda a papelada, Johnny procurou um envelope. Vasculhou por entre os livros, anotações, pratos sujos, restos de comida e farelo de biscoitos que estavam espalhados sobre a escrivaninha. Tinha um único pensamento agora: levar o roteiro para Virginia. De um jeito ou de outro, havia sido ela quem o inspirara a escrevê-lo e nada mais justo que fosse a primeira pessoa a ler.
Encontrou um envelope de papel grosso coberto de anotações e restos de macarrão. Depois de jogar o maço de papéis dentro do envelope, saiu de sua casa. Por sorte, passou pelo espelho do vestíbulo e olhou seu reflexo de relance. Seus cabelos estavam compridos demais e, no rosto, havia o princípio de uma barba bastante respeitável. Mas nada disso seria tão mal, se ele não estivesse parado no vestíbulo, segurando um envelope de papel pardo na mão e sem mais nada no corpo além de uma cueca samba canção vermelha e a corrente de prata que Virginia lhe dera. No fim das contas, pensou que era melhor demorar um pouco mais para tomar um banho decente e se vestir como uma pessoa normal.
Trinta minutos depois, desceu as escadas apressadamente, usando um traje um pouco mais conservador: calças jeans e um blusão de malha azul-marinho. Teve de admitir que a visão de seu quarto, do banheiro e do restante da casa, havia sido um choque para ele. Dava a impressão de que um rebanho de búfalos selvagens havia passado por ali nas últimas semanas. Naquela bagunça, Johnny teve sorte de encontrar algumas peças de roupa que não estavam completamente sujas, emboladas ou chutadas para debaixo da cama. Obviamente, não havia nenhuma toalha de banho limpa, por isso foi obrigado a se enxugar com quatro toalhas de rosto. Ainda assim, havia conseguido localizar o aparelho de barba, o pente e dois sapatos que faziam parte do mesmo par, de forma que as coisas não estavam tão ruins quanto pareciam. Perdeu mais quinze frustrantes minutos tentando encontrar as chaves do carro. Procurou em alguns lugares até encontrá-las na segunda prateleira da geladeira, ao lado de um pêssego estragado. Só Deus sabia como tinham ido parar lá. Johnny também reparou que aquele triste pêssego e uma caixa de leite vazia eram tudo o que restava na geladeira. Mas não havia tempo de pensar nisso agora. Pegou o roteiro e se encaminhou para a porta.
Somente quando ligou o motor do carro e o painel iluminou, ele se deu conta de que eram quase três da manhã. Hesitou, considerando a possibilidade de ligar para ela primeiro ou simplesmente adiar a visita para a manhã seguinte. “Ao diabo com isso” - decidiu, manobrando o carro para a rua. Ele a queria agora.

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Há alguns quilômetros de distância, Virginia apagou todas as luzes e se sentou no seu jardim, sob a luz prateada da lua cheia. Luna e Flucke estavam por perto. Naquela noite, sua vida iria mudar, ela tinha certeza.
Sombras retorcidas se espalhavam pelo gramado enquanto Virginia olhava para a lua.
Algum tempo depois, sem nem mesmo ter ouvido o barulho do carro, Gina sabia que ele havia chegado.

