Capitulo 9



Capitulo 9


 


Gina cruzou os braços sobre o peito e olhou pela janela. Harry tinha toda a razão: a vista dali era linda.


De onde estava, podia ver os picos nevados das montanhas da região. A chaminé de uma casinha a distância soltava uma fumaça branca que o vento carregava. Os pinheiros, verdejantes apesar do frio, resistiam às rajadas mais fortes vergando ligeiramente.


As sombras longas do final de tarde davam um toque tristonho à paisagem, e o azul do céu límpido se refletia na neve. Momentos antes, havia visto um veado afundar o focinho no gelo à procura de alguma plantinha que pudesse comer. Agora, no entanto, estava absolutamente só.


Jamais desfrutara de uma paz tão grande; nem mesmo nos tempos de infância, onde vivia cercada de bonecas e contos de fada. Tampouco pensara que aquela estada ali nas montanhas trouxesse uma mudança tão profunda em sua vida. Considerava-se uma outra mulher.


Harry mantivera sua promessa de fazê-la conhecer lugares que não imaginara existir. Em apenas uma noite, ele a fez compreender que no amor é possível dar e receber, aceitar e ofertar. Mais que isso: aprendera o que é intimidade.


Ao despertar ao lado dele naquela manhã, não se sentira constrangida ou sem jeito. Sentira uma calma deliciosa. Ficava difícil acreditar que havia um outro mundo para além dos muros da casa; um mundo cruel e perigoso.


Mas era inútil tentar iludir-se. Teria de voltar a encarar toda aquela crueldade dentro de pouco tempo. Não podia se esconder ali para sempre. Por outro lado, queria se dar ao luxo de aproveitar ao máximo aqueles momentos de tranqüilidade.


Suspirando, ergueu o rosto em direção ao sol poente e concluiu que o melhor era ser bem honesta consigo e com Harry. Não iria permitir que o relacionamento entre eles ultrapassasse o ponto que já havia atingido. Não podia. Era preferível sofrer um pouco agora do que vê-lo traí-la mais tarde, quando a dor seria maior.


Harry era um homem bom, digno, honesto e... policial.


Arrepiando-se, abraçou-se com mais força.


Havia uma cicatriz em seu ombro. Na frente e nas costas, lembrou-se. Um ferimento provocado por bala, sem dúvida, mas nunca lhe perguntara como e onde o acidente ocorrera.


Porém, nada ocultava o fato de que suas próprias cicatrizes eram tão profundas quanto as dele.


Não podia se iludir achando que aquele relacionamento teria algum futuro. Na verdade, as coisas já haviam ido longe demais. No entanto, não havia como voltar atrás: eram amantes. Embora tivesse consciência de que cometiam um erro, sabia também que jamais se esqueceria dos momentos lindos que haviam passado juntos.


A atitude mais lógica e racional seria discutir as limitações que os cercavam, e Gina tinha certeza de que Harry apreciaria uma abordagem prática do assunto. Nada de promessas ou compromissos. De resto, cabia a si própria a tarefa de liquidar aquela paixão que sentia por Harry.


Ele a encontrou debruçada sobre a grade, como se quisesse sair voando por sobre as árvores e as montanhas; sinal de que as preocupações haviam voltado. Frustrado, lembrou-se de quanto ela estivera calma aquela manhã ao despertar preguiçosamente para, em seguida, fazerem amor.


Naquele momento, ao senti-lo tocar-lhe os cabelos, ela estremeceu de susto antes de recostar a cabeça em sua mão.


- Gostei da sua casa, Harry.


- Que bom.


Ele pretendia trazê-la ali ainda inúmeras vezes. Ela mexeu os dedos sobre a grade, depois, enfiou-os nos bolsos.


- Você a comprou pronta ou mandou construí-la?


- Mandei construí-la. Cheguei até a ajudar na pintura.


- É uma pena só poder vir aqui nos fins de semana.


- Sempre consigo tirar uma licença e fugir para cá durante o ano para passar uns dias. Meus pais vêm aqui com bastante freqüência, também.


- Eles moram em Denver?


- Não, em Colorado Springs. - explicou massageando-lhe a nuca. - Mas costumam viajar muito por toda parte.


- Imagino que seu pai tenha ficado desapontado por você não ter querido cuidar dos negócios da família.


- Minha irmã ficou no meu lugar. - Harry beijou-lhe os lábios quando os viu se curvarem num sorriso. - Confesso que ela se saiu muito bem na direção das empresas. Melhor do que eu, sem dúvida.


