APENAS AMIGOS



CAPÍTULO XXI



APENAS AMIGOS



Para alívio e decepção de Hermione, Rony não passou pela loja naquela sexta-feira. Reconhecendo uma certa tristeza disse para si mesma que estava sendo ridícula. Aquilo era tudo que queria. Ficar sozinha, terminar de arrumar a loja em paz e manter a vida na rota que tinha traçado. Uma rota que só tinha planos para seus pais e para seu trabalho. E Bichento, é claro. O felino tinha se adaptado bem na nova casa, afinal ele era uma mistura de gato com amasso e dava-se extremamente bem tanto em ambientes bruxos como em ambientes trouxas.



Bem, ela era uma garota que apreciava a solidão. Foi assim nos seus primeiros anos de vida. Apenas nos sete anos em que estudou em Hogwarts é que fez verdadeiras amizades: Rony, Harry e Gina. Mas mesmo com eles, ela se viu muitas vezes sozinha e incompreendida. Várias vezes imaginou que quando saísse de lá voltaria a ser uma pessoa solitária novamente, pois era muito difícil construir amizades como aquelas. E, como cada um iria cuidar de suas vidas, esse afastamento seria natural. Como estava sendo, afinal.



Trabalhar era o que ela precisava continuar a fazer, trabalhar e trabalhar... Se sobrasse algum tempo... Talvez ela começasse a aceitar convites de alguns rapazes... E, quem sabe, esquecesse Ronald Weasley. Não precisava de um homem ruivo, alto e forte para ocupar esse tempo. De jeito nenhum.




Mesmo assim, ela surpreendeu-se olhando para a porta com freqüência. Queria estar preparada para uma invasão de Rony. Esperava que ele tivesse sorte com o caso de Eileen. Seria um duro golpe para ele se algo desse errado... Mas por que será que não dera notícias até agora? Isso já era falta de consideração com ela. Fizera sua parte, embora não concordasse com aquilo: na noite anterior conversou com seus pais e eles iriam confirmar que tanto ela como Rony moravam lá. O jeito agora era esperar. Provavelmente, com a eventual falta de tato masculino, ele nem se lembraria que ela poderia estar preocupada também.



Suando, enquanto enfeitiçava mais um carregamento de livros enviando-os para o andar superior, Hermione percebeu que sentia falta de Rony. E uma parte dela estava bem irritada com isso. Mas tinha que tomar uma decisão. Ou queria a atenção do ruivo ou não estava interessada. Se a primeira alternativa fosse verdadeira, tinha que agir depressa. Caso contrário... Bem, poderia respirar aliviada, porque a vitória estava garantida. Mas não se sentia vitoriosa...



Tentou concentrar-se no trabalho e esquecer o homem que ameaçava destruir sua paz de espírito. Trabalhava com determinação, encontrando os melhores lugares para acomodar os últimos livros que saíram pulando da caixa. Quando conseguiu acomodar o último já eram mais de sete horas.



Cansada, decidiu encerrar o expediente. Depois de trancar a porta, olhou para o cartaz que anunciava a inauguração e pensou em antecipar a data, já que tudo corria melhor do que o planejado. As ruas já estavam desertas àquela hora e, pensando no aconchego da sua casa e em seu gato, desaparatou.



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Hermione aparatou no jardim de sua casa e imediatamente sacou de sua varinha. Acostumando os olhos a pouca iluminação tentava distinguir o vulto que estava acomodado em sua varanda. “Seria algum velho bruxo bêbado?” Caminhando vagarosamente, ela se aproximava apertando os olhos, conjurando o Lumus. O vulto não se mexia, parecia dormir envolto no que parecia uma capa ou um sobretudo. Ao chegar bem perto apontou sua varinha e disse:



_ Lumus Maxima! – Imediatamente reconheceu aqueles cabelos ruivos e exclamou: _ Rony! Mas o quê...? Oh, Merlin! – Hermione levou a mão à boca ao perceber que ele não estava só.



