Capitulo 4



Capitulo 4

Eles estavam bem próximos. Gina ergueu uma das mãos num gesto inconsciente de autodefesa e surpreendeu-se espalmando os dedos sobre o peito de Potter. O coração dele batia num ritmo inalterado enquanto o seu, disparava.
- Não vou provar nada a ninguém.
Potter assentiu reparando na fúria estampada nos olhos de Gina. Era preferível o ódio ao medo que ainda há pouco vira.
- Então, prove a si mesma. - insistiu provocando-a. - Afinal, qual é o problema? Por acaso eu a amedronto?
Ambos sabiam que ele havia tocado no ponto certo. Para Potter, o importante era fazê-la pensar e reagir, ainda que movida pela revolta.
Gina jogou os cabelos para trás e deliberadamente escorregou-lhe as mãos pelo peito até alcançar-lhe os ombros. Queria vê-lo reagir àquela atitude, mas Potter limitou-se a erguer uma sobrancelha e observá-la com um sorriso malicioso.
Se ele queria jogar, ela estava disposta a entrar na brincadeira e, pondo o bom senso de lado, beijou-lhe os lábios.
Potter os manteve impassíveis, frios, rijos. De olhos abertos, Gina o viu permanecer calmo, paciente, parecendo estar se divertindo com a situação. Revoltada, cerrou os punhos e esmurrou-lhe os ombros que, há pouco, acariciava.
- Satisfeito?
- Não, não. - Seu olhar permanecia calmo, como fruto de um treinamento de anos de serviço da polícia, mas se Gina tivesse pousado um dedo em seu pescoço, perceberia que suas pulsações estavam aceleradíssimas. - Você não está se empenhando, Gina. - Potter deslizou-lhe as mãos pelos quadris puxou-a de leve para si, deliciando-se com seus movimentos. - Isso é o melhor que consegue fazer?
Humilhada e furiosa, Gina praguejou e tornou a beijá-lo. Só que, agora, para valer.
Os lábios dele continuavam rijos, porém quentes e úmidos. Receptivos, até. Por um instante, Gina teve vontade de se retrair, contudo o desejo, tão adormecido em seu íntimo, começou a despertar, provocando-lhe sensações que há tempos não experimentava. Vencida por aquela força que a impelia a prosseguir, apoiou-se em Potter e entregou-se àquela deliciosa onda de calor que lhe aquecia o corpo.
Todas as preocupações, todos os temores se dissiparam. Gina sentia o corpo rijo e musculoso de Potter amparando o seu, e o calor de suas mãos subindo-lhe pelas costas até mergulharem entre seus cabelos. Os lábios dele, antes passivos e indiferentes, agora exigiam e proporcionavam-lhe prazer.
Desde que a ouvira pela primeira vez através do rádio, Gina povoava suas fantasias. Ao conhecê-la, Potter se surpreendera ao descobri-la tão diferente do que imaginara e não cessara de desejá-la. Ao contrário, toda vez que a via imaginava que gosto teriam seus lábios carnudos, que reações seus beijos lhe provocariam.
Mas, de novo, a realidade superara qualquer expectativa.
Gina era mais ardente, mais excitante do que poderia imaginar. Seu beijo o deixou sem fôlego. Excitado, Potter tentava aprofundá-lo, mas a sentia temerosa e assustada.
Gina estremeceu e gemeu baixinho protestando, confusa, e tentou se afastar. Ele, porém, a impediu. Tendo as mãos entrelaçadas nos cabelos dela, puxou-os de leve obrigando-a a pender a cabeça para trás. Então, o verde de seus olhos se misturou ao castanho dos dela.
Potter manteve a calma e estudou-lhe o rosto com atenção. Queria ver estampada em sua fisionomia as mesmas sensações que sentira; o desejo, a paixão. Satisfeito, sorriu de maneira sensual e viu os olhos dela brilharem.
- Ainda não terminei. - avisou e, comprimindo-a contra si, tornou a beijá-la com paixão.
Gina queria reagir, pensar, mas não conseguia. As emoções lhe turvavam o raciocínio, roubando-lhe a razão. E, antes que o pânico a dominasse, abandonou o bom senso entregou-se sem restrições.
Potter sabia que jamais se cansaria de prová-la. Seus lábios úmidos e quentes eram irresistíveis. Para não falar no corpo, vibrante e tentador. Seus gemidos eram carregados de promessas.
