ONDULAÇÕES



CAPÍTULO 29:


ONDULAÇÕES.


Ron sacudiu a cabeça desconsoladamente para Harry, após uma hora de argumentação. Bull se fora, chamado pela professora Sprout, deixando os quatro confabulando entre si.

- Isso vai ser problema, Harry! Se for verdade... Como convenceremos MacGonagall a te deixar destruir o chapéu seletor de Hogwarts?...

- São mais de mil anos de tradição... – Balbuciou Hermione, lendo mais uma vez o parágrafo, como se dali pudesse surgir uma alternativa menos problemática. – A formação das casas... A seleção dos alunos pelo chapéu é uma instituição tão antiga quanto a própria escola! ...

- Não há muita escolha, não é? MacGonagall terá que entregá-lo a Harry... Será a primeira a não querer que um chapéu impregnado com a alma ruim de Voldemort continue adornando a cabeça de primeiroanistas!

- Se o chapéu pudesse fazer mal aos alunos, Gina, já teria acontecido. Acredito que Riddle o tenha enfeitiçado para que jamais desse qualquer sinal de que fora transformado em seu Horcrux. Por isso aluno algum percebeu algo errado, ou mesmo tantos professores que já lidaram com ele, incluindo Minerva e Dumbledore. Ele deve estar impedido de demonstrar... – Harry calou-se diante de nova pontada de dor em seus pulmões.

- Mas como foi que Voldemort conseguiu por as mãos no chapéu? É tão protegido quanto a espada! Você mesmo viu, naquela memória de Dumbledore, que Voldemort saiu da sala do diretor de mãos abanando...

- Eu não sei, Ron. Mas sei onde provavelmente encontraremos a resposta... Preciso achar MacGonagall!

- Você precisa achar essas poções e o caminho de volta para o travesseiro, rapazinho! – Madame Pomfrey marchou decidida até eles, depositando uma bandeja contendo vários frascos de cores diferentes na cama ao lado da de Harry. Diante da óbvia objeção que subia pela garganta de seu paciente, ela adiantou-se. – Sem mas, Potter! Eu já permiti que abusasse em sua recuperação por muito tempo. Vai deitar-se e descansar! Não conseguirá enfrentar sequer uma salamandra de fogo perneta e cega, nessas condições! Quanto a vocês, se querem o bem de seu amigo, devem deixá-lo agora...

- Harry... – Gina colocou sua mão sobre o braço do rapaz, que se levantava apesar do sermão da enfermeira, soando conciliadora. – Ela tem razão! Tome suas poções... Enquanto isso, nós vamos procurar MacGonagall e os outros, e depois os traremos aqui para explicar o que descobrimos.

- Não podemos perder tempo... – Rosnou Harry, olhando para Ron e Hermione em busca de apoio. Queria subir à diretoria imediatamente! Foi a amiga que respondeu.

- E não perderemos! Mas você precisa estar em condições um pouco melhores para fazer o que tem de ser feito, concorda?

Harry esvaziou o ar dos pulmões lentamente, e a segunda onda de dor que sentiu ao fazê-lo o obrigou a concordar com Hermione. De cara fechada, voltou a recostar-se nos travesseiros, levando obediente a primeira dose de remédio à boca. Gina curvou-se e beijou sua testa, sobre a cicatriz, para depois cumprimentá-lo em tom levemente divertido.

- Bom menino!

Harry mastigou uma resposta, e a garota riu, chamando o irmão e Hermione para que a acompanhassem. O paciente impaciente observou-os afastarem-se, sentindo a cabeça abarrotada de pensamentos e conjecturas. Embora a dor na cicatriz estivesse suportável, porém contínua, ele ainda sentia claramente a movimentação de Riddle. O cara de cobra planejava algo grande, e para logo. Juntando-se a isso o fato de que o quinto Horcrux parecia estar ao seu alcance, e de que, apesar das restrições de Madame Pomfrey, ele logo tentaria destruí-lo, Harry achou que seria realmente difícil relaxar e descansar. No entanto, seu organismo debilitado logo cobrou o preço pela agitação da mente, e embalado pelo líquido púrpuro fumegante que a enfermeira o obrigara a beber, breve sentiu as pálpebras pesadas...


