O MONSTRO E A JÓIA



CAPÍTULO 23:


O MONSTRO E A JÓIA


As orelhas de Monstro sacudiram em desagrado, agitando os enormes pelos brancos que saíam por suas cavidades. Ele farejou o ar com seu nariz de tromba, fixando os olhos injetados em Harry.

- O Mestre chamou? – Resmungou com sua voz desafinada e rouca, fazendo uma mesura debochada. Depois olhou com saudade e desgosto à sua volta, fixando-se na imagem de sua antiga senhora. Emendou, ainda mais baixo. – Minha pobre senhora, veja o que Monstro é obrigado a fazer! A quem é obrigado a obedecer... Pobre Monstro!...Que vergonha!...

- Sem lamentações, Monstro! Quero lhe fazer algumas perguntas...

O elfo abandonou a expressão de sarcasmo, atendo-se ao puro rancor.

- O que meu Senhor deseja saber? Monstro nada sabe que lhe interesse, pequeno e imundo farsante... – Encarando outra vez o ensurdecedor retrato da Sra. Black, lamentou-se alto. - Óh, minha Senhora! Que falta faz a Monstro!...

- Chega! Preciso de respostas, e as quero sem embromações!

O velho elfo fungou, puxando sua imunda tanga para cima, mas ficou em silêncio, aguardando. Dobby postou-se ameaçadoramente, tanto quanto um elfo doméstico pode ser, às suas costas, murmurando:

- Dobby faz o elfo mau obedecer a meu Senhor Harry Potter, de qualquer maneira!...

- Monstro, o que há atrás desse quadro?

O elfo dos Black não pareceu preparado para essa pergunta, e seus olhos cinzentos arregalaram-se, fitando o retrato da Sra. Black e Harry, alternadamente. Os finos lábios comprimiram-se, e ele agarrou as próprias orelhas, lutando contra si mesmo para não responder. Mas a magia que rege os elfos domésticos foi mais forte, e ele obedeceu a seu amo.

- Há uma pedra solta na parede... – Respondeu, resumindo ao máximo que pôde a informação.

Harry olhou para os amigos. A expectativa girava em espiral entre o grupo.

- E o que há atrás dessa pedra?

Monstro ajoelhou-se, os olhos fechados em uma careta, arrancando os pelos brancos das orelhas. Parecia estar chorando.

- Perdão, Senhora! Não posso resistir... – A Sra. Black berrou ainda mais alto, e Ron fechou firmemente o punho sobre sua figura, arrancando mais lamentos da pequena criatura.

- O que há atrás da pedra?– Harry questionou novamente.

- Uma antiga caixa de jóias de minha nobre senhora. – Soluçou o elfo, balançando-se angustiado, as mãos torcendo o trapo imundo que o vestia.

- Você sabe como a Sra. Black fixou o quadro?

Monstro exibiu alguma satisfação e não respondeu. Seus olhos se iluminaram, novamente irônicos. Hermione adiantou-se.

- Harry, talvez não seja essa a pergunta...

- Sangue ruim intrometida! Monstro não é obrigado a aturar o que sua boca suja cospe...

Ron segurou o velho elfo pelos braços, soltando-o de Dobby e levantando-o à altura de seus olhos, enquanto o sacudia com força.

- Nunca mais ouse insultar Hermione, ou eu aparo essas suas orelhas de morcego até sua cabeça parecer um balaço!...

- Ron, solte-o! Tudo bem! Eu não ligo... – Sussurrou Hermione urgentemente, pousando a mão em seu braço. Ron o largou, muito a contragosto, e Monstro sorriu com falsa inocência. Mas sua satisfação durou pouco. Os olhos verdes de Harry aguardavam furiosos por ele.

- A partir de hoje, só irá se dirigir a qualquer um de meus amigos com educação e respeito. Está proibido de insultá-los! Ou, por Merlin, eu juro que o colocarei para trabalhar na casa de meus tios trouxas... – Monstro curvou-se, o enorme e trombudo nariz encostando emburrado no peito, e não retrucou. Harry mudou a pergunta anterior.

- Sabe quem fixou o retrato da Sra. Black?

- Sim!... Perdão, minha Senhora.... Minha senhora...