Incapaz de resistir, Potter insinuou uma das mãos sob suéter de Gina, tocando-lhe a pela acetinada. E se deleitou com aquela carícia até que o desejo começasse a torturá-lo.
“Calma, ainda é cedo demais”, dizia-lhe o bom senso, designado, ergueu o rosto e esperou-a abrir os olhos.
Gina, ao abri-los, viu-o estudá-la atentamente e, constrangida, levou uma das mãos às têmporas.
- Eu... preciso sentar.
- Então, somos dois.
Puxando-a pela mão, Potter acomodou-a a seu lado no sofá. Gina focalizou o olhar na janela escura procurando acalmar a respiração. Talvez com o tempo e uma certa distância conseguisse se convencer de que o que acabara de acontecer não passara de mero... acaso.
- Foi uma estupidez.
- Me desculpe, mas não concordo. Na minha opinião, foi muito bom.
Gina respirou fundo mais uma vez.
- Você me provocou, me fez ficar brava.
- O que não é nada difícil, convenhamos.
- Ouça Potter...
- Não preciso ouvir mais nada, Gina. - ele afirmou acariciando-lhe os cabelos com ternura. - Não tente me convencer de que não foi bom.
Na esperança de que as pernas parassem de tremer, Gina levantou-se e começou a andar pela sala.
- Acho que exageramos; passamos do limite.
- Somos nós mesmos quem impomos nossos limites. - ele ponderou recostando-se no sofá.
Potter se deliciava ao observá-la caminhar pela sala, reparando nos movimentos graciosos das pernas longas. Sorridente e confiante, estendeu um braço sobre o encosto do sofá e esticou as pernas para a frente.
- Meus limites são bem definidos. - disse Gina olhando-o por sobre um ombro. - É bom que saiba.
- Tudo bem. Procuraremos nos manter dentro deles, por enquanto. - Potter não se importava de exercitar a paciência. - Você tem uma idéia distorcida da realidade, achando que os homens só se sentem atraídos pela sua voz, pela imagem falsa que eles criam através do rádio. Acho que acabei de lhe provar que está enganada.
- O que acabou de acontecer não provou nada. - Aquele sorriso lânguido que ele lhe dirigia a enervava. - E mais: Não sei o que isso tem a ver com os telefonemas que venho recebendo.
- Você é uma garota inteligente, Gina. Use a cabeça. Ele quer que você pague pelo que fez a um outro homem. Alguém que você conheceu e com quem esteve envolvida.
- Eu já lhe disse que não há ninguém. - ela confirmou acendendo um cigarro.
- Hoje.
- Hoje, ontem, o ano passado. Há tempos que não me envolvo com alguém.
Tendo-a visto reagir com tanta paixão aos seus beijos, Potter custava a acreditar no que ouvia.
- Então, isso significa que o caso que teve com essa pessoa não foi muito importante para você. Aí é que está o problema.
- Ora Potter, seja razoável. Nem sequer tenho namorado. Me falta tempo e disposição para namorar.
- Falaremos sobre sua disposição mais tarde.
Gina virou o rosto em direção à janela:
- Por favor, não me aborreça, sim?
- Mas estamos falando da sua vida. - Seu tom insinuante despertou em Gina a vontade de responder-lhe à altura, porém, refletindo melhor, calou-se. - Se nunca saiu com nenhum rapaz desde que se mudou para Denver, começaremos a investigar o passado. Antes, no entanto, quero que pense com bastante cuidado. Houve alguém que tenha lhe feito uma proposta, um convite? Alguém que telefone muitas vezes para a estação? Alguém que tenha se insinuado ou feito algum tipo de brincadeira?
- Só você.
- Lembre-me de me incluir na lista de suspeitos. - ele brincou sem, no entanto, ocultar a frustração. - Quem mais?
- Ninguém. - Atormentada e ansiosa por um pouco de paz, ela pressionou as mãos sobre os olhos. - Recebo muitos telefonemas na rádio. Alguns me convidam para sair, outros me mandam presentes. Flores, bombons, coisas do tipo.
- Nenhuma brincadeira de mau gosto?
- Nada. Não me lembro de nenhum que tenha flertado comigo enquanto estávamos no ar. E os rapazes que eu recuso não costumam insistir, pois sou bastante positiva.
Potter balançou a cabeça. Não era possível que uma mulher tão inteligente pudesse ser tão ingênua com relação a certas coisas.
