O Criador e a Criação







O barulho da fina chuva que caía batendo no basculante das janelas da enfermaria era o único som audível àquela hora da noite no cumprido aposento praticamente vazio, exceto por aquela excêntrica Corvinal que ocupava um dos leitos mais ao fundo.

Na sala de Madame Pronfey, um vento fraco que entrava pela única janela fazia um calendário na parede agitar de leve suas páginas. A enfermeira não estava. Fora chamada horas antes à diretoria. Sobre sua única paciente naquele início de ano? A última poção que dera a ela, naquele fim de tarde, a faria dormir tranqüilamente por ao menos mais três horas. Até lá estaria de volta.

A enferma, porém, parecia longe de estar dormindo tranqüilamente. Mexia-se nervosamente, enroscada em suas cobertas, ensopada de suor. Algo parecia ter fugido do controle. Algo havia definitivamente fugido do controle aquela noite.

- A regra é clara: Se não há testes, não há poções sendo utilizadas.- disparou Carlinhos Weasley.

A Tonks filha olhava de um para outro dos presentes ali com o queixo apoiado na mão, de um canto da espaçosa diretoria. Gui encontrava-se distraído, enquanto revirava os vidrinhos contendo a poção de Snape e a observava mudar de tonalidade. Snape, por sua vez, parecia inquieto enquanto olhava, pela janela, os jardins do castelo lá em baixo.

Minerva, que até então estivera escutando apenas, se levantou detrás de sua mesa aparentemente decidida a tentar acabar com aquele impasse que se iniciava. Mas apenas se levantou, e nada disse.

Gui, que parecia esperar que a diretora dissesse algo, respirou fundo tomou partido da discussão.

- Trouxas testam medicamentos em animais.- disse ele depositando um dos frasquinhos sobre a mesa.- Como ratos.

- Medicamentos trouxas são ineficazes.- disse Carlinhos com impaciência

- É o que achamos.- disse Gui.- Mas isso não significa que a técnica de testes deles também seja falha.

- Lembra-se do que ocorreu quando medibruxos resolveram testar medicina trouxa em nosso pai.- despejou Carlinhos.- É ineficaz.

- Não custa nada tentar e além do mais...

- O fato de não terem ocorrido testes não se deve à ausência de cobaias, Sr. Weasley.- disse Snape finalmente largando a janela.- Mas sim ao efeito fatal que ela provocará se estiver boa.

- Porque está tão inquieto, Severo?- indagou Minerva fitando-o por sobre os óculos.

Snape nada respondeu. Simplesmente fitou a professora enquanto involuntariamente levava a mão direita ao antebraço esquerdo e o esfregava. Tonks e Gui se entreolharam apreensivos.




****




- Aqui estamos.- murmurou Harry olhando o quadrado salão comunal da sonserina.

- Algo que Rony sempre dizia, Mione.- começou Gina.- Você às vezes me assusta!

- Não vejo motivo.- disse Hermione.

- Como consegue deixar o salão comunal da Sonserina vazio às dez e meia da noite?- indagou Gina ainda meio incrédula.

- Boa pergunta!- aprovou Harry.

- Vocês sabem que eu nunca respondo a esse tipo de pergunta.- riu Hermione finalmente arrancando a capa da invisibilidade.- Ouçam, preciso de algum tempo. Só tenho que subir até o dormitório certo e apanhar o que preciso. Enquanto isso, Gina fica ao pé da escada feminina. Harry fica pela escada masculina...

- E se alguém aparecer por aqui?- indagou Gina.

- Se for algum aluno você simplesmente dá um susto sem se deixar ser vista. – disse Hermione.

- E se for Snape?- arriscou Harry.

- Vocês dão no pé.- disse Hermione sacando a varinha.- Agora eu devo subir.

Hermione respirou fundo e caminhou até a escada que ela sabia, levaria até o dormitório masculino do sétimo ano Sonserino. Ao alcançar a porta mais alta ela parou e respirou fundo. Ainda pôde ver Harry lá em baixo. Não via Gina, o rapaz provavelmente cedera a capa da invisibilidade a ela. Entrou.

O dormitório masculino do sétimo ano Sonserino não era muito diferente dos demais dormitórios que ela já visitara. Era quadrado e camas de colunas se espalhavam pelo quarto, cercadas de cortinas em sua maioria esverdeadas ou negras. Ouviam-se vários roncos ressonando pelo quarto.

Hesitando, Hermione encarou o cortinado mais ao fundo. Destacava-se entre os demais pelo bordado de uma cobra em prateado em sua cortina. Sabia o que tinha que fazer, sabia onde estava o que procurava: Última gaveta do criado à esquerda.

Sacou sua varinha, por precaução, e atravessou o dormitório até o lado esquerdo da cama de Draco Malfoy. Abaixou-se silenciosamente e, tentando não fazer barulho, abriu a gaveta, mas esta estava vazia.




****




- Severo?

Snape piscou como se acabasse de acordar e fitou Minerva. Tinha se distraído. Do que falavam? Sem perceber tornou a esfregar o próprio braço.

- Está tudo bem, Snape?- indagou Gui.

- Acho que... sono.- balbuciou o professor de poções de Hogwarts.- Preciso descansar um pouco.

- Pode se recolher se quiser, Severo.- consentiu Minerva.

O professor concordou com a cabeça e deixou rapidamente a sala. Carlinhos, Gui e Tonks o observaram atentamente enquanto fazia o caminho para fora.

- Como está Molly?- indagou Minerva.

- Apalermada.- informou Carlinhos.- Acha que o garoto caiu do céu. Papai tentou convence-la de que não é tão simples assim, devido a mãe do garoto, mas ela só quer curtir o neto.

- Lestrange não deixaria o garoto com a avó para sempre.- disse Tonks.

- Foi o que dissemos à mamãe.- disse Carlinhos.

- Ao menos sabemos que ela está por essas bandas.- disse Minerva.- Os aurores já sabem?

- Sim.- disse Carlinhos.

- Excelente.- disse Minerva.- Vocês podem ir, agora.

Carlinhos deixou a diretoria e se despediu do irmão e da cunhada. Tinha que voltar ao trabalho ainda naquela noite. Tonks e Gui o observaram deixar a escada circular que levavam à diretoria e sumir na escuridão da Hogwarts deserta. Os dois fizeram talvez o mesmo trajeto, porém mais lentamente.

- O braço o estava incomodando.- murmurou Tonks depois de algum silêncio. Ela e Gui caminhavam em direção à sala de DCAT.- O Snape.

- Eu vi.- disse Gui muito sério.- Não acho que possa ser a marca negra voltando. Mas se pararmos pra pensar, a Marca Negra tatuada não era só uma forma de Você-sabe-quem controlar os Comensais. Era também um meio de comunicação entre eles.

- E só restam Severo e a Comensal em condições de se comunicarem.- completou Tonks.- Mas não acho que ele tenha voltado para as trevas...

- Se importaria se eu ficasse de olho nele esta noite?- indagou Gui quando os dois chegaram à porta da sala.

