HERÓIS E SERPENTES



CAPÍTULO 33:


HERÓIS E SERPENTES



- Pela demora do fedelho, você decididamente o tem em melhor conceito do que o moleque merece.

Lord Voldemort falava com sua habitual voz gelada, de maneira calma e pausada, como se comentasse o desempenho de um aluno qualquer da escola enquanto brincava de forma indolente com sua varinha, girando-a entre os dedos.

- E você o subestima, incorrendo várias vezes neste erro, sem no entanto aprender a lição.

Desviando os olhos brasinos dos movimentos de sua mão, Voldemort encarou ironicamente seu interlocutor.

- Acha então que eu deveria sentir medo? Aparatar imediatamente para o mais longe possível do temível Harry, antes que o poder aterrador de um rapazola fraco e magricela me atire de volta à mortalidade?... – Aprumando o corpo contra o espaldar da bela cadeira dourada, cruzou os longilíneos e fantasmagóricos dedos sob seu queixo pontudo, destilando puro veneno nas palavras seguintes.

- Se eu posso ser tão facilmente derrotado, velho, por que você mesmo não realizou tal façanha?

- Ah, não me entenda mal! De maneira alguma sou tolo o suficiente para menosprezar seu poder. Se tivesse tentado sobrepujá-lo em definitivo, seriam grandes as chances de que você saísse vencedor, e eu sei disso.

O olhar vermelho de Voldemort brilhou fortemente satisfeito na penumbra da sala.

- Entretanto, em seu lugar eu realmente não teria pressa em me encontrar com Harry Potter. Como você mesmo reconheceu ao lhe fazer aquela cicatriz, ele será sua ruína. Onde eu e tantos outros falhamos, ele terá sucesso incontestável. Quanto a aparatar para longe, seria realmente uma boa idéia, se não houvesse a certeza de que ele irá caçá-lo, para onde quer que fuja...

O Lord Negro chegou a esboçar uma raivosa reação a tais palavras, mas em alguns momentos voltou a recostar-se languidamente, retomando a brincadeira com sua varinha.

- Então, vamos esperar esse flagelo mágico que o destino reservou para mim, e ver do que ele realmente é capaz...


==*==


Tom Riddle estava com Gina.


Esta realidade fixou-se no cérebro de Harry, deixando como rastro duas verdades absolutamente claras: a hora do confronto, que ele sabia desde os onze anos que aconteceria, finalmente chegara, e ele não tinha tempo algum para traçar planos ou estratégias elaboradas. Enquanto Ron e Hermione continuavam olhando atônitos para ele, girou em direção à luta e de forma clara chamou:

-Neville!

Em um dos flancos da batalha, o jovem Longbotton ergueu a cabeça e olhou na direção deles, como se Harry tivesse falado a um metro dele. Logo atravessava o espaço até o castelo com largas passadas, parando sem fôlego ao lado de Harry. Seus olhos assombrados passearam da soluçante Luna, para o corpo de Dobby e finalmente pelos semblantes transtornados dos amigos.

- O que está acont...

- Neville, não temos tempo, por isso, escute com atenção. Leve Dobby para os outros elfos domésticos, eles saberão tratar dele. Depois vá com Luna até Sprout, e as ajude a levar os aldeões para a Floresta Proibida. Saiam pela cozinha, e passem pelas estufas para não serem vistos.Fiquem escondidos na floresta enquanto os comensais estiverem por aqui, ou até alguém ir ao seu encontro, entendeu? Haja o que houver, não saiam do esconderijo!

Neville assentiu, ajudando a aterrorizada Luna a se levantar, e depois agachando-se para erguer Dobby. Com o elfo nos braços, olhou aflito para Harry.

- É ele, não é? Está aqui.

- Sim, e é por isso que precisa tirar o máximo possível de pessoas do castelo, e rápido!

- Eu vou... Boa sorte para vocês três! E Harry,... Dumbledore apostava em você, e eu também aposto.

- A gente se vê depois.

Com um último olhar cheio de significados, Neville girou nos calcanhares, e levando Luna pela mão e Dobby recostado em seu ombro, desceu em direção aos dormitórios da Lufa Lufa. Uma Hermione muito pálida segurou o braço de Harry.

- O que faremos?

Ron mantinha os punhos fechados ao longo do corpo, o susto cedendo lugar à revolta em suas feições.

- Para onde ele a levou? Era o velho que ajudamos, não é? Como foi que você não o sentiu? E aquela garota estranha?...

- Precisamos chamar MacGonagall.... e Lupin... – Hermione relanceou os olhos para a briga que seguia ferrenha nos jardins.

Harry ergueu a mão, pedindo silenciosamente calma aos amigos.

