ÚLTIMOS MOMENTOS



CAPÍTULO 34:


ÚLTIMOS MOMENTOS...(Parte 1):


“E se você quiser saber pra onde eu vou,
Pra onde tenha sol. É pra lá que eu vou.”
– O Sol – J.Quest.


- Ahhh, Potter... – A voz fria arrastou a pronúncia do nome com desprezo, enquanto seu dono assistia à ponta da varinha do rapaz erguer-se em sua direção. Inclinando o crânio muito branco, Riddle dilatou as fendas em sua face com satisfação. – Pela sua demora, cheguei a pensar que não teria cérebro o suficiente para chegar até aqui...

- Onde está Gina? – O tom rouco de Harry estava claro e firme, e a mão que segurava a varinha mirou-a no ponto exato entre os olhos vermelhos. Voldemort suspirou com impaciência, sentando-se displicentemente na cadeira do diretor. Largou a própria varinha sobre o tampo da mesa, apontando em seguida para a de Harry.

- Abaixe essa varinha, moleque. Nós dois sabemos como ela funcionará contra a minha. Ou como não funcionará...

Sem mover um único músculo, Harry repetiu:

- Onde está Gina?

- A pequena traidora do sangue bruxo está viva... Por enquanto. Nagini está embalando-a para dormir, você vê...

O sibilar inconfundível da imensa cobra se fez ouvir, vindo de dentro da lareira apagada e escura. Forçando os olhos, Harry pode vislumbrar longas mechas do belo cabelo avermelhado de Gina dispostas em desalinho sobre uma das voltas do corpo da serpente. E foi tudo o que pôde ver. Voltando novamente a atenção para Riddle, afirmou calma e categoricamente:

- Se ainda não a matou, e nem tentou acabar comigo, é porque quer algo de mim.

- Correto, Potter. Parece que eu realmente subestimei sua decantada esperteza...

- Como eu disse antes, um erro usual seu.

O retrato de Dumbledore ressoou quase divertido e Voldemort gesticulou com a mão, silenciando e imobilizando de vez o quadro. Somente os olhos moviam-se, demonstrando que o seu ocupante ainda podia acompanhar o que acontecia na sala. Harry dardejou raiva contra Riddle, que não demonstrou ter percebido ou se importado com isso.

- Retratos... Com a nobre exceção do meu, são um tanto inconvenientes e facilmente dispensáveis!... Sente-se, menino. Vamos conversar. Eu realmente não tenciono mata-lo já...

Harry caminhou até a cadeira diretamente à frente do Lord Negro e acomodou-se, descansando a varinha sobre os joelhos, e os dois se encararam por sobre a mesa. Dois generais avaliando o inimigo e preparando suas estratégias. Às costas de Voldemort, Nagini tirou a cabeçorra escamosa da lareira, auscultando o ar em seu redor.

- Você está de posse de pertences meus, Potter, e eu os quero de volta.

- Não encontrou seu boné, Tom?

Voldemort observou atentamente os olhos verdes, tão resolutos quanto os seus.

- Meu amigo Severus o ensinou bem, moleque. Sua oclumência é excelente! Inútil para salvá-lo, mas excelente!...

- Seu amigo Snape o traiu várias vezes, sendo inclusive o responsável por isso... – Tirando algo das vestes, atirou-o sobre a mesa. O derretido Medalhão de Slytherin refulgiu tristemente sob a luz das velas. – E a propósito, não foi ele que me ensinou tão bem oclumência. – Completou, com clara ironia.

Riddle passou os dedos finos e compridos quase solenemente sobre a jóia. A temperatura no aposento caiu ainda mais, na mesma proporção em que aumentava o brilho furioso nos olhos sanguíneos.

- Severus não pôde trair minha confiança, porque de fato eu jamais confiei nele. Mas era indubitavelmente útil tê-lo como servo. Prestou-me alguns valiosos serviços... – A mão esquálida sinalizou na direção do quadro de Dumbledore.

Sem cair na provocação, Harry observou com a periferia da visão a saída completa de Nagini de seu esconderijo, arrastando a desacordada Gina consigo. Seu sussurro chiado ecoou de forma intrigada pela sala.

- “Há algo estranho, mestre...”.