- Me importo por você passar a noite em claro.- disse Tonks ruborizando de repente.- Por outro motivo... digo...

- Não se preocupe, vou ficar de olho aberto e pedir que Fred e Jorge dêem uma prensa nele pela manhã.- disse ele antes de dar um beijo na testa da aurora.




****




Harry ouviu o som dos passos de um recém chegado. Sentindo seu estômago cair, ele virou-se e viu a bigoduda Pansy Parkinson surgir pela entrada do salão comunal. Harry gelou enquanto se esgueirava para trás de um dos sofás.

Prendendo a respiração, o rapaz observou a abominável sonserina subir as escadas em direção a seu dormitório. Cerca de dois minutos se passaram quando ele escutou Gina atravessar o salão comunal e surgir diante dele.

- Vá embora.- murmurou ele.

- O que?- indagou a garota confusa.

- Se me pegarem aqui, vai ser só mais uma loucura fora de hora na minha ficha. Já no seu caso, vai ser o fiasco da sua candidatura à chefia dos monitores no ano que vem. - explicou Harry.

Gina fitou-o compenetrada por algum tempo enquanto hesitava. Ele tinha certa razão e além do mais, aquele fora um longo dia. Acabou concordando e, entregando a capa da invisibilidade a Harry, deixou o salão comunal sonserino. A princípio pretendia seguir para seu dormitório na torre da grifinória. Mas acabou lembrando-se que tinha prometido algo às irmãs Patil em troca de uma forma de entrar na torre da Corvinal, noites antes.




****




Hermione fechou com cautela a gaveta e se levantou sentindo-se irritada. Ouviu o farfalhar de lençóis e se virou, encostando sua varinha no pescoço de Draco Malfoy assim que a cortina da cama foi aberta pelo rapaz.

- Mulheres raivosas e perspicazes.- sorriu o rapaz.- Isso faz bem o meu tipo.

Hermione nada disse. Respirava rapidamente segurando a varinha com imensa firmeza. Se fosse preciso, o desmaiaria.

- A propósito, se queria o que estava nessa gaveta era só me pedir.- completou Draco aparentemente não se importando com a varinha da garota.

- Não sou trouxa em acreditar que você me daria o que queria de boa vontade.- murmurou Hermione ainda com a respiração alterada.

- Você nem tentou...- começou o rapaz.- De toda forma, odeio quando as pessoas resolvem fazer as coisas na calada da noite.

- Pensei que isso fazia o seu tipo.- retrucou Hermione.

- Ah não... por isso guardei o espelho em outro lugar e esperei para pega-la no flagra.- explicou Draco.- Confesso que não esperava estar agora nessa situação.- continuou indicando a varinha com os olhos.- Mas digo que o desvio nos meus planos foi excitante.

- Onde está a droga do espelho, Malfoy?- indagou Hermione impaciente.

- Acho melhor você ameaçar lançar alguns feitiços em mim, Granger.- disse Draco.- Eu só funciono sob pressão!

- Não gosta de sentir que alguém está por cima, não é mesmo?- disse Hermione.- Tem que arrumar um motivo para tripudiar...

- Você pode até me matar se quiser.- interrompeu Draco.- Ninguém saberia que foi você. Provavelmente pensariam que foi minha titia... exceto por seus amiguinhos lá em baixo. Eles a louvariam por vingar o traidor.

- Não me obrigue a fazer o que não quero, Malf...

Ela não terminou a frase, pois sabe-se lá de onde, Draco sacou a própria varinha e saltou para o outro lado da cama. Ele sorria. O velho Malfoy estava claramente de volta.

- Não se preocupe, já cuidei para que ninguém neste dormitório nos escute.- disse o rapaz girando a varinha nos dedos.

Hermione novamente nada disse. Olhava-o estupefata. Só precisava pegar o espelho e dar logo o fora dali. Rezava mentalmente para que Harry e Gina já estivessem longe daquela torre.

- Não!- disse Draco de repente.- Não vou estragar meus sonhos agora! Sempre quis morrer pelas mãos de uma mulher, e como minha tia não o pôde fazer... - Ele debruçou-se sobre a cama e colocou sua varinha no cós das vestes de Hermione.- Faça-o você.

Hermione olhou rapidamente para a varinha de Draco e então para o próprio, que havia se colocado novamente diante da mira da varinha da garota. Tentava manter o sangue-frio enquanto buscava uma saída.

- Ande G-R-A-N-G-E-R!- disse Draco alterado.- Faça alguma coisa. Ou não tem coragem de me matar? Já disse, ninguém saberá que foi você.

Hermione fitou-o demoradamente agora. Estava doente, o rapaz. Acabou decidindo que poderia deixar aquele maldito espelho pra lá.

- Eu vou abaixar a varinha e voltar para o meu dormitório.- informou a garota.- E você não fará nada.

- Não.- confirmou sério o rapaz.

- Muito bom.- disse Hermione finalmente abaixando a varinha. Então arrancou a do rapaz de seu cós e a jogou sobre a cama.

- Você não tem coragem.- disse Draco quando Hermione já estava de costas.

- De...?- indagou a garota se virando novamente.

- De me matar. Por isso está indo embora.

Hermione riu sem nenhuma emoção. Coçou a testa e ergueu a própria varinha à altura de seu rosto. A observou por alguns segundos.

- Eu não estou indo porque não teria coragem de lhe matar.- disse ela com a voz fraca.- Eu estou indo porque eu teria. *¹

Draco a observou sumir pela porta do dormitório. Olhou pra própria varinha sobre a cama, a apanhou.

- Isso foi meigo.- murmurou pra si mesmo antes de tacar a varinha novamente sobre a cama e correr atrás da garota.

Hermione já havia alcançado o final da escada quando Draco surgiu pela porta do dormitório. Parecia bem brava.

- Harry, vamos!

Draco freou e tentou se conter ao ver Harry surgir de um canto. De toda forma já não era tempo dele tomar ou “destomar” decisões.

- Hei Granger!- disse em tom de voz suficientemente alto.- Você não é a única que intimida calouros, ok? E nem a única que tem a senha daquele banheiro!

Hermione, por sua vez, simplesmente deu ombros e continuou seu caminho. Harry, aparentemente sem entender muita coisa, olhou de Draco para a garota e acabou indo atrás dela.




****




Luna abriu os olhos e contemplou o teto da enfermaria. Que horas seriam? Parecia já bem tarde da noite. Como chegara ali ela não sabia. Como sabia que estava na enfermaria? Bem, já contemplara aquele teto vezes suficientes para reconhecê-lo.

A garota loura assentou-se em seu leito e olhou para seus braços sobre a coberta. Estavam intactos, aparentemente ela não sofrera nenhum tipo de acidente. Se não se machucara e não se lembrava de como chegara até ali significava que...

- Gina.- murmurou Luna finalmente se lembrando de alguma coisa.

Mal murmurara o nome da amiga quando ouviu passos. Não soube o que, provavelmente algo como instinto, mas voltou a deitar-se e fingiu que dormia. O que de certa forma foi sorte, pois os passos pertenciam à Madame Pronfey, que vinha verificar o estado de sua paciente antes de ir se deitar.

