Um Verdadeiro Trouxa



Virginia não teve muito tempo para pensar em Johnny Varshall. Era uma mulher ocupada e a loja parecia mais cheia que nos últimos tempos.
- Puxa! - Emily, a loira de corpo generoso que Johnny havia admirado, sentou na banqueta atrás do balcão. - Não temos uma multidão como esta desde a época do Natal.
- Acho que será assim todos os sábados, durante este mês inteiro.
Sorrindo, Emily tirou um tablete de goma de mascar do bolsinho de seu macacão justo.
- Você fez algum feitiço para ganhar dinheiro? – perguntou, embora soubesse a verdadeira condição de Virginia.
- Os astros estão em excelente posição para os negócios. - Sorriu. - Além do fato de que a nova vitrine está sensacional. Mas um pouquinho de magia não faz mal a ninguém. Pode ir para casa, Emily. Eu fecho as contas e tranco tudo.
- Vou confiar em você. – disse, arrumando as sobrancelhas escuras. - Ah, meu Deus... olhe só para isso!
Virginia ergueu os olhos e viu Varshall através do vidro da vitrine. Ele realmente havia voltado, e pontualmente.
- Calma. – disse rindo. - Homens como este destroem corações sem derramar uma gota de sangue.
- Por mim, tudo bem. Há meses ninguém destrói meu coração. Vejamos... - Emily fez uma análise rápida e acurada. - Um metro e oitenta, setenta e seis quilos maravilhosamente distribuídos, do tipo casual, talvez um tantinho intelectualizado. Gosta de ficar ao ar livre, mas não exagera, apenas alguns fios esparsos de cabelos queimados pelo sol e um bronzeado razoável, bons ossos faciais, que agüentarão bem a idade, e aquela boca ...
Quando a porta se abriu, Emily mudou de posição, de forma que seu corpo parecia prestes a explodir para fora do macacão.
- Olá, bonitão. Quer comprar alguma coisa?
Sempre pronto a aceitar uma mulher bem-disposta, Johnny enviou-lhe um largo sorriso.
- O que você recomenda?
- Bem... - A palavra foi dita num ronronar de fazer inveja à Luna.
- Emily, o senhor Varshall não é um cliente. - A voz de Virginia soou meiga e divertida. Havia poucas coisas mais engraçadas do que assistir Emily se exibir para um homem atraente. - Nós temos um compromisso.
- Outra hora, talvez. - Johnny falou.
- Ah bem, ok! Eu não sabia! - Emily deslizou em torno do balcão, atirou um último olhar devastador para Johnny, depois saiu pela porta rebolando.
- Aposto que ela estoura suas vendas. - ele comentou.
- Juntamente com a pressão arterial de todos os homens que aparecem por aqui. Como está a sua?
Ele sorriu.
- Você tem um balão de oxigênio?
- Sinto muito, foram todos vendidos por ela mesma. - Virginia deu uma palmadinha amigável no braço dele. - Por que não se senta um pouco? Ainda tenho de fazer algumas coisas e... Droga!
- O que foi?
- Não coloquei a placa de "Fechado" na porta a tempo. - ela resmungou.
Depois, quando a porta se abriu, exibiu um sorriso radiante.
- Olá, senhora Diggory.
- Virginia. - O nome foi emitido num longo suspiro de alívio, enquanto uma senhora, que Johnny calculou estar entre os sessenta e setenta anos, cruzou a loja.
A mulher fazia lembrar um navio, com echarpes coloridas esvoaçando em torno dela como se fossem bandeiras. Os cabelos eram brilhantes, de um improvável tom de preto, e se encrespavam alegremente em volta do rosto de lua cheia. Os olhos estavam pintados com uma sombra cor de esmeralda e os lábios com um vermelho profundo. Ela estendeu as duas mãos repletas de anéis e agarrou as de Virginia.
- Simplesmente não consegui chegar aqui nem um minuto antes. Pensei em aparatar, mas na minha idade, você sabe como é ...
“Que diabos é aparatar?” – pensou Johnny.
Virginia tentou levá-la para os fundos da loja para que a Sra. Diggory não desse pistas do que eles eram.
- Você é um amor. Ela é um amor, não acha? – disse a senhora se virando para Johnny.
- Pode apostar.
A senhora Diggory sorriu radiante, virando-se para ele com uma sinfonia de correntes e braceletes que chocalhavam.