_ Oh! Olá, Mione – disse ele, erguendo aqueles doces olhos azuis para ela, ainda meio fechados. – Parecia cansado.



_ Você não trouxe ela pra cá sem autorização? Hein, Rony? Responda! – Hermione agora estava preocupada e aflita. – Desviou os olhos de Rony para Eileen que dormia calmamente em seus braços.



_ Eu não sou tão idiota quanto você acha... – disse ele – Mas preciso de sua ajuda novamente, por favor. – e levantou-se com a menina no colo. Ele trouxera apenas uma pequena mala que ela supôs ser de Eileen.



_ Eu não disse que você era idiota, Rony. - Respondeu ela mais calma e abriu a porta da casa com um feitiço e senha – Vamos, entre, por favor.



_ Você tem algum lugar onde eu possa colocá-la? – perguntou ele. – Viajamos o dia inteiro desde a hora em que ela foi liberada e depois de muita agitação e animação com todas as novidades, ela adormeceu.



_ Sorte que eu tenho uma cama no outro quarto. Espere um pouco. Sente-se no sofá enquanto eu a arrumo. Só levará alguns minutos.



Quando Hermione o chamou, Rony levantou-se e seguiu-a até o quarto colocando Eileen na cama. Ele cobriu a menina e ajeitou seus cabelos antes de sair. Ternura e afeição eram os melhores sentimentos para descrever aquela cena. Hermione não pôde deixar de pensar que Rony seria um pai extremoso e carinhoso com os filhos que tivesse. Sentindo os olhos marejarem, sacudiu a cabeça e respirou fundo.



De volta à sala, Hermione meteu as mãos nos bolsos das calças e iniciou uma conversa:



_ Pelo que vejo, então, deu tudo certo.



_ Sim. Os pais dela devem estar de volta dentro de quinze ou vinte dias, se tiverem sorte. Eles não tinham ido para demorar e já falei com eles pelo tefelone.



_ Telefone, Rony! E o que eles acharam? – perguntou ela interessada, sem perder a oportunidade de corrigi-lo.



_ Ficaram felizes em saber que Eileen estava bem. Agradeceram-me bastante e autorizaram a estadia dela comigo até a volta deles, depois que conversaram com ela logicamente. Pelo que vi, eles também não gostam da vizinha. A mãe de Eileen estava abalada, pois a senhora que morreu, avó da menina, era mãe dela. Foi-lhes dado o endereço e telefone de seus pais, conforme combinamos. Tudo bem pra você?



_ Está tudo bem, Rony. E como você a trouxe para cá?



_ Viemos de trem, por isso demorei. Desculpe-me, mas não tive tempo de avisá-la. As assistentes sociais mandaram buscar roupas e alguns brinquedos na casa de Eileen e depois de almoçarmos, partimos. Foi fácil atravessar a plataforma nove e meia da estação de Londres com ela. Protegi-a com essa capa para que ela não sentisse medo. Achei melhor do que desaparatar ou usar um portal.



_ Acho que você está certo quanto a isso. Desaparatar e aparatar com trouxas é mais perigoso, bem como atravessar portais. – Hermione sentia-se feliz, pois ele não havia se esquecido dela como imaginara. – Você está com fome?



_ Sim, mas não se preocupe. Gostaria que você me ajudasse com ela. Sei que estou pedindo demais, mas sinto-me meio perdido agora. Ela não dá trabalho, mas precisa ser cuidada de perto, pois é pequena.



_ Eu também não sei nada de crianças, Rony. Tanto quanto você. Quando éramos monitores cuidamos de algumas crianças, mas já eram bem maiores que Eileen. Além disso, ambos trabalhamos agora... Vamos para a cozinha.



_ É, eu sei. – disse ele levantando-se e espreguiçando-se. Ele retirou o sobretudo que vestia e deixou-o sobre o encosto do sofá. O movimento fez aparecer uma pequena parte de sua barriga bem delineada pelos exercícios que fazia na corporação.