- Mas eles não ficam chateados pelo fato de você ser um policial?


- Não, não. Têm coisas mais importantes com que se preocuparem. Está ficando frio. Vamos entrar.


Ela o acompanhou através da porta de vidro e desceu a escadinha que levava à cozinha.


- Que cheirinho bom...


- Estou preparando um ensopado especial. - Ele caminhou até o fogão, instalado bem no centro da cozinha, e levantou a tampa de um caldeirão. - Fica pronto dentro de uma hora.


- Por que não me pediu ajuda?


- Tudo bem. - Harry afirmou escolhendo um vinho na pequena adega. - Da próxima vez, você cozinha.


Ela achou graça:


- Então, você gostou do meu sanduíche de pasta de amendoim?


- É igual ao que minha mãe fazia. Não vai tirar o casaco? - Harry perguntou-lhe ao abrir a garrafa de vinho.


- Ah, claro. - Gina tirou-o e o pendurou num cabide ao lado da entrada dos fundos. - Quer que eu faça alguma coisa?


- Sim; relaxe.


- Mas eu estou calma.


- Estava. - Harry pegou dois copos no armário. - Não sei o que a deixou ansiosa de novo, mas vamos falar a respeito. Por que não vai se sentar junto à lareira? Levo o vinho num instante.


Se em tão pouco tempo ele já a conhecia tão bem, como seria dali a anos, Gina imaginava, acomodando-se num almofadão perto da lareira.


Quando Harry chegou trazendo os copos, ela abriu um sorriso muito mais descontraído, que o deixou feliz.


- Nunca imaginei que uma lareira pudesse tornar uma casa tão aconchegante.


Ele se sentou ao lado dela e entregou-lhe um dos copos:


- Olhe para mim. Está preocupada com a volta ao trabalho, não é?


- Não. - Então, Gina suspirou. - Um pouco. Confio em você e Althea; sei que estão fazendo o possível, mas estou apavorada.


- Acredita mesmo em mim?


- Já falei que sim. - ela garantiu sem fitá-lo.


Ele ergueu-lhe o queixo até que seus olhares se encontrassem.


- Não apenas como profissional.


- Não.


- Então, é aí que está o problema. No fato de eu ser um policial.


- Não tem nada a ver com isso. Não gosto de policiais, porém não espero que você compreenda meus motivos.


- Andei fazendo umas investigações, Gina. Não apenas por motivos profissionais. Pesquisei seu passado porque quero protegê-la, quero compreendê-la melhor. Você me contou que sua mãe trabalhava na polícia e não foi difícil descobrir o que aconteceu.


Gina segurou o copo com as duas mãos e olhou para as chamas da lareira. Apesar de já haverem se passado muitos anos, as lembranças ainda lhe causavam dor.


- Então, apertou uns botões no seu computador e descobriu que minha mãe morreu cumprindo seu dever. Assim, como se fosse uma descrição fria e banal.


- Faz parte do nosso ofício.


Harry viu uma sombra de medo em seus olhos quando ela o fitou por um segundo apenas.


- É. Fazia parte do serviço dela morrer com uma bala naquele dia. Coitado de meu pai que não tinha nada a ver com o caso. Morreu sem saber por quê.


- Gina, não é tão simples quanto quer crer. Nada no mundo acontece dessa forma.


- Simples? - ela indagou afastando os cabelos que lhe caíam na testa. - A palavra é irônico, isso sim. A policial e o advogado, marido e esposa, que muitas vezes lidavam com o mesmo caso. Só que nunca os vi concordarem com um mesmo ponto de vista. Em nada. Pouco antes do incidente, eu os ouvi falando numa separação temporária. - E, franzindo a testa, pegou o copo: - Acho que meu vinho acabou.


Harry, calado, completou-o.


- Você deve ter lido o relatório oficial. A polícia prendeu o tal sujeitinho e o interrogou. Ele já tinha uma longa ficha de crimes e, escolado, exigiu a presença de um advogado durante o interrogatório. Queria fazer um acordo com a polícia, tentou de tudo, mas sabia que era inútil. Tinha matado duas pessoas e ia cumprir uma longa pena na cadeia.


Gina fez uma pausa e bebeu mais um pouco de vinho.


- Muitas pessoas perderam o emprego por causa daquele incidente, e meus pais perderam a vida.


- Não vou tentar negar que muitas vezes um policial morre desnecessariamente, por engano ou descuido.


Ela ergueu o rosto e o fitou bastante séria.


