Capitulo 10



Capitulo 10


 


O sistema de aquecimento da central estava com defeito e trabalhava sem parar. Harry, já sem paletó, revirava os fichários da polícia enquanto o serviço de manutenção lidava com o aparelho. Cansado e com calor, tirara também a camisa, ficando apenas com uma camiseta já bastante surrada, na qual se lia a inscrição “Departamento de Polícia - Denver”. Momentos antes abrira uma das janelas do centro de conferências para que se formasse uma corrente de ar mais fresco.


Dois dos casos que lhe haviam sido designados já estavam quase encerrados e um outro, de extorsão, caminhava a passos lentos. Precisava preparar-se para se apresentar no fórum no final da semana. Ainda precisava arquivar uns relatórios, fazer uns telefonemas, mas naquele instante, sua atenção estava voltada para a pasta em que constava o nome “Weasley, Ginevra M”.


Ignorando o suor que lhe escorria pela testa, releu a ficha de Jim Jackson, o locutor que cumpria o horário depois do de Gina, na KHIP. A ficha o deixara intrigado.


Ela nunca mencionara que os dois já haviam trabalhado juntos antes, em Richmond. Tampouco o fato de Jackson ter sido despedido por beber no serviço. Várias vezes, ele se atrapalhara ao soltar as fitas e deixara a rádio praticamente fora do ar.


Jackson perdera a esposa, a casa e o posto privilegiado de diretor de programação e locutor do horário matinal na segunda maior estação de Richmond.


Após sua demissão, Gina o substituíra como diretora de programação e, em menos de seis meses, a emissora tornou-se a número um em audiência. Jackson, por outro lado, fora preso por bebedeira e desordem.


Quando Althea entrou na sala de convenções trazendo duas latas geladas de refrigerante, Harry soltou a pasta sobre a mesa. Sem dizer uma palavra, ela sentou-se na ponta da mesa, entregou-lhe uma das latas e olhou para a pasta.


- A ficha dele é limpa, exceto pela prisão por bebedeira e desordem.


- Sabemos que há muitas vinganças nestes tipos de caso. - Harry ponderou. - Jackson pode estar querendo revanche pelo fato de ela tê-lo substituído com louvor. - Ele tomou um gole do refrigerante. - Ele chegou à KHIP há apenas três meses, e o diretor da rádio de Richmond falou que Jackson ficou revoltado quando foi demitido. Chegou a fazer-lhe umas ameaças e culpou Gina de tê-lo derrubado. Além disso, ainda há o problema da bebida.


- Quer chamá-lo para ser interrogado?


- Sim, quero.


- Tudo bem. Nesse caso, acho melhor fazermos duas intimações. - sugeriu Althea pegando a ficha de Nick Peters. - Este rapaz me parece inofensivo, mas as aparências enganam. Ele não tem namorada, é jovem, bonito. - Ela tirou o blazer de linho azul-turquesa e o pendurou no encosto da cadeira. - Por coincidência, Deborah e ele freqüentam algumas aulas juntos e, durante o fim de semana, ela me contou que Nick não se cansa de fazer-lhe perguntas sobre Gina, querendo saber mais a seu respeito. Que tipo de flores ela gosta, qual sua cor preferida, coisas assim.


Harry viu a tirar do bolso uma latinha de balas e escolher uma amarela.


- Segundo Deborah, Nick ficou desapontado quando soube que Gina é divorciada. O fato deve tê-la preocupado, pois ela o comentou comigo várias vezes. Aliás, Deborah é uma garota sensacional. Inteligente, simpática e adora a irmã. - Althea pegou um lápis, rolou-o sobre a mesa e o largou. - Ela acha que você é muito bom para Gina, mas fico me perguntando se ela é boa para você...


Harry fitou-a, bastante sério.


- Sei me cuidar muito bem, parceira.


- Você está se envolvendo demais, Harry. - ela comentou num tom mais baixo, embora a porta estivesse fechada. - Se o capitão soubesse que você está envolvido com umas das vítimas, iria adverti-lo. E com razão.


Harry afastou a cadeira da mesa e reparou na fisionomia de Althea. Um rosto tão familiar quanto o seu próprio.


- Isso não me impede de cumprir meu trabalho. - disse, ocultando o ressentimento. - Se eu duvidasse de minha responsabilidade, seria o primeiro a pedir um afastamento do caso.