- A moça com certeza se tratava de Bellatrix. Ambos entrarem na escola com a nossa ajuda e disfarçados é o que Riddle consideraria uma entrada com estilo... E acredito que outros possam ter feito o mesmo. Não o pressenti porque ele é poderoso o suficiente para disfarçar sua presença, enganando até mesmo a nossa ligação. O fato de terem deixado Luna livre e bem, deixa claro que ele queria que eu soubesse de sua presença, mas somente após ter Gina em seu poder. Ela é a garantia de Riddle de que eu irei até ele, e irei sozinho.

Um brilho perigoso e cortante dançou nos olhos verdes, mas o tom continuou centrado. Antes que um dos dois falasse alguma coisa, orientou com urgência.

- Venham, precisamos ir até a Torre da Grifinória.

Disparou pelas escadas, e já se encontrava na metade delas quando a mão de Ron impediu que continuasse, segurando-o com força pelo ombro.

- Vai nos dizer o que está planejando? Sabe aonde Gina está?

- Na torre conversamos. – Foi a única resposta audível. Hermione apertou a mão de Ron, incentivando-o a concordar.

Minutos depois, já dentro do aposento circular, Harry voltou-se para ambos, exalando concentrada preocupação nos gestos.

- Precisei passar por aqui para pegar algumas coisas. Cada minuto que Gina passa nas mãos de Riddle pode ser o último, então... Por favor, confiem em mim e não discutam.

- Sem essa Harry! Nós não viemos até aqui para você nos deixar de fora. – Hermione esganiçou-se, prontamente.

- É minha irmã que está outra vez com o Cara de Cobra! Não me interessa o que você vai fazer, eu vou junto!

A leal coragem de seus amigos provocou um rápido sorriso em Harry. Colocando uma mão no ombro de cada um, esclareceu de forma rápida.

- É ótimo que não estejam dispostos a me abandonar, porque na verdade eu vou precisar de grandes e perigosos favores, dos dois. Porém, não se enganem! Riddle quer me ver entrar lá sozinho, e é exatamente o que ele vai ver.

- Entrar lá aonde? – Ron estava mais calmo, mas ainda perigosamente perto de uma explosão. Novo sorriso surgiu em Harry Potter, desta feita tão frio quanto os de Lord Voldemort eram.

- A necessidade de Tom de tomar para si o chapéu seletor, a sanha em me destruir gloriosa e definitivamente, bem como sua obsessão por pessoas e lugares marcantes em sua história o levam a um só lugar neste castelo. Nossa derradeira conversa será na sala da diretoria, diante do retrato de Alvo Dumbledore.

Enquanto Rony e Hermione assimilavam a informação, Harry dirigiu-se para sua mochila, retirando dela vários objetos.

- Agora, vamos logo ao que precisa ser feito. O último Horcrux está próximo, e é meu para destruir.


==*==


- INCARCEROUS!

O feitiço de Tonks tirou do páreo uma comensal de traços marcados por cicatrizes, deixando a meliante furiosa, porém incapaz de se mover. Aproveitando a pequena pausa antes de novo ataque, a auror buscou automaticamente pelo trio, incumbida que fora pelo ministro da magia de permanecer de olho neles.

Soltou um palavrão abafado quando não os encontrou em meio à confusão reinante. As enormes portas semi abertas da escola, que deveriam estar lacradas por dentro, lhe forneceram um assustador palpite do que estava acontecendo. Desviando de golpes e feitiços, correu como pode em direção à entrada do castelo. Cada célula do seu corpo sabia que aqueles três jamais fugiriam da briga, escondendo-se na construção milenar. Não, - pensou, adentrando ao saguão -, se Harry Potter entrara em Hogwarts, a luta entrara também! Precisava encontrá-los, e rápido.


==*==


Os retratos observavam admirados ao jovem bruxo que caminhava lenta e resolutamente pelos corredores. A fúria silenciosa explícita em cada movimento feito por ele era tão palpável, que intuitivamente os desenhos quedavam-se imóveis e calados, mantendo-se fora de sua atenção.

Concentrado em repassar seus atos a seguir, bem como em destrancar pensamentos, sensações e poderes sombrios há tempos bloqueados por sua mente, Harry só percebeu a presença maligna quando a gargalhada desdenhosa de Bellatrix Lestrange se fez ouvir, já no comprido corredor que levava à diretoria de Hogwarts.

- Ora, ora, Potter! E não é que você realmente veio sozinho?

Voltando-se em direção da risada, Harry encarou a assassina de seu padrinho, aborrecido por aquela interrupção em seu caminho. Agora que a hora chegara, ansiava por terminar de uma vez com aquilo tudo. Ergueu a varinha ao mesmo tempo que Bellatrix.

- Achei que tinha dado cabo de você, Bella, mas percebo que já consegue falar sem babar...

Bellatrix riu novamente, porém com um acentuado quê de histeria.

