A Dona da Boticário



Havia uma árvore entalhada na madeira exatamente igual ao Carvalho Mágico no local onde a árvore estivera plantada, pois os habitantes de Ottery St. Catchpole valorizavam a natureza e as lendas. Os turistas bruxos vinham com freqüência observar as palavras do marco e ficavam ali admirando a árvore esculpida.
“Esta árvore morreu no dia em que Virginia Weasley nasceu”
Os moradores que tinham visto a árvore viva, que se lembravam do dia em que ela caíra, sempre mencionavam o fato de que Virginia Weasley nasceu naquela mesma noite.
Alguns (os bruxos mais inteligentes e conhecedores de magia) diziam que era um sinal, outros chamavam de coincidência. Mas ninguém negava que o fato de haver uma bruxa nascida no mesmo dia em que uma árvore tão famosa como o Carvalho Mágico morrera, proporcionava um excelente "charme" ao local.

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Johnny Varshall conhecia a lenda do Carvalho Mágico e considerava este fato divertido e interessante. Ele ganhava a vida estudando o sobrenatural, bruxas, vampiros e lobisomens, embora não acreditasse nessas coisas. Decididamente, homens não se transformavam em morcegos ou lobos sob a lua cheia e as mulheres não usavam varinhas de condão.
Johnny era trouxa, como os bruxos chamavam quem não era bruxo. Era um homem sensato, que sabia o valor das ilusões, mas apenas como mero entretenimento. Ele havia fascinado os amantes de livros de terror durante sete anos, desde o seu primeiro e bem-sucedido: "O Transformador".
A verdade era que Johnny adorava ver sua imaginação ganhando vida nas telas e não hesitava em entrar num cinema da vizinhança e se deliciar com sua obra, enquanto a platéia prendia o fôlego, emitia gritinhos de susto ou fechava os olhos. Adorava saber que as pessoas pagavam o preço do ingresso para ver em uma tela de cinema um de seus livros.
Eram as lendas folclóricas que inspiravam Johnny a escrever a trama de uma história, principalmente quando eram relatadas por alguém cujas crenças lhes conferiam vigor e veracidade, mesmo que ele próprio não acreditasse naquela baboseira toda.
E as pessoas ainda o consideravam estranho, ele pensou sorrindo consigo mesmo, enquanto passava por aquela entrada esquisita. Estava em uma das ruas de Londres com seu Mitsubish importado, tentando achar a casa que havia alugado para a estada, que pretendia ser rápida.
Simplesmente ganhava a vida com a ilusão, brincando com os medos mais básicos, as superstições e o prazer que as pessoas obtinham em serem amedrontadas por tolices que elas próprias imaginavam serem ou não eram verdadeiras.
Johnny Varshall conseguia dar vida ao bicho-papão ou até mesmo inventar bruxas. Bastava colocar palavras no papel. Talvez fosse por isso que ele era um cético. Ah, sim, ele gostava de histórias sobrenaturais, mas, acima de qualquer pessoa, sabia que eram apenas isso. Histórias. E ele tinha milhões delas na cabeça.
E então, finalmente depois de muito tempo de viagem, parou seu carro em frente à casa que havia alugado em Londres. Ficou olhando por um tempo o vai e vem das pessoas até que resolveu sair do carro.
Agora Johnny esperava que Virginia Weasley, a feiticeira mais famosa de Londres, pudesse ajudá-lo a criar sua próxima história. Imaginou como ela seria. Usaria um turbante e roupas enfeitadas? Ou um chapéu pontiagudo? Talvez tivesse até uma verruga na ponta do nariz! Fosse como fosse, ele não se importaria nem um pouco.
Propositadamente, Johnny evitou fazer pesquisas sobre Virginia Weasley. Queria formar suas próprias opiniões a respeito da celebridade do lugar. Tudo o que sabia era que ela havia nascido em Ottery St. Catchpole, tinha cerca de vinte e oito anos e possuía uma bem sucedida loja em Londres que abastecia os aficcionados com cristais e ervas.
Após menos de um mês morando em Londres, ele estava se perguntando como conseguiu viver em outro lugar. Ali era o paraíso. As pessoas eram bastante estranhas, é verdade, mas, mesmo assim, o lugar contava com uma atmofera mágica.