A enfermeira abriu a cortina e fitou maternalmente a garota. Virou-se então para o criado, sem perceber que os frascos estavam mexidos, e apanhou um deles.

- Estamos mesmo próximos do fim do mundo.- murmurou a enfermeira sem se importar com o fato de não haver um ouvinte. Media calmamente a poção do frasco.- Onde já se viu. São as crianças, agora, que se metem com os bruxos das trevas... É melhor você continuar dormindo por um bom tempo, querida.

Ela parou de falar enquanto levantava um pouco a cabeça de Luna pra frente e a fazia tomar a poção. Após se certificar que a garota engolira tudo, a enfermeira fechou o frasco e sumiu pra dentro de sua sala.

Luna permaneceu quieta alguns minutos esperando que se desmontasse dormindo novamente, mas isso não ocorreu.

Dez minutos depois Luna finalmente se assentou no leito certa de que a poção não faria mesmo efeito. E era bem claro que para que aquilo ocorresse, alguém tinha que ter trocado o conteúdo dos frascos.

Sorrateiramente a garota loura saltou da cama e se esgueirou até a saída da enfermaria. Se fosse uma mocinha fresca qualquer, teria se incomodado com a frieza das pedras do chão do castelo ou pelo fato de estar “fugindo” da enfermaria apenas de camisola. Mas ela era Luna Lovegood.




****




- O que,exatamente, aconteceu?- indagou Harry assim que ele e Hermione ganharam o corredor que levava às masmorras.

- O calouro que me passou a senha da torre provavelmente me delatou à Malfoy.- concluiu Hermione.- Onde está Gina?

- Alguém estava chegando, deixei que ela fosse embora.- informou Harry.- O que disse a ela?

- Sobre?

- O que aconteceu hoje à tarde.

- Coisas que amigas diriam.- murmurou Hermione sem querer encompridar o assunto.- Porque não foi embora também?

- Não te deixaria pra trás.- explicou Harry.

- Você seria expulso. Eu apenas perderia o cargo.- disse Hermione.

- Eu não me importo.- disse Harry.

- Ok, mas escute, Harry.- disse Hermione o empurrando para dentro da primeira sala vazia que avistou.- Você precisa voltar pra cama agora.

- E deixar você sozinha aqui...?- indagou Harry.- Eu não sei o que está acontecendo, mas...

- Harry!- cortou Hermione.- Não está acontecendo nada. Eu só acho que Gina não voltou pra cama e preciso encontrá-la.

- Por que ela não teria voltado...- Harry se calou entendendo.- Eu posso ir junto.

- Não, você não pode estar fora da cama depois das dez.- disse Hermione convictamente.- Você não tem um distintivo e...- Hermione piscou respirando fundo. Não gostava de ter que manipular Harry, mas ele não deixava escolha.- Ok.- fez a garota abrindo os olhos.- Eu verifico se ela está na torre leste e você confere nas proximidades da cozinha.

- Tudo bem.- disse Harry.

- Me encontre em uma hora no salão comunal.- completou Hermione antes de beijar o garoto rapidamente e deixar a sala.

De fato ela subiu alguns andares como se fosse rumo à torre Leste. Mas acabou rumando para o banheiro dos monitores a meio caminho. Sobretudo, estava a meio caminho quando trombou com quem menos desejava na virada de um corredor.

- Srta. Granger!- disse o professor crispando a boca.- Que agradável surpresa.

- Boa noite professor, eu...- começou Hermione fazendo cara de quem não estava fazendo nada de errado.

- Destemor.- murmurou Snape estreitando os olhos e crispando a boca enquanto tirava algo do bolso.- Destemor e dissimulação.- prosseguiu ele esfregando o braço esquerdo.- Quando ela estiver com você, tome isso.- completou ele esticando um frasco com um líquido azulado para Hermione.

- Hum...- fez Hermione aceitando o frasco.- Obrigada?

- Só use se não houver outra maneira. Pois será fatal, para ambas. Antídoto Snape!- sussurrou Snape como se temesse que alguém os visse.- Bom soir, mademoiselle!- completou antes de continuar seu caminho e desaparecer por outra curva no corredor tão inesperadamente quanto aparecera.

Hermione o observou em seu trajeto e então voltou sua atenção para o frasco em sua mão. Virou o frasco de cabeça pra baixo e observou o líquido mudar de cor enquanto se perguntava se ouvira direito. De toda forma guardou a poção de Snape no bolso e continuou seu trajeto. De fato, ao entrar no banheiro e contemplar o enorme quadro com a sereia ela encontrou o que tinha tentado furtar.




****




- ...Mas Draco não sabe o quão tolo é por não apoiar a tia que tem.

Belatriz, que encontrava-se assentada em uma das surradas poltronas da casa dos gritos, bebericou o cálice de vinho que tomava enquanto fitava atentamente o rapaz que falava.

- Por isso eu resolvi cooperar. Eu não podia deixá-lo sucumbir às sombras daquela sangue ruim. Não o Draco!

- Então a penseira foi devidamente entregue a ele.- supôs Belatriz girando o cálice entre os dedos finos e longos.

- Perfeitamente.- consentiu o rapaz que encontrava-se timidamente assentado na poltrona em frente. Trajava ainda as vestes de Hogwarts e segurava na mão meio trêmula um segundo cálice de vinho do qual sequer provara.

- Pode tomar, eu não o envenenei.- sorriu Belatriz quando seus olhos chegaram no cálice do rapaz.- Se fosse para mata-lo seria de uma forma mais divertida. Odeio mortes instantâneas...

O rapaz olhou-a com os olhos meio arregalados e então tomou um gole do vinho contido no cálice.

- É Francês.- murmurou Belatriz depois de tomar um gole do seu.

- Pensei que só tomasse vinhos vampirescos, como meus pais.- murmurou o rapaz.

- Como se chama mesmo?- indagou a comensal voltando a deitar seus olhos sobre o rapaz.

- Zambini.- disse ele.- Blás Zambini.

- Ah, sim.- disse a comensal.- Lembro de seu pai em meu tempo de Hogwarts. Ele faz bem o tipo de impostor que toma vinhos vampirescos. Um fraco.

Qualquer um teria se importado pela crítica da mulher. Mas Blás tentava se manter tão estático que sequer piscou.

- Mas como você ia dizendo, Sr. Zambini. Suas pretensões quanto ao remunero da colaboração são ínfimas. Só queria ajudar seu amigo...

- Isso!- disse o rapaz apressadamente. - Tudo pelo bem de Draco.

- Porque não disse a ele que eu estava aqui, então?- indagou Belatriz tornando-se instantaneamente agressiva.

- C-como...?- gaguejou o rapaz.

- Porque não entregou a ele o que eu mandei?- prosseguiu Belatriz se recostando mais na poltrona.

- A adaga?- indagou Zambini.- Todos estão atrás das que restam. Draco poderia ser pego com ela e...

