Capitulo 2



Capitulo 2

Harry Potter a elogiava mentalmente enquanto observava Gina trabalhar. A facilidade com que mexia nos botões e nos controles da mesa denotavam a experiência profissional. Ora tocava uma seleção de músicas, ora introduzia uma fita com comerciais gravados. A intervalos predeterminados, ligava o microfone para dar o prefixo da estação. Sua cronometragem era perfeita.
As unhas roídas até a carne eram um indício indisfarçável da ansiedade e da agitação que ela sempre tentava ocultar. Para não falar na hostilidade com que o tratava, deixando claro que desaprovava sua presença ali. Já estavam juntos na cabine havia duas horas, e Gina mal lhe dirigira a palavra.
Potter, no entanto, limitava-se a observá-la e saborear um café amargo. Como policial, já estava acostumado a ser hostilizado por certas pessoas.
Gostava da profissão e coisas tais como tratamento hostil, cara feia e guerra de nervos não o abalavam. Ou seja, era muito mais fácil lidar com emoções negativas do que ser alvo de uma bala calibre trinta e oito. Falava por experiência própria, pois já se deparara com as duas situações.
Embora não pudesse ser considerado um filósofo, gostava de analisar tudo e todos ao seu redor, procurando entendê-los melhor. Seu hábito era fruto de uma crença inabalável no certo e no errado; no justo e no injusto. Ou, ainda, no bem e no mal. Por outro lado, tinha consciência de que tudo no universo é relativo.
A vida de policial o fizera entender que o crime na verdade compensava. E muito bem. Sua satisfação era saber que a recompensa, no entanto, durava pouco. Não importava que fossem necessários seis dias ou seis meses para prender um criminoso, pois o resultado final era sempre o mesmo: os bons venciam os maus.
Esticando as longas pernas para a frente, continuou folheando o livro em suas mãos, enquanto a voz morna de Gina enchia a cabine. Seu tom macio trazia-lhe à mente imagens calmas de um riacho correndo, uma cadeira de balanço na varanda, um passeio ao luar numa noite quente de verão. Em compensação, a energia e a agitação que emanava contrastavam de modo gritante com toda essa paz. Mas Potter, um otimista, contentava-se em cultivar o lado bom das coisas.
Sua simples presença ali a deixava nervosa. Ainda que calado, sentado num canto, ele a incomodava. Gina soltou a fita com os comerciais, verificou a seqüência programada para aquela noite e deliberadamente o ignorou. Ou, pelo menos, era o que vinha tentando fazer desde que chegara.
Não gostava que ninguém ficasse ali na cabine durante o programa. Embora ele se mantivesse quieto, atento à leitura, o menor movimento de Potter a distraía. Assim que o viu abrir o livro, pensou tratar-se de uma destas aventuras policiais, porém surpreendeu-se ao vê-lo ler um romance famoso de um autor conceituado. Mas, nem assim sua presença era bem-vinda. Não dava para fingir que os telefonemas ameaçadores haviam cessado, que tudo não passara de um trote, que sua vida voltaria ao normal. Bastava vê-lo ali ao lado para manter o pesadelo bem vivo em sua mente.
No espaço mínimo da cabine, Gina era obrigada a esticar o braço por sobre sua cabeça toda vez que queria pegar uma fita na prateleira do fundo. Um gesto antes tão rotineiro e automático era agora motivo de sobressalto e agitação.
Gina se ressentia de sua presença ali, de sua intromissão e do fato de ele ser um policial.
Entretanto, sabia que não devia misturar opiniões pessoais com obrigações profissionais. Ambos estavam ali a serviço.
- Vocês acabaram de ouvir mais um grande sucesso do conjunto The Rascais. Bom dia, Denver. São exatamente zero hora e dois minutos do dia vinte e oito de março. A temperatura lá fora está bem baixa, mas aqui dentro, o calor humano está sempre presente. Você está ligado na KHIP, a rádio que toca mais músicas por hora. Logo após o noticiário, começaremos a atender os pedidos telefônicos. Fique ligado.
Potter esperou até que ela transmitisse as notícias e fizesse uma chamada ao vivo para então marcar a página do livro e levantar-se. Ao sentar-se numa cadeira giratória ao lado de Gina, sentiu a tensão crescer na cabine.
- Não quero que interrompa a ligação, caso ele telefone.
Ela se retesou e tentou manter a voz natural.