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Era ainda início de março e havia uma brisa fresca, quase gelada, que castigava seus cabelos louro-escuros. O céu estava sem nuvens, de um azul lindo, e ele estava realmente feliz por ter se desvencilhado do antigo relacionamento que já não o acrescentava mais nada. No que lhe dizia respeito, a vida estava perfeita.
Johnny avistou a loja. Como lhe disseram, ficava bem na esquina, ladeada por uma boutique e um restaurante. Os negócios obviamente iam bem, pois ele via todo o tipo de gente entrando e saindo da loja. Passou por um grupo de turistas, que discutiam onde comprar o melhor caldeirão. “Que gente louca!” – pensou.
Parou diante da loja e examinou o edifício em seus mínimos detalhes. Era um prédio de dois andares com janelas brancas, o que ficava perfeito com o azul claro da fachada e com as portas de vidro.
O nome, em um letreiro luminoso, dava a impressão de uma loja respeitável: Boticário.
Pensava em como começaria sua obra, quando alguém saiu da loja, virou-se e trombou de frente com ele.
- Desculpe-me.
Fez que sim com a cabeça e chegou um pouco mais perto para que pudesse olhar melhor a vitrine.
A vitrine era impressionante, reparou. Um tecido de veludo azul-escuro se dobrava sobre suportes de várias alturas e profundidades, de forma a se assemelhar com um largo rio com quedas escuras. Flutuando sobre o veludo havia agrupamentos de cristais, vidros cheios de uma mistura azul esverdeada e alguns outros artefatos que Johnny não conhecia. Seus formatos lembravam bastões, bolas e outros tinham formas bastante diferentes.
Pressionando os lábios, Johnny deu um passo para trás.
Queria ver como a vitrine atraía as pessoas. Que alguém pudesse realmente acreditar que uma lasca de pedra contivesse algum tipo de poder ou que aqueles vidros continham algo mais que água colorida, seria mais um motivo para se maravilhar com o cérebro humano. Ainda assim, sem dúvida os cristais e vidros eram bem bonitos.
”Talvez ela guarde os caldeirões nos fundos.” – pensou.
Tal idéia fez com que ele risse intimamente. Por fim, deu uma última espiada na vitrine antes de abrir a porta, tentado escolher algumas peças para si mesmo. Um peso de papel ou um prisma, algo bem normal.
A loja estava lotada. No entanto, isso lhe daria tempo para olhar em volta e verificar como uma bruxa conduzia seus negócios no século vinte e um.
Os mostruários no interior da loja eram tão teatrais quanto aqueles que reluziam na vitrine. Imensos pedaços de rochas, alguns cortados ao meio, frascos pequenos e delicados, contendo líquidos coloridos com os mais diversos corantes. Johnny ficou ligeiramente desapontado ao ler um dos rótulos e descobrir que se tratava de óleo de banho de alecrim, para relaxar os sentidos. Esperava encontrar pelo menos uma poção do amor na loja de uma bruxa.
Havia mais ervas, algumas jóias interessantes... Mas Johnny, sempre interessado no que era mais insólito, logo gostou de um abajur de estanho, confeccionado no formato de um dragão alado com brilhantes olhos vermelhos.
E nesse momento, ele a viu. Com apenas um olhar, teve certeza de que aquela era a imagem exata de uma bruxa moderna. Alta, longos cabelos loiros que lhe caíam pelos ombros, mantinha uma discussão com dois clientes sobre uma mesa de pedra. Tinha um corpo exuberante, ele podia notar.
- Bonito, não acha?
- Humm? - A voz enrouquecida fez com que Johnny desviasse a atenção de seu objeto de estudo.
Durante vários segundos ofegantes, viu-se perdido num par de maravilhosos e penetrantes olhos castanhos.
- Desculpe-me?
- O dragão. - Sorrindo, ela passou a mão pelo abajur. - Eu estava justamente pensando se deveria levá-lo para casa. - Tornou a sorrir e Johnny viu que seus lábios eram cheios, macios e sem qualquer pintura. - Você gosta de dragões?
- Sou louco por eles - Johnny decidiu na hora. - Você sempre faz compras aqui?
- Ah sim, sempre. Essa é a minha loja preferida.
Ela levou as mãos aos cabelos. Eram vermelhos como sangue e caíam em ondas descuidadas até sua cintura. Johnny fez um esforço e tentou enquadrá-la por inteiro. Os cabelos cor de carmim combinavam com a pele clara e sedosa. Os olhos eram grandes, com cílios espessos, o nariz pequeno e pontiagudo. Ela era quase tão alta quanto ele e muito esguia. O simples vestido azul que usava revelava bom gosto e estilo, bem como as curvas sutis.
Havia algo fascinante nela, ele concluiu, embora não conseguisse analisar exatamente o que seria enquanto estava tão ocupado desfrutando da visão.
Enquanto ele a observava, os lábios dela se curvaram novamente num sorriso. Havia um quê de sabedoria e também de divertimento no movimento.
- Você já esteve na Boticário antes?
- Não, mas há coisas bem interessantes por aqui.
- Está interessado em cristais?
- Quem sabe? - Distraído, ele pegou um pedaço de ametista. – Mas não sou muito bom em geologia.