- Crucio!

O casarão abandonado se encheu com o som do cálice se espatifando ao encontrar o chão. Ouviu-se o ruído como o de um gato que é estrangulado. No minuto seguinte o uniforme lustroso de Blás Zambini encontrava-se coberto da poeira do chão da sala de visitas da casa dos gritos.

- Sempre ouvi falar que era a Sra. Cruciatus.- arfou o rapaz enquanto apoiava-se no braço da poltrona para se levantar.- Vejo que estavam certos.

- Um bajulador.- murmurou a comensal com muita calma enquanto se curvava pra frente e tornava a encher seu cálice com o vinho de uma garrafa sem rótulos ou adornos.- É isso o que o senhor é.- ela tomou um novo gole de seu vinho.- Sabe, quando deixei Hogwarts, uns trinta anos atrás, eu era uma promissora bruxa independente do caminho que escolhesse seguir.

Blás finalmente tornou a se assentar e levou uma das mãos ao estômago o qual esfregou dolorosamente antes de voltar toda sua atenção para a comensal.

- Eu era puro sangue, poderosa, bonita e ainda carregava o nome influente de minha família.- prosseguiu a mulher.- Eu poderia ter conseguido um cargo no ministério com alguns anos de trabalho ou estudo. Alvo Dumbledore, aquele grande idolatrador de trouxas, talvez pudesse investir em mim para me transformar em mestre de alguma matéria em sua escolinha... Mas eu sempre soube que me meter com alguém com maior capacidade de raciocinar e perceber as coisas do que eu era um claro auto-aniquilamento. Por isso...

Blás encarou-a esperando o fim do discurso, mas a Comensal havia se calado e estreitado ainda mais os olhos como se acabasse de escutar algo. Blás fez o mesmo e escutou em algum lugar um murmúrio ininteligível.

- É melhor você voltar para Hogwarts agora, Sr. Zambini.- disse a Comensal muito seriamente.

Intimidado pelo tom de voz da comensal, Zambini prontamente obedeceu.

Belatriz Lestrange ergueu-se ainda segurando agilmente o cálice de vinho entre os dedos. Em passos silenciosos e rápidos, ela caminhou até um pequeno baú quase invisível ao canto da sala. Abriu-o e tirou de lá algo enrolado em um pedaço de pano imundo. Não pôde deixar de sorrir realizada ao deslumbrar o rosto determinado de Hermione Granger estampado no espelho que geralmente usava para se comunicar com seu único sobrinho.

- Porque essa expressão no rosto, pensou que eu demoraria mais?- indagou a voz determinada da monitora chefe.

- Está é Hermione Granger!- murmurou uma voz à nuca da Comensal.

- Um minuto, Srta. Granger.- pediu a bruxa calmamente enquanto se virava e sem nenhuma palavra fazia o curioso e persistente Zambini voar pelo aposento se contorcendo.- Eu odeio interrupções, Sr. Zambini.- disse rispidamente enquanto tomava todo o conteúdo do cálice em um gole só e jogava o mesmo no chão.

Zambini, que já parara de se contorcer, se arrastou até encontrar a parede descascada como apoio.

- Eu já planejava lhe dar uma lição por ousar tentar enganar meu sobrinho.- continuou a comensal com clara irritação.- Um fraco intrometido como você nunca teria lugar em minha ascensão, tenha certeza.

- Eu não...

A Comensal parou diante do rapaz segurando a varinha em uma das mãos e exibindo um sorriso cruel nos lábios. Ela ergueu a mão disponível e a medida que o fez o rapaz ergueu-se no ar.

- Divirta-se.- completou ela antes de dar mais um toque em sua varinha e voltar até a poltrona onde deixara o espelho.

- Aqui estou.- murmurou a comensal olhando de esguelha para o rapaz que se contorcia de dor flutuando há mais de um metro do chão.- O que desejas, querida?




****




- Por que estou chocado em encontrar Luna Lovegood por aqui?- indagou Draco ao avistar a garota assentada no parapeito da torre.- De camisola?!

- Fugi da enfermaria. - informou Luna sem se virar para o rapaz.- Foi você?

- Eu...?

- Quem trocou o conteúdo do frasco de poção do sono.- explicou Luna.

- Trocou frasco de poção do que?- indagou Draco sem entender, a principio, pois em seguida ele se lembrou que o trio estrela da Grifinória também se encontravam fora da cama essa noite. - Weasley ou Granger, não tenho certeza.

- Ah!- fez Luna sem demonstrar muito interesse na resposta ou no assunto, apesar de tê-lo começado.- Como imaginei... Por quê?

- Não acha que está perguntando à pessoa errada?- indagou Draco em resposta enquanto fitava o topo das árvores da floresta proibida, as mãos nos bolsos.

- Acordei em uma boa noite.- comentou Luna sorrindo com discreta animação.

- Boa noite?- indagou Draco meio indignado, mas tratou de se recompor.- O que faz aqui?

- Eu não sei.- respondeu Luna.- Às vezes sinto um quê de expectativa no ar... É como se houvesse um cheiro e seguindo-o eu acabasse em algum lugar onde eu não esperava estar.

- Foi assim que...- Draco hesitou. Talvez a garota nem se lembrasse do que ocorrera naquele mesmo dia, horas mais cedo.- E isso é bom ou ruim?

- Assim eu entrei para a AD. Assim eu me meti na confusão que nos levou ao Ministério naquele início de verão.- constou Luna.

- Soa estranho ouvir isso e me lembrar que eu dedurei vocês.- murmurou Draco meio sem jeito.

- E você, o que faz aqui?- cortou Luna.

- Eu... Hermione morrerá.- murmurou Draco sentindo a boca seca.

- Todos morrerão um dia, Draco.- disse Luna.- Mas é bom ver que voltou a chama-la pelo primeiro ano.

- Eu a evitei nos últimos tempos por temer que ela acabasse me persuadindo...- Draco engoliu em seco.- Mais cedo ou mais tarde ela iria ao encontro de minha tia e eu não esperava que eu fosse o meio para isso.

- Você entregou o espelho a ela.- concluiu Luna.

- Pois é. Eu achava que após saber, sabe-se lá como, de toda a história, ela ficaria na dela até o dia em que minha tia achasse um jeito de atraí-la para longe daqui.- ele deu um sorriso meio bobo.- Nunca achei que fosse o contrário.

- Nunca ocorre o que achamos.- murmurou Luna encarando a lua.

- Não vai perguntar se não fiz nada para impedi-la de tomar essa decisão?- perguntou Draco encabulado.

- Não.- disse Luna muito tranqüila quanto a isso.




****




Harry chegou ao salão comunal e se assentou esperando que Hermione retornasse. Gina não estava em canto nenhum pelo qual ele passara, talvez Hermione pudesse tê-la encontrada na torre ou no caminho até lá. Sentou-se no sofá próximo à lareira e deitou-se confortavelmente pronto para esperar.

- Você é Potter não é?- indagou uma voz esganiçada vinda de algum canto.

