Experiência Transcedental



- Cada dia mais eu me surpreendo com você, Virginia. Ela é mesmo sua mãe?
- Sim e ficaria muito feliz em saber que você gosta de seus livros. - Virginia ergueu o copo. - Ela escreveu seu primeiro livro que foi publicado quando estava grávida de mim. Ela sempre diz que eu insistia para que ela escrevesse a história.
- Sua mãe acredita que você seja uma feiticeira?
“Como ele pode ser tão tolo? Será que ele acha que uma bruxa é retirada de dentro de um repolho?”
- Hum, não sei... Seria melhor perguntar a ela, não?
- Você está sendo evasiva de novo. - Johnny se acomodou confortavelmente no sofá ao lado dela. - Vamos colocar desta forma: sua família tem algum problema em aceitar as coisas pelas quais você se interessa?
“Cada vez mais tolo. Não tem jeito mesmo!!!”
Virginia gostou do jeito que ele relaxou, com as longas pernas estendidas, como se há anos estivesse fazendo companhia a ela naquele sofá.
- Minha família sempre compreendeu a necessidade que cada um tem de focalizar suas energias numa direção individual. Seus pais têm algum problema com os seus interesses?
- Nunca os conheci.
- Oh, lamento muito.
O brilho zombeteiro nos olhos dela se transformou imediatamente em simpatia. Sua família sempre fora seu eixo e não poderia imaginar como seria a vida sem ela.
- Não foi grande coisa. - Mas ele se levantou, constrangido. Já estava bem distante dos velhos tempos para precisar de qualquer tipo de simpatia. - Estou interessado nas reações da sua família. Isto é, como a maior parte dos pais se sentiria, como eles reagiriam se soubessem que a filha andava aprontando feitiçarias? Você decidiu se dedicar a isso desde criança?
E, com isso, a simpatia desapareceu como uma nuvem de fumaça.
- Me dedicar? - ela repetiu, os olhos fuzilando. – Eu não precisei me dedicar a nada... – e no mesmo momento viu que falara demais.
- Talvez eu precise fazer um prólogo, mostrando como a personagem principal resolveu ser uma bruxa. Talvez ela fique irritada com o garotinho do vizinho e o transforme num sapo. - Johnny prosseguiu, inconsciente do fato de que as feições de Virginia ficavam tensas. - Ou encontra alguma mulher misteriosa que lhe passa o poder. Acho que gosto mais disso. Só não tenho certeza do ângulo que quero usar, por isso imaginei que poderíamos começar deixando tudo bem claro. Você me diz o que lhe deu o primeiro impulso: livros que leu, qualquer coisa assim. Depois, posso transformar os fatos em ficção.
Virginia pensou que teria de controlar seu temperamento, e com muito cuidado. Quando falou, sua voz era suave, porém carregada de um tom que o fez parar no centro do tapete. Iria falar abertamente, mas tinha absoluta certeza que Varshall não acreditaria.
- Sou uma bruxa, descendente de Godric Griffindor por parte de pai. Meu poder é um dom passado de geração a geração. Sou a sétima filha, do sétimo filho, do sétimo filho.
Johnny assentiu, impressionado.
- Isso é ótimo. – “Então ela não queria falar sério” - pensou. - E quando foi a primeira vez que você percebeu que era uma feiticeira? - juntou.
O tom da voz dele fez com que a raiva de Virginia aumentasse um grau. A sala sacudiu enquanto ela tentava se conter. Johnny puxou-a para fora do sofá tão rapidamente que ela não teve tempo de protestar, empurrando-a na direção da soleira da porta quando o tremor cessou.
- Foi só um tremor. - ele disse, mas manteve os braços em torno dela. - Eu estava em San Francisco, quando houve um grande terremoto. - Sentindo-se um idiota, enviou-lhe um sorrisinho sem graça. - Depois disso, nunca mais consegui ficar indiferente com relação a tremores de terra.
“Então ele pensou que era um tremor de terra. Melhor assim“ - Virginia decidiu.
De qualquer forma, a maneira como ele se apressara em protegê-la havia sido muito gentil.
- Por que não se muda então?
- É melhor a gente ficar onde está e lidar com aqueles desastres que já se conhece.
- Você não vai conseguir lidar comigo, Johnny. Mas está convidado a tentar.
Ele tomou-lhe os lábios, confiante. Até aquele momento não considerava as mulheres como um desastre, mas talvez devesse mudar seu conceito.
Aquilo foi mais turbulento que qualquer terremoto, mais devastador do que qualquer tempestade. Johnny não sentiu a terra tremer, nem o vento uivar, mas no instante em que os lábios dela se abriram sob os seus, soube que estava sendo impelido por alguma força irresistível, para a qual nenhum homem ainda havia encontrado um nome.
Ela estava colada a ele, tão quente e macia como cera derretida. Se acreditasse em tais coisas, Johnny poderia pensar que o corpo dela fora moldado exatamente para aquele propósito: ajustar-se ao seu com perfeição. Deslizou as mãos por baixo da camiseta dela, acariciando a pele macia de suas costas, pressionando-a mais, certificando-se de que ela era real.