- Meus ouvintes não se interessam por esse tipo de show, Potter.
- Mas você pode mantê-lo na linha só através dos alto-falantes internos, sem pô-lo no ar, certo?
- Sim, mas eu não quero...
- Corte para um comercial ou ponha uma música. - ele sugeriu sem querer interferir no trabalho dela - Porém mantenha-o na linha. Talvez tenhamos sorte e consigamos localizá-lo.
Gina tinha as mãos fechadas sobre o colo quando olhou para os dois aparelhos telefônicos, que já começavam a piscar. Sabia que Potter tinha razão e o odiava por isso.
- Não acha que é muita chateação só por causa de fã um lunático inútil?
- Não se preocupe. - ele garantiu sorrindo. - Estou acostumado a lidar com todo tipo de gente. Uns dão mais trabalho, outros, menos.
Gina olhou para o relógio, pigarreou e abriu o microfone:
- Bom dia, Denver. Aqui é Gina Weasley falando através da KHIP, a estação mais quente o ano todo. E aqui está sua chance de aquecer ainda mais nossa programação. Nossos telefones estão no gancho aguardando sua ligação e seu pedido musical. Nosso número é cinco, cinco, cinco, cinco, quatro, quatro, sete.
Os dedos dela tremeram ligeiramente ao apertar o botão da primeira ligação.
- Alô? Quem fala?
- Oi, Gina, aqui é Bob, de Englewood.
Ela fechou os olhos e suspirou. Bob era um dos ouvintes habituais.
- Olá, Bob, como vai?
- Tudo ótimo. Minha esposa e eu estamos completando hoje quinze anos de casados.
- Aposto como muita gente deve ter lhe dito que não passariam do primeiro ano, certo? Que música você gostaria de dedicar à sua esposa?
- Cherish. Vou dedicá-la a Nancy com muito amor.
- Excelente escolha. Parabéns para vocês. - Sempre com o lápis na mão, Gina atendeu o segundo telefonema, depois o terceiro. A cada novo chamado, Potter a via prender a respiração. Simpática, sempre tinha uma palavra amiga ou uma brincadeira simpática para com todos os ouvintes, mas só Potter ali na cabine a via pálida e trêmula. Na primeira interrupção, ela aproveitou para pegar um cigarro e lutou para acender um fósforo. Sem uma palavra, ele tirou-lhe a caixinha da mão e riscou o palito, acendendo-lhe o cigarro.
- Está se saindo bem.
Gina deu uma tragada demorada e soltou a fumaça depressa. Potter aguardou pela resposta em silêncio,
- Você é obrigado a ficar aí me olhando o tempo todo?
- Não. - ele assegurou com um sorriso lento e sensual que provocou uma reação imediata em Gina. - Faço isso porque quero.
- Não sei como não se cansa dessa profissão.
- Gosto muito do meu serviço. - Potter apoiou o tornozelo direito no joelho esquerdo. - Muito mesmo.
Gina percebeu que era mais fácil conversar com ele do que ficar olhando, apreensiva, para os aparelhos piscando. Potter tinha uns olhos... calmos. Escuros e calmos. Olhos de quem já vira muita coisa e aprendera a conviver com o que via. Havia no fundo do seu olhar uma força serena, do tipo que atraía as mulheres. Algumas mulheres. Ele devia ser do tipo protetor, que jamais inicia uma briga, que sempre tem uma palavra de conforto.
Irritada com o próprio comportamento, ela desviou a atenção e voltou a remexer nas anotações. Não precisava que ninguém a protegesse ou a confortasse. Tampouco brigasse por sua causa, havia muito tempo aprendera a tomar conta de si mesma.
- A vida de um policial não deve ser nem um pouco agradável. - comentou.
Ele se remexeu na cadeira, e seus joelhos se roçaram.
- A maior parte do tempo não é. - Instintivamente ela recuou a cadeira uns centímetros para trás.
- Não consigo entender por que alguém permanece dez anos num trabalho tão difícil e desagradável.
- Já me acostumei.
Ela deu de ombros e abriu o microfone:
- Esta canção, Bill dedicou a Maxime. São zero hora e vinte minutos e nossa linha continua aberta. O número é 555-5447. - Depois de um breve suspiro, Gina apertou um botão - Alô, quem fala?