- Não creio que alguém vá lhe dar notas, aqui. - Ela fez um gesto na direção da pedra que ele segurava. - Se quiser entrar em contato com seu eu interior, deve segurá-la na mão esquerda.
- É mesmo? - Para contrariá-la, Johnny passou a pedra para a outra mão. - Se você vem sempre aqui, talvez possa me apresentar à feiticeira.
Franzindo a testa, a moça seguiu o olhar dele, que se direcionava para a loira encerrando a venda.
- Está precisando de uma bruxa?
- Acho que se pode dizer que sim.
Ela voltou àqueles lindos olhos castanhos novamente para ele.
- Você não me parece o tipo que viria em busca de um feitiço amoroso.
Ele sorriu.
- Obrigado. Eu acho. Na verdade, estou fazendo uma pesquisa. Escrevo roteiros para o cinema e quero fazer uma história sobre feitiçaria no século vinte e um.
- Ah... - Quando ela inclinou a cabeça, límpidas gotas de cristal balançaram em suas orelhas.
- Esta Virginia realmente acredita que é uma bruxa?
- Ela sabe que é, senhor... – Não havia problema em falar abertamente com ele já que ele achava que bruxas eram somente pessoas que faziam poções de amor.
- Varshall. Johnny Varshall.
O riso dela foi baixo e agradável.
- Ah claro! Eu gosto dos seus livros. Gostei principalmente do "Sangue da Meia-Noite". Você deu ao seu vampiro estilizado uma boa dose de sensualidade e esperteza.
- Há mais coisas num morto-vivo do que apenas caixões e túmulos.
- Suponho que sim. E há mais coisas numa bruxa do que apenas caldeirões e varinhas.
- Exatamente. É por isso que quero entrevistá-la. Imagino que seja uma mulher bastante esperta, para realizar tantas proezas.
- Proezas? - a desconhecida repetiu, abaixando-se para pegar uma enorme gata branca que deslizava por entre suas pernas.
- Ela tem uma bela reputação. - Johnny explicou. - Ouvi falar sobre Virginia em Los Angeles. As pessoas sempre me contam histórias estranhas.
- Estou certa que sim. - Ela afagou a cabeça do gato.
Agora, Johnny tinha dois pares de olhos fixos nele. Um par de olhos castanhos, outros cor de âmbar.
- Mas você não acredita em magia, acredita?
- Acredito que posso transformar isso tudo numa ótima história. - Ele sorriu, com uma boa dose de charme. – Você poderia me apresentar à Virginia Weasley?
- Não creio que isso seja necessário. - Ofereceu-lhe a mão longa e fina, adornada com um único anel de prata.
Ele tomou-a automaticamente e assobiou baixinho quando um choque elétrico percorreu-o até o ombro. Ela se limitou a sorrir.
- Eu sou Virginia Weasley.
- Você?
De qualquer forma, seu interesse nela era profissional. Não puramente, emendou. Um homem teria de estar morto e enterrado para olhar para Virginia Weasley e manter os pensamentos num plano estritamente profissional. Mas Johnny calculava que conseguiria manter suas prioridades em ordem.
- Estive pensando se você teria um bom feitiço para dissipar a péssima impressão que causei. – disse enquanto Virginia caminhava para o balcão com a gata no colo. – Posso lhe dar uma palavrinha?
- Receio que tenha vindo numa hora errada, sr. Varshall. Estamos ocupadas demais esta manhã.
- Você fecha a loja às seis. Que tal eu voltar a esta hora?
O impulso de recusar foi automático, mas ela se conteve. Queria analisá-lo.
Antes que pudesse falar, a gata pulou no balcão. Johnny estendeu a mão e, distraído, afagou a cabeça do animal. Em vez de se afastar ofendida ou rosnar mal-humorada, como era seu hábito com estranhos, a gata se arqueou sinuosamente sob a mão que a afagava. Seus olhos cor de âmbar entrecerraram-se, fixando-se em Virginia, como se quisesse dizer algo.
- Parece que você tem a aprovação de Luna. - Virginia murmurou. - Às seis horas, então.
- Justo, muito justo. - Johnny fez uma última e longa carícia na gata e saiu da loja.
Franzindo a testa, Virginia se abaixou até que seus olhos se nivelassem com os da gata.
- É melhor você saber o que ele está pretendendo.
- Eu sei, só não vou lhe dizerrrr o que é. – respondeu Luna ronronando.


Trecho do próximo capítulo:

- Tenha um bom fim de semana. - Irritada consigo mesma, Virginia acompanhou a senhora até a porta.
- Você também dá consultas? - Johnny perguntou.
Virginia inclinou a cabeça para o lado. A raiva, que tinha sido direcionada unicamente para si mesma, explodiu em seus olhos.
- Não, é só uma amiga.
- Sei...
Um leve rubor cobriu as faces de Virginia. Se havia algo que ela detestava mais do que ser fraca, era ser fraca com um homem.
- Você não é do signo de Sagitário.
Ele retirou os olhos do rosto dela, com relutância. A pele era tão fresca e acetinada quanto o leite.
- Não? E qual é o meu signo?


Nota da Autora: E ae o que vocês, meus queridos leitores, acharam desse primeiro capítulo? Espero que estejam gostando e se divertindo com a história, tanto quanto eu estou. No mais, não tenho muito a dizer. Só espero comentários!!! Bjuxxxxxx

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