- Ela não é mais sua senhora! E isto é só um quadro! Agora diga quem foi!

- Monstro! Foi Monstro! – Admitiu, derrotado. Rony socou o ar, satisfeito.

- Se colocou, saberá tirar! E talvez calar a boca dessa velha bruxa...

Harry concordou. Encarando o angustiado elfo, ordenou:

- Silencie o retrato, e solte-o dali. Já!

Monstro não se moveu no primeiro momento, agarrando-se ao antigo tapete do hall de entrada. Mas Dobby entrou em ação novamente, e o empurrou em direção ao retrato.

- Deve obedecer ao Senhor Harry Potter. Sem embromações ele disse! Já!

As grotescas mãos de Monstro tocaram o quadro, quase com carinho. De cabeça baixa, o elfo murmurou novamente desculpas à Sra. Black, para depois recitar mais alto algumas palavras estranhas aos garotos. Imediatamente a figura da bruxa aquietou, e ouviu-se um estalo baixo, como uma porta abrindo-se. Pranteando fracamente, Monstro enrodilhou-se no chão, abraçado a si mesmo, e ali ficou, sob os olhos vigilantes de Dobby.

Harry aproximou-se do quadro e os amigos vieram junto, todos ansiosos pelo que viria. Segurando as bordas laterais, forçou a moldura para cima, e ela deslocou-se suavemente para fora de seu lugar. As pedras que compunham a parede eram largas e altas, e o espaço por trás do quadro era preenchido por quatro pedras acinzentadas. Nenhuma delas parecia estar solta. Tanto Harry quanto Ron empurraram e puxaram, mas elas não se moveram um único milímetro. Gina colocou-se entre os rapazes, e pediu, séria.

- Posso tentar?

- AH, Gina! Você acha mesmo que é mais forte que nós?... – Suspirou Ron, enquanto Harry cedia espaço para a ruiva.

- Mais forte, não. Melhor na matéria de Feitiços, talvez... – Puxando a varinha, e apontando para a parede, ordenou:

- Revele seus segredos!

Diante dos olhos surpresos de Ron e Harry, uma quinta pedra foi crescendo gradualmente, exatamente no centro das outras quatro. E essa foi facilmente removida por Harry, que depois de depositá-la ao chão, beijou a mão de Gina, piscando para ela em elogioso agradecimento.

- Vamos ver o que há aqui, afinal...

As garotas prenderam a respiração, enquanto Harry enfiava os dois braços, até a altura dos ombros, pelo buraco escuro que se abrira. Tateando cegamente, sentiu apenas a rocha fria e áspera com os dedos, até que no canto mais distante, sua mão esquerda se fechou sobre uma pequena caixa de madeira. Respirando aliviado, ele a puxou para fora.

A caixinha era baixa e estreita, mas compensava no comprimento. Era um estojo próprio para guardar colares, parecido com os que os trouxas usavam. Harry sentou-se no segundo degrau da escada, o olhar perdido na peça de madeira em suas mãos. Os amigos o rodeavam. Lentamente, o êxito de provavelmente estar na posse de mais um dos retalhos da alma de Riddle tomou conta de seu ser. Ron debruçou-se no corrimão, ao seu lado, e incentivou.

- Abra logo! Precisamos ter certeza...

Harry forçou o fecho, que protestou ruidosamente, devido à ferrugem, mas abriu. No interior forrado de veludo vermelho escuro descansava placidamente um pesado camafeu, o mesmo que Sirius um dia tentara jogar fora. Vários instantes de absoluto silêncio se seguiram.

- Deus do céu!... – Sussurrou finalmente Hermione, agitada. – É ele mesmo! – Todos os olhos voltaram-se outra vez para Monstro, e Harry, com a corrente bem segura na mão, o chamou a responder.

- Monstro, foi você que o escondeu ali?

- Sim... – Respondeu abafadamente o elfo, as faces escondidas nas mãos. – Monstro sabia que no quadro de sua senhora nenhum dos bruxos invasores poderia mexer, só Monstro... Pobre Monstro! Não pensou que seu novo mestre descobriria...

- Então, foi você que o achou, no esconderijo de Mundungo?

