O segredo



O segredo


Atônito com o que acabara de ouvir, Harry olhou fixamente o pai. Era como se o estivesse vendo com novos olhos.
— Você viveu no palácio? Você era amigo do rei? Você... não posso acreditar! Não vou acreditar!
— Você deve acreditar, meu filho — o pai retrucou, sério, os dedos apertados. — Por que outro motivo acha que temos vivido tão quietos todos esses anos, obedecendo mansamente a todas as ordens que nos foram dadas, sem nunca nos rebelar? Muitas, muitas vezes, me vi tentado a fazer o contrário, porém eu sabia que tínhamos de evitar atrair a atenção do inimigo para nós.
— Mas... mas por que vocês nunca me contaram antes? — Harry disparou.
— Achamos que seria melhor manter segredo até agora, Harry — a mãe respondeu. Ela estava parada ao lado do fogo, fitando-o com seriedade.
— Entenda que era muito importante que nada disso chegasse aos ouvidos de Voldemort — ela prosseguiu. — E, até você atingir os dez anos, seu pai achava que ele mesmo iria procurar as pedras preciosas de Deltora quando chegasse o momento. Mas então...
Ela se interrompeu, fitando o marido sentado em sua poltrona, a perna ferida estendida rigidamente para a frente. Ele sorriu de um modo triste.
— Então caí da árvore e tive de aceitar que isso não iria acontecer — ele terminou por ela. — Ainda posso trabalhar na ferraria, o bastante para ganhar nosso pão, mas não posso viajar. E assim, Harry, a tarefa foi deixada para você. Se estiver disposto.
A cabeça de Harry girava tanto que parecia ter sido virada do avesso no curto período de uma hora.
— Então, o rei não está morto, afinal — ele murmurou, tentando assimilar o que ouvira. — Ele escapou com a rainha. Mas por que Voldemort não os encontrou?
— Quando chegamos à ferraria, o rei e a rainha se vestiram como simples operários — o pai contou. — Rapidamente, discutimos o plano de fuga, enquanto lá fora o vento bramia, e a escuridão provocada por Voldemort sobre o reino se intensificava. E, então, partimos.
Seu rosto estava vincado pelo sofrimento e pelas lembranças.
— Sabíamos que talvez nunca mais nos encontraríamos. Endon já percebera, que, devido à sua insensatez e ignorância, perdera o que restava da confiança do povo. O Cinturão nunca mais brilharia para ele e todas as nossas esperanças repousavam no filho que estava para nascer.
— Mas como você sabe se a criança nasceu em segurança e ainda está viva, meu pai? — Harry perguntou.
Jarred se levantou e tirou o velho cinto marrom que sempre usava no trabalho. Ele fora feito com duas peças de couro costuradas juntas e era forte e pesado. O homem abriu a costura de um lado com a faca e tirou o que estava escondido.
Harry prendeu a respiração. De dentro da peça de couro, saiu uma fina corrente de aço que unia sete medalhões do mesmo material. Mesmo simples e sem ornamentos, era o objeto mais bonito que já vira.
Ansioso por tocá-lo, estendeu as mãos, impaciente.
— Antes de escondê-lo, eu o consertei e o deixei pronto para receber as pedras preciosas mais uma vez — o pai contou, entregando-o a Harry. — Mas ele está de tal modo ligado ao sangue de Adin que se teria desfeito em pedaços se o herdeiro não existisse mais. Como você vê, ainda está intacto, e assim podemos ter certeza de que o herdeiro está vivo.
Maravilhado, Harry observou a peça deslumbrante que segurava, o Cinturão dos sonhos feito pelo próprio e admirável Adin. Quantas vezes ele lera a respeito em O Cinturão de Deltora, o pequeno livro azul-claro que o pai lhe dera para estudar? Ele mal conseguia acreditar que realmente o tinha nas mãos.
— Se você concordar em sair nessa busca, meu filho, deve colocar o Cinturão e nunca perdê-lo de vista até ele estar completo — ouviu a mãe dizer. — Está disposto a fazê-lo? Pense bem antes de responder.
Harry, porém, já tinha tomado a sua decisão. Ele fitou os pais, que aguardavam, os olhos brilhando.
— Estou disposto, sim — falou com firmeza. Sem hesitação, prendeu o Cinturão na cintura, sob a camisa, e sentiu o metal frio em contato com a pele. — Aonde devo ir para encontrar as pedras preciosas? — indagou.
O pai, repentinamente perturbado e pálido, sentou-se novamente e olhou o fogo fixamente.
— Enquanto nos preparávamos para este momento, ouvimos muitas histórias de viajantes — ele disse finalmente. — Vou lhe contar o que sabemos. Prandine disse que as pedras estavam espalhadas, escondidas em lugares onde ninguém ousaria procurá-las.
— Suponho que isso signifique que elas estão em locais aonde as pessoas têm medo de ir — Harry deduziu.
— Temo que sim. — Jarred apanhou um pergaminho na mesa ao lado de sua poltrona e começou a desenrolá-lo devagar. — Sete Ak-Babas estavam voando juntos ao redor da torre do palácio no dia em que as pedras foram roubadas — ele prosseguiu. — Eles se separaram e seguiram em direções diferentes. Achamos que cada um carregou uma das pedras e se dirigiu a um determinado lugar, a fim de escondê-las. Veja aqui, eu fiz um mapa.