==*==

Hagrid e MacGonagall remoíam em silêncio as últimas informações recebidas, enquanto atravessavam os campos gramados em direção ao castelo. A diretora sentiu a apreensão crescer ainda mais quando avistou Tonks e Lupin caminhando rápidos ao seu encontro, cada qual com o semblante carregado de preocupação. Mais problemas estavam a caminho...

- Minerva! Flittwick nos disse que você e Hagrid estavam na Floresta Proibida, o que aconteceu? – Lupin parecia tão abalado quanto nas ocasiões em que se transformava. Tonks não estava muito melhor.

- Ronan e Magoriano me pediram para chamar a diretora...Queriam nos dar um aviso! – Os olhinhos negros de Hagrid quase desapareciam por debaixo das sobrancelhas cerradas em preocupação.

- Aviso? – Repetiu Tonks. – Isso é mau sinal... Se é grave o bastante para convencer os centauros a se aproximarem de humanos, temos mais um abacaxi nas mãos...

- Ronan queria nos alertar que criaturas desconhecidas transitam pela Floresta Proibida, e o rastro delas se aproxima do castelo.

- Como assim desconhecidas, Minerva? Os centauros não sabem de quem se trata? – Lupin estava incrédulo. Se haviam seres que conheciam a Floresta Proibida e seus mistérios eram os centauros, seguidos de perto por Hagrid.

- Eles nem conseguiram vê-las! Somente vestígios de sua passagem... Vegetação mutilada... Animais mortos... – A severa professora permitiu-se um curto suspiro de desolação. – E eles nos chamaram também, por acreditarem que há bruxos envolvidos, e que através de sua magia é que os visitantes misteriosos se escondem das vistas dos centauros.

- Então, Agouro aproveitou para nos mandar tirar o “lixo humano” da Floresta... – Hagrid estava revoltado com o feroz centauro.- Como se a culpa fosse nossa!

- Pelo visto, não poderemos contar com a ajuda deles, não é? – Lupin perguntou à diretora.

- Não, temo que não. Os bruxos passaram muitos anos fazendo de tudo para merecer dos centauros apenas e exatamente o que estamos recebendo... Desprezo e descaso! Já é muito terem nos alertado, e tenho certeza que só o fizeram visando à proteção dos demais habitantes da Floresta. Todavia, eles nos deixaram enviar alguém para investigar...

- E quem irá? – Quis saber Tonks, cheia de vontade de ir ela mesma.

- Hagrid e Firenze. Eles saberão se defender por lá! Vou falar com Firenze assim que verificar como Harry está...

- Pode deixar comigo, diretora. Eu falo com ele! Ele não se negará... – Dizendo isso, Hagrid agigantou ainda mais seus passos rumo às portas da escola. MacGonagall preparava-se para segui-lo, quando Lupin a impediu.

- Também temos más notícias, Minerva.

- O que mais?...

- Os alunos não viajaram com o expresso para Londres. O ministro achou melhor enviá-los via pó de Flu, e eles já devem estar em suas casas agora...

- Graças a Merlin! E qual é a notícia ruim nisso?

- Apesar de não levar alunos, o expresso partiu de Hogsmead poucas horas atrás. Levava para Londres Sinistra, Vector, alguns aurores e habitantes da vila... – A diretora resfolegou, temendo por suas colegas, liberadas por ela mesma para verificarem se suas famílias estavam bem, e seus medos se confirmaram nas palavras seguintes de Remo. – Mas desapareceu no caminho para lá.

- Desapareceu? Um trem inteiro? Desapareceu?

- Sem vestígios. – Confirmou Lupin. – Há quatro aurores colocados estrategicamente na extensão da estrada, que deveriam avisar se algo estivesse seguindo, ou se alguém tentasse embarcar no expresso. Bem, ele nunca chegou ao segundo posto de observação. O ministro adiou sua volta à Londres, e está em Hogsmead agora, junto com Moody, coordenando as buscas...

A diretora suspirou, enquanto assimilava mais essa notícia. Olhou apreensiva para o casal à sua frente.

- Vamos falar com Harry e os amigos. Infelizmente, não podemos poupá-lo por mais tempo... – Calou-se quando visualizou uma sombra de brilhantes cabelos vermelhos correndo pelo gramado, acenando para chamar a atenção dos bruxos mais velhos. – Srta. Weasley! O que foi? Harry piorou?