- Ótimo. Nem me venha com aquela conversa de que devemos nos orgulhar do policial que morre em serviço. Eu preferia que minha mãe estivesse viva.


Harry não conseguia esquecer uma foto que vira no arquivo da polícia onde Gina, abaladíssima, segurava a mão da irmã, no cemitério, no dia do enterro dos pais.


- Você deve sentir muita falta dela, não?


- Sim. Mas acho que de certa forma eu a perdi no dia em que ela entrou para a polícia.


- Os colegas a admiravam muito. Naquela época, não era fácil para uma mulher se destacar em meio a tantos colegas. Porém, quem mais sofre é sempre a família.


- Ora, o que você entende disso? À medida que fui crescendo e compreendendo os riscos que ela corria, nunca mais tive sossego. Vivia esperando o dia em que um colega dela viria me contar que a encontraram morta.


- Gina, esse seu modo de pensar é errado. Não se pode viver esperando pelo pior.


- Vivi uma vida esperando para ter uma mãe de verdade. O serviço vinha antes de tudo: de mim, de meu pai, de Deb. Ela nunca estava por perto quando eu precisava. - Gina encolheu as mãos antes que ele as segurasse. - Para mamãe, o juramento que fez ao entrar para a polícia era mais importante do que nós.


- Talvez ela estivesse preocupada demais em seguir uma carreira.


- Não ouse me comparar a ela!


- Eu não ia fazer isso. - ele alegou, admirado, segurando-lhe a mão, apesar da resistência. - Mas parece que você mesma se compara.


- Eu tinha de me preocupar com a casa, a família, a comida. Mamãe alegava que um policial não tem horário para chegar ou sair de casa.


- Eu não conheci sua mãe e prefiro não criticá-la, mas não acha que já é hora de se desligar um pouco e viver a sua vida?


- Foi o que fiz. Vivi minha vida como quis, fiz o que achei melhor.


- E está apavorada porque se apaixonou por um policial. Bem, teremos de aprender a lidar com isso.


- Harry, não tenho o direito de interferir na sua vida. Não estou lhe pedindo que mude nada por minha causa. Não pretendia me envolver tanto com você, mas não me arrependo. Em outras palavras: se agirmos e pensarmos de modo racional, acho que conseguiremos descomplicar a situação.


- Não. - ele negou bebendo todo o vinho do copo.


- Não o quê?


- Me recuso a ser racional e acho que a situação já está bastante complicada. - Harry encarou-a e confessou pela primeira vez: - Estou apaixonado por você.


Gina arregalou os olhos, assustada, e desviou o olhar.


- Vejo que isso a assusta. - comentou, já de pé, indo ajeitar a lenha na lareira.


- O amor é algo muito complexo, Harry. Nos conhecemos há apenas algumas semanas, sob circunstâncias bastante difíceis. Acho que...


- Estou cansado de saber o que você acha e pensa. Quero saber o que você sente.


- Não sei. - mentiu, consciente de que se arrependeria em seguida. As lembranças do passado a amedrontavam, impedindo-a de acreditar num futuro melhor. - Harry, tudo aconteceu muito rápido. Rápido demais, até. Perdi o controle da situação e isso me deixa assustada. Eu não queria me envolver e me envolvi. Não queria gostar de você e acabei gostando.


- Puxa, finalmente conseguiram fazê-la confessar.


- Não durmo com um homem só porque ele me atrai.


- Ora, está melhorando. – Harry sorriu e beijou-lhe os dedos. - Eu a atraio e você gosta de mim. Então, case comigo.


Gina tentou puxar a mão.


- Não gosto dessas brincadeiras.


- Não é brincadeira. - ele disse. E acrescentou bastante sério: - É um pedido de casamento.


Ela ouviu um pedaço de lenha estalar na lareira, projetando luz e sombra no rosto dele. As mãos de Harry, quentes e firmes, seguravam as suas, envolvendo-as por completo.


- Harry...


- Eu te amo, Gina. - Calmamente, sempre fitando-a, ele a puxou para si. - É verdade. - reforçou, beijando-lhe a boca com suavidade. - Estou lhe pedindo que venha viver comigo durante os próximos cinqüenta ou sessenta anos para que eu possa lhe mostrar o quanto te amo. É pedir demais?


- Não. Sim. - Lutando para conservar o raciocínio claro, ela pousou uma das mãos em seu peito: - Harry, não pretendo me casar com ninguém.