_ E o que você sugere? – perguntou Hermione prendendo a respiração e desviando o olhar rapidamente, pois se não o fizesse não resistiria ao impulso de tocá-lo.



_ Estive pensando que talvez pudesse levá-la para a casa de meus pais nos dias mais difíceis. Terei o final de semana de folga, o que vai servir para eu me adaptar, mas na segunda-feira estarei trabalhando, assim como você... – ele sentou-se à mesa da cozinha enquanto ela preparava algo para ambos comerem. – Você pode me ajudar neste final de semana?



Hermione engoliu em seco. Não era má vontade ou medo. Mas sua vida estava tão atribulada. Se dissesse sim, iria ficar perto dele também. Resolveu ser sincera com ele.



_ Eu pensei em trabalhar amanhã na loja, Rony e precisarei visitar a bruxa que está cuidando dos preparativos do noivado de sua irmã. Aliás, todos os dias ela me envia uma coruja e já a perdoei pelo que ela fez conosco em relação àquelas malditas algemas... Disse a ela que irei ao noivado dela e Harry. Como vocês Weasley são insistentes...



_ Interessante você se lembrar disso, porque o Harry me envia uma coruja todos os dias também. Ele me pergunta sempre se estou me sentindo bem depois que as algemas sumiram... Ele vive querendo saber detalhes do que aconteceu naquele dia.



_ A Gina também. Esses dois não me enganam, Rony. Eles estão nos escondendo alguma coisa. O fato é que ainda sinto meu pulso arder ou doer de vez em quando. – ela colocou a sua frente um prato com sanduíches e um copo com suco de abóbora bem gelado e sentou-se frente a ele.



_ Eu também, Mione. – ele deu uma generosa mordida em seu sanduíche. – Está delicioso – falou com a boca cheia. Hermione sorriu pensando que ele ainda era aquele menino sem modos que ela conhecera. Algumas coisas nunca mudam.



_ Mudando de assunto, o que foi que Eileen comeu hoje à tarde inteira? Você se lembrou de dar comida para ela, não? – Hermione indagou, fitando-o com uma expressão severa.



_ Ah, sim! – disse ele tirando outro pedaço de seu sanduíche e sorvendo um gole de suco de abóbora – Agora posso comprar. Limpei o estoque do carrinho de doces do trem: feijõezinhos de todos os sabores, balas de goma, chicles de bola, sapos de chocolates, tortinhas de abóbora, bolos de caldeirão, varinhas de alcaçuz e por aí vai.



Hermione arregalou os olhos castanhos sem acreditar no que ouvia.



_ RONALD ABÍLIO WEASLEY!



_ O QUÊ? – ele se assustou ao ouvir seu nome completo e o tom repreensivo de Hermione – O que foi que eu fiz agora? – a boca cheia de sanduíche.



_ Você passou a tarde inteira dando doces para a menina? Quantas vezes eu já lhe disse que doces prejudica os dentes?



Rony tentou dizer alguma coisa, mas não sabia o quê. Hermione continuou falando.



_ Quantas vezes eu já lhe disse que doces em excesso faz mal à saúde? Ela pode adoecer, Rony!



_ Eu... Eu não me lembrei, Mione. Só queria que ela ficasse bem e feliz.



_ Tudo bem, Rony. Mas de hoje em diante você vai prometer que não vai entupir a menina de doces, certo? Ela precisa se alimentar direito e raramente comer doces, ok?



_ Certo. Prometo. Mas só se você prometer me ajudar. Preciso de você, Mione. – ele quase suplicava agora e ela não resistia aos apelos dele. Nem se lembrava direito quando Rony começara a chantageá-la, mas logo ele descobriu que dava certo. Uma das cenas que não saía de sua cabeça foi quando Sirius mordeu Rony no terceiro ano e ele ficou fazendo charme para ela quando ficou cuidando dele.