- Será mesmo? - Ele franziu o cenho.


- Claro que sim. Minha maior preocupação é para com a segurança da vítima em questão. Se você quiser ir contar ao capitão, eu não me importo; está no seu direito. Mas vou cuidar de Gina de qualquer maneira.


- Bem, é você quem vai acabar se dando mal. - ela murmurou.


- O problema é meu.


Cansada de tentar fazê-lo entender a gravidade da questão, Althea não conteve mais a calma:


- Diabo, Harry, eu me importo com você! No começo era diferente, você estava apenas impressionado pela voz de Gina. Mas, agora, já começou a falar até em casamento e sei que não está brincando. Cuidado, Harry, você vai arrumar problemas.


- Você e eu estamos encarregados de cuidar desse problema, Althea. Quanto ao resto, deixe por minha conta. Obrigado pelo conselho.


- Tudo bem. - Revoltada, ela abriu uma outra pasta: - Não achei nada de suspeito com relação a Bob Williams e seu único contato com Gina é através da rádio. Ele é bem casado, freqüenta a igreja e nas últimas duas semanas vem acompanhando a esposa nas aulas de parto sem dor.


- Também não há nada de errado com os locutores da manhã. - completou Harry bebendo mais refrigerante.


- A KHIP é uma grande família.


- Ainda estou averiguando Harrison. Ele me parece um bom sujeito, mas foi o responsável pela contratação de Gina. Harrison a perseguiu muito tempo, ofereceu-lhe aumento e diversas outras vantagens no contrato até conseguir trazê-la para a KHIP.


Althea escolheu cuidadosamente uma bala vermelha.


- E o tal de McGillis?


- Estou aguardando um telefonema de Chicago. - Harry pegou ainda outra pasta. - Há o faxineiro, Severus Snape. Ex-combatente no Vietnã. Me parece um sujeito solitário, nunca permanece num mesmo lugar mais do que um ano. Viveu algum tempo em Chicago antes de vir para cá. Não tem família nem amigos íntimos. Mora em Denver há quatro meses. É órfão desde os cinco anos e viveu em diversas instituições para menores carentes.


- Que vida dura, não?


- É. - Harry viu-a pender a cabeça e respeitou-lhe o silêncio. Ninguém jamais diria que Althea também tinha tido uma infância parecida com a de Billy. - Acho que não vamos conseguir nada dentro da rádio.


- Tem razão. Na minha opinião, deveríamos apertar o cerco em torno desse tal McGillis. - Ela ergueu o rosto sereno e manteve a voz controlada. Só quem a conhecesse muito bem saberia que ainda estava zangada. - Prefere começar por Jackson ou Peters?


- Jackson.


- Ótimo. Vou começar com calma e apenas pedir-lhe que venha até a central.


- Obrigado, Althea... - ele chamou antes que ela se levantasse - Tente entender. Não posso anular meus sentimentos, tampouco deixar de cumprir meu dever.


Ela suspirou:


- Então, tome muito cuidado, parceiro.


Era o que pretendia fazer. E cuidaria de Gina, também.


Desde que lhe revelara seu amor, ela vinha tentando esquivar-se, temendo a si própria. Quanto mais o amava e se envolvia, mas se retraía com medo de perder o controle da situação.


Estranho... Nunca pensara que precisasse ouvi-la declarar seu amor, no entanto, em sonhos, ouvia-a dizer-lhe que o amava e mal podia esperar para escutá-la de própria voz.


Um sorriso, um toque, um gemido. Com Gina isso não era o suficiente. Queria ouvir aquelas três palavras mágicas que selariam uma promessa, um compromisso. Uma frase simples capaz de transformar a vida das pessoas, emprestando-lhes maior colorido.


Mas não seria fácil para ela dizer que o amava. Primeiro, teria de vencer seus medos, sua insegurança, as barreiras de autodefesa atrás das quais se escondia. Mas, ultrapassados os obstáculos, a declaração viria do fundo da alma, com toda sinceridade. Harry aguardava ansiosamente por essa confissão.


No momento, contudo, tinha de se empenhar ao máximo para conseguir resolver o caso o mais breve possível. Só então poderia começar a pensar no futuro.


- Harry? - Era Althea que surgia na porta. - Já entrei era contato com Jackson. Ele está a caminho.