- Não... Ele está bem... Mas precisa falar com a senhora! Com vocês! – Corrigiu-se, dirigindo a Lupin e Tonks. – Sem demora...

- Sobre?

- Por favor, professora! É melhor que ele mesmo explique.

A urgência explícita nos grandes olhos castanhos de Gina os convenceu, e o grupo encaminhou-se para a Ala hospitalar. Rony e Hermione juntaram-se a eles pouco depois.


Harry abriu os olhos, despertando do cochilo, e espreguiçou-se devagar, sem saber o que o acordara. Antes que a mente estivesse completamente alerta, ele visualizou um par de olhos, do tamanho exato de pires de café, encarando-o a cinco centímetros de seu nariz.

- Meu senhor Harry Potter está melhor! – Guinchou Dobby, feliz. – Dobby estava muito preocupado com meu senhor Harry Potter! Todos na casa de meu senhor estão! – Como Harry continuasse com o peito e costas enfaixados, Dobby contentou-se em triturar sua mão em um aperto assombrosamente forte.

- Olá, Dobby! Tudo bem... Eu estou melhor... Mas vou precisar dos meus dedos...

Dobby apertou sua mão um pouco mais, e Harry podia jurar ter detectado um tom de descompostura no elfo, quando ele esganiçou-se novamente.

- Dobby fica feliz que Harry Potter está melhor! Dobby só espera que da próxima vez, meu senhor Harry Potter peça a ajuda de Dobby para enfrentar os bruxos maus!

- Talvez da próxima vez ele peça ajuda a todos nós, Dobby...

Harry sorriu ao reconhecer a voz de Neville. Colocou seus óculos, acomodando-se melhor na cama, e então pode ver o amigo e Luna Lovegood, sentados próximos à janela a sua frente. Neville sorriu para ele, enquanto Luna parecia mais interessada em acompanhar o vôo de pássaros invisíveis no teto da Ala Hospitalar. Aproximando-se, Neville estava sério novamente ao perguntar.

- Como você está?

- Só dói quando eu respiro... – Brincou Harry. Tanto Neville quanto Dobby permaneceram sérios.

- Nós viemos ver você duas vezes desde que liberaram as visitas, mas você estava dormindo...

- Uma vez dormia sozinho, a outra com a Gina. – Anunciou Luna brandamente, despregando os olhos do balé inexistente no alto, para focá-los de maneira intensa em Harry. O rapaz enrubesceu, para divertimento de Neville e Dobby.

- Vocês não deveriam ter voltado a Londres com os outros? – Tratou de desviar o assunto. Neville pareceu quase ofendido com a pergunta.

- Você acha mesmo que nós iríamos?...

Harry passou a mão pelas bandagens nas costas para testar o quanto o ferimento ainda doía, constatando que estava bem melhor. Relaxou os ombros, antes de responder ao amigo e a Luna, que continuava a encará-lo com o olhar profundo.

- Não, não acho. Mas aviso que o que vem pela frente não será fácil! Nem o que enfrentamos no ministério, ou nessa mesma escola na noite em que Dumbledore foi morto, poderá ser comparado...

- Ser seu amigo nunca foi um mar de rosas, mesmo.

Os dois acabaram rindo, sob os olhares novamente avoados de Luna, que sorria de canto. Nesse momento Lupin e Ron entraram na enfermaria, e após cumprimentarem as visitas de Harry, Lupin enunciou as palavras que soaram como música para o convalescente.

- Acha que consegue levantar-se e andar um pouco, Harry?

- Creio que sim. Aonde vamos? – Disse isso já com os dois pés no chão.

- Calma aí! Vou falar com Papoula enquanto você se põe em pé... Devagar! Não precisamos de você desmaiado... – Lupin afastou-se a procura de Madame Pomfrey, e Harry questionou Ron.

- Para onde?

- Diretoria. MacGonagall sabe que temos um assunto sério a tratar com ela, embora ainda não saiba de que se trata, e parece que finalmente vão nos contar o que anda acontecendo que deixa todos mais estafados que o normal por aqui. Então ela resolveu que seria melhor conversarmos na sala dela...

Harry olhou um tanto constrangido para Neville, que bateu em seu ombro, tranqüilo.