_ Você é um chantagista nato, Ronald Weasley! – Hermione suspirou resignada – Tudo bem – disse finalmente – ela ficará comigo nos dias em que você estiver trabalhando, mas quando não der certo, ela irá para casa de meus pais ou dos seus pais, ok?



_ De acordo. – ele respondeu-lhe sorrindo enquanto pegava outro sanduíche do prato. Ele tinha um excelente apetite e isso era outra coisa que não iria mudar. – E quanto a amanhã podemos nos divertir os três juntos na sua loja, que tal? Continuarei ajudando você a arrumá-la. – e dando uma generosa dentada perguntou: - E você, não vai comer?



Hermione respondeu sentando-se frente a ele e começando a comer também. Terminaram de jantar em silêncio. Rony tinha receio de quebrar aquele momento especial que estava tendo com ela. Depois de arrumarem a cozinha, foram para a sala, mas antes deram uma olhada em Eileen no quarto que continuava dormindo.



_ Ela deve estar bem cansada – falou Hermione.



_ Nos divertirmos bastante no trem durante a viagem. - falou Rony sentando-se em no sofá onde há pouco deixara o casaco. - E você? Está cansada? - ele perguntou para Hermione.



_ Não muito. Por quê? - ela estava curiosa.



_ Joga uma partida de xadrez comigo.



_ Ah! Rony. Eu sou péssima no jogo. Você sabe...



_ Eu vou continuar insistindo em ensinar você a jogar. Afinal, não posso ter como parceiros apenas o Harry ou meu pai... - ele falava nisso, como se fosse algo bem natural ter Hermione como sua parceira em jogos de xadrez. - Ensinei Eileen também durante a viagem e ela já aprendeu alguns movimentos. Era um jogo do trem. Foi muito engraçado... Vamos lá, Mione. Por favor!



_ Ok, Rony! - ela suspirou aborrecida consigo mesma. “Como era difícil dizer não a ele.” – Mas o jogo que tenho aqui não é bruxo. É trouxa. As peças não se movimentam sozinhas nem se destroem.



_ Eu sei. Já joguei com seu pai – disse ele para espanto dela. Percebendo que ela não sabia desse detalhe Rony acrescentou – Foi assim que nós... - Ainda era difícil para ele dizer que tinham terminado o namoro ou se separado. - Você sabe.



Hermione não disse nada. Pegou o tabuleiro de xadrez e entregou as peças a Rony para que ele as arrumasse. Sentaram-se no chão, sobre o tapete. O tabuleiro ficou apoiado na mesinha de centro.



Ela também não gostava de se lembrar dessa outra fase de sua vida. Foram anos de amor platônico, de amor secreto, que ambos guardaram a sete chaves como se esperassem o momento mais sublime para colocarem essa preciosidade em evidência. E de uma forma tão drástica, tão absurda, tudo se acabou. Não queria amar nunca mais! Mas será que tinha se acabado mesmo? Pelo menos, para ela sim. Acabara. Seriam apenas amigos dali em diante, nada mais. E iria deixar isso bem claro para o ruivo. Mas essa parte de que ele jogara xadrez com seu pai ela não sabia. O que mais acontecera naquela casa quando ela estivera ausente?



Rony não conversava muito durante o jogo. Mas tinha paciência em ensinar, apesar de alguns comentários picantes ou sarcásticos que só ele sabia fazer. Hermione aprendera a lidar com as alterações de humor do amigo desde a infância e sempre que podia, fazia uma análise daquela personalidade tão intrigante para ela. Ele era inteligente, apesar de não ser estudioso. No entanto se dedicava de corpo e alma àquilo que gostava, como por exemplo o quadribol e o próprio xadrez. Era corajoso, um amigo leal, mas também ciumento. Inseguro às vezes. Rony também não sabia disfarçar suas insatisfações e demonstrava isso claramente. Era bem humorado, mas também tinha um lado crítico e algumas vezes cruel. Não tinha vergonha da sua condição social e aprendera com ela a lidar com as dificuldades materiais da vida, bem como a dar valor a elas. Gostava de coisas simples e diretas. Era tímido, mas extremamente sedutor. Uma mistura alucinante e perturbadora!