- Ótimo. Talvez consigamos alcançar Peters antes que ele entre no serviço. Quero que... - O telefone tocou, interrompendo-o. - Potter falando. - Ele fez sinal para que Althea entrasse. - Sim. Eu gostaria que vocês averiguassem. - E, tapando o bocal, disse para a parceira: - É da polícia de Chicago. Exato. - prosseguiu, falando com o colega do outro lado da linha. - John McGillis. - Harry pegou um lápis e começou a fazer umas anotações. De repente, deteve-se. - Quando? - E praguejou. - Deixou algum parente? Escreveu um bilhete ou coisa parecida? Por favor, me transmita pelo fax, está bem? Certo. - No bloco, escreveu em letras de forma bem claras: SUICÍDIO. Calada, Althea sentou-se na ponta da mesa. - Tudo o que puder obter. Tem certeza de que ele não deixou um irmão? Não. Obrigado, Sargento. - Harry desligou e bateu com o lápis no bloco: - Desgraçado!


- Tem certeza de que é o mesmo McGillis?


- Absoluta. Gina me passou todas as informações que tinha a respeito dele e o descreveu fisicamente. É o mesmo sujeito. Ele se matou há aproximadamente cinco meses. Cortou os pulsos com uma faca de caça.


- Parece que as peças do quebra-cabeça começam a se encaixar, Harry. - Althea curvou-se para ler as anotações. - Você falou que McGillis estava obcecado por Gina e a pediu em casamento, garantindo que se mataria se ela recusasse. O sujeito que telefona a culpa pela morte do irmão.


- McGillis era filho único e foi criado pela mãe.


- Irmão pode ser um termo carinhoso. Talvez esteja se referindo a um amigo íntimo.


- Pode ser... - Harry sabia que o comentário era pertinente e se preocupava com a reação de Gina. - A polícia de Chicago vai cooperar conosco enviando a ficha do rapaz, mas acho que vale a pena dar uma chegada até lá. Podemos obter maiores detalhes com a mãe do rapaz.


- Hum, hum. Você vai contar para Gina?


- Sim, acho que sim. Antes, porém, vamos ver se conseguimos algum dado novo com Jackson e Peters.


 


Do outro lado da cidade, Gina saiu do banho e foi correndo atender ao telefone. Torcia para que fosse Harry, dizendo-lhe que encontrara John McGillis feliz da vida em Chicago com seu emprego no supermercado.


Ansiosa, apanhou o fone afastando os cabelos molhados que lhe caíam no rosto. .


- Alô?


- Você dormiu com ele? Deixou que a tocasse com aquelas mãos imundas?


Gina sentiu os braços molhados começarem a tremer.


- O que você quer?


- Fez para ele as mesmas promessas que fez para meu irmão? Por acaso ele sabe que você não passa de uma assassina?


- Não! Não sei por que você não me...


- Ele também vai morrer.


O sangue gelou-lhe nas veias, e o medo estreitou-lhe a garganta.


- Não! Harry não tem nada a ver com isso. E... É entre mim e você, como sempre faz questão de dizer.


- Mas ele agora já se envolveu. Fez sua opção, da mesma forma que você, quando matou meu irmão. Depois de acabar com ele, cuidarei de você. Ainda se lembra de tudo o que vou lhe fazer? Lembra?


- Não precisa machucar Harry. Por favor, não! Farei o que você quiser, mas não o machuque.


- Vai, sim. - ele garantiu dando uma gargalhada horripilante. - Vai fazer tudo o que eu mandar.


Ele desligou, porém Gina continuou implorando-lhe que poupasse a vida de Harry. Por fim, aos prantos, bateu o telefone e foi correndo para o quarto vestir-se.


Precisava ir ao encontro de Harry, vê-lo cara a cara para ter certeza de que estava bem e avisá-lo do perigo que corria. Não suportaria perder o homem que amava.


Com os cabelos ainda molhados e despenteados, atravessou depressa o corredor, abriu a porta e quase tropeçou em Nick Peters.


- Oh, meu Deus. - exclamou fechando uma das mãos sobre o peito. - Nick!


- M-Me perdoe. Não pretendia assustá-la. - desculpou-se o rapaz, ajeitando os óculos sobre o nariz.


- Preciso sair. - ela disse apressada, procurando as chaves na bolsa. - Acabei de receber outro telefonema e preciso avisar Harry.