- “Silêncio! Ele a entende, cobra!” – Cortou-a Riddle, sem lhe dar maior atenção. A víbora silenciou de fato, mas permaneceu agitando-se de um lado para outro.

- Então, meu medalhão foi destruído... O que torna a taça e o chapéu ainda mais preciosos para mim. Devolva-os!

- E por que eu faria isso?

- Estou disposto a barganhar com você, moleque. Considere isso como um privilégio que lhe concedo por ter sido inteligente o suficiente para achar meus tesouros e me causar pequenos transtornos, como o resgate do fabricante de varinhas ou a perda de Fenrir...

Harry cruzou os dedos sob o queixo, num gesto inconscientemente idêntico ao de Dumbledore.

- O que tem para trocar, Tom?

- Não faltarão oportunidades para que eu lhe ensine a chamar-me de Lord Voldemort, pirralho. Não duvide disto...

- Certo, Riddle. Agora fale!

O Lord Negro esperou longos segundos antes de responder, a voz rasgando cruelmente.

- Entregue-me o chapéu seletor e a taça, eu saio com os meus servos deste castelo e por hoje não matarei mais ninguém, incluindo a ruivinha e seus dois inseparáveis amigos.

Harry ergueu uma sobrancelha.

- É pouco. Todas as pessoas que estão aqui dariam a vida com gosto pela oportunidade de ferrar com a sua existência, Tom... E pelo trabalho que está tendo para reaver seus horcruxes, adivinho que não tenha mais alma suficiente para fazer novos, não é?

- Potter, Potter... Não desperdice meu tempo com bravatas... Você pode dar mais alguns dias de vida aos seus amigos, pense nisto...

Harry silenciou, demonstrando estar realmente considerando a oferta enquanto observava aliviado que Nagini soltara Gina, e avançava em curvas pelo chão em direção à parede norte da sala, a cabeça suspensa no ar a mais de um metro do chão. Gina foi içada por uma estranha sombra, que lentamente a arrastou para longe da mesa. Ocultando qualquer emoção, Harry fixou-se novamente em Riddle, repetindo:

- É pouco! Por seus retalhos de alma? Pela desistência da chance de destruí-los? Muito pouco...

Voldemort gargalhou asperamente, relaxando a postura de forma debochada.

- O chapéu seletor se enganou no seu caso, Potter! Você é um sonserino, um sonserino até os ossos!... Vejamos... Dois horcruxes, duas trocas! Eu o deixo viver hoje e... Ensino-lhe como trazer o anímago Black de volta.

A frase foi pronunciada com o objetivo de desconcertar e obteve total êxito. A figura de Dumbledore no quadro remexeu os olhos furiosamente, sem, no entanto, conseguir mover-se ou falar. Harry empalideceu e sua atitude perdeu um pouco da firmeza.

- Não há mágica que traga os mortos de volta! – Enunciou raivosamente.

- Morto? Ah, não... Ele não está morto, Potter. Por trás daquele véu não há morte. Há vazio, abandono, escuridão, loucura, agonia, dor... Mas não morte.

A raiva esquentou ainda mais o estômago de Harry e um gosto amargo lhe subiu à boca. Levantando-se, apontou novamente a varinha para o peito de Voldemort, que não se moveu, continuando a encará-lo cinicamente de volta.

- Está mentindo, Tom! Como sempre! Vai tentar nos matar de qualquer maneira, e não sabe nada sobre Sirius!

- Entregue-me o que eu quero e saberá se é verdade ou não.

A sombra indistinta continuava puxando Gina, enquanto Nagini atacava o espaço à sua frente, como se em busca de um adversário que só ela podia ver. Voldemort, alheio ao que se passava às suas costas graças à interferência da mente de Harry, permaneceu com os olhos vermelhos e satisfeitos fixos no rapaz, aguardando suas reações.

Sem baixar a varinha, Harry buscou novamente algo dos bolsos, e um pedaço do velho chapéu de Gryffindor aterrissou junto ao medalhão. Voldemort atirou ao retalho de couro um olhar longo e mortífero. Nos fundos da sala, a sombra agora reanimava Gina, ambas escondidas atrás do grande telescópio de Dumbledore.