Com o coração batendo como um tambor, Lief inclinou-se para olhar os nomes que o pai apontava, um a um.
— O Lago das Lágrimas — Harry leu. — A Cidade dos Ratos, As Dunas, A Montanha do Medo, O Labirinto da Besta, O Vale dos Perdidos, As Florestas do Silêncio... — Sua voz vacilou. Os nomes encheram-no de temor, especialmente o último.
As histórias terríveis que tinha ouvido sobre as Florestas, não muito distantes, a leste de Del, invadiram a mente de Harry e, por um instante, o mapa ficou embaçado diante de seus olhos.
— Ao longo dos anos, diferentes viajantes me contaram ter visto um Ak-Baba solitário pairando sobre um ou outro desses sete locais no dia em que Voldemort chegou — o pai lhe informou. — Temos certeza de que é neles que você deve procurar pelas pedras. Pouco se sabe sobre eles, mas todos têm uma reputação maligna. Sua tarefa será longa e perigosa, Harry. Ainda está disposto a enfrentá-la?
A boca de Harry estava seca. Ele engoliu e assentiu com um gesto.
— Ele é tão jovem! — a mãe deixou escapar abruptamente. Curvou a cabeça e ocultou o rosto entre as mãos. — Oh, não vou suportar!
Harry correu para o lado dela e envolveu-a num abraço.
— Eu quero ir, mãe! — ele exclamou. — Não chore por mim.
— Você não sabe o que está prometendo — ela gritou.
— Talvez não, mas sei que faria todo o possível para livrar nossa terra de Voldemort.
Ele afastou-se da mãe e fitou o pai.
— Onde está o herdeiro? — ele indagou, excitado. — Pelo menos isso você sabe com certeza, meu pai, pois foi você quem lhes sugeriu o esconderijo.
— Talvez, mas não posso colocar nossa causa em risco contando-lhe a verdade — tornou o pai com calma. — O herdeiro não tem poderes sem o Cinturão e deve permanecer escondido até que ele esteja completo. Você é jovem e impaciente, Harry, e a estrada que irá percorrer é difícil. É possível que você ceda à tentação e procure o herdeiro antes de concluir sua busca. Não posso arriscar.
Harry abriu a boca para argumentar, mas o pai ergueu a mão e sacudiu a cabeça.
— Quando todas as pedras estiverem no lugar, o Cinturão o conduzirá até o herdeiro, meu filho — concluiu com firmeza. — Você deve esperar até lá.
Deu um meio sorriso para o filho, que suspirou, frustrado. Então, abaixou-se e retirou algo que estava embaixo da poltrona.
— Talvez isso o anime — ele disse. — É meu presente de aniversário para você.
Harry fitou a espada brilhante e fina que o pai segurava nas mãos. Nunca imaginara possuir uma arma como aquela.
— Eu a fiz em nossa própria forja — o pai informou, entregando-lhe a espada. — É o trabalho mais refinado que já criei. Cuide bem dela, e ela cuidará de você.
Ao concordar com o pai com um gesto e balbuciar palavras de agradecimento, deu-se conta de que a mãe também lhe estendia um presente. Tratava-se de uma capa finamente tecida, macia, leve e quente. Sua cor parecia mudar de acordo com os movimentos, de modo que era difícil afirmar se era marrom, verde ou cinza. "É de alguma cor entre essas três", Harry decidiu finalmente. Como as águas do rio no outono.
— Isso também servirá para cuidar de você, aonde quer que vá — a mãe sussurrou, colocando a capa nas mãos dele e beijando-o — O tecido é... especial. Usei de toda a minha habilidade para fabricá-lo e reuni muito amor e várias lembranças em sua trama, além de força e calor.
Jarred se levantou e envolveu-lhe os ombros num abraço. Ela apoiou-se nele com carinho, os olhos marejados de lágrimas.
— Vocês nunca duvidaram que eu concordaria com essa busca — disse Harry em voz baixa, fitando ambos.
— Nós o conhecemos bem demais para duvidar — a mãe respondeu, tentando sorrir. — Eu também tinha certeza de que você iria querer partir imediatamente. Já preparamos comida e água para os primeiros dias de sua jornada. Se quiser, pode partir dentro de uma hora.
— Hoje à noite? — Harry se assustou. Ele sentiu um aperto no coração. Não imaginara que seria tão rápido, no entanto, quase de imediato, percebeu que a mãe tinha razão. Agora que a decisão tinha sido tomada, ele não queria nada além de começar.
— Há mais uma coisa — disse o pai, mancando em direção à porta. — Você não vai estar sozinho nessa busca. Vai ter um companheiro.
Harry mostrou-se intrigado. As surpresas daquela noite nunca iriam terminar?
— Quem?... — ele começou.
— Um bom amigo. O único homem digno de confiança que conhecemos — o pai respondeu, ríspido, e abriu a porta com um gesto brusco.
E, para espanto de Harry, Rony, o mendigo, entrou no aposento arrastando os pés.


N/A: Mais um capitulo postado... creio que em alguns dias já estarei publicando a continuação desta fic...



Compartilhe!

anúncio

Comentários (0)

Não há comentários. Seja o primeiro!
Você precisa estar logado para comentar. Faça Login.