- Claro que pretende. - ele alegou, beijando-a e acariciando-a de modo persuasivo. - Só precisa se convencer de que será comigo. - E aprofundou o beijo até que ela deixasse de oferecer resistência e o abraçasse. - Estou disposto a lhe dar um tempo para que se acostume com a idéia. Um dia, ou dois. Uma semana, quem sabe.


Gina balançou a cabeça:


- Já cometi um erro e não pretendo repeti-lo.


Ele segurou-lhe o queixo com tamanha revolta que Gina abriu os olhos. Ele estava transfigurado de ódio.


- Não ouse me comparar ao seu ex-marido.


Ela ia protestar, mas Harry apertou-lhe o queixo com mais força e ela calou-se.


- Não compare o que sinto por você com o que outras pessoas sentem.


- Não estou fazendo comparação. - O coração de Gina batia disparado contra o peito de Harry. - Fui eu que cometi esse erro e não vou repeti-lo de forma alguma.


- Diabo, Gina, entenda: é preciso duas pessoas para que um casamento dê certo ou errado. - Furioso, ele segurou-lhe as duas mãos, e obrigou-a a deitar-se no chão, prendendo-a com o peso do corpo. - Mas, já que insiste em pensar o contrário, tudo bem. Só quero que você se faça uma pergunta: alguém já a fez sentir-se assim?


Os lábios de Harry beijaram os de Gina com volúpia e violência, fazendo-a contorcer-se e arquear as costas. De prazer? Em protesto? Nem Gina saberia dizer. Era como uma tormenta que despertava em seu íntimo. Uma tormenta de paixão e desejo. E, antes que pudesse fugir, Gina viu-se presa em meio à tempestade.


“Não”, dizia-lhe a voz do coração. Ninguém nunca a fizera sentir-se assim, Harry fora o único a despertar seu lado mais feminino, mais mulher. Porém, ainda que o desejo lhe latejasse nas veias, o bom senso lhe dizia que só a atração não era suficiente para uni-los.


Frustrado e furioso, ele tornou a beijá-la repetidas vezes. Ainda que só por uma noite, Harry lhe mostraria que em seus braços ela conheceria a verdadeira felicidade.


O gemido baixo e sensual que Gina deu foi a resposta que ele esperava. Como as chamas da lareira ali na sala, o desejo os consumia. O carinho e a ternura que haviam compartilhado até aquele momento cedeu lugar a um sentimento muito mais forte, selvagem, quase animal.


Para Gina, era uma experiência nova e totalmente avassaladora. De fato, naquele instante, não havia lugar para palavras ternas e meigas. A paixão que sentiam exigia uma satisfação imediata.


Depressa. Gina soltou as mãos que ele prendia para puxar-lhe a camisa.


- Toque-me. - Ambos gemeram em uníssono no momento em que seus corpos se tocaram, livres das roupas. Mais. Num arroubo ousado, Gina rolou por sobre Harry e beijou-lhe o peito com ardor.


Harry prendeu a respiração e segurou-lhe o rosto entre as mãos. Tinha urgência em possuí-la. Penetrá-la. Tê-la só para si.


Ágil, ela se movia sobre ele. O rosto alvo brilhava contra a luz da lareira. O corpo frágil e perfeito estremecia de prazer.


Então, por uns instantes, ela aprumou as costas, levou as mãos aos cabelos e sorriu de satisfação quando a primeira onda de tremor percorreu-lhe o corpo. Alucinada, clamava por Harry, que a penetrou, completando seu prazer.


Só ele possuía a chave de seu coração, só ele conhecia seus mistérios e a fazia vibrar. Eram feitos um para o outro.


Mas Gina não queria amá-lo. Esticando os braços, ela lhe segurou as mãos com força e abriu os olhos. Harry a fitava de modo intenso com um brilho faiscante no olhar. Embora ela não falasse, ele lhe adivinhava os pensamentos, os receios. Então, suspirando de desespero e deslumbramento, ela voltou a curvar-se e o beijou.


Harry estava determinado a explorar-lhe os anseios e afastar-lhe os medos. Mantendo-se exatamente onde estava, enlaçou-a pela cintura e imprimiu um ritmo ainda mais violento à relação. Gina arregalou os olhos, admirada, feliz. Ela cravou-lhe as unhas no peito e abafou um grito ao atingir o êxtase segundos antes de Harry.


 


Vestida num robe duas vezes maior do que ela e os pés calçados em grossas meias de lã, Gina provou o ensopado. Harry sentou-se à sua frente, do outro lado da mesa, e também usava um robe e meias de lã. Para ela, aquele jantar era tão íntimo quanto um ato de amor.