- Mesmo que eu acreditasse em uma única de suas promessas, Tom, não poderia fazer a troca...

Nagini, acompanhando o ânimo agora exaltado de seu mestre, empreendeu novo e vigoroso bote. Do meio do nada surgiu o aço brilhante da espada de Gryffindor, empunhada por uma mão de dedos fortes, e cravou-se na boca da serpente, abrindo silenciosa e velozmente um talho que dividiu uma boa parte do corpo da cobra em dois.

Continuando na intenção de prender a atenção de Riddle a si, Harry juntou a copa da taça de Helga às duas outras relíquias sobre a mesa. Voldemort levantou-se de soco, as feições viperinas repletas de ódio.

- Agora estou aborrecido, Potter! Você e seus amigos vão perecer e eu permanecerei! Sou imortal! Eu ainda tenho Nagini! E você, garoto patético, parado aí com sua varinha inútil apontando para o Senhor de Todo o Mal, você vai morrer! Agora!

Rony, livrando-se da capa de invisibilidade, acabou de decepar a cabeça partida de Nagini e atirou-a aos pés de Voldemort, que olhou chocado para baixo, ao mesmo tempo em que Ron atirava a espada para o amigo.

- HARRY, ELE ESTÁ MORTAL!

Harry pegou a arma e apontou-a simultaneamente com a varinha para o descompassado Riddle, enumerando rapidamente.

- Errou duas vezes, Tom. Eu não vou morrer agora, e essa não é a minha varinha...

Com um urro aterrorizante, Voldemort gesticulou com o braço em direção a Harry e ele sentiu todo o corpo ser arremessado para trás, chocando-se violentamente contra a parede. A espada e a varinha se perderam pelo chão e o rapaz ficou colado às pedras frias, sem conseguir mover-se. De sua imobilidade forçada assistiu Riddle atingir Rony com o mesmo tipo de magia sem varinha e logo o amigo encontrava-se no chão, visivelmente atacado por dores lancinantes, a boca abrindo-se na intenção de gritar, sem, no entanto, emitir qualquer som. Rindo alto, Voldemort voltou-se para o imenso telescópio e, erguendo as duas mãos para o objeto, trouxe de lá imobilizadas, levitando, Gina e a sombra.

- Você realmente pensou que seria fácil, não pensou, moleque? Achou que poderia trazer seus amiguinhos escondidos para nossa festa, sem que Lord Voldemort percebesse a artimanha...

Com um movimento dos dedos finos e brancos tocou a sombra, que se alterou para a imagem petrificada de Hermione, destituída de seu disfarce fornecido pelo feitiço de desilusão. Ao ver os amigos sob a mercê de Riddle, Harry lutou furiosamente, sem conseguir mover-se um centímetro sequer, causando novo acesso de riso em Riddle.Os olhos das garotas alternavam medo e preocupação enquanto passavam da figura desesperada de Harry para o agonizante Ron, sacudido em espasmos de dor excruciante.

- Bem, já que eles estão aqui, vou matá-los antes de você, para que possa assistir a mais pessoas perdendo a vida por sua causa, herói... “O Escolhido”, “O Menino que sobreviveu”, “O Salvador do mundo mágico!...” – Voldemort sibilou sarcasticamente, e aproximou-se de Gina, ainda suspensa no ar, acariciando lentamente o rosto da garota. Ela empalideceu ainda mais, entretanto, fuzilou-o altivamente com os olhos. – Para um ícone do bem, você é responsável por muitas desgraças, menino...

Com um esforço sobre humano que o fez suar frio, esgotado pelo esforço, Harry impeliu a voz a sair, quebrando um dos feitiços de Riddle, enquanto um pensamento fixo ocupava sua mente: “Vai acontecer, precisa acontecer!”

- A única desgraça causada por mim foi a demora em lhe dar um basta, Riddle...

Voldemort deixou Gina, aproximando-se de Harry com ar feroz.

- E nem é tão difícil assim engana-lo... Eu consegui no cemitério... Snape conseguiu inúmeras vezes... Até o idiota do Malfoy escondeu fatos de você... Sem contar Rabicho...