- Não se preocupe... Eu e Luna fomos incumbidos por Moody de ficar de olho nos jardins da escola. “Vigilância nunca é demais!” – Rosnou, em uma surpreendente e perfeita imitação do ex auror. – Vamos Luna?

A garota assentiu e deu dois passos, antes de voltar-se novamente para Harry, perguntando de chofre.

- E Snape?

Harry engoliu o sorriso que a brincadeira de Neville provocara. Sua voz saiu inexpressiva quando respondeu.

- Seboso está morto.

Luna analisou as próprias mãos, olhou novamente para o teto e sorriu para Ron, que a observava impaciente, antes de responder.

- Foi o que me disseram. Mas você tem certeza?

Uma alfinetada de dúvida cutucou algum ponto do cérebro de Harry, mas ele tratou de ignorá-la, recorrendo à lógica de seu argumento mais convincente.

- Eu vi Rabicho acertá-lo com um Avada! E Rabicho com certeza sabe como fazê-lo!

Luna abriu um pouco mais os olhos saltados.

- Você sobreviveu a um Avada...

Ron praguejou baixinho, irritado, e Dobby murchou as orelhas para a insistente garota. Harry, apesar de exasperado, ainda respondeu com calma.

- Foi diferente comigo.

Luna ergueu o queixo altivamente quando percebeu o tom condescendente de Harry e falou em tom floreado, como se declamasse um poema.

- “Posso ensinar-lhes a engarrafar a fama, a cozinhar a glória, e até a zumbificar... Snape disse isso a todas as turmas de primeiro ano que passaram por sua masmorra. Devia pensar sobre o assunto, Harry.- E tendo dito isso, caminhou serenamente para fora da enfermaria, seguida pelo atônito Neville.

- O que foi isso? – Quis saber Lupin, que escutara as últimas frases. Como Harry continuasse com o olhar fixo na porta por onde os colegas haviam saído, Ron encarregou-se de responder.

- Isso foi Luna semeando tempestades... Vamos lá Harry! MacGonagall e as garotas nos esperam... Deixe as esquisitices de Lovegood para depois...

Enquanto Harry seguia para a sala da diretora, com um amigo de cada lado, e o leal Dobby seguindo-o a poucos passos, os três observando-o atentamente, não pode se desfazer do incômodo pensamento que nem tudo que Luna Lovegood falava eram esquisitices...


==*==


Harry sentou-se na cadeira diretamente a frente de Minerva MacGonagall, e os amigos se espalharam ao seu redor. Após certificar-se de que o rapaz estava bem acomodado, e de que sentia-se bem, a diretora sentou-se ereta em sua cadeira, cruzando as mãos rigidamente sobre a mesa.

- Pelo que a Srta. Weasley nos adiantou Harry, você tem urgência em nos contar algo. Como também temos assuntos a compartilhar com vocês...- Incluiu no olhar severo Ron, Mione e Gina. - ...Sejamos breves, visto que ainda se encontra em recuperação.

- Minha recuperação terá de esperar, professora. Acredito que Gina e Hermione tenham encontrado um dos Horcruxes de Tom Riddle.

MacGonagall enrijeceu ainda mais o corpo, estupefata. Lupin, que se encontrava um pouco mais afastado, em pé junto à cadeira de Tonks, não conteve um movimento de surpresa, e a auror assobiou baixinho, cumprimentando as meninas com uma piscadela.

- Na verdade... – Gina adiantou-se. – Foi mais uma vez um pressentimento de Harry que nos mostrou o caminho. Ainda na Ordem da Fênix, antes de virmos atrás de Aberforth, Harry me pediu para que pesquisasse, na história da escola, algum artefato, objeto, manuscrito, enfim... Qualquer posse dos quatro fundadores que ainda estivesse no castelo, ou então, que tivesse desaparecido sem explicações nos últimos cinqüenta anos...

- E que pressentimento foi esse Potter? Do mesmo tipo que nos avisou sobre o ataque dos dementadores? – MacGonagall o olhava numa curiosa mistura de desconfiança com admiração.

- Ou o que o preveniu sobre a presença de Snape em Hogsmead? – Lupin, no entanto, era só orgulho. Harry olhou de um para outro, procurando a melhor maneira de explicar. O auxílio veio na voz rouca de um dos retratos na sala.