Temendo que ele voltasse a tocar no assunto do casamento, Gina partiu um pedaço de pão.


- E então? Gostou do ensopado?


- Ah! - Ela deu mais uma colherada no prato. - Está uma delícia. Estou admirada. - confessou nervosa, bebendo um gole de vinho. - Pensei que um homem na sua posição preferisse ter uma cozinheira.


- Na minha posição?


- Isto é, se eu pudesse pagar uma empregada, não voltaria mais a entrar na cozinha.


Harry se divertia com o fato de Gina julgá-lo um homem rico.


- Depois que nos casarmos, você pode contratar uma se quiser.


Ela pousou a colher com calma:


- Não vou me casar com você.


- Quer apostar?


- Não é um jogo.


- Claro que é. E dos mais divertidos.


Gina suspirou revoltada e começou a brincar com a colher.


- Está se portando como um típico machista. Para vocês, tudo é brincadeira, tudo é motivo para uma aposta. - O riso dele só serviu para deixá-la ainda mais indignada. - Por que todo homem se julga irresistível aos olhos das mulheres? Vocês sentem uma estranha necessidade de nos proteger, de nos paparicar. É como se não pudéssemos ser felizes sem um homem ao nosso lado.


Ele pensou bem no que ouvira e respondeu com calma:


- Eu só disse que te amo e quero que case comigo.


- É a mesma coisa.


- De jeito nenhum.


Imperturbável, Harry continuou comendo.


- Bem, a verdade é que não quero casar com você, mas estou certa de que isso não faz diferença nenhuma. Nunca faz.


Ele lhe lançou um olhar breve de advertência.


- Já lhe disse para não me comparar a ele.


- Eu não estava falando só dele. Aliás, há anos que nem sequer penso em Paul. - Afastando o prato, Gina levantou-se para buscar um cigarro. - Falava dos homens em geral. E se tiver vontade de compará-lo a quem quer que seja, eu o farei.


Harry tornou a completar os copos com vinho.


- Quantos homens já a pediram em casamento?


- Dúzias. - Era um exagero, mas Gina não se importava. - Mas consegui resistir aos demais.


- Então, quer dizer que não estava apaixonada.


- Nem estou apaixonada por você.


Sua voz soou falsa, forçada, e ela teve certeza de que ele percebeu a mentira.


Harry sabia da verdade e aquilo lhe doía no peito. Porém, soube manter-se calmo e continuou comendo.


- Você é louca por mim, Gina, mas a teimosia não a deixa enxergar a realidade.


- Teimosia? Veja só quem fala! - Ela apagou o cigarro no cinzeiro. - Poupe seus argumentos, sim? Não vou me casar com você porque não quero me casar com ninguém. Muito menos com um policial rico.


- Você vai se casar comigo porque ambos sabemos que não pode ser feliz sem mim.


- Detesto essa sua arrogância! - disse Gina bebendo o resto do vinho num só gole. - Só que já adquiri certa prática em me livrar de homens inconvenientes como você. Aliás, só conheci um pior do que você, Harry. Era um rapaz que conheci em Chicago. Só que ele me tratava como uma princesa, me mandava cartões com poesias e buquês de flores. - E revirou os olhos. - Quanta idiotice! - exclamou, girando nos calcanhares. - Ele também achava que eu estava apaixonada e era teimosa demais para admiti-lo. Não parava de me perseguir em casa, na rádio, em toda parte. Chegou até a me enviar um anel de noivado.


- Ele lhe deu um anel?


Gina deteve-se e o encarou franzindo os olhos.


- Não me venha você também com essas bobagens, sim?


Mas Harry se manteve frio:


- Era um anel de brilhantes?


- Não sei, não mostrei para ninguém. Simplesmente o devolvi.


- Como era o nome dele?


Gina abanou uma das mãos dando pouca atenção à pergunta:


- Isto não vem ao caso. O problema é que...


- Gina, perguntei qual era o nome desse rapaz.


Ele levantou-se ao repetir a pergunta. Intrigada com aquela súbita mudança de comportamento, ela deu um passo para trás. Ele voltara a falar e a agir como um policial.


- Era John... McGill. Não, John McGillis, acho. Ouça, só toquei nesse assunto porque...


- Você não tinha nenhum colega em Chicago com esse nome.


- Não. - Aborrecida, ela voltou a sentar-se. - Harry, não tente desviar o assunto.


