Antes do Baile



Harry não quis perguntar o que eram as idéias de Hermione. No fundo ele temia a resposta. Só quando se deitou foi que percebeu que ele realmente precisava saber.

Sentia-se confuso. Sentia-se muito confuso. De uma forma ou de outra fora exatamente como Hermione descrevera. A vovozinha de repente virou o lobo mau. Na verdade ela sempre fora um lobo, só que disfarçado.

Harry se sentiu tolo. Se perguntou como nunca descobrira sobre aquilo. Dumbledore sabe de tudo, sempre! Era meio óbvio que ele provavelmente sabia quem era o traidor também. Será que ele não sentia um peso nas costas ao pensar que Lílian e Tiago Potter haviam morrido, indiretamente, por sua causa?

Harry sentia um misto de ódio, frustração e incertezas. Queria sair dali, queria nunca mais ter que olhar para Dumbledore, porém sabia que o mundo lá fora era mais cruel do que ter que continuar vivendo naquela escola, tendo que em todas as refeições olhar para o semi-assassino de seus pais.

Ele se sentia agora dividido. Era a chapeuzinho vermelho tentando decidir em abrir o armário, arriscando a sua vida, para ver se encontrava a verdadeira vovozinha, ou em sair correndo ao encontro do caçador.

Não tem como ficar pior, disse para si mesmo. E para complicar ainda mais a sua vida o baile se aproximava. Tinha prometido a Hermione “recomeçar”. Mas como recomeçar se a própria vida e a ordem dos fatos não davam vazão à isso?

Sem conseguir decidir sobre o que fazer, e sem sono, Harry acabou assistindo à aurora. Rony roncava, assim como Neville. Mal sabia ele que uma Hermione, na forma de pensamentos, passou toda aquele fim de madrugada ao seu lado.

Era perigoso, ela sabia. Mas antes o perigo de ser possuída por alguém ao perigo de acordar no dia seguinte e não encontrar Harry. E quando o dia finalmente nasceu, e Harry se trocou, ela voltou à seu corpo e desceu também.

Achou que Harry a interpelaria sobre qual era o plano. Mas ele não o fez, tampouco Draco.

- Quero que você venha comigo.- disse o rapaz louro assim que a viu descendo as escadas até o saguão de entrada.

- Aonde?- perguntou Hermione enquanto acompanhava o garoto, mas ele não respondeu.

Os dois seguiram até o salão principal e então até a mesa da Corvinal, parando atrás de Luna Lovegood.

- A srta. É Luna Lovegood?- perguntou Draco em um tom de voz anormalmente agradável.

- Uhum.- Fez Luna enquanto se levantava e olhava curiosa de um para o outro.

Hermione não tinha a mínima idéia de onde aquilo chegaria.

- Eu sou Draco Malfoy.- disse Draco estendendo a mão para a garota.- Está é a minha amiga... Creio que vocês já se conhecem.

- Uhum.- fez Luna novamente enquanto apertava a mão do garoto com um pouco mais de força que o normal, como se pôde ver pela expressão de dor no rosto do mesmo.

- Eu gostaria de falar com a Srta. a respeito do Baile de Inverno.- disse Draco.- Gostaria de convida-la para ser meu par.

Hermione sentiu seu queixo cair. Esperava tudo, menos aquilo. Imediatamente ela fitou Luna, esperando uma demonstração de surpresa ou qualquer coisa parecida da parte da garota, mas ela sequer piscou.

- Por mim tudo bem.- disse Luna.

- Encontro você no saguão de entrada, então.- disse Draco.

Luna concordou com a cabeça e Draco, depois de pedir licença, saiu, deixando Luna e uma Hermione paralisada ali. Luna observou Draco sair e então sorriu.

- Vocês são muito inteligentes.- disse ela.

- O que?- fez Hermione.

- Quando tudo começou eu achei que não tinha nada a ver.- disse Luna.- Mas vocês formam uma grande dupla, só não creio que o Malfoy aceitará o Harry quando vocês finalmente se acertarem.

Hermione fitou Luna tentando fazer cara de incredibilidade, mas teve a sensação de que isso não soou muito convincente. Em seguida ela deixou a mesa da Corvinal e rumou para a da Grifinória.

A semana seguiu em estranha calmaria que se misturava um pouco à expectativa para o baile que ocorreria no sábado já tão próximo. Nada, absolutamente, nada de anormal ocorreu durante aquela semana. Harry tivera mais duas aulas de Oclumência e Tonks sequer tocara no assunto da penseira. Os treinos de quadribol seguiam normais, assim como as reuniões para Monitores e as aulas.

Ele não deixou a cama, tarde da noite, em nenhum dia daquela semana. Tampouco Hermione. Não sabia como, mas Harry sabia que ela também não vinha mais se encontrando com Malfoy. Pelo menos não fora de hora.