- Harry sempre teve uma ligação forte com as emoções de Tom Riddle ... Devo acreditar que recentemente esta ligação aprofundou-se o bastante para deixá-lo visualizar alguns pensamentos de Tom, Harry?

Sorrindo em agradecimento para a imagem de Alvo Dumbledore, Harry assentiu, continuando a explicação antes que mais perguntas sobre isso surgissem.

- A impressão que eu tinha, e tenho, de que há um Horcrux aqui na escola, me foi confirmada pelo próprio Snape, antes de ser morto. Segundo ele, Riddle estava tramando para entrar em Hogwarts, para buscar um dos três pedaços de alma que ainda lhe restam.

- Ele lhe disse isso, assim, do nada?

- Um pouco ele me falou, alardeando o traidor que era, o resto eu tirei de sua mente...

Tonks assobiou de novo. Lupin sorriu paternalmente.

- Eu pedi a ajuda de Hermione na pesquisa, e nós finalmente encontramos algo... – Gina ergueu o pesado livro que trazia no colo, e depositou-o na frente da diretora, abrindo o volume em uma página previamente marcada. Lupin e Tonks aproximaram-se, mais que curiosos. Os três terminaram a leitura do parágrafo indicado pela menina ao mesmo tempo. E os três pares de olhos voaram para o chapéu de Gryffindor, que repousava tranqüilamente junto à redoma de cristal vazia.

- Impossível! – Sentenciou MacGonagall.

- Brilhante! – Admirou-se Lupin. – Brilhante e ousado!

- Problemão!- Resumiu Tonks, dirigindo-se a Harry. - Você terá de destruí-lo?

- É claro que ele não irá atacar o chapéu seletor de Hogwarts! – O tom alterado de MacGonagall sobressaltou até aos bruxos nos quadros, e Nigellus sorriu cinicamente, antevendo uma descompostura nos jovens.- Esse chapéu nunca saiu da proteção e vigilância dos diretores desta escola! E eu garanto, que nenhum deles jamais o entregaria a Voldemort, por dois segundos que fosse! – Sibilou severamente, mostrando com um gesto largo do braço toda a galeria de retratos.

- Minerva, calma! – Pediu sensatamente o retrato de Dumbledore. Ao seu lado, o retrato de Armando Dippet enrubesceu violentamente, e passou a mão pelos cabelos de forma muito constrangida. Harry percebeu, e levantou-se para caminhar até ele.

- Diretor Dippet... – Começou, um tanto hesitante. – Tem algo a dizer?

- Na verdade, ... - Pausa para um olhar assustado na direção de MacGonagall, que arquejou em expectativa. – O jovem Riddle veio até minha sala, certa vez, me pedir se poderia passar suas férias em Hogwarts...

Harry sentiu os cabelos da nunca arrepiarem. Todas as respirações na sala estavam em suspenso, aguardando o resto do relato.

- Vejam bem... Ele era considerado o melhor aluno... Monitor... Havia acabado de receber um prêmio por serviços prestados à escola! Mas, obviamente fui obrigado a negar-lhe o pedido! Ele recebeu a notícia até com bastante calma... Talvez por isso mesmo eu não tenha conseguido negar-lhe o segundo pedido, que me fez já no corredor...

MacGonagall sentou-se novamente, lívida. O único movimento além deste foi o torcer de bigodes de Phineas Nigellus, que parecia se divertir muito com a situação.

- Ele alegou que precisava acabar um trabalho para a matéria de História da Magia, e que gostaria de fazer algumas perguntas ao chapéu seletor. Achei interessante um monitor da Sonserina pesquisando sobre Gryffindor... Por essa razão, e para compensá-lo pela negativa anterior, no dia seguinte eu lhe entreguei o chapéu. Ele o devolveu na mesma manhã... Parecendo inalterado!... Vocês sabem... Monitor! Confiei nele!

O ex diretor agitava-se pela moldura, destemperadamente constrangido. Alguns retratos o vaiavam e alguns simplesmente murmuravam indignados. Dumbledore sorriu bondosamente para o colega.

- Você não foi o único que o aluno Riddle enganou! Não há necessidade de se julgar tão severamente.

MacGonagall ergueu os olhos para encontrar com os de seu antecessor.