- Ei, espere! - pediu Nick ao pegar as chaves que ela derrubara. - Você não está em condições de dirigir.


- Preciso avisar Harry! Esse sujeito vai matá-lo!


- Você está realmente apaixonada por ele, não é? - indagou Nick, sem disfarçar seu desgosto. - Não se preocupe. Harry trabalha na polícia e sabe se cuidar.


- Você não entende!


- Entendo, sim. Você foi passar o fim de semana com ele!


O tom de acusação do rapaz assustou-a, e Gina o fitou, dando um passo para trás. Então, olhou para a radiopatrulha estacionada em frente à casa e pensou em... Não. Era bobagem ter medo de Nick.


- Nick, me desculpe, mas eu não tenho tempo para conversar. Mais tarde nós nos vemos na rádio, está bem?


- Pedi demissão esta manhã.


- Mas, por quê? Você vai indo tão bem, tem um futuro brilhante na KHIP.


- Você nem sabe. - ele retrucou com amargura. - E nem se importa comigo.


- Me importo, sim.


Quando Gina tocou-lhe o braço, ele se afastou depressa.


- Você me deixa fazer papel de bobo.


- Oh, meu Deus, de novo? Por favor, Nick, não fale assim.


- Eu não podia sequer me aproximar. Então, de repente, ele chega e acaba tudo. Fui chamado para depor na polícia. - contou com lábios trêmulos. - Pensam que sou eu quem está querendo matá-la.


- Deve ter sido engano...


- Como pôde acreditar que eu quisesse machucá-la? - ele gritou, indignado. E devolveu-lhe as chaves. - Só vim aqui para lhe dizer que pedi demissão, assim não tem mais que se preocupar comigo.


- Nick, por favor, espere!


Mas ele já se afastava em direção ao carro, sem olhar para trás.


Seus joelhos tremiam tanto que Gina viu-se obrigada a sentar-se na sala por alguns segundos antes de pegar o carro. Como pudera ser tão desatenta? Nick estava com o ego ferido e, agora, perdera sua amizade para sempre. Quanto tempo ainda teria de esperar para que sua vida voltasse ao normal?


Gina detestava delegacias. Sempre detestara. Ansiosa, mexia no crachá de plástico que recebera na entrada enquanto cruzava um corredor limpíssimo, cheirando a desinfetante e café.


Os telefones não paravam de tocar. Havia diversas vozes ao redor; ora mais alta, ora mais baixa. Gina entrou por uma porta à direita, de onde vinha o barulho maior, e olhou para a sala.


Era bem diferente da sala bagunçada e confusa onde sua mãe trabalhava. Ali, havia mais espaço, mais mesas e diversos terminais de computador. Os dedos ágeis das secretárias voavam nos teclados de plástico.


Num banco próximo, uma mulher carregava um bebê no colo. A criança chorava muito, e um policial tentava distraí-la balançando as algemas no ar. Do outro lado da sala, uma jovem, ainda adolescente, fazia um relato comovido a uma policial à paisana.


Aquelas imagens lhe trouxeram à mente lembranças desagradáveis da infância quando havia dias em que sua mãe, sem poder contar com a ajuda de uma babá, a levava consigo para a delegacia. Gina passava horas sentada num canto vendo o movimento constante. Eram horas solitárias quando se sentia absolutamente abandonada.


Então, viu Harry saindo por uma outra porta, a camiseta molhada de suor. Jackson vinha logo atrás, com a fisionomia nervosa, seguido por Althea.


Jackson a viu primeiro e chegou a dar um passo incerto em sua direção. Porém, dando de ombros, deteve-se. Gina, no entanto, foi ao seu encontro e segurou-lhe as mãos.


- Você está bem?


- Estou. - Jackson deu de ombros novamente e apertou-lhe as mãos. - Me chamaram para um interrogatório, é só.


- Ouça, se quiser conversar, espere por mim e podemos bater um papo.


- Não é preciso, Weasley. Há certos erros que a gente comete no passado e que nos acompanham para sempre.


- Oh, Jim.


- Não é nada de grave, fique tranqüila. Nos vemos esta noite. - ele garantiu sorrindo.


- Claro.


- Agradecemos sua colaboração. - Althea interveio.


- Farei o que for possível para ajudar Gina. - ele garantiu. - Somos muito amigos.