Nada estranho ocorreu, como já disse. Mas talvez fosse apenas um período calmo antes de inúmeros acontecimentos esdrúxulos que viriam a seguir, a começar por aquela aula de Snape, a última da semana.

Harry enxugou o suor da testa com a manga das vestes e olhou para o lado. Hermione parecia ser a única a ter o controle sobre a sua poção contra venenos artificiais. Além de Draco Malfoy, do outro lado da sala, é claro.

A de Neville parecia estranhamente esverdeada, enquanto deveria estar em um tom de laranja. A de Rony parecia mais grossa do que o normal e a de Harry, por sua vez, parecia incrivelmente rala.

Ao fim da aula Snape passou um gigantesco dever sobre a mesma poção e depois de anotá-lo Harry foi levar um frasco com a amostra de sua poção para o professor.

- Potter.- chamou ele quando Harry ia saindo junto a Rony. Hermione saíra conversando com Malfoy.- Posso dar uma palavrinha com você?- perguntou ele quando Harry se virou.- A sós.

Harry e Rony se entreolharam, então Harry consentiu com a cabeça e Rony deixou a masmorra.

- Diga, professor Snape.- disse ele.

- Eu soube sobre a sua pequena discussão com o Professor Dumbledore.- Começou Snape. Harry soltou um suspiro de impaciência.- Eu queria lhe pedir que não tome atitudes tolas.

- Como o que?- perguntou Harry.

- Como deixar Hogwarts.- disse Snape.- Como ser impulsivo como alguém que nós dois conhecemos foi.

Harry ia dizer alguma grosseria. Como Snape tinha coragem, depois de tudo, de se referir à Sirius? Mas o fato de Snape vir lhe pedir que fosse cauteloso era tão estranho por si só que Harry modificou, na última hora, a frase que viria a seguir.

- Porque está me pedindo isso, Professor Snape?- perguntou ele.

Snape crispou a boca e Harry achou que ele logo começaria a gritar ou algo parecido. Mas isso não ocorreu.

- Pelo mesmo motivo pelo qual eu procurei Dumbledore e avisei sobre a presença de um traidor na antiga Ordem da Fênix.- disse Snape sombria e calmamente.- Pelo mesmo motivo pelo qual eu contei quem era o espião. E pelo mesmo motivo que eu deixei de ser um comensal.

- Harry?

Harry se virou. Era Hermione.

- Com licença, professor Snape.- disse ele antes de caminhar até a garota e deixar as masmorras junto a ela.

- Amanhã é o baile.- disse ela enquanto eles caminhavam em direção ao salão comunal.

- É.- fez Harry.

- Já preparou as vestes?- perguntou ela.

- Sim.

- Eu também.- disse Hermione.- Na verdade elas estão prontas desde segunda feira.

Silêncio.

- Eu estou me saindo pior do que Lilá ou Parvati.- riu Hermione.- Estou ansiosa para o baile, nunca estive ansiosa para um baile, antes.

- Eu não estou ansioso para o baile.- disse Harry francamente sem olhar para o lado.- Eu estou ansioso em estar ao seu lado.

- Você está, agora.- disse Hermione.

- Eu não posso tocá-la.- disse ele.- Não posso abraça-la. Não posso dizer a você tudo o que eu sinto vontade de dizer, agora.

- E porque não?- perguntou Hermione fitando-o pelo canto dos olhos.

- Nós estamos recomeçando.- disse ele.- E o antigo Harry não se declararia à sua melhor amiga na noite anterior ao baile.

Hermione corou.

- Na verdade eu não sei nem se ele se declararia durante o baile.- completou Harry.- Mas você quis recomeçar. Creio que é do antigo Harry que você gosta. Tenho que evitar que o novo transpareça.

Hermione parou. Eles estavam agora em um corredor deserto do segundo andar. Harry parou a uns sete metros e se virou.

- Harry.- começou Hermione.- Venha aqui.

No primeiro momento Harry permaneceu parado. Mas então ele caminhou até ela, parando a um metro.

- Não existem dois Harrys.- disse ela.- Pelo menos não pra mim. E você nem mudou tanto assim.

Silêncio.

- Veja.- Completou ela dando um passo em frente.- Continuamos da mesma altura. Sim, nós crescemos, mas essa característica em comum prevalece.

- Talvez você não perceba, mas eu mudei durante todos esses anos...

- Eu percebo.- disse Hermione.- Sim! Eu percebo. Mas é que eu simplesmente não me importo. Você mudou, mas apesar de tudo continua sendo o Harry, aquele garoto magricela e desengonçado. Que não sabe mexer com as garotas e que apesar de tudo! Apesar de todas as perdas que ele sofreu. Apesar de todas as incertezas do mundo, de todos os segredos que o envolvem continua sendo o Harry. O meu melhor amigo. Aquele garoto tão nobre...O excelente apanhador do time de quadribol da Grifinória. Continua sendo o meu Harry.