- Sagitário, certo?
- Ah... - Johnny ratificou o seu aniversário sem hesitar, a fim de contentá-la. - Certo. É impressionante.
Ela estufou o vasto peito.
- De fato, eu me orgulho da minha capacidade de olhar para alguém e julgar seu caráter. Mas não se preocupe, querido, não irei privá-lo de seu encontro por muito tempo.
- Não temos um encontro. Ele é um cliente! - Virginia falou. - O que posso fazer para ajudá-la?
- Um favorzinho de nada. - Os olhos da senhora Diggory adquiriram um tal brilho que Virginia teve de sufocar um gemido. - Minha sobrinha-neta. Há este problema da formatura e há um rapazinho adorável que estuda geometria na mesma classe que ela. Ela nasceu trouxa coitadinha.
Desta vez ela seria firme, Virginia prometeu a si mesma. Uma rocha. Pegando o braço da senhora, afastou-a de Johnny.
- Já lhe expliquei que as coisas não são assim. - disse. – E, além do mais, se a senhora quer um encantamento de amor, por que não faz a senhora mesma?
A senhora Diggory bateu os cílios falsos.
- Oh, minha querida, desde que Cedrico morreu minha capacidade mágica vem diminuindo, e agora com a morte de Amos... não consigo fazer nenhum tipo de magia. Eu sei que normalmente você não faz isso. Mas é por uma boa causa.
- Todas elas são. - Estreitou os olhos para Johnny, que cada vez mais se aproximava.
Virginia foi empurrando a senhora Diggory mais para o fundo da loja.
- Tenho certeza de que sua sobrinha é uma menina maravilhosa, mas arranjar um acompanhante para ela ir ao baile de formatura é uma frivolidade... e tais coisas têm repercussões. Pode-se mudar o destino das pessoas, mudar o futuro.
- É apenas por uma noite.
- Alterar o destino por uma noite pode trazer conseqüências por séculos.
O olhar deprimido da senhora Diggory fez com que Virginia se sentisse como uma sovina recusando um pedaço de pão a um faminto.
- Sei que a senhora quer que ela tenha uma noite especial, mas realmente não se pode brincar com o destino.
- Ela é tão tímida, sabe? - a senhora Diggory falou, com um suspiro. Mas seus ouvidos eram aguçados o bastante para perceber o leve enfraquecimento na decisão de Virginia. - E ela não se acha nem um pouco bonita, apesar de ser, e muito. - Antes que Virginia pudesse protestar, tirou uma fotografia da bolsa. - Está vendo?
“Não quero ver”, pensou Virginia. Mas olhou para o instantâneo, e a bela adolescente de olhos melancólicos fez o resto. Virginia praguejou internamente. “Por Merlin”. Ela era uma boba sentimental quando se tratava de namoros entre adolescentes.
- Não posso garantir nada... Apenas sugerir.
- Isso será maravilhoso. - Aproveitando o momento, a senhora Diggory pegou outra foto, que cortara do anuário do colegial, na biblioteca da escola. - Este é Arthur. Lindo nome, não acha? Arthur Brody e Miranda Diggory. Você vai começar logo, não é? O baile de formatura é no primeiro final de semana de maio.
- O que tiver de ser, será - Virginia falou, guardando as fotos no bolso.
- Abençoada seja. - Radiante, a senhora Diggory beijou Virginia no rosto. - Não vou atrasá-los mais. Voltarei na segunda feira para fazer algumas compras.
- Tenha um bom fim de semana. - Irritada consigo mesma, Virginia acompanhou a senhora até a porta.
- Você também dá consultas? - Johnny perguntou.
Virginia inclinou a cabeça para o lado. A raiva, que tinha sido direcionada unicamente para si mesma, explodiu em seus olhos.
- Não, é só uma amiga.
- Sei...
Um leve rubor cobriu as faces de Virginia. Se havia algo que ela detestava mais do que ser fraca, era ser fraca com um homem.
- Você não é do signo de Sagitário.
Ele retirou os olhos do rosto dela, com relutância. A pele era tão fresca e acetinada quanto o leite.
- Não? E qual é o meu signo?
- Gêmeos.
Johnny arqueou a sobrancelha e enfiou a mão no bolso.
- Adivinhou. - disse.
O desconforto dele a fez se sentir um pouco melhor.
