O cinturão de Deltora



O cinturão de Deltora

Após horas de pesquisa, Jarred finalmente encontrou um livro que imaginou que o ajudaria. Tratava-se de um exemplar encadernado com tecido azul-claro desbotado, cujas letras da capa estavam desgastadas.

Contudo, o título em seu interior ainda era bastante nítido.

“ O CINTURÃO DE DELTORA “
“ Sua história, seu poder e sua magia ”



O livro não se parecia nem um pouco com os esplêndidos volumes pintados à mão que ele e Endon liam na sala de aula. Tampouco com os muitos outros exemplares pesados que se encontravam nas prateleiras da biblioteca.
O livro era pequeno, fino, muito empoeirado e fora enfiado no canto mais escuro da biblioteca, entre pilhas de papéis, como se alguém quisesse que fosse esquecido.
Com cuidado, Jarred levou o velho livro até uma mesa. Ele planejava lê-lo do começo ao fim. A tarefa talvez lhe tomasse a noite inteira, mas não esperava ser perturbado. Ninguém o procuraria. Endon iria diretamente do grande saguão para a capela, onde o corpo do pai jazia cercado por velas e o velaria sozinho até o amanhecer, conforme ordenava a Norma.
"Pobre Endon", pensou Jarred. "Há apenas alguns dias fez o mesmo pela mãe. Agora está sozinho no mundo, como eu. Mas, pelo menos, temos um ao outro. Somos amigos até a morte, e eu o protegerei da melhor forma possível. "
"Mas protegê-lo de quê?"
A pergunta penetrou-lhe a mente como uma lâmina afiada. Por que, de repente, começara a temer por Endon? Quem ou o que poderia ameaçar o todo-poderoso rei de Deltora?
"Estou cansado", concluiu Jarred. "Estou imaginando coisas. "
Ele sacudiu a cabeça com impaciência e acendeu uma vela nova para iluminar a escuridão. Mas a lembrança do sorriso perverso no rosto de Prandine quando ele tornou a guardar o Cinturão Mágico continuou a visitar-lhe a mente como a sombra de um pesadelo. Jarred franziu a sobrancelha, baixou a cabeça sobre o livro, virou a primeira página e começou a ler.

Em épocas passadas, Deltora era dividida em sete tribos. As tribos lutavam pelas fronteiras, mas, fora isso, permaneciam em suas terras. Cada uma possuía uma pedra preciosa extraída das profundezas da terra, um talismã com poderes especiais.
Houve uma época em que o Inimigo da Terra das Sombras lançou seu olhar ganancioso sobre Deltora. As tribos estavam divididas, e apenas uma delas poderia repelir o invasor, que começou a triunfar.
Um herói, de nome Adin, surgiu entre o povo. Ele era um homem comum, um ferreiro que fabricava espadas, armaduras e ferraduras para cavalos, mas que havia sido abençoado com força, coragem e inteligência.
Certa noite, Adin teve um sonho em que apareceu um cinturão esplêndido e especial, no qual sete medalhões de aço seriam forjados de modo a atingir a espessura da seda e ligados por uma fina corrente. Em cada medalhão, seria fixada uma das pedras preciosas tribais.
Adin percebeu que o sonho tinha um propósito e trabalhou em segredo durante vários meses, a fim de criar um cinturão semelhante ao que lhe tinha sido mostrado no sonho. Em seguida, viajou pelo reino para convencer cada tribo a permitir que seu talismã fosse acrescentado a ele.
No início, elas se mostraram desconfiadas e cautelosas, mas, uma a uma, desesperadas para salvar suas terras, concordaram. À medida que cada pedra se tornava parte do cinturão, sua tribo se fortalecia. Mas o povo manteve sua força em segredo e aguardou.
Quando, finalmente, o cinturão foi concluído, Adin prendeu-o à cintura e ele brilhou como o sol. Então, todas as tribos se uniram ao seu redor, formaram um grande exército e, juntas, expulsaram o inimigo de suas terras.
E, assim, Adin tornou-se o primeiro rei das tribos unidas de Deltora e governou o reino longa e sabiamente. Nunca, porém, ele esqueceu que era um homem do povo e que a confiança depositada nele era a fonte de seu poder. Ele tampouco esqueceu que o Inimigo, embora derrotado, não fora destruído. Ele sabia que o Inimigo era inteligente, astuto e que, no que se referia à sua ira e inveja, mil anos eram o mesmo que um piscar de olhos. Assim sendo, sempre usava o Cinturão, que jamais ficava fora de suas vistas...