- Monstro viu quando o ladrãozinho se apossou da jóia, sim!... No dia em que o filho ingrato e traidor tentou livrar-se da corrente de minha senhora...Monstro conversou com o reles Mundungo, fez ele esconder bem...Convenceu o bruxo mal cheiroso de que ele ganharia dinheiro com algo tão valioso! Mostrou o velho relógio como esconderijo...Depois Monstro foi lá e pegou de volta! Monstro não deixa as posses de sua senhora nas mãos do bruxo que fede a esgoto... Então, quando ninguém estava olhando, Monstro guardou o colar no antigo esconderijo das jóias de minha senhora, para que ela pudesse vigiá-lo... – Seu olhar vítreo caiu sobre o retrato silencioso, e ele voltou a chorar, balbuciando palavras indefinidas.

- Esse medalhão era da Sra. Black? Desde quando?

As orelhas do elfo abanaram freneticamente, e seu olhar piscou maldoso para Harry.

- Esse aí sempre foi de honrada e nobre dona dessa casa, desde que Monstro nasceu!

Todas as respirações se prenderam, e o elfo tornou-se ainda mais satisfeito. Harry deixou a corrente demasiadamente pesada correr entre seus dedos, o camafeu batendo com um baque surdo no degrau de baixo. Sentiu a decepção tomar forma em seu peito, enquanto olhava fixamente a jóia antiga e escurecida em sua mão. Não haveria feitiço que pudesse retornar sua imagem para o belo e dourado medalhão de Slytherin... Foi o peso pressionando seus dedos que o alertou para uma possibilidade.

- Monstro, você consegue abri-lo? – Questionou, erguendo o medalhão à sua frente. – Faça-o!

Toda a maldade sumiu do olhar do elfo. Cheio de amargura, ele pegou a corrente dos dedos de Harry, e novamente murmurando palavras estranhas, fez o antigo fecho abrir-se. Devolveu-o ao rapaz, com os olhos baixos. Enquanto removia a tampa cuidadosamente para o lado, os olhos de Harry brilharam intensamente para o interior da jóia, antes dele retirar o conteúdo e expô-lo, na palma de sua mão, para os amigos, que quedaram-se perplexos.

Pedaços de corrente dourada circulavam o arredondado pingente de ouro, semi derretido, onde outrora enroscava-se uma cobra finamente desenhada. Mesmo com as modificações obtidas no intuito de destruí-lo, Harry não teve dificuldades em reconhecer a relíquia que vira na casa de Hepzibah Smith. Aquele era o Medalhão de Slytherin! E já se encontrava desprovido de sua forma original. Quem quer que o tivesse tirado da caverna, conseguira também destruí-lo, como havia prometido no malfadado bilhete. Alívio e ansiedade passaram por seu peito, enquanto admirava cada detalhe do Horcrux. Mais um se fora! Faltavam três... A necessidade de descobrir quem era RAB emergiu com urgência em seu cérebro. Talvez ele tivesse encontrado mais de um...

Antes que pudesse emitir uma palavra aos amigos, Bull, Sprout, o casal Weasley e Moody vieram da cozinha. Enquanto os primeiros conversavam normalmente, a Senhora Weasley anunciando o jantar, Olho Tonto mancava silencioso, e parando junto à montanha de tesouros dos Pelúcios, passeou os olhos pela cena, detendo-se na mão de Harry.

- O que está acontecendo por aqui? - Rugiu, chamando a atenção dos demais para os jovens. Harry voltou a colocar os restos dourados dentro do camafeu maior, fechando-o . Virando-se para Dobby, ordenou:

- Leve Monstro para o meu quarto, e não o deixe sair de lá! Vou chamá-los em breve.

- Sim, meu Senhor Harry Potter! Dobby fica de olho no elfo mau! – E agarrando o outro pelos farrapos, sumiu.

Harry passou as mãos pelos cabelos, cansado. No entanto, sorriu largamente, olhando para os vários rostos cheios de curiosidade ao redor.

- Temos muito a conversar...


==*==


Os quatro jovens e Moody estavam reunidos na sala de estar, levados para lá por Harry, logo após a refeição, que nenhum deles conseguira engolir. Os outros haviam ficado na cozinha, discretamente deixando-os conversarem à vontade sobre os detalhes da descoberta, com o chefe da Ordem da Fênix.