As coisas transcorriam tão bem que ela começou a relaxar, Os telefonemas se sucediam na rotina de todas as noites, e Gina foi readquirindo a descontração costumeira, voltando até mesmo a se deliciar com as canções.
As luzes piscantes dos aparelhos telefônicos já não lhe pareciam ameaçadoras e, por volta da zero hora e quarenta e cinco minutos, Gina teve certeza de que não teria mais problemas.
Só uma noite. Se ele deixasse de ligar uma só noite, jamais voltaria a ligar. Com os olhos fixos no relógio, ela contava os minutos. Faltavam apenas oito para que seu horário terminasse, e Jackson assumisse os microfones. Gina só pensava em chegar em casa, tomar um banho quente e dormir.
- Alô? Quem fala?
- Gina.
A voz sibilante e abafada deixou-a gelada. Automaticamente, ela levou o dedo ao botão que interrompia a ligação, porém Potter segurou-lhe o pulso e balançou a cabeça. Por um instante, ela pensou que o pânico fosse dominá-la. Potter continuava a segurar-lhe o pulso, fitando-a com seus olhos serenos.
Reagindo, Gina colocou uma fita de comerciais no ar e passou o som da ligação para os alto-falantes internos.
- Sim. - O orgulho a fez sustentar o olhar que Potter lhe dirigia. - Aqui é Gina quem fala. O que você quer?
- Justiça. Só justiça.
- Como assim?
- Quero que pense bem. Quero que pense e se torture antes que eu a alcance.
- Por quê? - A mão dela se curvou sob a de Potter que, num gesto tranqüilizador, entrelaçou os dedos aos de Gina. - Quem é você?
- Quem sou eu? - O riso sarcástico e metálico vindo do outro lado da linha deixou-a arrepiada. - Sou sua sombra, sua consciência. Seu assassino. Você tem de morrer, mas só quando entender. Aí, sim, acertaremos as contas. Só que ainda vai demorar e não vai ser nada fácil. Você vai ter de pagar pelo que fez.
- Mas o que foi que eu fiz? Diga, pelo amor de Deus!
Ele disse uma série de palavrões e desligou, deixando-a chocada. Com uma das mãos ainda pousada sobre a de Gina, Potter discou um número.
- Conseguiu localizá-lo? - perguntou ansioso e suspirou. - Sim. Entendo. Obrigado. - E desligou, voltando-se para Gina: - A ligação foi muito rápida; a central não teve chance de localizar a origem do chamado. Mas não desanime.
Gina, atordoada, mal conseguia ouvi-lo, mas assentiu. Num gesto mecânico, virou-se para o microfone, esperando que o comercial terminasse.
- Amigos, por hoje, vamos ficando por aqui. É uma hora e cinqüenta e sete minutos e ainda tenho tempo de tocar uma ultima canção. Escolhi um grande sucesso de Tina Turner para animar este princípio de manhã. Continuem na KHIP onde Jackson, o locutor da madrugada, lhes fará companhia. Esta foi Gina Weasley. Boa noite e bons sonhos.
Cansada, Gina empurrou o microfone e forçou-se a se levantar, apoiando-se na mesa de controles. “Pronto, já acabou”, disse a si mesma. Agora, era só descer, pegar o carro e voltar para casa, como fazia todas as noites. Então, por que naquela madrugada aquilo lhe parecia tão difícil?
Jackson entrou na cabine e deteve-se, hesitante, junto à porta. Havia duas semanas ele vinha usando um boné de beisebol para ocultar um recente transplante de cabelo.
- Olá, Gina. Foi uma noite difícil, não? - Ela lhe dirigiu um sorriso pálido:
- Confesso que tive melhores. - E, respirando fundo, aprumou-se. - Já deixei os ouvintes bem animados para você, Jackson.
- Obrigado. Vá com calma, garota.
- Não se preocupe. Eu estou bem.
O zumbido em seu ouvido aumentou quando Gina virou-se para pegar o casaco pendurado perto da porta. Os corredores estavam às escuras recebendo apenas uma fraca claridade vinda do hall, onde as luzes de segurança permaneciam acesas. Gina piscou os olhos várias vezes, desorientada e quase não notou quando Potter segurou-a pelo cotovelo.
O ar frio da noite a fez sentir-se melhor. Já no pátio do estacionamento, respirou fundo diversas vezes, recuperando as forças.
- Meu carro está para lá. - disse quando Potter começou a puxá-la na direção oposta.