Jim despediu-se e partiu.


- Não era preciso tê-lo chamado. Jim é um excelente amigo, mas, bem... Preciso falar com vocês.


- Venha. - disse Harry encaminhando-a para a sala de conferências. - Aqui é um pouco mais quieto.


- Quer beber algo gelado? - Althea ofereceu. - Eles já devem ter consertado o aquecimento, mas ainda está fazendo muito calor aqui dentro.


- Não, obrigada. Não vou demorar. - Os três se sentaram ao redor da mesa, e Gina escolheu bem as palavras: - Posso saber por que Jackson estava aqui?


- Vocês foram colegas de trabalho em Richmond. Ele bebia demais e acabou sendo despedido. Na época, o fato o deixou bastante contrariado.


- Não é verdade.


- Por que não nos contou a esse respeito, Gina?


- Para ser franca, isso nem me ocorreu. Já foi há bastante tempo e Jim mudou muito nestes últimos anos. Ele deve ter lhes contado que freqüentou uma associação para alcoólatras por mais de três anos e conseguiu se recuperar.


- Foi você quem conseguiu este emprego para ele na KHIP. - Harry afirmou.


- Não sou responsável por sua contratação, mas falei muito bem a respeito dele para a diretoria. Jackson é um bom sujeito, incapaz de fazer mal a uma mosca.


- Mas quando está bêbado, ameaça mulheres, faz quebradeiras em bares e dirige feito um louco.


- Isso foi coisa do passado. Ele hoje é outra pessoa. Na verdade, não foi para falar sobre Jackson que vim aqui hoje. Recebi outro telefonema, há alguns minutos, quando estava em casa.


- Já sabemos. O pessoal da escuta nos passou a informação. - explicou Althea.


- Então, já devem estar a par do que ele falou. Oh, Harry, ele quer matá-lo. Sabe que fomos viajar juntos e quer liquidá-lo.


- O telefonema foi dado de outro telefone público a dois quarteirões de sua casa.


- Harry, será que você não me ouviu? - ela indagou nervosíssima, dando um murro na mesa. Althea lançou-lhe um olhar gélido de reprovação. - Ele vai tentar matá-lo, também!


Consciente de que ela estava mais carente dos seus serviços do que de seus carinhos, Harry conteve o ímpeto de tocar-lhe o braço e acalmá-la.


- Já que a estou protegendo, ele teria de me matar para alcançá-la. Não mudou nada.


- Mudou tudo! Ele não se importa se você trabalha na polícia ou não. Só se importa com o fato de estarmos juntos! Quero que você peça afastamento do caso, Harry. Não quero que volte a se aproximar de mim até que esteja tudo resolvido. - Harry amassou um copo plástico e o jogou no lixo:


- Não seja ridícula.


- Não estou sendo ridícula, apenas prática. - Gina voltou-se para Althea com um olhar de súplica: - Por favor, fale com ele. Quem sabe Harry a ouça.


- Sinto muito, mas acho que Harry está com a razão. Nossa missão é protegê-la e desvendar seu caso.


Gina ficou desesperada:


- Se é assim, falarei com o capitão pessoalmente.


- Ele já soube do telefonema.


Mas Gina não se deteve e levantou da cadeira:


- Mas não sabe que estamos dormindo juntos.


- Gina, sente-se. - Ela resistiu e Harry repetiu: - Eu disse sente-se. - Temerosa de um escândalo, ela obedeceu. - Pode ir falar com o capitão e exigir o meu afastamento. Faça o que quiser, mas se ele me tirar do caso, pedirei demissão.


Ela ficou pasma.


- Não acredito.


- Experimente e verá. - Ele permanecia calmo, extremamente calmo, e determinado. No fundo, Gina sabia que não se tratava de uma ameaça vazia com o intuito de intimidá-la. Era uma promessa.


- Harry, entenda: como acha que eu me sentiria se lhe acontecesse algo?


- Mal. Mas, sendo assim, você deve saber que tenho meus motivos para querer ficar a seu lado a qualquer custo.


- Não quero que lhe aconteça o mesmo que houve com minha mãe. - ela alegou já quase desesperada.


- Sua mãe não estava tão preparada quanto estou. Ele não vai me pegar desprevenido. Gina, eu a amo e logo você vai ter de aceitar essa verdade, vai ter de conviver com ela. Até lá, limite-se a confiar em mim. É tudo o que lhe peço.