_ Mione! Onde é que você está com a cabeça, hein? Já derrubei peças suas pela terceira vez consecutiva. Você não joga tão mal assim... Quer dizer...



_ Não se desculpe, Rony. Eu é que te devo desculpas. Realmente não estava prestando atenção ao jogo. Mas, vamos lá. Deixe-me ver... E se eu colocar minha torre nessa posição aqui?



_ Daí eu venho com esse meu cavalinho aqui, em “L”, e adeus sua torrezinha! - disse ele rindo abertamente e derrubando a torre dela com um empurrão de dedos.



_ É só uma suposição – disse ela fazendo uma careta para ele e retrocedendo com sua torre. - Deixe-me, pensar Rony! - ela tentava escolher a melhor estratégia para tentar ganhar umas peças do ruivo, mas não estava conseguindo. Não com aqueles olhos sobre ela. Ele ainda a perturbava e seu corpo chamava pelo dele. Resolveu, então, mexer um bispo, colocando-o numa posição na qual Rony não pudesse acabar com ele. Mas não percebeu que seu movimento deixou espaço livre para que ele a atacasse de uma outra forma. Com mais três lances, ele anunciou:



_ Xeque-mate – a satisfação cintilava em seus olhos enquanto a encarava. Ela ainda analisou as peças no tabuleiro tentando uma escapatória, mas não conseguiu visualizar nada.



_ Muito bem, Sr. Weasley. Parabéns! Mais uma vez você venceu. Por que será que isso não me surpreende? – disse ela levantando-se e recolhendo as peças do jogo.



_ Não se aborreça, Srta. Granger. Pelo menos em alguma coisa eu sou melhor do que você – disse ele entrando no jogo dela e recostando-se no sofá com um sorriso maroto nos lábios.



_ Ah, Rony. Não gosto quando você fala assim. Você é melhor do que eu em muitas coisas. O tempo das disputas da escola já passou... Eu era criança e adorava saber das coisas que me perguntavam. Eu queria ter excelentes notas, pelo fato de não ser uma bruxa sangue-puro como você e outros. Eu precisava provar para mim mesma que eu merecia estar ali. – ela confessou.



_ Ah, é? Faça uma lista, então. Em quê eu sou melhor do que você, além de xadrez? E você vivia reclamando comigo na escola. Dizia que eu não fazia nada direito. – ele sentia-se bem à vontade ali. Esticou as pernas e pôs as mãos sobre a nuca.



_ Reclamava porque eu sabia que você podia ser melhor do que aparentava. Vou te dizer quais são as coisas que você faz ou que sabe mais do que eu: Xadrez, quadribol, coragem, sua profissão de guarda-bruxos, Trato das Criaturas Mágicas, feitiços e poções de cura... – ela enumerava nos dedos e quase iria dizer outras coisas, mas não ousava. – e você daria um excelente Auror! Também pode fazer tudo que quiser, caso se dedique. Sabe disso! Já salvou a vida de muitas pessoas. Pensando nisso, qual será sua próxima façanha? – ela encarou Rony que já estava rubro com tantos elogios.



_ A conquista da mulher que amo. E essa eu também vou alcançar. – ele a olhou significativamente e sem nenhuma timidez agora.



_ ...



_ O que foi, Mione? Bichento comeu sua língua? Por falar nisso, cadê aquele gatinho feioso? – Hermione que ficara muda, reagiu ante a provocação.



_ Não chame meu gato de feioso, Rony. Ele já até gosta de você. Está dormindo no meu quarto. – pegando a caixa do jogo, continuou: _ Vou guardar o jogo e tomar um banho. Você se incomoda de ficar sozinho um pouco? Quando eu voltar, preciso falar seriamente com você.