- Você não está em condições de dirigir.
- Estou ótima, já falei.
- Perfeito. Então, o que acha de irmos dançar?
- Ouça...
- Ouça você! - Potter não tinha notado até então, mas estava nervoso, furioso mesmo. Gina tremia e, apesar do vento frio, tinha as maçãs do rosto absolutamente brancas. Presenciar um dos tais telefonemas fora bem diferente que ouvir as gravações. A seu lado, na cabine, pôde vê-la perder a cor e arregalar os olhos ao receber o chamado. E o pior: não pôde fazer nada para ajudá-la. - Você mal consegue parar de pé, Gina, e não vou permitir que volte para casa dirigindo. - Já próximo de seu carro, Potter abriu a porta de passageiro. - Entre. Vou levá-la até sua casa.
Ela afastou uma mecha de cabelo que lhe caía nos olhos.
- Está cumprindo seu dever de me proteger, certo?
- Isso mesmo. Agora entre, antes que eu a prenda por me impedir de exercer meu dever.
Como seus joelhos continuassem fracos e trêmulos, Gina resolveu aceitar a carona. Tudo o que queria era um pouco de paz, num quarto escuro, sob as cobertas. Só assim poderia gritar bem alto e extravasar aquela angústia que trazia no peito. Porém, assim que viu Potter sentar-se ao volante, virou-se no banco.
- Há poucas coisas que me desagradam mais do que um policial.
- O quê, por exemplo? - ele quis saber ao dar a partida.
- Homens que mandam em mulheres só por se julgarem superiores. Para mim, não se trata apenas de um dado cultural, mas sim, de pura estupidez. Na minha conta, você está com dois pontos negativos, investigador Potter.
Potter curvou-se para o lado obrigando-a a recostar-se de novo no assento. Por um instante, viu-a arregalar os olhos, admirada, supondo que ele fosse beijá-la.
De fato, quase não resistira ao impulso de provar aqueles lábios úmidos que certamente combinavam com a voz sensual. Porém, limitou-se a puxar-lhe o cinto de segurança para poder fechá-lo.
Gina soltou a respiração quando o viu retomar o volante. Fora uma noite tensa e perturbadora, recordou-se. Caso contrário, jamais teria reagido daquela forma diante da intimidação de um homem qualquer.
Suas mãos voltaram a tremer. O motivo não a preocupava, apenas a fraqueza em si.
- Não gosto do modo como faz as coisas, Potter.
- Não precisa gostar. - Cruzando a saída do estacionamento, Potter reconheceu que Gina começava a perturbá-lo, o que era um erro. - Faça o que digo e nos daremos bem.
- Não costumo obedecer ordens de ninguém. - revidou. - E não preciso que um tira de segunda linha com complexo de John Wayne me diga o que fazer. Foi Mark quem o convocou e não eu. Não preciso nem quero os seus serviços.
Ele brecou diante de um semáforo vermelho.
- Você é um bocado inflexível.
- Se pensa que vou me desesperar só porque um lunático me diz uma porção de besteiras e me faz ameaças, está muito enganado.
- Não acho que você vai se desesperar, Gina. Nem espere que eu a console caso isso aconteça. - mentiu.
- Ótimo. Perfeito. Posso lidar com esse maluco sozinha. Agora, se você gosta de ouvir esse tipo de coisas... - Pasma consigo mesma, Gina calou-se sem completar a frase. Escondendo o rosto entre as mãos, respirou fundo três vezes e baixou os braços. - Me desculpe.
- Desculpá-la, por quê?
- Por estar descontando em você. Será que pode estacionar um minuto?
Sem vacilar, Potter aproximou-se da calçada e parou o carro.
- Preciso me acalmar antes de chegar em casa. - Num esforço deliberado para se descontrair, fechou os olhos e pendeu a cabeça para trás. - Não quero deixar minha irmã preocupada.
Era difícil conservar a raiva e o ressentimento vendo a fera se transformar em cordeiro. Mas se sua intuição não falhava, algo lhe dizia que Gina reagiria com violência a qualquer demonstração de pena.
- Quer um café?
- Não, obrigada. - Seus lábios se curvaram num sorriso breve. - Já tomei muito café por hoje. - Gina soltou a respiração bem devagar. A agitação tinha passado, e ela voltava a recuperar o senso de realidade. - Sinto muito, Potter. Você só está tentando cumprir seu dever.