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Johnny parou diante da casa de Virginia quando faltavam cinco minutos para as três. Praguejou baixinho, ao ver que não havia nem uma luz acesa naquela casa.
“Bom, vou ter que acordá-la!” - pensou. – “Quanto tempo será que uma feiticeira precisa para dormir?”
Ainda assim, Virginia era uma mulher. E as mulheres tinham a tendência de se irritar muito se um sujeito aparecesse no meio da noite para arrancá-las da cama. Talvez ajudasse um pouco se levasse alguma coisa para suavizar o choque ou talvez seria bom esperar até as 6 da manhã. Mas não, não iria aguentar.
Inspirado, Johnny pegou o envelope com o roteiro e parou em frente ao canteiro de flores de Virginia (que era o único por ali). Não acreditava que ela perceberia que havia roubado algumas flores. Afinal, parecia haver centenas delas. Flores, a propósito, que ele nunca havia visto. Como eram estranhas!!!
Satisfeito com a boa idéia que teve, ajeitou o maço de flores no braço e se apressou na direção da porta. Não havia nenhuma luz. Ele olhou para trás num relance, querendo se certificar que que o carro dela estava na garagem, e logo depois se sentiu um idiota, afinal, Virginia era uma bruxa e podia muito bem usar de outros meios para se locomover. Bateu na porta e ninguém respondeu. Bateu novamente e não ouviu som de passos lá dentro quando encostou seu ouvido na porta. Forçou a fechadura e, para sua surpresa, a porta estava destrancada. Devagar, entrou na casa, que estava completamente escura e deserta. Nem Flucke e Luna pareciam estar ali. No entanto, o cheiro de Virginia pairava no ar. Pensou em atravessar a casa e, de súbito, soube para onde teria que ir. Claro que ela estaria lá!!!
A cada passo que dava, no escuro daquela imensa casa, sentia um gostoso arrepio que principiava a corrente de ótimos acontecimentos daquela noite.
E então, chegando ao jardim, ele a viu. E teve certeza que ela também podia notar sua presença.
Ela estava lá, ajoelada na grama, olhando para a lua.
Virginia se virou e a respiração de Johnny se tornou ofegante.
- Sabia que você viria.
Milhares de pensamentos brotaram na mente de Johnny. Conforme Virginia vinha em sua direção, suas pernas bambeavam cada vez mais.
Johnny queria falar alguma coisa, mas seu coração parecia ter subido para a garganta, tornando as palavras impossíveis. Ele sabia que isso ia além do simples desejo de um homem por uma mulher. Virginia parou, a poucos centímetros dele, e Johnny teve certeza que havia ultrapassado o ponto onde ainda seria possível recusá-la.
Não seria fácil para nenhum deles, ela sabia. Depois daquela noite, o vínculo estaria selado. Quaisquer decisões que fossem tomadas no futuro, por qualquer um deles, seriam incapazes de desfazer aquele elo.
- São pra você! – ofereceu as flores.
- Ah obrigada, são Parcinéas Marauditas<;i>. E só existe um lugar em toda a Inglaterra onde elas nascem.
Johnny sabia que havia dado uma bola fora, mas mesmo assim tentou se recuperar.
- Eu as roubei do seu jardim.
Ela sorriu lindamente.
- Isso não torna o presente menos afetuoso.
Levou a mão para o rosto dele.
- Por que veio?
- Eu queria... Eu precisava de você.
Pela primeira vez, o olhar de Virginia vacilou. Seu poder não era absoluto, mas aceitá-lo naquela noite seria arriscar tudo, incluindo seu intuito de permanecer sozinha. Até aquela noite, a liberdade sempre fora o seu bem mais precioso. E agora, erguendo os olhos novamente para Johnny, ela rejeitou esse bem.
- O que lhe darei esta noite será entregue de coração aberto. Lembre-se sempre disso. Venha comigo. - Pegou a mão dele e o levou para dentro da casa.
Foram para o quarto de Virginia e, assim que entraram, eladeu um beijo em Johnny, que pôde sentir que seus lábios eram quentes e macios. Imaginou que homem algum poderia sobreviver sem ter provado aquele gosto intoxicante. Sua cabeça girava, enquanto Virginia o incitava a provar ainda mais profundamente.
Com um gemido que parecia vir de sua alma, ele a abraçou com mais força, amassando as flores entre eles, de forma que o ar do quarto se intensificou com o perfume delas.
Por um instante, Virginia teve medo de se afogar nele e o medo provocou-lhe um estremecimento. Murmurando seu nome, Johnny puxou-a mais para si. Fosse por necessidade ou conforto, ela não sabia, mas o fato é que se acalmou novamente. E aceitou o destino que a esperava.
Pressionando o rosto na curva do pescoço dela, abraçou-a com força e combateu a ansiedade. Embora não pudesse ver, ela sabia que a tessitura do ato de amor daquela noite significaria muito para eles no futuro.
- Johnny, eu...
Ele balançou a cabeça, depois se inclinou um pouco para trás e segurou-lhe o rosto entre as mãos. Elas não estavam firmes. Nem a respiração dele. Os olhos estavam sombrios, intensos.
- Você me dá um medo danado. - Johnny conseguiu dizer. - Estou com um medo danado de mim mesmo, também. É diferente agora, Virginia. Você entende?
- Entendo, sim. É importante.
- É importante. - Ele exalou um longo e trêmulo suspiro. - Tenho medo de machucá-la.
- Você não vai me machucar. - Ela beijou-o delicadamente.
Embora o desejo continuasse latejando em seu sangue, a intensidade diminuíra. Suas mãos estavam firmes novamente quando deslizou o vestido pelos ombros dela, fazendo escorregar pelos braços até que caísse ao chão.
Agora, ali, ela era apenas uma mulher.
Primeiro, o rosto. Johnny tocou-lhe as faces levemente, depois os lábios, o queixo, explorando o pescoço delicado. E ela era real. Ele não sentira o hálito quente contra a sua pele? E não estava sentindo, agora, o rápido pulsar no ponto em que seus dedos se demoravam?
Feiticeira ou mortal, ela era sua. Era o destino estarem ali, no quarto dela, cercados por magia.
Mesmo quando a paixão se abateu sobre eles, não havia pressa.