- Alvo, você acha que é possível?...

- Se eu me enganei sobre as intenções de Tom ao tentar conseguir uma vaga de professor, se ele já tivesse transformado o chapéu ainda quando aluno, e veio aqui apenas buscá-lo para o manter em seu poder... Sim, é possível. Mas só existe uma maneira de sabermos com certeza. – O olhar azul faiscante buscou por Harry, juntamente com os demais presentes.

Harry aproximou-se da prateleira e esticou os braços, alcançando o velho chapéu. Quase reverencialmente, ele o colocou na própria cabeça, fechando os olhos.

- “Potter! Potter! Sempre com a mente em polvorosa...”

A voz levemente irônica desta vez só despertou o remorso em Harry.

- “Sabe por que estou aqui?”

- “Sim.”

- “Então é verdade?” – O chapéu não respondeu, mas suas abas se apertaram levemente junto às têmporas de Harry. – “Você não pode responder nada diretamente ligado a ele, não é?” – Novo aperto. Harry suspirou, sem saber como continuar.

- “ Não se aflija, Potter... Não o culpo, de forma alguma, pelo que seguirá a essa nossa conversa! Eu pertenci a um grande e valoroso bruxo, talvez o maior de todos até hoje! E ele me designou uma missão, a qual até esse momento procurei cumprir de forma acertada... Entretanto hoje você me traz uma nova tarefa, rapaz. Tão importante quanto, e trazida a mim por um bruxo a quem meu dono teria orgulho em conhecer...”

As entranhas de Harry torceram-se em protesto, e ele vasculhou a mente por uma alternativa.

- “Hoje, Potter, eu o ajudarei a eliminar uma parte do mal que aflige esses tempos...E depois poderei voltar a ser somente um chapéu, meu primeiro desígnio de existência. É uma forma digna de encerrar minhas atividades nesta escola, e eu sinto que já é hora...”

- “Mas, e os alunos? A seleção para as casas?”

- “Talvez, esse seja o tempo de Grifinórios compartilharem com todos sua abismal coragem, ou dos alunos da Lufa Lufa ensinarem aos demais a virtude do altruísmo, ou ainda de Corvinais e Sonserinos dividirem conhecimentos e astúcia... Enfim, as quatro casas tem a ensinar e a aprender. Se não houver mais separações e rivalidades, esta utopia pode vir a tornar-se uma bela realidade, quem sabe?... Mas você deve confiar este problema à Minerva MacGonagall. Ela é uma bruxa excepcional, e encontrará uma solução. Agora, vamos com isso! Vocês não tem tempo a perder!”

- “Vou enfrentar alguma defesa?”

- “ Não existe mago das trevas que faça o chapéu de Godric Gryffindor atacar um estudante de Hogwarts! Minha própria magia o protegerá! Basta um golpe de espada...”

- “ Eu sinto muito!”

- “Encare isto como meu derradeiro e mais importante serviço à escola, e a seus alunos. Não sinta por mim! Eu estive aqui por mais de mil anos, e na realidade, estou cansado...Essa é a hora, Potter! Realize o que o destino escolheu para nós dois...”

Harry sentiu as abas estreitarem-se uma vez mais em sua cabeça, e o chapéu silenciou. Tirou-o, para encontrar as feições entristecidas dos amigos e da diretora.

- É ele mesmo. – Resumiu com voz rouca. – E sabe e aceita o que vou fazer...

Lupin colocou a mão em seu ombro.

- Harry, deixe que eu...

- Também posso fazê-lo... - Apresentou-se MacGonagall, olhando de forma abalada para o chapéu nas mãos do rapaz.

- Não! – Harry depositou-o sobre a mesa. – Dobby!

O elfo, que estivera torcendo as orelhas silenciosamente a um canto da sala, correu para junto de Harry.

- Sim, meu Senhor Harry Potter? O que Dobby deve fazer?

- Vá até a Torre da Grifinória, e me traga a espada. Rony a guardou na bainha, junto de minha mochila.

- Sim, senhor! Dobby volta logo!

Enquanto escutavam o característico estalo de Dobby, Harry voltou-se para a diretora.

- Senhora, disse que tinha algo a nos contar...

- Na verdade Harry, o que vocês descobriram explica em parte o que anda acontecendo nos terrenos vizinhos à escola e à Hogsmead.