O feitiço de aprisionamento dificultava a fala, mas ainda assim a voz baixa e áspera se fez clara. Voldemort parou exatamente à frente do rapaz, respirando ruidosamente pelas fendas, todo o corpo esquálido emitindo ódio e rancor. Passou devagar o dedo esquelético pelo sangue em sua cicatriz e Harry sentiu as entranhas revirarem-se, tendo a certeza que várias facas lhe perfuravam o peito e que seu ferimento recém cicatrizado abrira-se novamente de forma ainda mais profunda. Entretanto, Voldemort não se movera e mal chegara a tocá-lo. Conseguia ferir usando apenas a mente.

“Deixe vir, Harry! Sabe que é preciso...”

- Você... Vive se gabando... – Continuou, apesar do desconforto e da dor.- Mas foi derrotado por uma bruxa e seu bebê... Depois por um menino de onze anos...Menosprezou a magia antiga no sacrifício de minha mãe... Não deu importância ao fato de nossas varinhas serem irmãs...

Rosnando baixo e perigosamente, Voldemort levou os dedos ao pescoço de Harry, fechando-os como um garrote em torno de sua garganta. Atrás dele, Gina e Hermione caíam ao chão, enquanto Rony esticava o corpo, tentando levantar-se.

“Vai acontecer...Deixe vir...”

Quase cego pela fraqueza que a dor provocava e com ondas de agonia partindo dos dedos de Riddle para todo seu corpo, Harry permaneceu falando.

- E se prestar atenção aos seus sentidos Tom,... Saberá que perdeu seus capangas mais chegados... Além de seus pedaços... De alma...Prepotente...Sozinho... Mortal...

Voldemort aproximou-se a ponto de suas feições viperinas tomarem toda a visão de Harry, tirando os amigos de suas vistas. O último vislumbre que teve deles foi das meninas rastejando na direção de Ron. Os olhos vermelhos a sua frente despejavam pura raiva.

- Se você pensa que seus pequenos feitos ou os daqueles iludidos que se nomeiam “Ordem da Fênix” representam perigo para o poderoso Lord Voldemort, moleque, é a criatura mais obtusa em que já coloquei as mãos!

- Poderoso?... Não vi tanto poder assim...Vi um sujeito rejeitado pelo pai... Que tinha que comprar a companhia dos colegas e asseclas, cercando-se de interesseiros e imbecis !... Cuja mãe preferiu morrer a conviver com a própria cria...Até sua concepção aconteceu de uma enganação, Tom...

“É agora, deixe vir.. Precisa deixar acontecer...”

A menção de Riddle Sênior e Merope descontrolou o filho deles de vez.

- Eu não sou tão poderoso? Não sou?... Eu vou lhe mostrar, fedelho! A última coisa que verá e sentirá na vida será o meu poder, e o que ele é capaz de realizar... “Nenhum poderá viver enquanto o outro sobreviver...” E o sobrevivente da profecia serei eu! Todo o amor que recebeu ou sentiu na vida não o ajudarão em nada Potter! Ah, eu sei bem o que o velho professor tolo da parede lhe contou... O amor vai salvá-lo? Veja e desespere-se!

Subiu as mãos até segurar a cabeça de Harry entre elas, e a conexão se fez.

Numa explosão de cores gritantes e sons altos e confusos, passaram pela mente de Harry todas as atrocidades cometidas por Tom Riddle. Rostos de bruxos e bruxas no desespero de seus últimos momentos. A agonia que sentiram, o medo, a consciência da morte certa. Trouxas de joelhos, implorando por uma clemência que não veio. Crianças... Crianças torturadas com o mesmo sadismo que os adultos o eram... Traições, mentiras e violência sem precedentes. O poder gelado do mal se entranhou em suas células, tão intenso e onipresente como sequer imaginara pudesse existir.E dor. Dor como nunca sentira. Todo o sofrimento de todas aquelas pessoas preenchendo seu cérebro e seu corpo, apagando no processo a consciência do Harry Potter que fora até ali. Sentiu suas emoções e pensamentos esvaindo-se, deixando –o oco, vazio.

“Deixe acontecer...”