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O tempo passou e tudo o que Johnny sabia era que Virginia tinha seu corpo enroscado no dele. Imaginou como seria maravilhoso se pudessem ficar exatamente daquela maneira até o amanhecer. Depois pensou, com um senso pouco mais prático, que provavelmente acabaria esmagando-a. Quando ele começou a se virar, Virginia colou-se a ele, sem soltá-lo.
- Humm... - murmurou, sonolenta.
Sentindo sua resistência, Johnny aconchegou-se a ela.
- Sei que estou na posição mais confortável, mas devo estar pesado para você. Além disso, quero olhá-la.
Johnny se apoiou nos cotovelos e fez o que dizia.
Os cabelos dela estavam esparramados como seda vermelha sobre o lençol, fazendo-o pensar em fadas e ciganas. E em bruxas.
Ele não conteve um longo suspiro.
- O que acontece quando um mortal faz amor com uma feiticeira?
Virginia teve de sorrir, lenta e sinuosamente.
- Algumas coisas mágicas.
- Com certeza aconteceram bastantes coisas mágicas hoje.
Sem poder resistir, Johnny beijou-lhe o ombro.
- Pode até parecer um chavão, mas nunca antes foi tão bom assim. Com ninguém.
Virginia tomou a sorrir.
- Não. Com ninguém.

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A noite se transformou em madrugada, antes que eles começassem a se vestir. Enquanto enfiava o suéter pela cabeça, Johnny observou Virginia recolher as flores amassadas e espalhadas.
- Acho que acabamos com elas. Terei de roubar mais algumas para você.
Sorrindo, ela juntou as flores entre os braços.
- Não, elas são flores mágicas. Se auto-recuperam. - disse.
Johnny arregalou os olhos ao ver que as flores que ela segurava estavam agora estavam tão frescas e vistosas como quando ele as colhera.
Passou a mão pelos cabelos.
- Acho que não vou conseguir me acostumar com isso tão cedo.
Virginia se limitou a lhe entregar as flores.
- Segure-as um pouco para mim, enquanto eu arrumo essa bagunça.
- Accio varinha.
Johnny pôde ouvir um barulho vindo em sua direção, e só teve tempo de se abaixar quando a varinha passou perto de sua cabeça.
Fez um único gesto e o quarto todo estava arrumado.
- É tão fácil assim? – Johnny perguntou.
- Geralmente as coisas são bem mais simples do que pensamos. E, aproveitando este espírito de simplicidade, que tal dormir na minha cama pelo restante da noite?
Johnny levou a mão dela aos lábios e respondeu simplesmente:
-Sim.


Trecho do próximo capítulo:

"Calma, Varshall", disse a si mesmo. Ela saíra apenas cinco minutos atrás. Estava agindo como um homem obcecado. Ou enfeitiçado, o que talvez fosse a melhor opção.

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