_ De jeito nenhum. Fique à vontade. A casa é sua. Quando você voltar, conversaremos. – dizendo isso ele esticou-se preguiçosamente.



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Hermione tomou um banho demorado. Lavou seus cabelos e pensou no quanto sua vida tinha virado de cabeça pra baixo nos últimos dias, e tudo isso só uma semana depois que reencontrara Rony. Reviu alguns membros da família Weasley, ficou algemada a Rony, arrumou sua mudança e sua loja e agora tinha uma criança em casa a pedido do ruivo. Já no quarto, ela enxugou-se vigorosamente. Na cabeceira de sua cama havia três porta-retratos. Em um tinha a foto de seus pais. Em outra, uma cena inesquecível: uma foto inesperada, tirada por Colin Creevey dela, Rony, Harry e Gina no Salão Comunal da Grifinória no sexto ano. Eles estavam leves e descontraídos, rindo animadamente de uma piada de Gina. Ela amara aquela foto. Havia outra também que ela gostava muito: dela, Harry e Rony abraçados em Hogsmeade num dia de inverno. Era assim que queria se lembrar do ruivo: como amigos e nada mais. Eles tinham tido uma chance de amor e esta chance se perdera.



Ela tinha também várias fotos de Rony sozinho e deles dois juntos como namorados, mas estas estavam guardadas num baú. Não tivera coragem de se desfazer delas, após o término do namoro. Na verdade, sua mãe as tinha guardado quando Hermione as deixara jogadas pelo chão, antes de viajar e, meses depois, entregara o baú para a filha dizendo-lhe que fizesse o que bem entendesse, mas aconselhando-a a ouvir o seu coração. Agora, estava pensando em devolvê-las para Rony.



Vestindo um pijama leve de algodão, nada atraente, ela secou os cabelos e deixou-os soltos. Voltou para a sala. Ao entrar, percebeu que Rony se esparramara no sofá e estava dormindo. Pensou em acordá-lo, mas desistiu, pois ele deveria estar muito cansado com os acontecimentos dos últimos dias. Passara por emoções fortes e demasiado violentas. Observando suas feições serenas, ela concluiu que Rony mudara bastante nos últimos onze meses. Fisicamente, estava musculoso, mais viril e com uma sombra de barba mais espessa. Sorriu ao ver que os pés do ruivo estavam para fora por sobre o braço do sofá. Ele era bem alto e corpulento. Ainda bem que seu sofá era largo e comprido. Fazendo um feitiço, fez com que o encosto do sofá derreasse e o transformasse numa cama espaçosa e confortável. Voltou ao seu quarto e buscou lençóis e travesseiros. Ajeitou-os próximo a Rony da melhor forma possível e resolveu sentar-se no tapete perto do sofá enquanto pensava numa maneira de fazer Rony mudar de posição sem que ele acordasse.



Emocionalmente ele parecia mais equilibrado e seguro de si, mas às vezes voltava a ser o garoto imaturo dos tempos de Hogwarts. Isso fez com que um flashback passasse pela cabeça dela: Desde o primeiro ao sétimo ano: O dia em que se conheceram no trem de Hogwarts; quando caíram no visgo-do-diabo junto com Harry, o jogo de xadrez bruxo que enfrentaram em Hogwarts em busca da pedra filosofal, as constantes brigas, quando ela chorou em seus braços pela primeira vez no terceiro ano... Ele também foi o único que sempre a defendeu de Malfoy durante os sete anos que passaram juntos. Foi no terceiro ano também que ela se descobriu apaixonada por ele, e ele era o único que a fazia se calar (não por beijos) e se afastar de seus livros... Fizeram muitos passeios sozinhos a Hogsmeade e ela passou muitos verões com ele na Toca sem o Harry. Hermione sempre se sentia muito à vontade com os Weasley, como se fossem sua família... “Ah, Merlin... E as inúmeras vezes que ela sentira ciúmes dele e ele dela? Os toques das mãos... As pequenas chantagens... A primeira vez que o beijou no rosto no quinto ano – um beijo de boa sorte. Foi uma emoção surpreendente!” Lembrou-se também o quanto ficou perturbada ao saber que ele se tornaria monitor junto com ela, pois isso significava que passariam mais horas sozinhos. Foi uma época em que descobriram muitas afinidades e passaram a se tratar de uma maneira mais igualitária e menos reativa e defensiva. As brigas transformaram-se em provocações e brincadeiras e ele era o único que a fazia rir.