Harry fitou Hermione demoradamente. Ela era tão linda e ele tão tolo. Ela o queria tanto e ele achava não merece-la. Sabia que deveria agir cautelosamente. Qualquer ação precipitada poderia ser um grave erro. Ele nunca havia amado ninguém na vida, mas achava que a amava, e sabia também o que isso significava.

Hermione era um gênio. E ele sabia que, no momento, enquanto ele vinha com os ovos e a farinha ela já estava com o bolo pronto. Sabia que ela tramava alguma coisa, e seja lá o que fosse seria um plano brilhante, ou quase. Sabia também porque ela estava fazendo aquilo. Ela gostava dele. E pra completar ele a acorrentara no momento em que falara sobre a profecia. Mal sabia ele que ela, desde que conhecera o Malfoy como um amigo, desejara ter um motivo como aquele, como aquela profecia, para se prender à ele, Harry. Mas se entregar àquilo seria entrega-la à morte.

Os rostos dos dois estavam tão próximos agora que Harry encontrava certa dificuldade para respirar. Aquilo doía, e como doía! Um tempo, é apenas de um tempo que precisamos, meu amor. Dizia Harry mentalmente quando sentiu o hálito dela. Os lábios eram incrivelmente quentes e convidativos. Mas ele sabia que cada beijo daquele custaria um segundo a menos de vida, da vida dela principalmente. Mas não conseguia parar.

Aquilo estava se tornando cruel. Era tão doloroso quanto estar sobre uma maldição Cruciatus, e tão bom quanto... ele não se sentia capaz de descrever. E quando eles foram obrigados a parar pelo som de vozes que se aproximavam Harry não soube se sentiu alívio ou frustração.

- Vamos.- disse Hermione enquanto continuava a andar.

No salão comunal eles encontraram Rony. Juntos os três desceram para o jantar. Comeram calados e logo voltaram para a torre. Todos queriam dormir cedo naquele dia. Poupar forças para o baile. Logo Rony foi se deitar também. Harry preferiu não falar sobre o beijo. Hermione igualmente. E seguiu-se assim por um longo tempo, até que Harry se inquietou e resolveu ir dormir.

- Boa noite.- disse ele se levantando.

- Boa noite.- disse Hermione aparentemente indiferente.- Pratique oclumência.- completou quando Harry já havia alcançado as escadas.

Ele concordou com a cabeça e subiu. Hermione respirou fundo e se levantou. Aquela seria a última vez, ela prometeu a si mesma antes de deixar o salão comunal.

Se fosse outra época do ano ela teria seguido para a Sombra dos Sonserinos. Mas o inverno já castigava a todos, e então ela seguiu para a torre leste. Lugar marcado por Draco. E quando ela chegou lá estava ele.

Hermione seguiu calada até ele e os dois foram se assentar no peitoral da torre.

- Sabe...- começou Draco.- A partir de amanhã o mundo não será o mesmo.

Silêncio.

- Eu vou te perder pro Potter.- disse Draco depois, é claro, de lembrar da mão da glória.- E quando vocês estiverem juntos nós seremos um time.

- Vai demorar um tempo...- começou Hermione.

- Eu sei!

- Porque convidou Luna Lovegood para ser seu par?- despejou Hermione.

- Sentiu ciúmes?- perguntou Draco sorrindo.

- Não.- disse Hermione com veemência.- Apenas fui pega de surpresa.

- Lovegood.- sorriu Draco.- Eu a vejo conosco, num futuro próximo. Seremos um time!

- Deve haver confiança entre os integrantes de um time.- disse Hermione.

- Não se a desconfiança servir para acentuar o espírito de competição.- disse Draco com um sorriso um tanto quanto malicioso no rosto.

- Não quero ver você e o Harry competindo.- disse Hermione.

- Você confia em mim?

Hermione virou-se pra ele. Estava incrivelmente sério.

- Eu gosto de você.- disse ela.- Apenas.

- Eu confio em você.- disse Draco.- Apesar de você estar me deixando. Apesar de você não me contar logo qual é o plano. Apesar de você ser uma sangue-ruim. Apesar de você ser Hermione Granger e tudo o mais.

Silêncio. Draco desceu do parapeito e se virou para Hermione.

- Adeus.- disse ele e quando já ia se virar ela desceu também e o puxou.

- Isso é uma despedida.- disse ela antes de beija-lo.