Vencida, ela soltou as mãos sobre o colo.


- Bem, não tenho mais nada a dizer.


- Tem, sim. - Ele puxou uma pasta da mesa ao lado. Gina estava muito abalada e talvez não fosse a melhor hora para falarem no assunto, porém, não podiam perder mais tempo: - Conte-nos mais a respeito de John McGillis.


Sua cabeça latejava terrivelmente, e Gina esfregou as mãos sobre as têmporas.


- Já disse tudo o que sabia. Qual o problema?


- Ele morreu.


Gina baixou os braços vagarosamente.


- Morreu? Tem certeza? Ele era tão jovem.


- Temos certeza de que se trata da mesma pessoa. John McGillis se suicidou há cinco meses. - acrescentou, temendo pela reação dela.


Por uns instantes ela limitou-se a arregalar os olhos. Pouco depois, seu rosto foi ficando cada vez mais pálido até perder a cor.


- Oh, meu Deus, não! Não pode ser! Ele ameaçou se matar, mas eu não achei que...


- John era um rapaz instável emocionalmente, Gina, e já tinha passado por diversos tratamentos psiquiátricos. Tinha problemas com a mãe, com os colegas de escola, de serviço. Segundo a polícia de Chicago, foi a terceira tentativa de suicídio.


- John era tão tímido e queria tanto que eu... - Gina deixou a frase incompleta e fechou os olhos. - Ele se matou depois que deixei Chicago para vir para cá, exatamente como ameaçara.


- John tinha distúrbios muito sérios. Um ano antes de conhecer você, ele se envolveu com outra garota e quando ela terminou o namoro, tomou um vidro inteiro de barbitúricos.


- Fui muito cruel com ele. Na época, achei que era a melhor forma de tratá-lo.


- Fez bem. Agora, quero que nos conte tudo o que lembra a respeito dele.


Gina respirou fundo e cruzou as mãos sobre a mesa. Então, começou seu relato com muita calma:


- Ele estava sempre sozinho. Como já disse, John me telefonava na rádio e só vim a conhecê-lo mais tarde. Depois disso, só falava que me amava e queria casar comigo. Costumava me mandar bilhetes e flores quase todos os dias, mas isso é muito comum quando um fã se apaixona pelo artista. Porém, com o tempo, fui percebendo que ele... Bem, que ele não era muito normal.


Harry anotava tudo num bloquinho.


- Os bilhetes foram se tornando mais pessoais, apaixonados. A única vez em que ele se alterou foi quando, um dia, me mostrou a tatuagem que tinha no peito: duas facas em forma de “X”. Achei-a ridícula e disse-lhe que não combinava com um rapaz tão sensível. Eu estava cansada, tinha trabalhado muitas horas e não estava com disposição para conversar. Ele, porém, ficou aborrecido com a minha crítica. Chegou a ficar bastante bravo. Disse que se era bom para o irmão, era bom para ele, também.


- Irmão? - repetiu Harry.


- É, foi o que disse.


- Mas John não tinha irmãos.


- Tinha, sim. Ele o mencionou umas duas vezes, em conversas.


- Chegou a dizer como se chamava?


- Não. – respondeu Gina, procurando puxar pela memória. – Não. - repetiu, mais segura. - Só contou que o irmão morava na Califórnia e que não o via há dois meses. Queria que eu o conhecesse, ou coisa parecida.


- John não tinha irmão. - insistiu Althea ao abrir a posta para ler a primeira página. - Era filho único.


- Então, foi invenção dele. - disse Gina.


- Não. - Harry concluiu, voltando-se para as duas. - O sujeito que estamos procurando é real e bastante perigoso. Não se trata de imaginação.


 


 


 


 


 


 


Agradecimentos especiais:


 


Ginny M. W. Potter: que bom que gostou do capitulo, acho que o que aconteceu entre Gina e John ficou claro nesse capitulo e sobre o irmão dele, as coisas ficam mais claras no próximo capitulo, que já e o penúltimo. Beijos.


 


issis: acredito que o capitulo anterior deixou realmente bem claro o que aconteceu entre Gina e John, no próximo mais explicações e as coisas se encaixam no ligar, é uma pena que só restam mais dois capítulos. Beijos.


 

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