- Então... - O olho azul elétrico de Moody girou alucinado em sua órbita. - ... existe alguém à solta, inteligente o suficiente para descobrir um segredo de Voldemort, e perigoso o bastante para saber como sobreviver a isso!...

- Não sabemos se sobreviveu! – Atalhou Harry. – Se foi Régulus...

- O elfo não sabe?

- Não chegamos a perguntar...

- Então chame-o logo! – Comandou o ex-auror, olhando quase em êxtase para o medalhão depositado sobre a mesa. – Quem o terá achado?... Por que não anunciou aos sete ventos sua façanha?...

- Dobby! Monstro! – Harry chamou novamente.

Enquanto Dobby curvava-se em respeitosa reverência, Monstro novamente sentou-se no chão, demonstrando toda sua revolta.

- O que o mestre quer agora? Monstro já lhe entregou o que o Mestre procurava...

- Quem trouxe o medalhão dourado para essa casa? E por que?

O elfo sorriu enviesado, e Harry temeu a resposta.

- O medalhão veio com o amado filho de minha senhora, o único que fez jus à nobreza do seu sobrenome... Era para minha senhora guardá-lo, nem ela sabia com que razão.

- O que Régulus falou sobre ele?

- Nada...- As orelhas murcharam, e ele voltou a fungar. – Nosso pequeno senhor estava doente... Não conseguia falar... Logo morreu.

- E como ele conseguiu chegar até aqui, se estava tão doente? – Questionou Moody, e antes que Monstro o ofendesse, Harry repetiu a pergunta.

- É, como?

Monstro olhou raivosamente em volta, procurando uma saída. Sem encontrá-la, novamente a magia dos elfos o fez obedecer.

- O bruxo importante o trouxe. Ele e o velho.

Harry reteve a respiração. Haviam três pessoas então...

- Os nomes, Monstro. Diga os nomes!

- Eu jurei solenemente à minha senhora, jamais revelar os nomes a quem quer que fosse! Nem o senhorzinho a quem agora pertenço pode me fazer quebrar esse juramento!

Harry olhou para Moody, e este confirmou com a cabeça.

- Infelizmente, é verdade...

Ron xingou alto, as meninas suspiraram, e Harry sentou-se, os pensamentos correndo à toda velocidade. Monstro agora embalava-se, quase feliz, ainda sentado no chão.

- Harry, pergunte de outra maneira. – Rosnou Moody. – Trabalhe com eliminatórias...

O rapaz o olhou sem entender por um momento, mas logo algo luziu em seus olhos.

- Monstro, você sabe o que significam as letras RAB?

O elfo começou a se contorcer.

- Sei... – Harry teve de adivinhar a resposta, tão baixa ela era. Dobby cutucou as costelas do outro elfo.

- Sei! – Grosnou Monstro.

- E o que querem dizer?

- São iniciais. – As orelhas agora estavam quase sendo arrancadas pelas enormes mãos.

- As iniciais de Régulus Black?

- Harry, e se for mais que um nome? – Perguntou Gina, e o olhar alucinado de Monstro voltou-se ameaçador para ela.

- Nem pense nisso! – Harry dardejou ao elfo. - Muito bem, de quais nomes são as iniciais?

O elfo agora parecia próximo à insanidade. O olhar irradiando loucura.

- Régulus... – Murmurou. – ... Bartolomeu...

- Por Merlin!...- Hermione ecoou a surpresa do próprio Harry. Gina e Ron tinham os olhos saltando das órbitas e Moody rosnou algo incompreensível. O pensamento na sala era o mesmo: Bartolomeu? Aquele Bartolomeu?

Monstro parou de se embalar, e sua expressão era pura maldade quando ele coçou o queixo, antevendo a reação que o próximo nome despertaria. Harry o conhecia bem para saber que dali não viria boa coisa, e aguardou, dividido entre a raiva e o temor.

- E o velho Dumbledore... – Sibilou, feliz e maldoso, o velho elfo dos Black, cinco segundos antes das mãos coléricas de Harry o alcançarem.






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