Os lábios dela rendiam-se sedosamente aos seus, enquanto os braços enroscavam-se em seu pescoço.
Um som flutuava no ar, algo que ela murmurava e que ele não conseguia entender. Ainda assim, Johnny julgou sentir uma certa surpresa no sussurro, e talvez um leve temor, antes que terminasse com um suspiro.
A simplicidade do beijo preenchia uma necessidade básica. Mas não havia nada de simples naquele beijo. Como poderia ser simples, quando o excitamento e a agitação andavam juntos, percorrendo toda sua pele?
Virginia queria acreditar que o poder vinha de si mesma, estava nela. Que era a responsável por aquele turbilhão de sensações que os rodeava. Muitas vezes uma evocação era tão rápida quanto um desejo, tão forte quanto uma vontade. Mas o medo de desapontá-lo estava ali e ela sabia que resultava da percepção de que aquilo era algo que ia além do seu alcance.
Ela escorregou para fora dos braços dele. Nem por um instante iria permitir que ele visse que tinha algum poder sobre ela. Fechou a mão sobre o amuleto e se sentiu mais firme.
Johnny se sentia como o único sobrevivente de um desastre de trem. E então, colocou as mãos nos bolsos, a fim de impedir-se de abraçá-la novamente. Não se importava em brincar com fogo, apenas queria ter certeza de que era ele quem segurava o fósforo.
- Você costuma usar hipnose? – perguntou sério.
Ela estava bem. Estava muito bem. Foi necessário algum esforço para conseguir dar um sorriso que não parecesse apaixonado demais.
- Eu hipnotizei você, Johnny?
- Você é uma feiticeira, tenho que me certificar. Só quero ter certeza de que, quando beijar você, a idéia seja minha.
Virginia levantou a cabeça.
- Você pode ter todas as idéias que quiser. Eu não preciso recorrer à magia para fazer com que um homem me deseje. E se eu decidir que quero tê-lo, você ficaria mais do que disposto. E, depois, ficaria agradecido.
Johnny não duvidava disso, mas sentiu seu próprio orgulho arranhado.
- Se eu lhe dissesse algo assim, você me acusaria de machista e egocêntrico.
- A verdade não tem nada a ver com o sexo ou o ego.
A gata branca pulou no encosto do sofá. Sem desviar os olhos de Johnny, Virginia levantou a mão e afagou a cabeça de Luna.
- Se não está disposto a correr o risco, podemos cancelar a nossa sociedade criativa.
- Acha que tenho medo de você? - O absurdo daquela observação melhorou um pouquinho o humor de Johnny.
- Fico aliviada em saber. Detestaria pensar em você como algum tipo de conquistador calculista.
- A questão principal é: se quisermos que funcione, é melhor estabelecermos algumas regras.
“Eu devo estar maluco” - Johnny pensou. Cinco minutos atrás tinha uma mulher linda, sensual e incrivelmente deliciosa entre os braços e agora estava tentando pensar em maneiras que pudessem impedi-la de seduzi-lo.
- Não. - Pensativa, Virginia pressionou os lábios. - Não me dou muito bem com regras. Você terá de se arriscar. Mas posso fazer um acordo com você: não vou induzí-lo a nenhuma situação comprometedora se você parar de fazer estes comentários pretensiosos e fúteis a respeito da bruxaria. Isso me irrita, e quando fico irritada, às vezes faço coisas das quais me arrependo depois.
- Eu tenho de lhe fazer perguntas.
- Então aprenda a aceitar as respostas. Eu não minto, pelo menos não costumo mentir. Não tenho certeza de porque decidi lhe falar tudo isso. Talvez seja por haver algo em você que me atrai e, sem dúvida, porque sinto um grande respeito por escritores. Você tem uma aura forte e uma mente investigativa, apesar de cética e idiota, além de uma boa dose de talento. E, talvez, porque pessoas muito próximas a mim o aprovaram.
- Tais como...
- Parminda. E Luna e Flucke. Eles são excelentes juízes de caráter.
Então ele fora aprovado por uma prima, uma gata e um cão. “Já é alguma coisa!”
- Parminda também é feiticeira?
Os olhos dela mantiveram-se firmes.
- Não sei porque vou lhe falar isso, mas... – Virginia parou decidindo se contaria ou não a verdade. – todos nós somos bruxos. A família Weasley é uma família bruxa.
-Tudo bem. Tudo bem... – disse incrédulo. - Quando começamos?
De novo, ele não havia acreditado. e talvez fosse melhor mesmo. Nem deveria ter contado nada a ele.
- Não trabalho aos domingos. Você pode vir amanhã à noite, às nove horas.
- Por que não à meia-noite? Bruxas gostam da meia noite! Oh, me desculpe - ele se apressou em dizer. - Força do hábito. Gostaria de usar um gravador, se você não se importar.
- É claro que não me importo.
- Devo trazer mais alguma coisa?
- Uma língua de morcego e um pouco de enxofre. - Virginia sorriu. - Desculpe-me, força do hábito.
Ele riu e pousou um beijo casto em seu rosto.
- Gosto do seu estilo, Virginia.
- Veremos se gostará por muito tempo.