Prosseguindo com suas análises, Hermione concluiu que, fisicamente, ele estava mais alto, mais forte e menos garoto. Ele era um homem que chamava a atenção de qualquer mulher, com aqueles cabelos vermelhos flamejantes, a pele branca sardenta e os olhos muito azuis. As sardas dele sempre foram lindas na opinião dela. A atração física entre eles era algo tenso e indefinido, que a assustava pela força e intensidade com que se manifestava. A química entre os dois resultava em combustão e explosão.



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Horas depois, Rony acordou precisando ir ao banheiro. Estava meio desnorteado, mas logo se lembrou de onde se encontrava. Na casa de Hermione, no sofá dela. Ao sentar-se, seus pés tocaram em algo macio no chão. Rapidamente ele reteve o impulso de apoiá-los e, aproximando-se da beirada do sofá, surpreendeu-se: Hermione dormia no tapete, enrodilhada como uma gatinha, seu corpo encostado na base do sofá. “Por que será que ela não tinha ido para cama? Mesmo sobre o tapete felpudo, ela parecia estar extremamente desconfortável.” Sem pensar duas vezes e com muito cuidado para não acordá-la, Rony levantou-a nos braços, deitou-a no sofá-cama e, então ela se mexeu resmungando alguma coisa. Olhando-a ternamente, sorriu. Como amava aquela briguenta cabeça-dura! Levantou-se e procurou um banheiro. Depois, foi até a cozinha e bebeu água. Na volta para a sala passou no quarto onde Eileen dormia e cobriu a menina com um lençol. Não fazia frio, pois estavam próximos do verão, mas à noite a temperatura sempre baixava em Hogsmeade. A casa de Hermione era simples, mas funcional e confortável. Tudo arrumado de um modo bem prático que facilitava a busca de objetos como também a locomoção. Ela sempre fora muito organizada.



No sofá-cama, Hermione dormia tranqüilamente, de bruços com uma das mãos estendida ao lado da cabeça. Rony observou que o lençol que colocara sobre ela estava jogado de lado. Talvez ela estivesse com calor. Ele não conseguia tirar os olhos do corpo dela. Mesmo vestida com aquele pijama de corujinhas ela era muito sensual. Puxou o lençol e delicadamente o estendeu sobre Hermione. Ela se mexeu um pouco e encolheu as pernas. Comovido, Rony acariciou-lhe os belos cabelos cacheados, brincando de enrolar algumas mechas entre seus dedos e sentindo o perfume de xampu que eles exalavam. Seu amor por Hermione aumentava a cada dia mais, se é que isso era possível. Pela primeira vez em sua vida tinha medo de perdê-la. Nem mesmo a batalha contra Voldemort tinha lhe trazido esse sentimento. Ele só caiu em si depois do baile de formatura. “Quando tudo isso começou a acontecer?” - perguntou a si mesmo. - “Quando foi que percebi que a vida sem Hermione não tem o menor sentido?” Ela era a mulher com quem queria se casar, com quem desejava ter filhos e construir um futuro. Nunca imaginou que pudesse amá-la tanto. Embora não pudesse olhá-la sem que o desejo o torturasse, algo mais forte os unia. Precisava estar com ela, conversar, rir com ela. Não queria ser apenas amigo dela, como saberia que ela iria propor. Não seria o suficiente. Queria-a como esposa. Queria encontrá-la todas as manhãs em sua cama. E no dia seguinte... E na noite seguinte... E sempre.