Gina esticou a mão e pressionou o ombro de Hermione com a força da urgência, alertando para o que acontecia. As duas, libertas finalmente dos feitiços paralisantes, amparavam Rony, que embora ainda tremesse sentado no chão, suando frio, havia parado de se debater e recuperara o controle dos movimentos e da voz. Os três assistiram, tomados pelo medo e desespero, ao rosto de Harry perder toda a cor, emoldurado pelas mãos magras e brancas de Voldemort. Seus olhos tornaram-se febris e escuros e a voz, tão corajosa até ali, calou. De forma lenta e triste as pernas se dobraram e ele foi ao chão, após Voldemort o livrar de seu toque, caindo como um peso morto aos pés do Lord Negro.

Voldemort ergueu o rosto para o teto e gritou em júbilo, apontando a varinha para o pedaço de céu visível pela janela ao seu lado.

- MORSMORDRE!

A marca negra surgiu nos céus de Hogwarts, maior, mais brilhante e terrivelmente profética, anunciando aos bruxos engajados na batalha que alguém morrera. De fora ouviram-se os brados vitoriosos dos comensais.

Rony ergueu-se, empunhando sua varinha. Fez isso de forma tão rápida, que a irmã e Hermione foram surpreendidas pelo gesto, chocadas ainda com a cena que acabavam de presenciar.

- MALDITO DESGRAÇADO!

Voldemort voltou-se calmamente para encontrar o jovem Weasley caminhando furioso em sua direção. Sorriu cinicamente ao ver a varinha do rapaz subir rápida no ar.

- AVADA...

Instantaneamente, cordas grossas desceram sobre Rony, circulando-o dos pés à cabeça, uma delas apertando perigosamente sua garganta. Gina e Hermione saltaram a frente, Hermione empunhando a varinha que trocara com Harry, e Gina, desarmada, colocando-se defensivamente na frente do irmão. Fazendo círculos no ar com a varinha, Voldemort cercou os três com uma redoma mágica invisível e riu satisfeito ao assistir a frustração furiosa do trio tentando sair dali ou acertar-lhe feitiços. Hermione libertou Ron das cordas, mas nada podiam fazer para socorrer Harry.

- Eu não vou acabar com vocês imediatamente. Serão as únicas testemunhas de como “O Escolhido” acabou-se sem que eu tivesse que usar minha varinha. Um pouco de minhas lembranças foi o suficiente... Fraco! Vou terminar com isso com as minhas próprias mãos. Nem eu pensei que seria tão pateticamente fácil!

- O seu problema é que você não é bom em pensar, Tom.

Impossível dizer quem ficou mais surpreso na sala. A voz firme, fria, amedrontadora até, viera da trouxa que Harry formava no chão.

Voldemort olhou incrédulo para onde o deixara caído. Diante dos olhos brasinos o adversário endireitou-se com calma, pondo-se em pé. Da mesma forma como um dia Dumbledore irradiara poder por cada ruga ou fio de cabelo branco, ali mesmo naquela sala, agora seu aluno transmitia forte magia por cada poro. Com uma única e fundamental diferença: a magia de Harry era tão maligna quanto a de Voldemort, agora.

Os três emparedados sentiram os cabelos da nuca eriçarem-se e calafrios involuntários percorreram suas colunas. Naquele bruxo a sua frente nada se via do Harry que conheciam, embora fisicamente permanecesse o mesmo. Havia uma aura de maldade e perigo seu redor que era quase palpável.

- Deus do céu! – Murmurou Ron, puxando instintivamente as garotas para trás de si.

- Harry! – Soluçou Gina, apavorada. Hermione levou a mão à boca, mas nada disse, permanecendo com os olhos atentos fixos no amigo.

Num átimo a varinha que estivera usando, emprestada por Hermione, voou de algum canto escuro para a mão de Harry. Os dois bruxos se encararam, varinhas prontas e miradas para o coração um do outro.

- Um duelo! Melhor assim! Ficará muito mais interessante... – Ironizou Voldemort, enquanto lançava a primeira maldição. Bem antes que esta o alcançasse, Harry aparatou, ressurgindo às costas de Riddle. A maldição perdida fora forte o suficiente para abrir um buraco considerável na parede, e a sala parcialmente exposta ao exterior do castelo passou a ser varrida pelo vento frio da noite e pela luz da lua.