- Tudo bem, vamos mudar de perspectiva. A maioria de seus colegas na rádio são homens.
- Sim, mas somos todos profissionais. - ela lembrou recomeçando a roer as unhas. - Mark é feliz no casamento; Bob é mais feliz ainda com o divórcio. Jim é apenas um amigo, nada mais.
- Esqueceu-se de Nick.
- Nick Peters? O que tem ele?
- Ele praticamente a venera.
- O quê? - Surpresa, ela virou-se para encará-lo. - Que ridículo! Ele é um garoto!
Potter calou-se por uns segundo e suspirou:
- Você nunca percebeu, não é?
- Não há nada para perceber. Ouça, esta conversa não vai nos levar a lugar algum e eu estou... - Virando-se de frente para a janela, Gina, de repente, emudeceu. - Potter?
- O que foi? Aconteceu alguma coisa?
- Tem um homem do outro lado da rua olhando para cá.
- Saia da janela.
- O quê?
Potter levantou-se do sofá e tirou-a dali.
- Mantenha-se longe das janelas e conserve as portas trancadas. Não abra para ninguém até eu voltar.
Ela o acompanhou até a porta e arregalou os olhos ao vê-lo sacar uma arma. Foi um gesto natural e instintivo, mas suficiente para trazê-lo de volta à realidade. Em dez anos de serviço na polícia, quantas vezes já não devia ter repetido o mesmo movimento?
Era inútil dizer-lhe que tomasse cuidado.
- Vou dar uma olhada lá fora. Tranque a porta assim que eu sair. - Potter já nem parecia ser o mesmo romântico que há pouco a beijara. Incorporara novamente a imagem do policial frio e insensível no cumprimento do dever. Os olhos haviam perdido o brilho de antes. - Se eu não voltar dentro de dez minutos, ligue para a polícia e peça reforço, entendeu?
- Sim.
Assim que ele saiu, ela tornou a fechar a porta e trancou-a.
Com o paletó dasabotoado, Potter sentiu no peito o vento frio da madrugada. A arma, aquecida pelo contato com o corpo, estava perfeitamente encaixada à curva da mão. Olhando para a esquerda e a direita, não viu nada na rua exceto os fachos de luz espalhados pelas luzes dos postes. Àquela hora, num bairro estritamente residencial, a maioria das casas já estavam às escuras, e as famílias dormiam. O vento assobiava por entre as árvores sem folhas.
Se não tivesse visto com os próprios olhos um vulto através da janela, não teria acreditado nas palavras de Gina. Quem quer que fosse certamente já tinha ido embora, alarmado pelo fato de ter sido visto.
E, de fato, Potter ouviu o barulho de um motor de carro a distância, porém não se preocupou em ir verificar. Seria inútil tentar alcançá-lo. Por precaução, chegou até a esquina, deu uma olhada e certificou-se de que não havia ninguém.
Gina já estava prestes a telefonar para a polícia quando ele voltou.
- Gina, sou eu, abra.
Ela correu até a porta e perguntou, ansiosa:
- E então? Conseguiu vê-lo?
- Não.
- Mas eu juro que vi alguém.
- Eu sei. - ele tranqüilizou-a ao trancar a porta. - Fique calma; não há ninguém lá fora.
- Calma? - Só ela sabia o que sofrera naqueles dez minutos que Potter passara na rua. O medo chegara à beira do pânico. - Ele sabe onde moro, onde trabalho. Como espera que eu consiga me acalmar? Se você não o tivesse assustado, ele poderia ter...
Era melhor nem pensar no que poderia ter acontecido. Potter, calado, viu-a aos poucos recuperar a calma.
- Por que não tira uma licença, passa uns dias em casa? - Sugeriu. - Podemos providenciar para que a radiopatrulha policie o quarteirão vinte e quatro horas por dia.
Gina afundou-se entre as almofadas do sofá.
- Que diferença faz se estiver aqui ou na rádio? Nenhuma. E, em casa, eu só ficaria mais preocupada ainda, imaginando mil coisas. Pelo menos o trabalho me ocupa e me distrai. - Ele não esperava mesmo que ela concordasse.
- Falaremos nisso mais tarde. No momento, é melhor você ir para a cama. Durmo aqui mesmo no sofá da sala.
Gina gostaria de ter coragem o bastante para dizer-lhe que não era preciso, que não se incomodasse, porém não conseguiu.
