O inimigo ataca



O Inimigo Ataca

Anos se passaram, e a vida prosseguiu seu curso. Jarred e Anna se casaram. O velho Crian morreu, e Jarred ocupou o posto como ferreiro.
Às vezes, ele quase esquecia que vivera outro tipo de vida. Era como se os anos passados no palácio tivessem sido um sonho. Mesmo assim, todos os dias, pela manhã, ele observava a árvore na colina. E, muitas vezes, ainda lia o pequeno livro que encontrara na biblioteca do palácio. Ele temia o que o futuro poderia lhes reservar. Temia por sua amada Anna e pela criança que esperavam. Temia por si próprio, por Endon e por toda a Deltora.
Certa noite, exatamente sete anos após a noite em que Endon fora coroado, Jarred revirou-se na cama, inquieto.
— Já vai amanhecer e você não dormiu, Jarred — Anna finalmente comentou, carinhosa. — O que o está preocupando?
— Não sei, querida — Jarred murmurou. — Mas não consigo descansar.
— Talvez o quarto esteja muito quente — ela disse, saindo da cama. — Vou abrir um pouco mais a janela.
Anna puxou as cortinas para os lados e estendia a mão para o trinco da janela quando, de repente, gritou e deu um salto para trás.
— Ali! — exclamou, apontando, quando Jarred a abraçou. — Ah, Jarred, o que é aquilo?
Jarred olhou pela janela e prendeu a respiração. No céu acima do palácio, na colina, formas monstruosas giravam formando círculos.
Ainda estava muito escuro para vê-las com nitidez, mas não havia dúvidas de que se tratava de pássaros gigantescos. Eram sete, seus pescoços eram longos, e os bicos imensos e curvos tinham um aspecto cruel. Eles batiam as asas desajeitadas, mas poderosas, cortando o ar. Enquanto Jarred observava, eles desceram, subiram novamente e se separaram, voando rapidamente em diferentes direções.
Um nome lhe veio à mente. Um nome que aprendera no passado, na sala de aula.
— Ak-Baba — ele murmurou, intensificando o abraço ao redor de Anna.
Ela voltou-se para ele, os olhos muito abertos e amedrontados.
— Ak-Baba — ele repetiu devagar, ainda fitando o palácio. — Pássaros enormes que se alimentam de carniça e vivem mil anos. Sete deles servem ao Senhor das Sombras.
— Por que estão aqui? — Anna sussurrou.
— Eu não sei, mas receio que... — Jarred interrompeu-se bruscamente e se inclinou para a frente. Ele vira algo faiscando aos primeiros tênues raios de sol.
Por um momento, não conseguiu se mover. Então, ele se voltou para Anna, o rosto pálido e sombrio.
— A flecha de Endon está na árvore — ele contou. — O chamado veio.
Momentos depois, Jarred estava vestido e saiu correndo da casa nos fundos da ferraria. Ele subiu rapidamente a colina em direção ao palácio, os pensamentos agitados.
Como conseguiria contatar Endon? Se escalasse os muros, os guardas no interior certamente o veriam. Ele seria atingido por dezenas de flechas antes de chegar ao chão. A carroça que recolhia o lixo não tinha utilidade para ele. Prandine certamente adivinhara que Jarred a usara para escapar, pois ela não tinha mais permissão para entrar no palácio. Agora, tinha de aguardar entre os dois portões, enquanto os guardas se incumbiam de carregá-la com sacos.
Somente Endon poderia ajudá-lo, Jarred pensou enquanto corria. Talvez ele esteja vigiando, esperando por mim...
Porém, ao reduzir a marcha ofegante, perto dos portões, pôde constatar que eles se encontravam firmemente fechados, e a estrada se encontrava deserta.
Jarred se aproximou, e um calafrio lhe percorreu a espinha. A grama alta que circundava o palácio sussurrava ao som da brisa do amanhecer. E se estivesse se dirigindo a uma armadilha? Era possível que, a qualquer momento, guardas saltassem de seus esconderijos e o agarrassem. Talvez Endon tivesse decidido, por fim, traí-lo e entregá-lo a Prandine.
Seus pés roçaram algo caído em meio à poeira da estrada. Jarred olhou para baixo e viu uma flecha de madeira de criança. Um pequeno pedaço de papel havia sido preso ao redor de sua haste.
Com o coração aos saltos, Jarred apanhou a flecha e tirou o papel, mas, ao alisá-lo e examiná-lo, seu entusiasmo desapareceu.
Tratava-se somente de um desenho infantil. Alguma criança do palácio estava brincando, praticando arco-e-flecha, e o atirara por sobre os muros, como ele e Endon haviam feito um dia.
Aborrecido, Jarred amassou o papel e jogou-o ao chão. Olhou mais uma vez na direção dos portões fechados e da estrada vazia. Ainda não havia nenhum movimento, nenhum sinal. Não havia nada além da flecha de madeira jogada na poeira. A pequena bola de papel afastava-se dele devagar, impulsionada pela brisa. Ele a fitou e os versos tolos lhe voltaram à mente.
Estranho, ele pensou em vão. Os versos quase pareciam uma série de instruções. Instruções que uma criança pequena podia recitar e lembrar.
“ Desperte o urso e siga sem medo seu curso ”
“ Corra, ratinho, entre em sua toca rapidinho. Erga a tampa e veja que sorte por ter escapado da morte. “