Quando Voldemort girou o corpo, a procura de seu inimigo, deparou-se com um muro de fogo que isolara os dois, deixando os três prisioneiros fora de seu alcance.

- Então, consegue aparatar na minha presença, e realiza esse feitiço das chamas muito bem... O que fez, garoto? - Perguntou, pela primeira vez sem tanta arrogância na voz, erguendo a varinha novamente enquanto estudava o semblante impassível do jovem bruxo, que ao contrário do que parecia, deveria estar aterrorizado ao extremo na sua opinião. A cortina de fogo solidificou-se em gelo e em seguida se desfez em milhares de pedaços.

- Você não percebeu que não é aconselhável invadir minha mente, Tom? É sempre mais interessante e proveitoso para mim do que para você...Penso que agora é uma boa hora para matá-lo, velho.

O teto acima de Tom Riddle estalou duas vezes, antes das pesadas pedras despencarem numa premeditada avalanche. Murmurando avidamente algumas palavras, Voldemort controlou-as antes que o atingissem, atirando-as em seguida na direção da parede atingida pela maldição. O impacto provocou a destruição do resto da parede, bem como o desmoronamento de um bom pedaço do teto, cobrindo o ar com poeira e estilhaços de pedra, transformando a diretoria da escola em um imenso terraço bombardeado a céu aberto.

Aproveitando a confusão, Harry mirou a varinha no cercado mágico, desfazendo- o. Imediatamente Ron passou a arrastar as meninas para longe dos dois, mas não foi rápido o suficiente.

Voldemort suspendeu três enormes e pesados entulhos e cada um atingiu com força um dos jovens, atirando-os em cantos separados no chão. Um vento, que nada tinha a ver com o clima e sim com a ira de Harry, girou pelo lugar, aumentando a confusão, fazendo voar objetos, livros e pergaminhos em redemoinhos. Os quadros soltaram-se das paredes, espalhando-se pelo chão e até o retrato de Dumbledore perdeu-se na balbúrdia. Estreitando os olhos, o Lord Negro procurou por Harry Potter ao redor, sem sucesso.

- Que é isso, Potter? Fugindo? ... Nenhuma maldição imperdoável para mim? Não vai defender seus amigos?

- Eles que se virem... E matar você com um simples Avada não me traria glória nenhuma, ou o humilharia o suficiente... Uma morte no estilo trouxa... Isso sim é o que o espera, Tom.

Ainda sem conseguir saber onde Harry encontrava-se,já que sua voz parecia partir de todas as direções, Voldemort girou em torno de si mesmo, atento.

- Ahhhh... Sentiu o gosto da realeza, Potter?... Sucumbiu à sedução do poder incondicional? Bom!... Será ainda mais saboroso derrota-lo, agora que sabe o que vai perder.

Rony, que apesar de ferido estava consciente, virou com cuidado a cabeça para os lados, verificando as condições das garotas. Ambas estavam deitadas, Hermione limpando a testa, de onde escorriam vários filetes de sangue, e Gina amparando com as mãos um dos joelhos, dobrado ao contrário do que deveria. A pedra atingira uma de suas pernas não totalmente curadas, piorando a fratura. Ron levou o dedo aos lábios e depois apontou para o chão, demonstrando que deveriam permanecer onde estavam. Vagarosamente rastejou em direção à sua varinha, pegando a que Hermione soltara em seguida. Gina olhou ao redor, a procura de algo que servisse de arma também, e seus olhos pousaram em um brilho prateado à sua esquerda. Mordeu os lábios com força e rolou o corpo por cima da perna quebrada, escondendo a espada de Gryffindor sob as costas.

Enquanto isso, Voldemort perdia rapidamente a paciência, em busca de seu adversário fugidio.

- Chega menino! Acabou a brincadeira... Arresto Momentum!

O tempo pareceu parar. O trio no chão descobriu seus movimentos incrivelmente lentos e mesmo os pergaminhos, penas e pequenos objetos que antes voavam pela sala dançavam agora lentamente pelo ar.

Harry, que estivera aparatando e desaparatando de forma tão veloz que Voldemort não conseguia visualizá-lo, à espera da oportunidade ideal de acertar o Lord Negro, viu-se no meio da sala, vagaroso como uma lesma carnívora. O único que permanecia na velocidade normal era, claro, Tom Riddle. A duração do feitiço cessou, mas nisso Voldemort já tinha desarmado e imobilizado Harry.