- Vou buscar um cobertor.

O dia quase amanhecia quando ele voltou para casa depois de ter percorrido diversos subúrbios. A princípio, sentira muito medo, mas o vencera dirigindo sempre com calma para não ser detido por nenhum guarda. Se alguém o pegasse, estragaria todo o seu plano.
Cansado, suava sob a capa grossa e o boné que usava. Os pés, no entanto, descalços dentro do tênis, estavam gelados. O desconforto, porém, não o incomodava.
Sem acender nenhuma luz, entrou no banheiro cambaleando. Ainda assim, conseguiu contornar a pilha de latas vazias de cerveja depositadas junto à porta do quarto. Tinha excelente visão, mesmo no escuro, algo de que sempre se orgulhara.
Depois de abrir a torneira de água fria, entrou sob o chuveiro e deixou que o jato lhe aliviasse os músculos tensos. Já mais calmo, deu-se ao luxo de aspirar a fragrância do sabonete que usava, seu favorito. Então, pegou uma escova de cabo longo e esfregou todo o corpo vigorosamente.
Lá fora, a escuridão da noite cedia aos primeiros raios avermelhados do amanhecer.
Ainda sob a água, acariciou a intrincada tatuagem que tinha no peito retratando duas facas de lâminas longas cruzadas em formato de “X”. Ainda lembrava-se de como John ficara impressionado ao vê-la pela primeira vez.
A imagem voltou-lhe à mente com incrível nitidez. Seus olhos escuros arregalados de espanto, o modo rápido como falava, atrapalhando-se com as palavras. Por vezes, sentavam-se na quarta à noite, no escuro, trocando idéias, fazendo planos. Tencionavam viajar juntos.
Mas, de repente, o mundo exterior interferiu em seus planos. Aquela mulher se intrometera pondo fim em tudo.
Com o corpo molhado, fechou o chuveiro e pegou a toalha, pendurada exatamente onde a deixara. Ninguém entrava ali no seu quarto, no seu mundo. Depois de se enxugar, foi até o quarto e pegou um pijama já desbotado que o fazia recordar os tempos de infância. Uma infância que terminara de modo tão brusco.
O sol já estava mais alto no horizonte quando ele preparou dois sanduíches enormes e os comeu de pé, junto à pia da cozinha, cuidando para que as migalhas não caíssem no chão.
Alimentado e limpo, sentiu-se novamente confiante. Era mais inteligente que a polícia e conseguia enganá-los muito bem, o que o deixava satisfeitíssimo. Estava deixando-a em pânico, atormentada, sem sossego. Quando a hora chegasse, cumpriria cada uma de suas promessas.
Pena que ainda não fosse o bastante para sentir-se vingado.
De volta ao quarto, fechou as persianas e pegou o telefone.

Deborah saiu do quarto usando uma lingerie branca e um robe azul-escuro. As unhas, bem vermelhas, haviam sido pintadas na noite anterior, enquanto assistia à televisão.
Preocupada com a prova que teria logo mais às nove horas, começou a pronunciar em voz alta as perguntas que desconfiava que cairiam no exame. As perguntas não lhe causavam problemas, ao contrário das respostas, com as quais ainda se atrapalhava. Quem sabe uma xícara de café a ajudasse.
Bocejando, tropeçou num par de botas, apoiou-se no sofá e quase gritou de susto ao tocar um braço peludo.
Potter sentou-se numa fração de segundos, a mão já pousada no cabo do revólver. Bem próximos, ele olhou para Deborah, a pele alva, os olhos azuis, cabelos cacheados, e suspirou de alívio.
- Bom dia.
- Investigador Potter?
Ele esfregou os olhos.
- Sim. Acho que sim.
- Me desculpe, não sabia que estava aqui. - Deborah pigarreou e lembrou-se de fechar melhor o robe. Então, olhou em direção aos quartos e abaixou a voz, sabendo que a irmã tinha sono leve. - Por que está aqui?
Potter flexionou um dos ombros, dolorido pela noite mal dormida no sofá.
- Eu já lhe disse que vou tomar conta de Gina.
- Sim, disse. - A garota franziu os olhos. - Você leva seu trabalho a sério, não?
- Claro que levo.
- Ótimo. - Deborah lançou-lhe um sorriso juvenil e franco. - Eu já ia fazer café. Tenho prova logo mais às nove. Aceita uma xícara?