- Eu raramente adivinho. E, já que você foi gentil o suficiente para não magoar a senhora Diggory, não vou ficar zangada. Quer vir comigo para os fundos? Vou fazer um pouco de chá. - Virginia riu, ao ver a expressão dele. - Está bem, vou servir um vinho então.
- Melhorou.
Johnny a seguiu pela porta atrás do balcão até uma sala que servia de depósito, escritório e cozinha. Havia prateleiras alinhadas em duas paredes, repletas de caixas e livros. Sobre a escrivaninha de cerejeira estavam dispostos um abajur no formato de uma sereia, um telefone de aparência eficiente e uma pilha de papéis, mantidos no lugar por um peso de papel de vidro que lançava reflexos coloridos.
Virginia pegou duas taças de vinho num armário sobre a pia.
- Sente-se. - disse. - Não posso ficar conversando por muito tempo, mas meus convidados precisam ficar confortáveis. Tirou da geladeira uma garrafa longa, de gargalo fino e serviu o líquido dourado nas taças.
- O vinho não tem rótulo?
- É uma receita minha. - Com um sorriso, ela bebeu primeiro. - Não se preocupe, não há nenhum olho de salamandra na mistura.
- O meu medo não é esse!
- E qual é seu medo?
- Que isso seja uma Poção do Amor ou um veneno que me mate em menos de um minuto. Assim você não teria que responder minhas perguntas.
- Não se preocupe...
Johnny teria rido da brincadeira, mas a maneira como ela o observava por cima da borda da taça o deixava nervoso. Bebeu um gole... O vinho era fresco, levemente adocicado, e suave como uma seda.
- Muito bom. Nunca bebi um vinho tão gostoso!
- Obrigada. - Virginia se sentou ao lado dele. - Ainda não decidi se irei ou não ajudá-lo. Mas estou interessada no seu ofício, principalmente se você pretende incorporar o meu nele.
- Você gosta de literatura e cinema? - ele disse, imaginando que isso lhe daria um bom começo.
Passou o braço pelas costas da cadeira, esfregando o pé distraidamente em Luna, quando a gata se enroscou em suas pernas.
- Sim, dentre outras coisas.
- Tudo bem... Porque sua história irá virar um livro e um filme de cinema.
- Mas - ela acrescentou, interrompendo-o - não tenho certeza se quero ver minhas opiniões e pensamentos indo para Hollywood.
- Podemos conversar.
Johnny sorriu mais uma vez. Enquanto Virginia pensava nisso, Luna saltou sobre a mesa. Pela primeira vez, Johnny reparou que a gata usava um cristal redondo e lapidado em torno do pescoço.
- Escute, Virginia, não estou tentando provar ou negar nada, não estou tentando mudar o mundo. Só quero escrever um livro.
- Mas por que livros de magia?
- Por quê? - Ele encolheu os ombros. - Não sei. Talvez seja porque quando as pessoas assistem um filme de magia ou terror, elas parem de pensar sobre o dia chato que tiveram no escritório logo depois do primeiro grito.
Virginia bebericou o vinho e ficou pensativa. Talvez houvesse uma alma sensível sob aquele trouxa presunçoso. Era certo que tinha talento e um charme inegável.
Bem, ela poderia muito bem dizer não, se quisesse, mas primeiro queria saber mais sobre o assunto.
- Por que não me fala sobre a história que vai escrever?
Johnny enxergou uma abertura e aproveitou a oportunidade:
- Ainda não tenho uma história sobre a qual falar. E é aí que você entra. Eu gosto de ter uma boa base. Já tenho algumas, pois minhas pesquisas geralmente se estendem além do necessário e me levam a todas as áreas do ocultismo. Mas o que quero é um ângulo mais pessoal. Você sabe, o que a fez se iniciar na feitiçaria, se participa de cerimônias, que tipos de adornos prefere.
Virginia não pode deixar de pensar em quão burro ele era. Ela não havia se iniciado na magia, ela era uma bruxa desde que havia nascido. Também não participava de cerimônias ou ritos.
- Receio que você esteja começando com a impressão errada. Da maneira como fala, parece que eu me associei a algum tipo de clube.
- Uma convenção, um clube... Um grupo de pessoas com os mesmos interesses.
- Não pertenço a nenhuma convenção. Você está equivocado com relação à Magia.
- Por quê?