- Exatamente.
Gina abriu os olhos e o estudou por instantes. Então, abriu a bolsa à procura de um cigarro e confessou:
- Estou apavorada
Suas mãos voltaram a tremer, dificultando-lhe o simples gesto de acender cigarro. Era inútil tentar ocultar o que sentia.
- Com razão.
- Tenho muito medo. - Ela soltou a primeira baforada enquanto observava um carro descer a avenida em alta velocidade. - Ele quer mesmo me matar. Só percebi isso hoje. - Um arrepio a estremeceu. - Seu carro tem aquecimento?
Ele ligou a ventilação na potência máxima.
- É melhor que fique apavorada.
- Por quê?
- Só assim concordará em cooperar conosco.
Gina sorriu. Desta vez, um sorriso aberto e franco que quase o fez perder o fôlego.
- Não vou, não. Esta é apenas uma trégua. Assim que eu me recuperar, voltarei a agir como antes.
- Então, vou tentar não me acostumar com toda esta... doçura. - Mas não ia ser fácil esquecer aquela expressão viva que seu olhar adquiria quando Gina sorria, o tom morno de sua voz mansa, capaz de fazer um homem sonhar. - Está melhor?
- Bem melhor. Obrigada. - agradeceu batendo a cinza do cigarro na janela. - Pelo que estou vendo, você sabe onde eu moro.
- Claro. Já esqueceu que sou investigador?
- É uma profissão muito ingrata. - Gina afastou os cabelos da testa e reconheceu que era melhor conversar. Enquanto falava, não tinha tempo para pensar em bobagens. - Por que não arranja emprego numa fazenda para recolher gado ou montar cavalos? Acho que combinaria melhor com sua personalidade.
Ele refletiu sobre o que acabava de ouvir.
- Não sei se isso é um elogio. - Gina riu.
- Você é bastante perspicaz.
- Sou mesmo, Ginevra.
- Ninguém me chama de Ginevra mais do que uma vez.
- Por quê?
Ela lhe lançou um sorriso.
- Por que não respondo. Odeio este nome.
- Entendo. Quer me explicar uma coisa: por que você não gosta de policiais?
- Não, não quero. - afirmou, virando-se para olhar pela janela lateral. - Gosto da noite. - comentou mais para si mesma. - As pessoas fazem e dizem coisas que seria impossível dizer ou fazer às três horas da tarde. Já não conseguiria mais me adaptar a um trabalho diurno, com dezenas de pessoas ao redor.
- Já percebi que você prefere a solidão.
- Não é bem assim. Gosto de algumas pessoas, mas não de todas. - Porém, Gina não queria que a conversa girasse em torno de si. Preferia falar sobre ele e assim satisfazer sua curiosidade. - Há quanto tempo você trabalha no turno da noite, Potter?
- Aproximadamente nove meses. - ele afirmou, fitando-a. - Nesse tempo já conheci muitas pessoas... interessantes.
Gina deu uma gargalhada.
- É verdade. Você nasceu em Denver?
- Nasci e fui criado aqui.
- Gosto desta cidade. - Gina reconheceu, admirando-se com a própria revelação.
Sua vinda à cidade não havia sido planejada. Viera apenas por se tratar de uma capital com excelentes escolas para Deborah e uma boa oportunidade de trabalho para si. Ainda assim, em seis meses, já fincara raízes profundas ali no Colorado.
- Isso significa que pretende ficar bastante tempo por aqui? - Potter virou à esquerda, numa rua tranqüila. - Andei pesquisando sua vida e vi que não costuma passar mais do que dois anos num mesmo lugar.
- Gosto de mudanças. - ela disse num tom seco pondo fim à conversa. A idéia de ter sua vida vasculhada por estranhos como se fosse uma criminosa a desagradava profundamente. Quando Potter estacionou em frente à casa, ela já soltava o cinto de segurança. - Obrigada pela carona, Potter.
Entretanto, antes que Gina conseguisse abrir a porta, ele saiu, contornou o carro e foi ajudá-la.
- Vou precisar das suas chaves. - Gina já as tinha em mãos.
- Por quê?
- Para poder vir trazer seu carro pela manhã. - Ela balançou as chaves na mão e franziu a testa sob a luz da varanda. Potter imaginava como seria bom poder acompanhá-la até a porta de casa depois de um encontro. Seria difícil manter as mãos dentro do bolso e na certa só sossegaria depois de beijá-la ali na varanda.