- Sem mais delongas, Harry Potter. O inferno o aguarda...

O raio verde começava a sair da varinha, quando Voldemort foi atingido nas costas por um outro Avada, que permaneceu ligado a ele como um fino fio luminoso, conjurado de forma firme por Rony, de pé, ainda que precariamente.

Voldemort contorceu-se como se estivesse espreguiçando, os olhos disparando ódio em vermelho para o rapaz e a boca torta denunciando desprezo.

- Não ensinaram a vocês que para um Avada ter efeito, precisa-se realmente querer matar? – Movendo-se estranhamente, como se o fio verde estivesse segurando-lhe os movimentos, dirigiu novamente a varinha para Harry, que lutava ferozmente para soltar-se.

- AVADA KEDAVRA!

Hermione atirara a maldição tão rápida e enfaticamente quanto Ron e o segundo raio verde atingiu Voldemort pela lateral do corpo, permanecendo da mesma maneira preso a ele. Desta vez, O Lord das Trevas chegou a emitir um longo uivo, que poderia ser de dor ou de raiva, e o corpo magro foi tomado por convulsões agoniadas antes que conseguisse controlar-se e vociferar, olhando triunfante para Harry.

- Ainda não... Nem chegou perto... Apenas conseguiram que seu fim fosse um pouco mais demorado...

Harry fechou os olhos, concentrado em convocar todo e qualquer poder que existia dentro de si, para conseguir mover-se antes que Voldemort conseguisse erguer totalmente o braço para ele novamente. Conseguiu libertar-se, mas estava desarmado e Riddle escondera sua varinha dentro das próprias vestes. Devolveu o olhar do Cara de Cobra com fúria incontida, erguendo as mãos na tentativa de lançar-lhe algum feitiço, ainda que sem uma varinha.

- Não é tão bom quanto pensa, se não consegue fazer mágica só com a mente, pirralho...Todos vocês juntos e ainda assim sem a mínima chance contra mim. Eu vencerei Potter! Nada do que fizeram e pelo que passaram valeu a pena...

A túnica preta que usava distendeu-se na altura de seu estômago e Voldemort observou surpreso à lâmina prateada de uma espada atravessar-lhe o couro, a carne e o tecido das vestes, para depois fazer o caminho de volta, dilacerando- o ainda mais na saída. Levando a mão ao rombo que a lâmina causara, Tom Riddle virou-se para ver quem o atingira pelas costas.

Gina, ajoelhada bem próxima a ele, empregou as últimas forças para atirar a espada de Gryffindor de volta a Harry, que agarrou-a com firmeza no ar.

A expressão de Voldemort ainda transmitia sua descrença e cinismo pelo sucesso do ataque, quando Harry ergueu alto a espada pelo lado do corpo, movimentando-a em semicírculo para dar força ao golpe letal.

Os olhos vermelhos de Tom Marvolo Riddle, ou Lord Voldemort, brilharam incandescentes por um segundo e então escureceram de chofre, a expressão passando num relance de arrogante para chocada e disso para o medo absoluto, enquanto o pescoço deslizava suavemente para longe dos ombros, a cabeça separando-se do corpo. Enquanto a primeira rolava pelo chão, o segundo desabou devagar, caindo de frente aos pés do resfolegante, taciturno e vitorioso Harry.

- ISSO valeu a pena!

Foi o que conseguiu dizer antes de cair de joelhos, a espada servindo de apoio para sua testa, todo o seu ser levado pelo alívio e pelo sentimento pleno de ter sua vingança concluída de forma inquestionável.

Ron e Hermione tiveram tempo de fazer um movimento em sua direção, quando se desencadeou o cataclisma.

Se a destruição de alguns dos horcruxes originou reações mágicas, a do último deles liberou uma tempestade de magia que fez tremer o chão de Hogwarts, envolvendo todo o castelo em um turbilhão de energia desenfreada e incontrolável.

Lutando contra essa força descomunal e inexplicável, Ron conseguiu alcançar Hermione e juntos se arrastaram até Gina. Abraçados, os três suportaram o caos ao redor, no centro do tufão, por minutos que pareceram horas, sem saber o que acontecia a Harry que com certeza recebera o maior impacto da magia impressionante que os cercava.