- Você teve apenas sorte em nosso último encontro, Potter. Não conte com isso hoje. Meu mestre restabeleceu todas as minhas habilidades com facilidade... e graças a ele... estou mais forte do que nunca. Sua varinha, Potter, e aquela sua espada também, largue-as no chão. Agora!

- O que a faz pensar que será tão fácil, Bella? Você não tem autorização para me matar, ambos sabemos disto.

- Bella, Bella... Você não me contou que o fedelho era tão insolente!

Do outro lado do corredor vinha um homem de aparência atarracada, olhar sinistro, pele bexiguenta e varinha em punho – Rookwood.

- Não podemos matá-lo mas podemos deixá-lo muito machucado, aliás, vivo o suficiente apenas para dizer o que o mestre deseja saber... Sua prepotência não pode chegar ao ponto de pensar ser possível vencer nós dois ao mesmo tempo, pode moleque?

Harry encostou-se na parede alternando o olhar e a varinha entre os dois.

- Eu posso tentar.

- Vai ter de ser rápido, heroizinho!

Por trás de Bellatrix, o rosto vincado de MacNair surgiu, apontando a terceira varinha simultânea para Harry. Ainda rindo histericamente, a bruxa debochou:

- Vamos Potter, me poupe trabalho! Vou levá-lo ao mestre, desarmado e amarrado, exatamente como ele ordenou. Ele e a ruiva sardentinha estão te esperando ansiosamente... Quero dizer... Não tenho muita certeza quanto às condições dela...

Um segundo antes do feitiço que lhe subira pela garganta saltar pela boca de Harry, a improvável aparição de uma bruxa idosa e encurvada, que aproximou-se de Rookwood, segurando em seu braço, surpreendeu a todos. Com voz roufenha ela dirigiu-se ao comensal.

- Meu jovem, sabe onde fica a sala dos urinóis? Acho que me perdi...

Rookwood livrou-se com um safanão, encostando a ponta da varinha na testa enrugada da mulher.

- Ora sua...

Um feitiço estuporante atingiu-o diretamente no coração, e ele desabou inerte, com um baque surdo. Tirando totalmente a varinha do xale surrado, a velhinha mirou MacNair, enquanto Harry azarava a surpresa e furiosa Bellatrix.

O antigo carrasco de hipógrifos não foi páreo para a surpreendente ajudante de Harry, e logo ambos enfrentavam a comensal.

- Se fizerem algo a mim, Potter, a ruivinha já era!

- Cale a boca Bella! Seu problema hoje não é ele.

Harry, que já havia reconhecido a voz da baixinha, não se surpreendeu quando os cabelos brancos deram lugar a uma vasta cabeleira rosa choque, e as rugas desapareceram do rosto em forma de coração. Bellatrix, entretanto, pestanejou incerta, para então sorrir, maligna.

- Mas se não é a filha da minha inútil e fracassada irmã! Nymphadora querida, que desprazer!

Tonks acercou-se de Harry, sempre mirando a tia, que cacarejava uma risadinha maldosa.

- Vá Harry! Eu cuido desta Black aqui. Nós duas temos contas a acertar.- Desviou os olhos de seu alvo apenas para desejar um abafado e emocionado“Arrebenta ele!” ao rapaz, que não perdeu mais tempo.

Enquanto Harry seguia na direção das grandes gárgulas do corredor, que permaneceram imóveis, sem defender a escada em caracol, Tonks mirou a varinha para a altura dos olhos da tia, e aguardou o ataque.

- O que pensa fazer, menina? Acha mesmo que pode comigo?

Rapidamente disparou vários feitiços seguidos, todos habilmente rechaçados por Tonks, que circulava lentamente a outra enquanto se defendia, estudando suas ações.

- Ter certas habilidades em defesa não vai salvar seu pescocinho, sobrinha! Não vê? Hoje meu mestre tomará Hogwarts para si, por cima do cadáver de Harry Potter... e o mundo mágico se renderá ao seu domínio! Seja esperta e implore para que eu a receba em nosso meio!

Seu fervor era doentio e Tonks retribuiu com genuíno asco.

- Você está louca, Bella... é apenas uma fantoche de Voldemort, cheia de ilusões de grandeza. Sua maldade não te levou à glória, só à insanidade completa.

Passo a passo, Tonks recuou até as gárgulas, sem tirar a atenção de Bellatrix, que divertiu-se diante do movimento.

- Com medo, cara sobrinha? Mesmo insana, sou muito mais bruxa do que você!

Nova saraivada de feitiços, mas desta vez, Tonks também atacou. Logo havia marcas nas paredes do corredor, retratos foram incendiados e os clarões dos feitiços trocados entre as duas mulheres revelavam a violência do embate. Com uma potente azaração, finalmente Tonks conseguiu acertar as pernas da tia, que caiu de joelhos com um grito agoniado, e ficou ali, de cabeça baixa, lamentando-se com grunhidos incompreensíveis. Tonks aproximou-se alguns passos, hesitando. Chutou para longe a varinha que Bellatrix largara no chão quando atingida e vociferou para a lamuriosa Black.

