Decisões



Decisões


— Então, Harry — Rony Balbuciou — Não está feliz com seu companheiro?
Harry nada conseguiu fazer além de fitá-lo, boquiaberto.
— Não o provoque, Rony. — Sorrindo, a mãe de Harry aproximou-se do filho e tocou-lhe o ombro. — Como Harry poderia saber que você não é quem parece ser? Explique a ele.
Rony tirou a capa rasgada que usava e deixou-a cair no chão a seus pés. Sob a capa, havia roupas rústicas, mas limpas. Ele endireitou os ombros, afastou os cabelos emaranhados do rosto, enrijeceu o maxilar e ergueu a cabeça. De repente, parecia totalmente diferente, alto, forte e muitos anos mais jovem.
— Eu também vivi no palácio, quando seu pai e o rei Endon eram jovens, Harry — contou, com uma voz totalmente diferente. — Eu era filho de Min, a ama-seca dos garotos, mas eles não me conheciam nem eu a eles. Enquanto eles tinham aulas, eu estava praticando para ser guarda do palácio.
— Mas... mas você viveu toda a sua vida fora da ferraria — Harry gaguejou.
— Deixei o palácio na noite em que minha mãe foi morta — Rony informou, a expressão sombria. — Eu sabia que, se ficasse, teria o mesmo fim. Meu uniforme de guarda ajudou-me a passar pelos portões do palácio, e vim para cá.
— Por que para cá? — Harry quis saber, engolindo em seco.
— Acho que foi o destino que me guiou, assim como fez com Jarred antes de mim — Rony respondeu, tranqüilo. — Era tarde da noite. A cabana estava mergulhada na escuridão. Eu me escondi na ferraria e adormeci. Quando finalmente acordei, muitas horas mais tarde, era dia, embora não parecesse. Soprava um vento terrível. Ainda sonolento, saí aos tropeços e vi quatro estranhos no portão. Sei agora que eram Jarred e Anna ajudando o rei e a rainha a escapar. Até então, eu nada sabia.
Rony fitou o pai de Harry.
— Jarred ficou espantado de ver um guarda do palácio aproximando-se dele, cambaleante — acrescentou secamente. — Ele me cumprimentou com um soco que me fez dormir novamente por um bom tempo.
Harry sacudiu a cabeça, mal acreditando que o pai, tão afável, pudesse bater em alguém.
— Quando despertei novamente, percebi que Jarred e Anna não me temiam mais — Rony prosseguiu. — Enquanto eu estava inconsciente, externei minha dor e meus receios em altos brados. Eles ficaram sabendo quem eu era e compreenderam o perigo que me ameaçava. Sabiam que eu era um amigo.
— É verdade — a mãe de Harry confirmou. Ela se voltou para o filho.
— Contamos a Rony quem haviam sido nossos visitantes. Pedimos que nos ajudasse a procurar as pedras perdidas de Deltora quando chegasse o momento.
— Concordei de boa vontade — Rony contou, sério. — Eu já tinha decidido que faria qualquer coisa para destruir Voldemort e vingar a morte de minha mãe.
— É... incrível — Harry falou. — Todo esse tempo, você...
— Todo esse tempo, fiquei em segurança, disfarçado de mendigo — Rony completou tranqüilamente. — Jarred e Anna me ofereceram comida e abrigo e me ajudaram a desempenhar meu papel sem muito sofrimento. Em troca, tenho cuidado de você desde os seus dez anos de idade...
— Cuidado de mim? — Harry indagou, espantado.
— Ah, sim — Rony resmungou. — Depois que seu pai se feriu, eu disse que sairia sozinho em busca das pedras quando chegasse o momento, mas Jarred e Anna tinham outra opinião. Eles achavam que você deveria ter a oportunidade de cumprir a promessa de seu pai.
Ele olhava para os pais de Harry enquanto falava. O casal se manteve impassível, mas ficou claro para o rapaz que houve muitas discussões sobre o assunto no passado. Estava claro que Rony preferia viajar sozinho.
"Ele acha que serei um fardo", Harry pensou, zangado. Mas antes que pudesse dizer qualquer coisa, Rony prosseguiu.
— Concordei com sua companhia sob a condição de que você pudesse aguçar a sagacidade e aprender a viver vagando livre pela cidade. Acho que isso foi muito importante na sua preparação para os momentos que o esperam, tão importante quanto os estudos nos livros e o manejo da espada. Mas, naturalmente, você tinha de ser protegido dos verdadeiros perigos, sem saber.