- Aceito, sim. Obrigado.
- Imagino que também queira tomar um banho quente. Não deve ter dormido muito bem encolhido nesse sofá.
- Não posso negar que é um pouco desconfortável para alguém da minha altura. - ele reconheceu, massageando o pescoço dolorido.
- Pode ficar à vontade. Vou trazer o café.
Antes que saísse da sala, o telefone tocou e, mesmo sabendo que Gina o atenderia antes do segundo toque, Deborah deu um passo na direção da mesinha onde ficava o aparelho. Potter, porém, balançou a cabeça e, tirando o fone do aparelho com cuidado, tampou o bocal e ouviu a conversa.
Puxando as lapelas do robe com as mãos, Deborah observou-lhe o rosto impassível e reparou no brilho de raiva estampado em seus olhos. Não foi preciso mais nada para saber quem estava do outro lado da linha.
Potter desligou o telefone para, logo em seguida, discar o número.
- E então? Conseguiram? - A resposta negativa de certa forma não o surpreendeu. - Entendo. - Desligando, olhou para Deborah que, muito pálida, sentara-se no sofá. - Vou até o quarto falar com Gina. Acho que vou deixar o café para uma outra ocasião, está bem?
- Gina deve estar nervosa, quero falar com ela. - Potter afastou as cobertas e levantou-se do sofá usando apenas a calça jeans.
- Eu preferia que você me deixasse cuidar disso sozinho.
Deborah quis retrucar, mas viu uma advertência bem clara no olhar que Potter lhe dirigiu.
- Está bem, mas, tenha cuidado, sim? Ela não é tão forte quanto aparenta.
- Eu sei.
Entrando pelo corredor, Potter passou pela porta aberta de um quarto que, pela decoração rosa e branca, julgou ser o de Deborah. A cama estava impecavelmente arrumada. Parado diante da segunda porta fechada, bateu e foi entrando sem esperar por consentimento.
Gina estava sentada no centro da cama com os joelhos encolhidos contra o peito. Os lençóis e as cobertas revirados eram os testemunhos da noite mal-dormida.
Ali, não havia nenhum toque feminino ou juvenil na decoração. Gina ergueu o rosto lentamente e Potter não viu sinais de lágrimas em seus olhos. Em vez de amedrontada, Gina parecia abatidíssima, o que era ainda mais preocupante.
- Era ele.
- Eu sei. Ouvi pela extensão.
- Então, já deve saber que era ele que estava lá fora a noite passada. - Ela voltou-se para a janela, através da qual pôde ver o sol começando a brilhar por entre as nuvens. - Ele disse que me viu. Ou melhor, que nos viu. E fez insinuações horríveis.
- Gina...
- Ele estava nos espionando! - Gina exclamou com vigor. - Nada do que faça ou diga irá detê-lo. Se ele conseguir me pegar, cumprirá todas as promessas horrendas que vem fazendo.
- Ele não vai pegá-la.
- Por quanto tempo conseguirei fugir? - Ela curvava os dedos ao redor do lençol enquanto lançava um olhar de desafio a Potter. - Quanto tempo você vai continuar me seguindo? Esse sujeito não tem pressa e aposto como não vai desistir de esperar. Enquanto isso, continuará a me amedrontar com seus telefonemas e ameaças. - Movida mais pelo medo do que pela revolta, Gina pegou o telefone na mesinha de cabeceira e o atirou contra a parede do quarto. O aparelho caiu ruidosamente no chão. - Você não conseguirá detê-lo. Ouviu o que ele disse!
- Isso é o que ele quer. - Potter segurou-a pelos braços e sacudiu-a. - Gina, esse sujeito quer vê-la desesperada, com os nervos em frangalhos. Ele quer ter certeza de que consegue controlá-la. Você está entrando nesse jogo.
- Não sei mais o que fazer. - ela revelou, desolada. - Juro que não sei.
- Você tem de acreditar em mim, Gina. - Ela ergueu o rosto e o fitou. - Quero que confie em mim e acredite quando lhe digo que nada de mau lhe acontecerá.
- Você não pode me proteger vinte e quatro horas por dia.
Ele curvou os lábios, afrouxando as mãos que a apertavam, friccionou-as com carinho em seus braços.
- Claro que posso.
- Eu quero que...
Gina fechou os olhos antes de completar a frase. Detestava ter de pedir-lhe algo.