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Ela esperou até o pôr-do-sol, depois vestiu uma fina túnica branca.
“Era melhor prevenir do que remediar” - dissera a si mesma quando finalmente sucumbira, subindo para o cômodo no alto da torre.
Não gostava de admitir que Johnny era tão importante a ponto de merecer suas preocupações, mas desde que estava preocupada, achou melhor verificar. Montou o círculo protetor, colocou seu caldeirão no centro, acendeu as velas. Colocou numa mistura de óleos e outros líquidos que estavam no caldeirão, um punhado de sândalo e ervas. Depois mergulhou os braços na mistura e pegou sua varinha.
- Fogo, água, terra e vento. Deixem-me apenas ser. E quando eu assim desejar, que em pó se transforme.
E assim, Gina se desmaterializou.
- Hum, como se eu não soubesse onde vais. – sussurrou Luna enquanto Gina abria a porta e se lançava na escuridão.
Sabia onde iria, sabia onde ele morava. Quem sabe assim Johnny não deixasse de ser tão cabeça dura e aceitasse as coisas como elas eram.

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Ela usava uma túnica cerimonial branca, amarrada por um cordão de cristais. Os cabelos vermelhos estavam soltos e os pés descalços. Algumas velas foram acesas somente por uma palavra que ele não entendeu. Uma coruja piou ao longe. Ele se virou e a viu. Linda.
Nenhuma palavra precisou ser dita.
Virginia estendeu as mãos e envolveu Johnny num abraço.
As paredes da casa de Johnny pareciam se ondular, tamanho sentimento de paz que havia ali.
E então, Virginia ergueu uma das mãos. As velas se apagaram.
Alguns instantes depois, Johnny acordou de um cochilo que havia tirado na frente da televisão. Sonolento, esfregou as mãos no rosto e se levantou com dificuldade.
“Que sonho danado.” - pensou enquanto massageava a nuca rígida. Vívido o bastante para deixar doloridas várias partes sensíveis do seu corpo.
Ele não se esforçou o bastante para tirar Virginia da cabeça. Por isso, se acabasse tendo fantasias sobre vê-la dançando algum tipo de dança das bruxas, sobre tirar-lhe a túnica de seda branca e fazer amor com ela na grama macia, sob o luar, não poderia culpar mais ninguém, exceto a si mesmo.
Johnny estremeceu de leve e pegou o copo de cerveja que já havia esquentado.
Realmente, havia sido um sonho muito estranho. No entanto, ele podia jurar que sentira o cheiro de velas queimando.


Trecho do próximo capítulo:

- Pesquisa. Ele quer escrever uma história sobre bruxas. Aliás, ele deve chegar aqui em duas horas para uma entrevista.
- Ótimo. Isso dará tempo de sobra para você me alimentar. - Ronald passou o braço amigavelmente nos ombros dela. Decidira que Virginia teria de expulsá-lo da casa, se quisesse que ele saísse antes de se encontrar com o escritor. - Conversei com tio Mitchell neste fim de semana.
- Por coruja?
Os olhos dele se arregalaram, chocados.
- E eu lá preciso de corujas para me comunicar com tio Mitchell?
- Está bem. Vou lhe dar o jantar e você pode me contar as novidades.





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