Na varanda coisa nenhuma! Ele a acompanharia até a sala, até o quarto, e a noite não terminaria com um simples beijinho de despedida.
Porém, esta noite, não haviam tido um encontro e não era preciso ser muito esperto para saber que Gina não permitiria nenhum tipo de aproximação.
- As chaves, por favor. - repetiu.
Gina meditou bem sobre a questão e reconheceu que a sugestão dele era realmente a ideal. Então, tirou uma chave da argola que continha várias outras.
- Obrigada.
- Espere. - Potter pediu pousando uma das mãos espalmadas na porta antes que ela a destrancasse. - Não vai me convidar para entrar e tomar um café?
Gina só balançou a cabeça, sem se virar.
- Não.
Seu perfume combinava com o cheiro da noite, Potter concluiu. Intenso, misterioso, deliciosamente intrigante.
- Ora, não está sendo nem um pouco gentil.
Ela recuperou o bom humor e respondeu com naturalidade:
- Eu sei. Até qualquer hora, Potter.
Ele escorregou a mão espalmada e envolveu a de Gina, pousada sobre o trinco.
- Você não come?
O bom humor desapareceu, o que não foi motivo de surpresa para Potter. Contudo, ficou admiradíssimo ao ver sua expressão de confusão e... timidez! Gina, entretanto, se recompôs tão depressa quanto perdera o autocontrole, deixando-o com a impressão de que tudo não passara de excesso de imaginação.
- Uma ou duas vezes por semana.
- Amanhã.
A mão dele continuava sobre a dela e Potter teve certeza de que o coração de Gina batia acelerado.
- Pode ser.
- Venha jantar comigo.
Gina surpreendeu-se ao ver-se absolutamente sem jeito. Há anos não reagia daquela forma à proximidade de um homem. E foram anos de muita calma, muita paz. Para recusar um convite qualquer bastava que dissesse um simples não, o que nunca lhe fora motivo de constrangimento. No entanto, surpreendia-se ansiosa por perguntar-lhe a que horas viria buscá-la!
Antes que o perguntasse, porém, caiu em si.
- É um convite muito gentil, investigador, mas terei de recusá-lo.
- Por quê?
- Não costumo sair com policiais.
E, antes que voltasse atrás, entrou e fechou a porta.

Harry Potter revirou os papéis sobre sua mesa de trabalho e franziu a testa. O caso Weasley não ficara apenas sob sua responsabilidade, porém não conseguia deixar de pensar no assunto. Ou melhor, em Gina Weasley, corrigiu-se, ansioso por um cigarro.
O policial veterano da mesa ao lado fumava como uma chaminé enquanto falava com um batedor de carteiras. Potter respirou fundo torcendo para que um dia chegasse a detestar aquele cheiro.
Junto com a fumaça, respirou também o perfume barato de duas garotas sentadas num banco próximo.
Todos esses detalhes normalmente lhe passavam despercebidos. Naquela noite, no entanto, o impediam de se concentrar. Desde os aromas ao seu redor, o barulho das máquinas de escrever, dos telefones até os passos rápidos no corredor sempre movimentado.
Para completar, havia três dias que a figura misteriosa de Ginevra Molly Weasley não lhe saía do pensamento. Era inútil tentar distrair-se. Talvez fosse pelo fato de passar várias horas em sua companhia durante o programa. Ou por tê-la visto baixar suas defesas. Ou, ainda, por ter constatado que ela não era indiferente à sua proximidade.
Talvez fosse, pensou. Ou, talvez, não.
Experiente, não era do tipo que se deprimisse por ter levado um não de uma garota. Afinal, tinha consciência de que não era possível agradar a todas. O fato de já ter agradado a um número razoável de mulheres em seus trinta e três anos de vida já o satisfazia.
Porém, o problema todo estava em não ser correspondido pela única mulher que, no momento, lhe interessava.
Voltando a mente para o trabalho, reconheceu que tinha uma missão a cumprir: descobrir o autor dos telefonemas anônimos que a importunavam. Ele e Althea já haviam iniciado as investigações começando pelos já fichados na polícia pelo mesmo motivo, averiguando fatos e pessoas da vida de Gina desde que chegara em Denver, interrogando discretamente seus colegas de trabalho.
Até aquele momento, nada.