Harry assentou depois do susto inicial e pôde ver um calouro, ainda de pijamas e meio trêmulo, espremido à um canto.

- Ela mandou lhe entregar isso.- disse ele estendendo a Harry um pedaço de pergaminho dobrado.

- Ela quem? Hermione?- indagou Harry depois de lançar um rápido olhar ao pergaminho ainda dobrado, mas o garoto já tinha subido as escadas que levariam ao dormitório, correndo.

Encabulado, Harry abriu o pergaminho e pôde ler duas frases escritas na caligrafia fina e caprichada de Hermione.




Há coisas que precisam ser feitas sem ajuda. Sinto muito.




Sentindo um gosto horrível na garganta, Harry ficou novamente de pé e sacou a varinha, pronto para ir atrás de Hermione ou procurar alguém. Com cinco passos largos ele atravessou o salão e se preparou para deixá-lo através do buraco do retrato, mas mal este se abriu e ele percebeu que alguém o esperava.

Harry parou defronte aos um e oitenta daquela mulher. Trajava negro, como sempre. Mas parecia muito mais engomada e caprichosa àquela noite. Sua pele brilhava como papel à luz da lua e ela sorriu aquele sorriso fatal que para muitos era a última visão em vida.




****




- Nada do que você ou qualquer um de nós pudesse dizer mudaria qualquer decisão que ela tomasse.- explicou Luna.

- Eu sei.- disse Draco.- Mesmo assim, eu disse a ela que sempre quis ser assassinado por uma mulher e que como minha tia não o pôde fazer que ela fizesse.

- Você fez isso?- disse Luna rindo.

- Er... E me coloquei diante a varinha dela também.- disse Draco.- Então ela foi embora.

- Ela não o mataria...

- Não, ela disse que foi porque mataria.- disse Draco com um sorriso amarelo.

- Talvez pudesse ter sido mais convincente, eu acho. Ameaçado contar a alguém sobre a história do espelho ou coisa assim.- disse Luna.

- Eu poderia faze-lo, mas teoricamente não consigo me lembrar do que aconteceu durante o verão.- explicou Draco.

- Então foi mesmo o primeiro a driblar uma poção da verdade?- riu Luna.

- Recebi uma encomenda de minha tia numa madrugada dessas.- disse Draco.- Uma penseira. Acho que ela queria me testar, para isso devolveu meus pensamentos.

- E você poderia ter procurado um auror mas não o fez.- concluiu Luna.

- Exato. O incrível é que sei até onde elas se encontrarão... Eu poderia correr até lá, arriscar minha vida e quem sabe ser consagrado o herói!- disse Draco sem animação.- Mas eu não me chamo Harry Potter.

- Onde Harry está?- indagou Luna.

- Hermione aprendeu muito bem a lição.- disse Draco.- Provavelmente ele agora está dormindo, sonhando com ela.

- Então à essa hora elas já estarão frente a frente?- arriscou Luna.

- Creio que sim.

- E você tem certeza que não quer fazer nada?

- Sim, mas bem... nós somos dois e na pior das hipóteses você pode fingir que está tendo uma crise.- disse Draco.

- Belatriz Lestrange não pararia um duelo para me socorrer.- disse Luna.

- Você é a filha do amor da vida dela e, além do mais, ela é imprevisível.- disse Draco.




****




- Nunca achei que me chamaria até aqui, Srta. Granger.- murmurou Belatriz ao ver a garota surgir na escuridão.

- Achei que você viria.- murmurou Hermione em resposta.- Mesmo depois que me livrei “do meu lado Comensal” não consegui deixar de ser aquela que prevê o que os outros farão.

- E o que você previu, querida?- indagou Belatriz fazendo uma irritante voz amável.- Que conseguirá me vencer? Você realmente acha, Hermione Granger, que conseguirá me vencer? Acha que tem capacidade pra isso?

- Se eu soubesse do que sou realmente capaz ou não estaria aqui, por medo; Ou já teria vencido-a.- murmurou Hermione.

- O que me diz sobre esse momento, então?- indagou Belatriz.

- Talvez eu só queira mesmo lhe dar um recado.- disse Hermione.

- Recado? De algum amiguinho trouxa seu?

- Ted Tonks.

- Espero que ele não tenha repetido a frase: Cuidado com seus sonhos, pois eles podem se tornar realidade.- desfez Belatriz.

- Não. Ele disse: Cuidado com seus sonhos, pois há um momento em que eles se tornam o seu pior pesadelo.

- Ted Tonks!- riu Belatriz.- Aquele trouxa estúpido! Quem diria que seria ele quem romperia a minha ligação com você.

- Ele se disse admirado por você não ter se lembrado de Wulfric.- disse Hermione despertando um largo sorriso em Belatriz.

- E eu me senti admirada por ele não desconfiar que eu poderia me lembrar.- disse a Comensal.

- Ah! Ok. Vai me dizer então que sabia que estava sendo vigiada e mesmo assim entregou aquela papelada de graça à Wulfric.- riu Hermione sarcasticamente.

- Parece ilógico, não?- sorriu Belatriz.- Este é o meu estilo, ilógico. Por isso aquele trouxa idiota perdeu tantos anos de sua vida me “estudando”. Muitos acreditam que todo vilão tem uma lógica em suas ações. Não ter uma lógica me torna uma vilã em especial.

Hermione fitou a Comensal por alguns segundos. Era estranho ter em muitas vezes temido aquele momento e em muitas outras, ansiado. Ter planejado chegar, ataca-la e acabar logo com tudo aquilo. E agora ela não ter pressa.

Talvez ela esperasse sentir medo ao se ver frente à frente com a comensal. O medo é a melhor fonte de energia em momentos como aquele. O medo a levaria a ser violenta, rápida e prática. A verdade é que para ela o medo era uma forma de manter os pés no chão, de seguir em frente racionalmente; e agora, frente a frente com os um metro e oitenta de Belatriz Black Lestrange ela não conseguia simplesmente sentir medo.

Hermione lembrou-se de quando tinha seus sete anos e morria de medo de gatos. Certa tarde, estava na casa de Peter hesitando sobre permanecer na segurança do colo de sua mãe ou ir brincar no mesmo cômodo que o gato do garoto. Então Peter a convenceu sobre a segunda opção, mas quando eles chegaram ao quarto o primo a trancou ali, junto ao gato.

Hermione lembrou-se de que não chorou, mas que ficou acuada contra a porta por mais de meia hora. O gato, do outro lado do aposento, rosnava para uma bola de borracha. E então, depois de muito observa-lo, ela percebeu que não havia porque temê-lo. Desde então ela achava aqueles pequenos felinos animais amáveis.

- Você é a primeira que admite ser a vilã da história.- murmurou Hermione.

- Não há porque esconder, Srta. Granger. Isto sou eu.- murmurou a Comensal que até então velara o silêncio da garota.- Não vou fazer os velhos discursos que aprendi com Tom. Eu não acredito na inexistência do bem ou do mau e na prevalência do poder, eu não acredito que uma pessoa é má sem querer. O bem ou mal é uma questão de escolha. Quando uma pessoa sabe que seu destino é estar no domínio, resta a ela escolher por qual dos dois caminhos fará seu trajeto. Muitos tentam escolher o mais fácil, ou o mais certo, eu apenas escolhi o mais fascinante.