- Acabou. Você vai para Azkaban, tia. Desta vez para sempre.

Bellatrix estendeu a mão direita num gesto súplice, enquanto segurava o abdômen com a outra.

- Menina... Você tem meu sangue... Sua mãe... Minha irmã... Me ajude! – Os olhos negros pareciam marejados. – Me deixe ir!...

Tonks franziu as sobrancelhas, pensativa. Então abaixou a varinha alguns centímetros.

- Isso! Você é uma Black, e seu sangue não negou suas raízes! Eu nunca lhe fiz mal, afinal...

De dentro das vestes, Bellatrix puxou uma segunda varinha, negra e lustrosa, e com um gesto veloz conjurou com voz satisfeita:

- CRUCIO!

Mas a auror não havia caído em sua armação e instantaneamente colocou-se atrás de uma das gárgulas de pedra, que pendeu pesadamente de um lado para outro ao receber a maldição. Antes que a comensal tivesse tempo de sair da posição em que Tonks premeditadamente a colocara, a auror jogou o peso do corpo contra a estátua e esta tombou para frente, atingindo a bruxa em cheio. Encostada na parede, recuperando o fôlego, Tonks analisou os estragos.

Bellatrix Black Lestrange jazia imóvel, o tronco perfurado em vários lugares pelas várias saliências pontiagudas da gárgula que a acertara. Morta.

- Sirius, essa foi por você, primo! – Abaixando-se ao lado do corpo, permitiu-se um último comentário para a parente. – O nome é Tonks! Nymphadora Tonks. Nada de Black!

Lembrando-se de Harry, correu para a escada em caracol, mas antes que pudesse alcançar os degraus foi atirada violentamente para longe. Tentou mais uma vez, desta feita usando a varinha, e novamente foi repelida. O mesmo feitiço que sitiara a escola agora bloqueava o acesso à sala da diretoria. Não poderia ajudar Harry e Gina...


==*==


Assim que pôs os pés nos degraus, Harry sentiu uma parede invisível erguer-se às suas costas. O ruído do duelo entre Bellatrix e Tonks desapareceu, e um silêncio pesado e repleto de maus agouros instalou-se ao seu redor. A temperatura ali estava muito abaixo do normal, e o frio úmido chegava a machucar.

Apertando com força a varinha em sua mão, galgou os primeiros degraus. Enquanto vencia a escada curva pensou em Sirius, em Moody e em tantos outros perdidos por conta do ser vil para o qual caminhava ao encontro. Pensou em Dumbledore, e no quanto desejava que o grande mestre estivesse ali.

Já diante da bela porta, estacou, com a mão pousada sobre a cabeça de grifo que servia de maçaneta. Encostando a testa na madeira polida, lembrou de seus pais, assassinados enquanto o protegiam, vítimas de uma profecia na qual um bruxo mau decidira acreditar.

- Eu não sei que raios de força no universo permite a existência de alguém como Tom Riddle, ou que une dois destinos como o meu e o dele... – Murmurou. – Mas é a essa mesma força que eu exijo uma chance, uma chance justa!

A porta diante de si abriu-se vagarosamente e sem ruído. Respirando profundamente e protegendo seus pensamentos, Harry avançou para a penumbra da antiga sala de Dumbledore, segurando a porta aberta por alguns segundos antes de trancá-la. A cicatriz em sua testa explodiu em nova e revigorada dor. Levando os dedos à testa, constatou o indício certo de que o que viria a seguir seria inédito e definitivo. Sua cicatriz estava sangrando.

“Salvar Gina, fechar minha mente”, entoando esse silencioso mantra, adiantou-se mais alguns passos. Ao seu redor, as telas dos retratos dos ex diretores estavam totalmente negras, e a escuridão da sala era quebrada apenas por um só castiçal, colocado sobre a mesa principal, iluminando o único quadro que permanecia com cores, e a figura alta e magra, vestida de negro, que conversava com este. Nova dor, se possível a mais excruciante de todas, lhe assomou à testa.

O Alvo Dumbledore da moldura cintilou um olhar confiante para Harry por cima dos óculos de meia lua, antes de dirigir-se à Lord Voldemort.

- Você o esperava, aqui está ele!

Lentamente, Tom Riddle voltou-se para Harry Potter, e então olhos vermelhos e verdes confrontaram-se em ódio similar. Em algum lugar da sala, Nagini sibilou, vitoriosa.












.

Compartilhe!

anúncio

Comentários (0)

Não há comentários. Seja o primeiro!
Você precisa estar logado para comentar. Faça Login.