Era hora de aprofundar a investigação, constatou. Potter pegou o currículo de Gina que deixara ali sobre a mesa e o examinou. “Interessante”, concluiu depois de correr os olhos pelos dados principais. Tão interessante quanto a pessoa a quem pertencia.
Segundo o relato, ela iniciara sua carreira numa rádio desconhecida na Geórgia, o que explicava o ligeiro sotaque sulista, e seguira para uma estação bem maior em Atlanta. Dali, fora para Richmond, St. Louis, Chicago, e então, Denver.
“Ela gosta de mudar”, pensou. Ou estaria fugindo de algo? Aquela era uma questão a ser pesquisada com mais calma.
Uma coisa ficava bem clara a quem quer que lesse seu currículo: Gina partira de sua cidade natal em busca do sucesso apenas com um diploma de segundo grau e muita vontade de vencer. Não deve ter sido fácil para uma menina de dezoito anos, na época, entrar para uma profissão predominantemente masculina.
- A leitura está interessante?
Althea sentou-se num canto da mesa do colega. Ninguém na delegacia ousaria elogiar-lhe as belas pernas, contudo, não deixavam de admirá-las.
- É o currículo de Gina Weasley. E então, já chegou a alguma conclusão?
- A garota é muito corajosa e competente. - Althea admitiu sorrindo. Várias vezes o ridicularizara por seu fascínio pela voz da locutora. - Gosta de fazer tudo a seu modo. É inteligente e muito profissional.
Potter tirou da gaveta uma latinha de balas de goma e despejou várias na palma da mão.
- Isso tudo eu concluí por mim mesmo.
- Não é só. - disse Althea servindo-se de duas balas. - Ela está apavorada e tem um incrível complexo de inferioridade.
- Complexo de inferioridade? - Potter fez uma careta e se recostou na cadeira. - Não, não. - Althea pegou mais uma bala.
- Ela faz o possível para manter uma fachada de valentia, mas vez por outra, revela a verdadeira natureza. Intuição feminina, Potter. Você tem muita sorte de trabalhar comigo.
Conhecendo-a bem, Potter sabia que Althea era bem capaz de terminar com as balas e tratou de guardar a latinha.
- Impossível. - E apontou para os papéis sobre a mesa. - Temos de encontrar esse sujeito de alguma forma.
- Gina não gosta de falar sobre o passado.
- Nós a obrigaremos.
Althea pensou bem e mudou de posição, recruzando as pernas com graça.
- Quer fazer uma aposta? Nada a fará abrir-se.
- Não é assim.
- Hoje é sua vez de lhe fazer companhia.
- Então, quero que comece a investigar as pessoas que ela conheceu em Chicago. - pediu Potter entregando-lhe uma pasta. - Há o dono da emissora, o senhorio. - Sua intenção era ir muito além do que estava escrito naquelas fichas, mas tinha de começar pelos fatos concretos. - Use seu jeitinho e faça com que os caras se abram.
- Isso é fácil.
De repente todas as atenções se voltaram para a porta, quando um guarda entrou trazendo consigo um marginal algemado que não parava de falar palavrões.
- Puxa, esse lugar é fascinante.
Potter abanou a cabeça e bebeu o último gole de café.
- Vou começar pelo caminho inverso, verificando a primeira rádio onde ela trabalhou. Se não acharmos alguma pista logo, o capitão vai nos enforcar.
- Então, vamos tratar de encontrá-la. - Nisso, o telefone tocou e Potter o atendeu.
- Investigador Potter.
- Potter.
Ele teria sorrido de satisfação se a voz sensual não tivesse vindo impregnada de medo.
- Gina? O que houve?
- Recebi outro telefonema. - E riu nervosa. - Grande novidade, não? Só que desta vez, ele ligou para minha casa! Você não imagina como estou assustada!
- Tranque as portas e fique calma. Já vou para aí.
- Obrigada. Veja se consegue chegar logo, sim?
- Não levo mais do que dez minutos. - prometeu, desligando o telefone. - Althea, vamos embora.


Agradecimentos especiais:

Bianca: Isso mesmo, mais uma fic, eu simplesmente não consigo parar de fazer adaptações mesmo meu tempo sendo tão pouco, acho que estou viciado. Beijos.

issis: essa fic vai ser muito boa sim. Beijos.

Thamis No mundo ........: A fic vai ser boa, com certeza, segundo capitulo no ar. Beijos.

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