- Você é um tanto quanto sádica...

- Sim, eu sou. E você, querida, é tudo aquilo o que eu queria ser quando eu tinha a sua idade.- murmurou Belatriz em um tom de voz tão sereno quanto Hermione nunca esperara ouvir.- Eu tinha tanto potencial quanto você, é claro, mas era apenas uma garotinha reprimida pela família que não tinha a mínima idéia do que faria da vida assim que se formasse. Você já tem?

- Algumas idéias, que tipo de conversa é essa? Não somos mãe e filha que se encontram depois de anos. Aliás, Deus me livre! Porque está sendo tão amigável? Porque ainda não sacou a varinha e tentou me matar? Porque ainda não me torturou?- despejou Hermione sentindo-se confusa pela calma com a qual se seguia aquele encontro.

- Ambas sabemos que se as coisas não derem certo, só uma de nós sairá viva essa noite.- disse Belatriz encarando Hermione calmamente.- E antes de mata-la, ou morrer, gostaria de tê-la conhecido melhor, Srta. Granger. Considere isso como o pedido de uma admiradora.

Hermione analisou-a por algum tempo. Parecia sincera. Estaria mentindo se negasse a si mesma que nunca quisera ter uma conversa amigável com Belatriz Lestrange.

- Por que não nos sentamos?- indagou a comensal.- Se divertiu com o francês que mandei à você no trem para Hogsmead?

- Ainda não compreendo porque entregou um seguidor assim, de bandeja.- murmurou Hermione.

- Ele foi só um rapaz que usei enquanto estive na França.- murmurou Belatriz de forma muito natural.- Porém havia alguém grande por trás dele que queria minhas ações controladas. Tinha que me livrar do Francesinho sem levar a culpa por isso, então o instruí a vir atrás de mim em Hogsmead e aproveitar a viagem para tentar persuadir uma viajante em particular ao nosso lado.

- Não achou que eu...

- Não. Sabia que daria um jeito de engana-lo e entrega-lo à seus amiguinhos do ministério.- disse Belatriz.- Aliás, foi um belo espetáculo.

- Você assistiu?- indagou Hermione surpresa.

- Estava preparando aquela velha casa para ser meu lar pelos próximos tempos.- disse a comensal.- Obviamente aqueles jovens tolos estavam tão compenetrados que nem notaram a minha presença.




****




- Draco.- murmurou Luna parando de repente.

- O que foi?- indagou o garoto parando também. Eles estavam no meio de um corredor no terceiro andar, andavam apressadamente ansiosos em ganhar logo os gramados de Hogwarts.

- Há alguma coisa por aqui.- disse Luna olhando à volta sem conseguir ver nada alem de estátuas e um armário de vassouras.

- Não vejo nada, você escutou algo?- perguntou Draco também olhando à volta.

- Estou sentindo...- disse Luna se calando de repente a fim de captar algo. Draco olhou-a confuso, se perguntando se aquela era uma das situações que Luna narrara em que ela sentia algo no ar.- Um cheiro...

Mas Draco também sentiu. Um vento gélido varria o corredor trazendo um forte cheiro de bebida alcoólica. Ele riu.

- Parece que alguém resolveu tomar um porre dentro do armário.- disse ele indicando o armário de vassoura logo à frente.

- O que levaria alguém a fazer isso?- indagou Luna enquanto se aproximava do armário.

- Quem faria isso?- perguntou Draco em resposta enquanto abria o armário. Era Gina.




****




- Lembro-me como se fosse ontem do dia em que me juntei à ele.- Belatriz sorriu, olhava em frente com o olhar alucinado de costume e estava mais pálida do que nunca.- "Creio que nos daremos muito bem, Bela" foi o que ele disse antes de ir embora. Logo eu me tornei o seu braço direito, e isso era inesperado, já que pouquíssimas mulheres correspondiam às expectativas dele. Ele dizia que me aceitar junto a seus homens fora uma das mais corretas decisões de sua ascensão. - Belatriz abriu mais o sorriso que logo se transformou em uma gargalhada.- Pobre e tolo Tom por não crer no poder dissimulado de uma mulher. Ele caiu crendo que aquela profecia anunciara a chegada do único capaz de vencê-lo. Sem saber que quem na verdade arquitetara a sua fogosa queda fora a sua mais fiel serva.

- Não se envergonha ao dizer que o traiu?- indagou Hermione.

- Pra ele eu o traí, para mim eu apenas o usei.- disse Lestrange ainda com os olhos brilhando.- Você e Potter chegaram a brigar por culpa da profecia.

- Profecia?

- "Quando a proteção acabar. Quando a paz se esgotar. Quando a primavera findar. Um bom amigo que te trai por desejo e ambição. Um destino que finalmente se mostra e inimigos que se unem. Tudo ao mesmo tempo, agora.” - Declamou Lestrange. – Eu só soube dela por você, pobre Tom, se a tivesse escutado talvez ainda brincasse de reinar por aí.

- Eu nunca acreditei em profecias.- murmurou Hermione.

- Algumas dão certo. Como essa tem dado. Só resta a última parte. - disse Belatriz.

Ouviu-se um baque. Hermione instintivamente sacou a varinha. Lestrange pareceu não se importar em não fazer isso, simplesmente virou-se para olhar quando um rapaz surgiu pela abertura no salgueiro lutador.

- Zambini!- fez Hermione preparando-se para correr até lá, mas foi obrigada a recuar de um raio verde que cortou a noite e fez o rapaz cair imóvel na grama.

Hermione arregalou os olhos chocada. Não conseguiu voltar a virar-se para a Comensal. Essa por sua vez venceu o caminho até o corpo do rapaz e o virou de barriga pra cima.

Blás Zambini tinha uma horrenda expressão de dor no rosto. A frente de suas vestes estava empapada de sangue e terra. Belatriz agachou-se ao lado dele e sem nenhum ressentimento tirou uma adaga que até então estivera encravada em algum ponto do abdome do rapaz.

- Você o...?- balbuciou Hermione sem conseguir voltar com os olhos para o normal.

- É a primeira vez que você vê uma Maldição da morte atingir alguém, querida?- indagou a Comensal com a calma de quem acha um rapaz ensangüentado e recém morto em sua frente a coisa mais normal do mundo. Hermione não conseguiu mais do que fazer que sim com a cabeça.- Eu pensei tê-lo matado mais de uma hora atrás. Era um bastardo traidor, o moleque!- prosseguiu crispando a boca enquanto tirava um lenço bordado com dois b’s do bolso e limpava a adaga.- Achou estar enganado o meu Draco. Teve o que merecia, me diverti com ele, lançando alguns Cruciatus até que você me chamou pelo espelho.- Ela finalmente terminou a limpeza da arma e guardou o lenço sujo de volta no bolso.- Quando a dor dele me cansou eu simplesmente lancei a adaga e o deixei lá. Não pensei que rastejaria até aqui... Você quer dizer alguma coisa, querida?