Jarred teve uma idéia. Correu atrás do papel e apanhou-o novamente. Alisou-o e examinou-o com atenção, dessa vez notando dois fatos que lhe passaram despercebidos antes. O papel estava amarelado pelo tempo, e a letra, embora infantil, lhe era estranhamente familiar.
Endon escrevia dessa maneira quando era pequeno, ele lembrou intrigado. E fora Endon que fizera o desenho também, tinha certeza!
De repente, percebeu o que devia ter acontecido. Endon tinha pouco tempo, no entanto queria enviar uma mensagem a Jarred. Assim, ele apanhou um de seus antigos desenhos infantis e atirou-o por sobre o muro. E usara a flecha de madeira com que brincava quando criança para que os guardas não desconfiassem, caso a vissem na estrada.
E, se Jarred estivesse certo, Endon não tinha escolhido um desenho qualquer. Aquele tinha um significado especial para ele. Por que outro motivo o teria guardado?
Desperte o urso
e siga sem medo o seu curso.
Jarred não esperou mais. Com o papel amassado na mão, saiu da estrada e se dirigiu à esquerda, acompanhando o muro.
A estrada não podia mais ser vista quando ele encontrou o que procurava. Apesar de coberta por grama alta e oculta por alguns arbustos esparsos, o contorno de uma imensa rocha estava nítido. E ela realmente parecia um animal adormecido.
Jarred abriu caminho entre a vegetação rasteira até a rocha. Ele constatou que, numa das extremidades, onde o focinho do urso repousava sobre as patas, a grama crescia com menos vigor do que em qualquer outro ponto. Por que seria? A menos que...
— Hora de acordar, velho urso — Jarred resmungou em voz alta. Ele correu até a rocha, pôs-se de joelhos e começou a puxar a grama fraca. Ela se soltou com facilidade e, à medida que remexia a terra debaixo dela, Jarred constatou, com uma onda de alívio, que estava certo. Ali havia apenas uma fina camada de solo. Logo abaixo, encontrava-se uma grande placa redonda de metal.
Foram precisos somente alguns instantes para que suas mãos fortes expusessem a placa completamente e a puxassem para o lado. Um buraco escuro apareceu. Suas paredes eram revestidas de pedra e, surpreso, Jarred percebeu que encontrara a entrada de um túnel.
Corra, ratinho,
entre em sua toca rapidinho.
Ele sabia o que devia fazer. Deitou-se de bruços e rastejou para dentro do buraco apoiado nos cotovelos, até que o espaço aumentou e sua tarefa ficou mais fácil.
"Então, o rato entrou em sua toca", ele pensou sério, enquanto avançava pela escuridão. "Espero que não haja nenhum gato na outra extremidade. "
Por alguns metros, o túnel descreveu uma descida, depois tornou a se nivelar. Jarred percebeu que estava passando pelo centro da colina. O ar estava parado, as paredes ao seu redor eram feitas de velhas pedras, e a escuridão era total. Ele continuou a rastejar e perdeu a noção do tempo.
Finalmente, o túnel terminou em frente a alguns degraus íngremes que levavam para cima. O coração de Jarred batia forte, e ele começou a subir cegamente. Tinha de caminhar às apalpadelas, sempre para cima, um passo de cada vez. Então, sem aviso, ele bateu o alto da cabeça em uma pedra. Assustado, constatou que o caminho à sua frente se encontrava bloqueado. Não podia seguir adiante.
O pânico o invadiu. Aquilo seria mesmo uma armadilha? Estariam os guardas se arrastando no túnel em seu encalço, sabendo que o encontrariam escondido ali, sem poder escapar?
Então, em meio à confusão de seus pensamentos, ele se lembrou.
Erga a tampa e veja que sorte
por ter escapado da morte.
O pânico desapareceu. Jarred estendeu os braços, empurrou com firmeza e sentiu a pedra acima de sua cabeça se mover. Empurrou com mais força, cambaleou e quase caiu quando, com um rangido, a pedra se moveu sem esforço para o lado.
Ele subiu os últimos degraus, deixando a escuridão para encontrar uma luz fraca e bruxuleante.
— Quem é você? — bradou uma voz grave e zangada.
Um vulto alto e indistinto surgiu à frente dele. Jarred o fitou, piscando. Depois de tanto tempo na escuridão, seus olhos lacrimejavam, ofuscados pela luz.
— Meu nome é Jarred — ele gritou. — Afaste-se!
Ele se levantou com esforço, procurando a espada às cegas. Então, de repente, com um farfalhar de seda e um ruído de ornamentos de ouro, o vulto caiu de joelhos a seus pés.
— Ah, Jarred, como pude não reconhecê-lo? — a voz gritou. — Em nome de nossa velha amizade, eu lhe imploro que perdoe o que houve no passado. Você é a única pessoa em quem posso confiar. Por favor, nos ajude!
E somente então Jarred se deu conta de que o homem aos seus pés era Endon.


N/A: Por enquanto a história ainda esta identica a original, ela irá mudar um pouco quando Harry aparecer.

Compartilhe!

anúncio

Comentários (0)

Não há comentários. Seja o primeiro!
Você precisa estar logado para comentar. Faça Login.