- E o que seria?

- Quatro colegas aurores que vigiavam os arredores desapareceram, Harry. E alguns aldeões, que tentavam escapar da vila depois de seu embate com os comensais no Cabeça de Javali, também não chegaram a seu destino, e além disso... – Neste ponto Tonks olhou para Lupin, que tomou as explicações.

- E o Expresso de Hogwarts partiu hoje, mais cedo, com professores , aurores e mais moradores de Hogsmead, desaparecendo igualmente.

Harry olhou para os amigos, todos os três tão assombrados quanto ele. Como se fazia desaparecer todo um trem? E mais importante, por que? MacGonagall adivinhou as perguntas silenciosas e respondeu.

- Achamos que um cerco está se fechando sobre Hogwarts, Harry. De alguma forma, estamos sendo impedidos de deixar as vizinhanças da escola e da vila, seja para fugir ou para pedir ajuda. Todos os que tentaram desapareceram. Graças a Merlin, ainda pudemos mandar os estudantes para casa, via Flu. Mas não sei por quanto tempo a rede de lareiras funcionará ainda, por aqui...

Harry sentou-se, encarando o chapéu. A escola estava cercada, e ele sabia bem porque. Riddle estava armando o golpe para buscar o objeto a sua frente.

- Ainda não é tudo, Potter... Hoje os centauros nos chamaram para dar um alerta. Há algo ou alguém penetrando pela floresta em direção ao castelo. Algo invisível aos olhos dos centauros, mas que deixa pra trás um largo rastro de destruição. E a direção tomada por tal visitante não deixa dúvidas, sua meta é a escola.

- Por Merlin... – Hermione sussurrou. A seu lado, Gina e Ron tinham expressões igualmente pálidas. O amigo dirigiu-se a Harry, com a voz anormalmente baixa.

- O que faremos?...

Como para responder à pergunta, Dobby estalou no meio da sala, trazendo nas mãos a bela espada de Godric. Entregou-a para Harry, e afastou-se novamente para seu canto, os grandes olhos emitindo apoio.

Harry venceu a distância que o separava da mesa da diretora com passos não tão seguros. A espada parecia tremer em sua mão direita, emitindo a conhecida energia. A mão esquerda ajeitou o chapéu na horizontal sobre a mesa, alisando-o com cuidado.

- Impedi-lo de conseguir o que está buscando, é isso o que faremos. – Apesar de clara, a voz de Harry estava estranha, até a seus próprios ouvidos. A diretora levantou-se, em atitude discreta e respeitosa, no que foi imitada pelos restantes, e os retratos nas paredes silenciaram completamente. Até Nigellus abaixara a cabeça, circunspecto. Apenas o olhar azul de Dumbledore fitava seu aluno e amigo de maneira direta e firme.

Harry alisou o chapéu ainda uma vez mais, e depois ergueu a espada acima da cabeça, segurando-a com as duas mãos, ignorando propositadamente a dor intensa nas costas, e os pontos amarelos que quase lhe tiravam a visão. Concentrou-se em sua revolta para angariar forças.

- Maldito seja, Tom Riddle! Por toda a perda que causa!

E como fizera por ocasião da destruição da taça, Harry se desculpou com o dono do insubstituível e fantástico chapéu.

- Perdoe-me, Godric!

Suas mãos desceram a espada, e sem resistência alguma a afiada lâmina dividiu o couro, separando o augusto chapéu seletor de Hogwarts em dois. Harry ainda escutou o suspiro sentido de Gina, e sentiu Ron e Lupin cercando-o, antes das luzes amarelas cegarem-no de vez, e a dor aguda nas costas anteceder a inconsciência.


==*==

Acordou horas depois, a julgar pela luz da lua que infiltrava-se pelas janelas da Ala Hospitalar. Sentou-se na cama, subitamente alerta, e desta vez não precisou dos sentimentos premonitórios que o assolavam na eminência de ataques, ou mesmo das feições aterrorizadas de Madame Pomfrey, estática a seu lado, para saber que o perigo chegara. Bastou olhar para as suaves ondulações nas poções que a enfermeira trazia em uma trepidante bandeja, e que eram resultantes dos tremores espasmódicos e compassados que vinham do solo dos terrenos de Hogwarts.









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