- Pedi-lhe que me contasse o nome de todos os rapazes com quem se envolveu.


- Mas eu não me envolvi com ele! John era apenas um rapazinho, desses que se apaixonam por uma porção de artistas. Cometi o erro de ser gentil, e ele misturou as coisas. Com o tempo consegui convencê-lo de que havia sido tudo um engano e pronto.


- Durante quanto tempo ele a seguiu?


- Uns três ou quatro meses.


- Três ou quatro meses. – Harry segurou-a pelo cotovelo e obrigou-a a levantar-se da mesa. - Ele a importunou durante todo esse tempo e você nunca me contou a respeito?


- Nunca me lembrei de contar. - Harry conteve-se para não sacudi-la.


- Quero que me conte tudo o que lembra a respeito dele. Tudo o que esse rapaz disse, tudo o que fez.


- Não posso me lembrar.


- Sente-se e faça um esforço. - Harry sugeriu, soltando-a.


Gina compreendeu sua preocupação e obedeceu.


- Ele trabalhava como estoquista à noite num supermercado e sempre ouvia meu programa. Telefonava numa hora de folga e, depois de batermos um papo, eu tocava seu pedido. Um dia, fui fazer uma externa, não me lembro onde, e ele apareceu. Achei-o jovem e bonito, um rosto quase infantil. Eu lhe dei um autógrafo e depois disso ele começou a me enviar poemas na estação. Poemas melados, românticos, sem nada de sugestivo.


- Continue.


- Quando percebi que ele estava indo longe demais, tratei de recuar, John me convidou para jantar, mas eu declinei do convite. - Encabulada, ela suspirou: - Por dois dias, encontrei-o no estacionamento da estação à minha espera. Ele nunca se insinuou, nunca me tocou e eu não o temia. Não sei como John descobriu meu endereço e começou a aparecer no meu apartamento, deixando flores e bilhetes na porta. Eu tinha pena dele e acho que John confundiu meus sentimentos.


- Ele nunca tentou entrar?


- Não, nunca. Mas, com o tempo, ele foi ficando pior. Disse que me amava, que sempre me amaria e que havíamos sido feitos um para o outro. Então, começava a chorar no telefone toda vez que me telefonava, dizendo que ia se matar se não nos casássemos. Quando recebi a caixa com o anel, devolvi-o com uma carta bem cruel. Achei que era melhor esclarecer tudo de uma vez por todas. Isso foi poucas semanas antes de nos mudarmos para Denver, onde eu já tinha fechado contrato com a KHIP.


- Desde então, nunca mais o viu?


- Não. E não é John quem tem me telefonado, pois, se fosse, eu teria reconhecido a voz. Além do que, John nunca me fez ameaça alguma. Estava obcecado, mas não era uma pessoa violenta.


- Vou averiguar alguns detalhes dessa história. - disse Harry, já de pé. - É melhor você ir dormir. Vamos voltar mais cedo.


Naquela noite, nem Harry nem Gina conseguiam dormir. Mas não foram os únicos a passar horas em claro.


 


Ele acendeu as velas brancas novas que havia comprado aquela tarde e deitou-se na cama com a fotografia sobre o peito, junto das duas facas tatuadas no torso.


Com o passar das horas, o ódio e a revolta iam crescendo em seu íntimo. Não era a voz de Gina que ouvia no rádio.


Ela havia fugido. Com aquele outro homem. Sabia que Gina ia se entregar ao sujeito e não tinha esse direito. Ela pertencia a John. A John e a ele.


Ela era linda. Tinha olhos meigos, mas não o enganava. No fundo, era cruel e má. Merecia morrer.


Poderia matá-la da forma como aprendera: rápida e limpa. Contudo, isso não o deixaria satisfeito. Queria fazê-la sofrer. Queria ouvi-la implorar-lhe.


Quando estivesse morta, voltaria a se unir a John, lá no céu. Só assim seu irmão ficaria feliz. Ele e John.


 


 


 


 


Agradecimento especial:


 


issis: Você percebeu então, na verdade não foi sem querer, eu realmente deixei um pouco explicito para ver se alguém acertava, mas como uma amiga minha me disse uma vez, não adianta você saber quem é o assassino de uma historia de um livro quando você não conhece os motivos e a historia dele e do porque que ele quer matar a pessoa. Ela costuma dizer isso para as pessoas que lêem o final dos livros e eu assino pra ela. Ah, e eu não desisti da fic não, apenas estava cheio enquanto estudava para minhas próprias finais. Beijos.

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