— Não foi fácil, jovem Harry, mantê-lo fora de perigo — Rony comentou, os lábios torcendo-se num sorriso. — E isso me faz lembrar uma coisa. Acho que você está com minha corda... — ele completou e estendeu a mão.
Sem ousar fitar os pais, Harry passou-lhe o rolo de corda que havia atirado a um canto. Um forte calor subiu-lhe pelo rosto, quando lembrou como tinha se orgulhado de suas muitas escapadas felizes ao longo dos anos e como tinha se vangloriado delas diante dos amigos. Então, elas não tinham acontecido por sorte ou habilidade. Rony tinha sido o seu guarda-costas o tempo todo.
Harry baixou o olhar, o estômago revirado por intenso constrangimento. "Ele deve achar que sou um idiota!", pensou em silêncio, com raiva. "Uma... uma criança de quem teve de cuidar como se fosse uma ama-seca. Ele deve ter rido muito às minhas custas. "
Harry percebeu que Rony falava novamente e obrigou-se a erguer os olhos.
— Meus trapos de mendigo foram úteis de outras formas — disse o homem, prendendo a corda ao cinto com calma. — Os Comensais conversavam livremente na minha frente. Por que deveriam se importar com o que um mendigo retardado escuta?
— É por causa das informações que Rony reuniu no ano passado que sabemos que chegou o momento de agir — acrescentou o pai de Harry, fitando o rosto sombrio do filho com ansiedade. — Faminto por mais conquistas, finalmente Voldemort desviou o olhar de nós para terras do outro lado do mar. Navios de guerra estão sendo lançados de nossa costa.
— Ainda há muitos Comensais na cidade, mas, segundo dizem, poucas novas patrulhas no interior — Rony contou. — Eles deixaram o interior para os bandos de ladrões e outros horrores que ocorrem desenfreadamente por lá. Sempre houve fatos terríveis e seres malignos em Deltora, mas antes havia o bem para equilibrá-los. Com a chegada de Voldemort, o equilíbrio terminou. O mal tornou-se muito mais poderoso.
Um frio percorreu o corpo de Harry, aplacando sua ira. Mas os olhos de Rony encontravam-se pousados nele, e ele preferiria morrer a demonstrar o medo que sentia.
— Você já decidiu qual vai ser nosso roteiro? — Harry perguntou abruptamente, apanhando o mapa.
Pareceu-lhe que o pai estava prestes a dizer algo, mas Rony respondeu primeiro, indicando um ponto no mapa com o dedo áspero.
— Acho que devemos ir para o leste, diretamente para as Florestas do Silêncio.
Três gritos sufocados de pavor se fizeram ouvir no pequeno aposento.
— Decidimos que as Florestas seriam nossa última prova, não a primeira, Rony. — Jarred falou com voz rouca.
— Ouvi algo hoje que me fez mudar de idéia — Rony deu de ombros. — Os Comensais sempre temeram as Florestas, assim como nós.
Mas parece que agora nem mesmo os Comensais ousam se aproximar delas, devido às baixas que sofreram. As estradas que as cercam estão completamente livres, pelo menos no que se refere a Comensais.
Enrijecido pelo medo, Harry observou o mapa com olhos vidrados. Enfrentar as Florestas do Silêncio, palco de pesadelos infantis, em algum momento do futuro, era uma coisa. Enfrentá-las tão depressa, numa questão de dias, era outra.
— O que você acha, Harry? — indagou Rony.
A voz era casual, mas Harry tinha certeza de que a pergunta era um teste. Ele umedeceu os lábios, ergueu os olhos do mapa e encontrou o olhar do homem alto com firmeza.
— Parece que o seu plano é bom, Rony. — ele respondeu. — Sem comensais para nos incomodar, poderemos agir depressa. E, se pudermos encontrar uma pedra rapidamente, ficaremos entusiasmados para seguir em frente.
Os olhos de Rony brilharam. "Eu estava certo", pensou Harry. "Ele achou que eu me recusaria a acompanhá-lo. Ele pensou que se livraria de mim. Pois bem, ele estava errado.”
— E então, Jarred? — Rony indagou, áspero.
— Parece que o destino decidiu alterar os meus planos — ele murmurou, abaixando a cabeça. — Preciso concordar. Faça como achar melhor. Nossos pensamentos e esperanças irão acompanhá-los.


N/A: Mais um capitulo..

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