- Porque, na essência, magia não é isso que você fala. Todos nós nascemos com determinados dons, senhor Varshall. O seu é contar histórias mentirosas que distraem e divertem as pessoas. Aliás, você me faz lembrar um antigo professor meu, Gilderoy Lockhart. Mas tenho certeza de que você respeita e aplica seus dons. Eu faço exatamente o mesmo.
- E quais são os seus?
Virginia demorou a responder e ergueu os olhos para ele. O olhar que lhe enviou o fez se sentir como um tolo por ter perguntado. O poder estava ali, o tipo de poder que faria um homem rastejar. Ele sentiu a boca tão seca que o vinho que estava bebendo parecia areia.
- O que está querendo, uma demonstração? - Um leve tom de impaciência infiltrou-se na voz dela.
Johnny conseguiu respirar fundo e despertar do que quase poderia ter considerado um transe... Se acreditasse em transes.
- Eu adoraria uma demonstração.
Talvez isso fosse cutucar o diabo com vara curta, mas ele não resistiu. A cor que a irritação produzia nas faces de Virginia fazia com que sua pele reluzisse como um pêssego recém-colhido.
- O que você tinha em mente?
- Quer ver raios saindo da ponta dos meus dedos? Será que devo fazer o vento soprar ou a lua desaparecer?
- Faça o que quiser. Você é a artista.
“Artista? É muito atrevimento!” - ela pensou enquanto se levantava, sentindo os poderes fervilhando em seu sangue. Seria muito bem feito para ele se...
- Gina...
Ela fez um giro, fuzilando de raiva. Com esforço, afastou os cabelos para trás e relaxou.
- Parminda.
Johnny não saberia dizer porque se sentia como se acabasse de escapar de uma calamidade de enormes proporções. Mas sabia que, por um instante, todo seu ser estivera tão envolvido em Virginia que ele não teria sentido nem mesmo um terremoto. Ela o puxou para dentro e agora o deixou um tanto zonzo, um tanto abobalhado, encarando a jovem e esguia ruiva e parada na porta.
Ela era linda e, embora um pouco mais baixa que Virginia, emitia um estranho tipo de força apaziguadora. Seus olhos eram suaves, num tom azul que induzia à tranqüilidade, e estavam focalizados em Virginia. Nos braços trazia uma caixa cheia de vasinhos com ervas verde.
- Você não colocou a placa de "Fechado" - Parminda falou. - Por isso entrei pela frente. Estou atrapalhando algo?
- Deixe-me ajudá-la com isso. - Mensagens foram trocadas entre as duas mulheres. Johnny não precisava ouvi-las para saber. - Parminda, este é o senhor Johnny Varshall. Johnny, minha prima Parminda.
- Desculpe pela interrupção. - A voz dela, baixa e quente, era tão tranqüilizante quanto os olhos.
- Você não interrompeu nada. - disse Virginia, enquanto Johnny se levantava. - Nós já estávamos terminando.
- Apenas começando - ele corrigiu. - Mas podemos continuar numa outra hora. Prazer em conhecê-la - disse para Parminda. Depois, virou-se para Virginia e lhe disse: - Até breve.

Trecho do próximo capítulo:
- Hogwarts, onde fica? Nunca ouvi falar nessa escola.
“Claro, seu trouxa”. – a ânsia de externalizar seus pensamentos só não foi maior que o medo de colocar a sociedade bruxa em apuros.
- Na Escócia. Era um internato.
- Uma escola de bruxos creio? – perguntou.
- Mais ou menos isso.
De repente, antes que Virginia pudesse fazê-la desaparecer, Johnny deixou a taça onde estava, preferindo segurar um fino bastão de madeira com algumas pedras incrustradas e dizeres mágicos.
- É a sua varinha mágica?
Achou que falando a verdade se sairia melhor. Ele era um tolo que só visava o próprio umbigo, e isso não iria mudar agora.
- É claro. - ela disse, tirando o objeto delicadamente da mão dele.

Nota da Autora: Bom, mais um capítulo publicado. Gostaram da Parminda? É sempre bom conhecer gente nova. Acho que ela é a personagem que eu mais gosto (por enquanto), depois do Flucke (afinal, alguém como ele é difícil de se encontrar – aiaiai já estou eu aki dando dicas !!!)... Acabou por hoje, não vou falar mais nada!!! Já estou me arriscando muito!!! Não custa pedir comentários neh?




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