- O quê? Diga.
- Preciso ter algo em que confiar. Um apoio. Por favor.
Sem uma palavra, ele a puxou para si e a envolveu num abraço caloroso, fazendo-a pousar a cabeça em seu peito. Ela cerrou os punhos e começou a tremer, lutando contra as lágrimas.
- Não tente conter as lágrimas. Chorar faz bem.
- Eu... não posso. - Gina continuava de olhos fechados apreciando a solidez do corpo dele a lhe transmitir mais confiança. - Tenho medo de começar a chorar e não conseguir mais parar.
- Está bem. Então, tente pensar apenas em mim. - Potter a fez erguer o rosto e pousou os lábios macios sobre os dela. - Só em mim. Aqui, agora, a seu lado. - insistiu acariciando-lhe as costas tensas.
Gina não sabia que um beijo pudesse conter tanto carinho, tanta compaixão. Os lábios de Potter acalmavam-lhe o medo, abrandavam-lhe os temores, a reanimavam. Aos poucos, cada músculo de seu corpo foi relaxando. Ele agora lhe beijava todo o rosto com doçura, sem exigência. Apenas compreensão.
Foi tão simples seguir seu conselho...
Hesitante, Gina ergueu uma das mãos e tocou-lhe a face, deslizando os dedos pelo contorno da barba por fazer. Em questão de instantes, suas têmporas pararam de latejar. Ela murmurou o nome dele baixinho e aninhou-se entre seus braços.
Potter, por outro lado, sabia que devia se precaver. Aquela rendição absoluta era por demais tentadora... Naquele momento, porém, estava ali para confortá-la. Era preciso ignorar o próprio desejo, atiçado por aquele beijo tão terno, pelo calor do corpo de Gina junto ao seu. Ignorar o perfume floral que sua pele macia exalava.
Sabia que se a deitasse ali entre os lençóis e a prendesse sob si, Gina não ofereceria resistência. Talvez até apreciasse tendo um motivo para esquecer-se dos problemas. Potter, no entanto, queria ser muito mais do que uma simples distração temporária para ela.
Lutando com as próprias emoções, beijou-lhe a testa e recostou o rosto em seus cabelos.
- Está se sentindo melhor?
Gina respirou fundo e assentiu, não se atrevendo a falar. Na verdade, gostaria de permanecer ali para sempre, nos braços de Potter, ouvindo-lhe as batidas aceleradas do coração. Mas ele, na certa, a julgaria uma boba.
- Eu... desconhecia esse seu lado tão humano, Potter.
Ele achou graça do comentário:
- Só o revelo em ocasiões especiais.
- Entendo. Bem, você cumpriu muito bem seu dever.
Potter preferia achar que ela falava sério e não apenas com o intuito de provocá-lo. Ainda assim, ergueu-lhe o queixo com a ponta de um dedo e afirmou:
- O beijo que lhe dei não tem nada a ver com meu trabalho. Beijei-a porque quis, porque tive vontade, entendeu?
Seu intuito tinha sido o de agradecer-lhe pelo carinho e não o de aborrecê-lo. Contudo, vendo seu tom de advertência, Gina franziu a testa.
- Entendi.
- Ainda bem.
Revoltado, Potter enfiou as mãos nos bolsos da calça.
Só naquele momento foi que Gina notou que ele usava apenas a calça jeans, sem cinto. O friozinho que sentiu no estômago, e que lhe roubou a fala, não tinha nada a ver com o medo.
Desejava-o muito. Não apenas para trocarem uns beijos apaixonados ou uns abraços carinhosos. Queria-o ali, em sua cama, como seu amante. Jamais um homem lhe despertara aquela vontade. Reparando em seu peito bronzeado, nos quadris estreitos, no movimento dos músculos do braço quando a mão se movia, não podia deixar de imaginar qual a sensação de ser possuída por Potter. Um homem forte, corajoso, mas capaz de gestos de intensa ternura.
- Mas, afinal, o que está acontecendo com você, garota? - Gina murmurou inadvertidamente.
- O que disse? - perguntou Potter, tirando-a daquele devaneio. - Está falando sozinha?
- Bem, eu... - Com a boca seca e um nó na garganta, Gina piscou várias vezes imaginando o que ele diria se soubesse em que estava pensando. - Acho que vou tomar um café,
“Ou, quem sabe, um banho gelado surtisse melhor efeito”, corrigiu-se em pensamento.