Finalmente, quando já estavam prestes a desfalecer, lágrimas escorrendo pelos rostos arrasados e exaustos, um silêncio sepulcral abateu-se sobre eles e a calma abrupta contrastou violentamente com o tumulto anterior.

Ron continuou segurando as cabeças das meninas contra o peito, decidido a não deixa-las olhar ao redor antes de ele mesmo verificar o que acontecera. O corpo de Riddle desintegrava-se, assim como sua cabeça, desmanchando-se em nada mais que poeira ou fumaça e desaparecendo no vento que ainda soprava, deixando como rastro apenas o tecido negro que o cobrira. Harry estava exatamente na mesma posição, de joelhos, as duas mãos segurando a espada de Gryffindor e a cabeça escorada nelas. O único movimento que fazia era o de sua respiração, breve e irregular.

Gina livrou-se do braço do irmão, ignorando sua advertência para que ficasse onde estava, e andou de gatinhas, arrastando a perna machucada, até achegar-se a Harry. Devagar, colocou a mão sobre o braço direito do rapaz, cheia de emoção e vontade de abraçá-lo pelo resto do ano para comemorar o fato de estarem vivos, orgulhosa pelo extraordinário bruxo que ele era, e chamou baixinho.

- Harry?... Acabou...

O golpe foi tão violento e inesperado que ela rolou para longe, gritando de dor ao sentir o osso fraturado machucar-lhe a carne. Ron, que se aproximava com Hermione, correu a acudir a irmã enquanto a amiga encarava estarrecida a figura ajoelhada a sua frente, que precisara mover apenas uma mão para agredir Gina com tão forte feitiço.

Com uma prepotência inédita em seus gestos, Harry ergueu-se, olhando de cima para eles, com a impaciência estampada nas feições sérias.

- Mantenha-se afastada de mim, tola! Não vê o que eu sou?

Gina encolheu-se nos braços do irmão, ferida e perplexa. Hermione agachou-se para confortá-la, ainda encarando Harry com preocupação e mágoa misturadas no olhar. Este por sua vez curvou os dedos da mão, como se chamasse alguém, e sua varinha voou da mão de Hermione para as suas.

- E você... – Continuou, dirigindo-se a um Ron estranhamente calmo para a situação. – O que está esperando para tirá-las daqui? Uma ordem por escrito? Saiam da minha frente! Andem!

Sem esperar para ver se era obedecido, caminhou a passos largos e decididos para a beira de precipício em que se transformara a extremidade do aposento e olhou para o céu, onde a marca negra continuava assombrando quem a mirava. Apontando a varinha em direção ao enorme crânio, varreu-o do espaço facilmente, como giz em um quadro negro. Olhando por sobre o ombro, encarou os amigos uma última vez, sem demonstrar sentimento algum no semblante, e então assobiou alto. Como se estivesse aguardando há tempos por perto, Bicuço pousou majestosamente ao seu lado e Harry lançou-se sobre suas asas, guardando a espada às costas e sussurrando algo ao hipógrifo. Num piscar de olhos os dois sumiam na noite, deixando para trás três bruxos atônitos ou magoados demais para tentar impedi-los.

Quando pouco depois Ron e Hermione, carregando Gina pelos braços, chegaram ao corredor das gárgulas, encontraram vindo ao seu encontro uma comitiva repleta de ansiedade e temor. MacGonagall, Lupin, Tonks, Rufus, Hagrid e Bull os cercaram com a disposição que só a preocupação consegue originar, fazendo várias perguntas ao mesmo tempo, Lupin chegando a subir alguns degraus na ânsia de saber de Harry e Voldemort.

Ron ergueu a voz, comandando alto.

- SILÊNCIO!

Todos se calaram e o olharam, estupefatos. Apenas Hermione sorriu melancolicamente, sabedora do que viria. Acomodando melhor a silenciosa e triste Gina em seu abraço, Ron perguntou com a calma trazida pela maturidade adquirida nos últimos tempos:

- Temos boas notícias... E péssimas notícias. O que vai ser primeiro?...







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