Ela sorriu para Hermione que tinha a cara mais parva do mundo. Não conseguia acreditar que estava ouvindo, amigavelmente, Belatriz Lestrange contar sobre como se divertiu torturando alguém.

- Er...- começou Hermione finalmente recuperando a voz.- Isso foi mesmo necessário?

Belatriz Lestrange parou de sorrir e voltou a olhar o corpo do rapaz. Parecia pensar sobre a pergunta. Ela olhou para a própria mão que estava um pouco suja de sangue, tirou novamente o lenço e esfregou-o até que não havia mais vermelhidão alguma em sua pele de alburno. Enquanto fazia isso parecia estar sinceramente pensando sobre o que a outra acabava de lhe perguntar.

- Não.- murmurou ela ainda concentrada em sua mão. Ela respirou fundo e guardou novamente o lenço. Ergueu o rosto para Hermione. Os olhos da comensal brilhavam. - Não. Mas isso foi divertido!

- Eu normalmente diria: Você me causa medo. Mas eu não tenho tanta certeza de que você seja digna do meu medo.- disse Hermione ainda meio ressentida pela cena que testemunhara.

- Por que eu não seria, querida?- indagou a comensal sem se ofender.- Sou digna de admiração então? Porque se o for já tenho meio caminho andado para meus planos.

- Você não acha que eu a admiraria a ponto de aceitar me juntar a você, ou acha?- indagou Hermione.- Foi por isso que dividiu suas lembranças e pensamentos comigo durante aquele longo período?

- Eu acho que és uma garota promissora.- disse Belatriz.- Falo de talento. E eu nunca esperei que aceitasse a aliança tão facilmente. Mas entenda porque eu a “treinei”: Eu precisava de alguém que me representasse. Alguém de fibra...

- O fato de ser a Sra. Manipulação não vai mudar o outro fato de que eu nunca me juntaria à uma bruxa das trevas que despreza as pessoas nascidas trouxa como eu.- cortou Hermione.

- Tudo tem a sua hora... e fatos são somente fatos.

- Você disse que eu era tudo o que você queria ser quando tinha a minha idade, mas a recíproca não é nem um pouco verdadeira.- murmurou Hermione sentindo certo desprezo.- Eu não quero passar a minha vida inteira “manipulando” por aí. Eu não quero ser uma ninfomaníaca que leva garotos bêbados de dezesseis anos pra cama...

- Eu nunca seduziria um Weasley se não tivesse em mim a parte da sua mente que gostava dele.- cortou Belatriz secamente.- Você era patética a ponto de sentir algo por alguém como ele... nada que não seja irreversível, mas foram apenas conseqüências da magia que eu acabara de realizar.

- E o garoto?- indagou Hermione.- Foi para se sentir superior a mim? Foi para me mostrar que era capaz de engendrar, coisa que eu nunca poderia fazer? Ou foi pra se vingar de sua amada Luana, que deu as costas à você e seguiu a vida dela?




****




Harry se via andando como um robô pelo velho corredor que levava até o departamento de mistérios. Ele não chegava a entrar, a princípio, pois dois vultos estavam parados à porta. O garoto ficava apenas quieto por baixo de sua capa da invisibilidade, escutando.

- Desculpe não ter falado sobre isso antes.- Dizia uma mulher baixote que Harry reconheceu com um frio na barriga como sendo uma amiga da professora Sibila.- Mas você pode procurar Potter, ele pode ser a testemunha da profecia.

Outra profecia? Não! Pensou Harry enquanto focava o outro vulto e reconhecia, com um frio na barriga, a enorme barba prateada de Dumbledore.

- Não é preciso, ela já está bem arquivada.- dizia a voz do falecido diretor de Hogwarts.

Ao identificar o diretor, Harry resolveu correr até ele e contar que acabara de ser desmaiado por Belatriz Lestrange na entrada do Salão Comunal da Grifinória, mas quando ele finalmente alcançou o final do corredor, o diretor já havia entrado.

Harry empurrou a porta com violência e entrou, ainda pôde ver o professor e a mulher baixota entrando por uma das portas da sala circular que imediatamente começou a girar.

- DROGA!- gritou Harry sentindo estranhamente que sabia onde os dois estavam indo.- EU QUERO A SALA DA PROFECIA!

E as portas pararam de girar. Ele entrou na porta adiante e soube que era a sala certa. No centro, intacto, estava o vidro de cristal com o beija-flor dentro.

Harry atravessou-a correndo e em segundos se viu parado à porta da sala seguinte. Esta do tamanho de uma catedral e repleta de centenas de estantes. No ponto mais distante da sala ele pôde ver a capa de Dumbledore virando a esquina. Correu até lá. Ao virar a esquina ainda pôde ver o diretor colocar algo na estante e então desaparecer.

Sem entender, Harry caminhou até o lugar onde o diretor estivera e sentiu seu queixo cair ao ler a etiqueta.




A.G.R para H.J.P

Lorde das Trevas




Harry não entendeu o que estava acontecendo: se aquilo era uma espécie de sonho, uma invasão de mente ou o quê. Só soube que acordou em sua cama de colunas no dormitório do sétimo ano da Grifinória. E antes que ele pudesse sequer respirar, palavras afoitas lhe saíram da boca.

- A profecia não era pra mim... era pra Voldemort!

Ainda assustado, o garoto olhou para própria mão que segurava algo muito apertado. Abriu o pedaço de pergaminho que Hermione lhe deixara e sentiu o pânico tomar conta de si. Belatriz viera atrás dela.

Harry pulou fora da cama. Estava inexplicavelmente de pijama. Vestiu rapidamente o roupão e procurou por todo lado por sua varinha, mas esta desaparecera tão inexplicavelmente quanto ele chegara ali.

Olhou ao redor, através da cama vazia que pertencera a Rony e então fitou o braço de Neville caído para fora da cama. Correu até lá e apanhou a varinha do garoto sobre o criado.




****




- Eu não costumo me prender às lembranças das pessoas para tentar atingi-las, Srta. Granger.- disse Belatriz Lestrange, seus olhos brilhando de fúria.- Essa estratégia é para os fracos. Mas já que insiste nesse joguinho patético, o que acha de lembrarmos de sua infância, dos incidentes que lhe deixaram marcas, do seu já vencido medo por gatos? Passamos mais de uma hora falando de mim, agora é a sua vez!

Hermione não respondeu. Permaneceu imóvel observando a outra por alguns instantes. Belatriz não demorou a voltar falar.