- Sua irmã já preparou.
Bastante sério, Potter estudou-a enquanto franzia a sobrancelha. Por um momento, lembrou-se de Deborah quando, há pouco, tropeçando no sofá, quase caíra em seu colo. A garota usava apenas um robe entreaberto por baixo do qual ele pôde ver a lingerie. Deborah tinha umas pernas lindas, um corpo escultural, entretanto não o atraía.
Já Gina lhe parecia irresistível naquele pijama largo cuja camiseta cor de laranja trazia um emblema de um time de beisebol.
- Por que não toma um café da manhã reforçado? - perguntou, de súbito, interrompendo o curso dos pensamentos.
- Não costumo comer nada pela manhã.
- Abra uma exceção. Não vai demorar mais do que dez minutos.
- Ouça Potter, não gosto que...
- E veja se penteia os cabelos. - ele acrescentou já saindo do quarto.
Na cozinha, encontrou Deborah, já vestida, tomando uma xícara de café e, ao vê-lo, a garota pulou da cadeira. Evidente que o aguardava com ansiedade.
- Sua irmã está bem. Vou lhe preparar um café reforçado.
Deborah espantou-se, porém não retrucou.
- Ouça, por que não senta e fica à vontade? Deixe a cozinha por minha conta.
- Pensei que tivesse aula logo cedo.
- Posso perfeitamente faltar.
Potter pegou uma xícara e aproximou-se da cafeteira para se servir.
- Acho que ela vai ficar brava conosco se você não for à escola.
Deborah riu da observação precisa e abriu a gaveta à procura de uma colher para o açúcar:
- Você já a conhece bem, não é?
- Nem tanto. - Potter bebeu metade da xícara num só gole e apreciou o calor da bebida descendo pela garganta. Era preciso pensar em Gina apenas em termos profissionais, caso contrário poria em risco o sucesso da missão. - Você tem algum tempo para conversarmos?
- Cinco minutos.
- Conte-me sobre o ex-marido de sua irmã.
- Paul? - Deborah indagou sem surpresa. - Por quê? - E balançou a cabeça antes que ele respondesse. - Não está suspeitando que Paul esteja envolvido nessa história, está?
- Suspeito de tudo e de todos. O divórcio foi amigável?
- E por acaso algum divórcio o é?
Apesar da pouca idade, Deborah era bastante observadora.
- Estou interessado no de sua irmã.
- Bem, eu diria que sim, na medida do possível. - Não lhe agradava o fato de estar revelando dados sobre a vida particular de Gina, porém tinha consciência de que o fazia pensando em seu bem. - Eu tinha apenas doze anos na ocasião, e Gina nunca conversou abertamente comigo a esse respeito, mas sempre tive a impressão de que foi Paul quem pediu o divórcio.
- Por quê?
Constrangida, Deborah aprumou os ombros:
- Ele tinha se apaixonado por outra mulher. - revelou torcendo para que a irmã não a julgasse uma traidora. - Fui morar com eles logo depois que meus pais morreram, mas os dois já viviam brigando. Gina tinha poucos meses de casada, porém... Bem, acho que a lua-de-mel terminou cedo demais. Gina já começava a ficar famosa com seu programa em Atlanta, e Paul, que era do tipo conservador, reprovava o fato de minha irmã trabalhar no rádio. Ele queria concorrer a um cargo de deputado e achava que a imagem de Gina ia prejudicá-lo.
- Para mim, seria justamente o contrário. - Deborah riu e serviu-lhe mais um café.
- Lembro-me de como era difícil para ela prosseguir com a carreira e manter o casamento. Foi uma época penosa para todos nós, e o fato de Gina ter de arcar com a responsabilidade de me criar só complicou as coisas. Depois de dois meses da minha chegada, ele saiu de casa e pediu o divórcio. Gina concordou sem contestar.
Potter imaginou o contexto: Gina, com vinte anos de idade, tendo acabado de perder os pais, arcava com a criação da irmã menor e via seu casamento desmoronar.
- Pelo que vejo, o divórcio só fez bem a ela.
- Para ser franca, nunca gostei muito de Paul. Ele era um sujeito fraco, sem personalidade. Um chato.
- Por que ela casou com ele?
- Por que não pergunta a mim mesma? - Gina indagou aproximando-se da porta da cozinha.




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