Eles ficaram por ali por um longo tempo. Até que Hermione parou e se afastou um pouco. O rosto de Harry não saía de sua cabeça. A frustração por aquele ser Draco Malfoy e não Harry Potter se misturava à idéia de que ela amava Harry, que já tinha até dito isso a ele, mas estava beijando ardentemente Draco e isso chegava a doer. Ela queria ir embora, mas sabia que aquela seria a última vez. Na verdade ela não tinha certeza disso, mas era o que ela queria que acontecesse.

- Prometa-me.- disse ela.- Que essa será a última vez.

- Não posso prometer o que não sou capaz de cumprir.- disse Draco enquanto tentava beija-la novamente. Ela desviou.

- Por favor, eu preciso que você me ajude.- disse ela.- Prometa-me, apenas prometa-me isso.

Draco respirou fundo.

- Prometo.- disse ele antes de beija-la novamente.

O sábado nasceu em polvorosos para o baile. Harry e Rony, assentados no salão comunal, viram as garotas sumirem após o almoço. E quando bateu sete horas todos já estavam prontos.

Harry, Rony e Dino Thomas estavam agora parados ao pé da escada que levava aos dormitórios femininos. Harry trajava suas vestes verdes e Rony vestes em azul marinho dadas por Fred e Jorge. Primeiramente Parvati surgiu no alto da escada. Estava tão deslumbrante quanto no baile do quarto ano, ou até mais. Ela caminhou até Dino Thomas. Ele elogiou o penteado da garota e logo os dois se distanciaram.

- Eu daria tudo para saber com quem a Gina vai ao baile!- disse Rony observando o casal sumir pelo buraco do retrato.

Mal ele terminara de falar quando uma outra garota surgiu no alto da escada. Estava talvez tão bela quanto Parvati. Harry viu Rony corar violentamente, era Lilá Brown.

- Você está linda.- disse Rony sem jeito antes de dar o braço para a garota.

- Hermione já está vindo.- disse ela a Harry.

Alguns minutos se passaram. Harry batia o pé contra o chão impacientemente. Rony e Lilá permaneciam calados. O salão comunal já estava vazio, exceto por alunos do primeiro e segundo anos que não podiam participar do baile. Logo desceram duas garotas do quarto ano que soltaram rasinhos ao passarem por eles.

Dez minutos se passaram quando Hermione finalmente surgiu no alto da escada. Ela foi descendo as escadas lentamente, Harry sentia seu queixo caído. A garota trajava um elegante vestido em um tom de verde que combinava perfeitamente com as vestes de Harry. Tinha os cabelos alisados, presos em um elegante coque que daria inveja à professora McGonagall. Talvez não houvesse muita diferença, exceto à cor do vestido. Talvez fosse o fato de que dois anos havia se passado, que Hermione havia crescido. Harry só sabia que ela estava mais deslumbrante, se isso era possível, do que no baile do quarto ano.

- Her... Hermione!- disse Harry com a boca seca.- Você está...

- Linda!- completou Rony igualmente boquiaberto.

Hermione limitou-se a sorrir. Lilá tinha uma horrenda expressão de desgosto no rosto e não parava de lançar olhares de censura à Rony.

- Vamos?- perguntou ela.

Só então Harry conseguiu voltar ao funcionamento normal. Ele piscou e estendeu o braço para Hermione.

- Estamos atrasados.- disse Lilá no meio do caminho.

- O baile já deve ter começado.- Concluiu Rony consultando o relógio.

- Por culpa de Hermione.- murmurou Lilá com desgosto.

- Eu não pedi que vocês me esperassem!- retrucou a garota sem perder a pose elegante.

- Estávamos fazendo companhia ao Harry.- retrucou Rony.

- Ei! Parem!- disse Harry.- Que mal há em perder o começo do baile? Ainda temos a noite inteira.

Silêncio. O quarteto agora descia as escadas até o saguão de entrada. Podia-se ouvir a música. As portas do salão estavam arreganhadas. Eles pararam junto à ela. Muitos casais dançavam. Alguns beliscavam petiscos ou bebidas. Ainda haviam alguns assentados em pequenas mesinhas redondas.

- Vamos entrar.- chamou Lilá ainda com secura.

Harry respirou fundo e sentiu o braço de Hermione escorregar e em seguida a mão da garota tocar a sua. Sentiu-se corar. Eles começaram a entrar no salão.

- Vamos dançar.- disse Lilá, finalmente sorrindo, enquanto saía puxando Rony.

Harry olhou por todo o salão. Em um pequeno palco as Esquisitonas davam seu show, tocavam agora uma música animada. Em uma mesa ao fundo, a mesa dos professores, estava Dumbledore. Harry viu que ele o fitava, sentiu ódio, apertou a mão de Hermione. A garota se virou pra ele. Por um momento a sena bizarra de Hermione lhe dando um tapa e indo se juntar à Malfoy, ofendida pela mão quase quebrada surgiu na cabeça de Harry.

- Aqui estamos.- disse a garota.


** continua **

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