- Tom era inteligente, não posso negar que ele tinha classe. Ele sabia bem qual eram os dois ingredientes para personificar o poder. Ele só não soube uni-los corretamente. Era preciso de uma parte trouxa, que mostrasse que eles eram sim capazes de tomar o lugar que por direito pertencia a nós, puro sangues. Mas era necessário um nome. Um nome nobre por trás de tudo. Ele se achou perfeito para o cargo. E não era porque ele queria mandar, ele poderia mandar nos que mandaria se tivesse pensado melhor. Mas achou que por ser um mestiço, a junção dos dois extremos, soaria convincente. Pobre Tom, - Belatriz sorriu de forma maníaca.- percebi essa falha em seus ideais no momento em que eles me foram apresentados. Por isso desde o início eu sabia que só precisaria me livrar dele e então me unir à alguma nascida trouxa que fosse realmente talentosa.

Hermione fitou a mulher se perguntando por que ainda não tinham começado a brigar. Já tinha passado por todas as fases aceitáveis: tinham conversado amigavelmente, tinham se desafiado com palavras. Não parecia estar faltando nada.

- Outrora eu pensei que Evans seria perfeita.- murmurou Belatriz.- E não seria difícil aborda-la. Já que depois de Hogwarts ela e Luana trabalharam juntas por anos. Mas Tom a matou. Então, quando fui para Azkaban e vi meu odiado primo Sirius por lá, me lembrei do garoto. Potter. Eu de alguma forma sabia que a mãe não tinha dado sua vida por ele em vão. E não estava errada, pois foi através dele que eu conheci você.

- Essa é a hora em que vem o discurso de que nossos destinos estavam ligados desde que eu nasci?- indagou Hermione sarcasticamente.

- Não costumo falar sobre o que não posso provar, querida.- disse Belatriz voltando a ficar medonhamente amável.- Mas eu só dividi meu dom contigo para que nós nos tornássemos a triunfante personificação do poder.

- Nunca passou por sua cabeça que eu pudesse recusar a sua proposta com todas as minhas forças?- indagou Hermione em tom desafiador.

- Desde o primeiro momento.- disse Belatriz tranqüilamente.- Sobretudo eu aprendi muito com as falhas de meu Lorde das Trevas. E uma delas era deixar que seus aprendizes acidentalmente o superassem.

- E se o aprendiz não tiver um único mestre?- indagou Hermione.

Belatriz a analisou perspicazmente com os olhos. Seus olhos tinham um brilho cruel e seu sorriso era o de quem está fascinado. O contraste entre os dois estados só contribuíam para sua aparência louca e psicopata. Ela parecia ainda mais insana do que Voldemort, quando Hermione o vira pela primeira vez antes do incêndio.

- Você não se sai tão bem blefando quanto quando utiliza as informações que coleta em livros.- disse Belatriz em sua voz rouca.- De toda forma nenhum outro mestre conseguiria fazer quem quer que fosse me superar.

- Você é definitivamente tudo o que eu não quero me tornar um dia.- disse Hermione rispidamente.

- Sou o que? Bela, temida por praticamente todos e irresistível?- indagou a mulher gargalhando com vontade.

- Maluca.

- Só os malucos chegam à algum lugar na vida, Srta. Granger.- disse Belatriz parando de rir.- Se não morrem queimados antes, é claro. Mas já sei qual é o problema, você só conhece o que somos pelo nome pejorativo. Mas se formos pensar, os malucos são os verdadeiros gênios, como eu e você.

Hermione riu.

- Você não é um gênio...

- Não?- indagou Belatriz fazendo cara de desolada. – Eu sei como magoar, como ferir, como curar; o que devo esconder e quando devo falar... Sei bons e dolorosos feitiços também. Do que mais preciso para ser um gênio?

- Bondade?- arriscou Hermione a fim de irritá-la.

Belatriz riu com muito vigor durante alguns segundos. Em seguida porém ela lançou um rápido olhar na direção do castelo e ficou muito séria.

- Eu sabia que você resistira, afinal de contas é a namoradinha de Potter.- murmurou ela.- Por isso eu sempre soube que teria que... vestir você.

Hermione a encarou sem entender. A comensal sorriu satisfeita por isso. E então simplesmente desmoronou em pleno gramado.




****




Luna e Draco correram por todo o caminho da enfermaria, onde deixaram uma Gina desacordada, até o saguão de entrada.

- E então?- indagou Luna sentindo a grama úmida tocando-lhe os pés descalços.

- Se ela tivesse entrado por meios normais a escola já estaria cheia de aurores.- murmurou Draco.- Então ela deve ter vindo pela floresta.

- Salgueiro.- concluiu Luna.

- Porque o salgueiro?- indagou Draco sem entender a lógica existente naquilo tudo.

- Diz a lenda que há uma passagem que leva para fora do castelo por lá.- disse Luna sem perder o ritmo dos passos de rápidos de Draco.

- E desde quando você acredita no que diz a lenda?- indagou Draco meio mal humorado.

- Desde que...- Luna pareceu pensar.- Desde que sou eu.




****




Sua cabeça parecia prestes a estourar. Hermione lembrava de quando Harry sentia dores na cicatriz, mas isso conseguia definitivamente ser pior. Aquilo lhe parecia distante, mas ela sabia que era o que deveria ser feito.

O corpo esbelto da outra estava estendido quase ao pé do salgueiro lutador. Este, incrivelmente imóvel, parecia paralisado na expectativa do fim daquele duelo. Duelo? Aquilo não podia ser chamado de delo, ou podia? Duelos são feitos entre duas varinhas; as das bruxas ali presentes estavam completamente esquecidas em seus respectivos bolsos.

- Este corpo será pequeno de mais para nós duas, Belatriz.- murmurou Hermione.

- Este mundo já o é.- foi a resposta.

Com algum esforço Hermione olhou para o frasco em sua mão. Era provavelmente um veneno, o Antídoto de Snape. Toma-lo seria o fim para as duas, ela tinha ciência disso, mas heróis são aqueles que fizeram o que deveria ser feito e ela, Hermione Granger, desde o início era a heroína desta história.

A lua se apagou, assim como as luzes do castelo, e também as estrelas. O lago, habitado pela Lula gigante, tornou-se fosco e no meio de um corredor do segundo andar um rapaz de cabelos negros e cicatriz na testa parecendo meio desorientado freou sua corrida ao se ver no meio da completa escuridão.

- Lumus!- murmurou Harry antes de poder continuar seu caminho pelo corredor agora fracamente iluminado pela luz de sua varinha. Algo de errado estava acontecendo. Aquela escuridão tinha que terminar logo, ou ele nunca poderia encontrar Hermione.

Mal sabia ele que não longe dali tudo acabara de terminar, muito provavelmente para todo o sempre.

Na manhã seguinte os alunos caminhariam pelo gramado e ficariam chocados ao alcançar o salgueiro lutador. Gina choraria por três dias seguidos e Harry sentir-se-ia culpado por não ter ido atrás de Hermione antes. Draco por sua vez desapareceria algum tempo depois, antes mesmo do término do ano letivo. Luna não faria nada além de observar o caos e nem diria nada, é isso que um bom observador faz. Há sábios que não são reconhecidos por ficaram calados por opção, ou simplesmente por achar que não serão entendidos.




****Continua****



Compartilhe!

anúncio

Comentários (0)

Não há comentários. Seja o primeiro!
Você precisa estar logado para comentar. Faça Login.