Jarred prosseguiu a leitura e, quanto mais lia, mais preocupado ficava. Ele carregava lápis e papel no bolso, mas não precisava tomar notas. As palavras do livro pareciam estar deixando uma marca em seu cérebro, como se fossem escritas com fogo. Ele estava aprendendo mais do que imaginara. Não apenas sobre o Cinturão de Deltora, mas sobre a Norma.

O primeiro a deixar o Cinturão de lado foi o neto de Adin, o rei Elstred, que, devido à boa vida que levava, ficou gordo ao atingir a meia-idade e achou que o aço lhe machucava a barriga. O conselheiro-chefe de Elstred apaziguou-lhe os temores e disse que o Cinturão precisava ser usado somente em ocasiões especiais. A filha de Elstred, rainha Adina, adotou o comportamento do pai e usou o Cinturão apenas cinco vezes em seu reinado. Seu filho, o rei Brandon, usou-o somente em três ocasiões. E, por fim, tornou-se um hábito usá-lo apenas no dia da coroação...
Por insistência do conselheiro-chefe, o rei Brandon ordenou aos construtores que erguessem um grande palácio na colina, no centro da cidade de Del. A família real mudou-se da velha ferraria para o palácio e, com o passar do tempo, tornou-se um hábito permanecer dentro de seus muros, onde nenhum mal poderia atingi-los...

Quando Jarred finalmente fechou o livro, seu coração estava pesado. A vela quase se extinguira, e as primeiras cores do amanhecer se mostravam na janela. Ele permaneceu sentado por um momento, pensando. Escondeu o livro dentro da camisa e foi correndo procurar Endon.
A capela ficava no subsolo, num canto tranqüilo do palácio. O local era frio e silencioso. Cercado de velas, o corpo do velho rei repousava numa plataforma de mármore elevada no centro do aposento. Endon estava ajoelhado a seu lado, a cabeça curvada.
Ele ergueu a cabeça quando Jarred irrompeu no aposento. Seus olhos estavam vermelhos de tanto chorar.
— Você não deveria estar aqui, Jarred — ele sussurrou. — É contra a Norma.
— Já amanheceu — Jarred esclareceu, ofegante. — E eu precisava vê-lo.
Endon levantou-se, rígido, e aproximou-se do amigo.
— O que foi? — ele perguntou, em voz baixa.
A cabeça de Jarred fervilhava com as informações que lera. As palavras saíram-lhe da boca aos borbotões.
— Endon, você sempre deve usar o Cinturão de Deltora, como faziam os antigos reis e rainhas.
Endon olhou-o fixamente, perplexo.
— Venha — Jarred pediu, tomando-o pelo braço. — Vamos apanhá-lo agora.
Mas Endon não o acompanhou e sacudiu a cabeça.
— Você sabe que não posso fazer isso, Jarred. A Norma... Jarred bateu o pé com impaciência.
— Esqueça a Norma! Ela não passa de um conjunto de tradições que foram crescendo com o passar dos anos e foram transformadas em lei pelos conselheiros-chefes. É perigoso, Endon! Por causa dela, cada novo governante tem ficado mais fraco do que o anterior. Isso precisa parar, e com você! Você precisa apanhar o Cinturão e usá-lo e, depois, atravessar comigo os portões do palácio.
Ele falava depressa e de modo intempestivo. Agora, Endon franzia o cenho e se afastava dele.
— Você está doente, meu amigo — ele sussurrava, nervoso. — Ou andou sonhando.
— Não! — Jarred insistiu, seguindo-o. — É você que está vivendo um sonho. Você precisa ver como as coisas são fora do palácio, na cidade e mais adiante.
— Eu vejo a cidade, Jarred — afirmou Endon. — Eu a observo da janela todos os dias. É maravilhosa.
— Mas você não fala com o povo. Você não anda entre as pessoas.
— Claro que não. Isso é proibido pela Norma! — Endon espantou-se. — Mas sei que está tudo bem.
— Você não sabe de nada, exceto o que Prandine lhe conta — Jarred gritou.
— E isso não é o bastante? — Uma voz gélida cortou o ar como uma lâmina de aço.








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