Passou um longo tempo assim, amando-a com os olhos, até que o sono o venceu e ele dormiu novamente.



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Hermione se mexeu, aconchegando-se ao sólido calor frente ao seu rosto e sobre sua perna, ao emergir das profundezas do sono. Um perfume familiar e excitante invadiu seus sentidos despertando-a por completo. Acordou e sentiu o peso de uma coxa masculina jogada sobre si. A pressão de um braço em sua cintura. Abriu os olhos. Ela. Rony. Entrelaçados. O rosto dele a poucos centímetros do seu. “Merlin! O que ela fazia ali? Lembrava-se de pouca coisa...” – A mente sonolenta tentava fazer um retrospecto. – “Graças a Merlin ele ainda dormia. O mais correto a fazer era sair dali.” E Hermione faria isso em um minuto. “Mas que mal poderia haver em alguns instantes de pura sensualidade?” Cerrou as pálpebras e deliciou-se com a sensação de tê-lo tão perto. Uma volúpia lânguida fluiu em cada terminação nervosa. Aninhada ao calor dele, Hermione se deu conta de que nunca antes sentira verdadeiro desejo por alguém. Rony era o objeto de seu desejo. E também seu melhor amigo. E deveria continuar assim.



Apesar da imensa vontade de tocá-lo, de colocar a mão em seu peito, de acordá-lo com beijos, ela resistiu bravamente. Hermione não planejou nada disso e não tinha uma estratégia para lidar com a situação. Estavam numa posição de total intimidade como no passado e poderia facilmente aceitar o fato. Todavia, existia um mundo de diferença entre o mais fácil a fazer e o mais certo.



Calmamente, retirou as pernas de entre a dele e afastou o braço de Rony de sua cintura. Com o máximo cuidado, rolou para o outro lado e tentou avançar para a beirada do sofá-cama. No sono, Rony empertigou-se e estendendo o braço como se sentisse que perdera um objeto muito precioso, alcançou-a e puxou de volta prendendo-a a ele. Agora seus corpos estavam colados. Hermione suspendeu a respiração, nervosa. Ela sabia que devia se afastar, pular dali e correr para longe. Em vez disso, relaxou e deixou-se estar. Rony deslizou a mão que a apertava e, com movimentos sonolentos, começou a acariciar a barriga de Hermione por baixo da blusa do pijama. Uma sensação indescritível espalhou-se dentro dela.



Em seguida, Hermione sentiu em sua nuca um suave beijo. Atrás dela, uma boca calorosa mordiscava a junção sensível entre seu pescoço e o ombro. Um gemido escapou de seus lábios. Soube o exato instante em que Rony recobrou a consciência. A mão que passeava em sua barriga estacou.



_ Mione? Já acordou? – ele retirou a mão de sua cintura e tocou-lhe o ombro.



“Como poderia virar-se e dizer que sim?” Hermione estendeu os braços para cima fingindo despertar. Evitando encará-lo, foi salva pelo gongo.



_ Rony! Rony! – uma vozinha chorosa entrava na sala – Cadê a mamãe, Rony? – a coisinha pequena já subia encima do sofá-cama e passava os bracinhos em volta do pescoço de Rony. Ele sentou-se rápido e segurou a menina no colo e afagou-lhe os cabelos.



_ Bom dia, Eileen! Dê bom dia para Mione também. A sua mamãe está viajando, lembra?



_ Bom dia, Mione! – a menina estendeu os braços para Hermione e deu-lhe um beijo no rosto e acrescentou inocentemente: _ A mamãe e o papai também dormem juntos. E eu acordo eles todos os dias. Posso acordar vocês também? – Hermione ruborizou-se. Rony a fitava como se esperasse que ela respondesse, como se deixasse a decisão por conta dela.



Essa foi uma das poucas vezes que Hermione não sabia o que dizer. Aproveitando a deixa ela levantou-se e pegou Eileen no colo dizendo:



_ Depois a gente pensa nisso, certo? Agora você vai tomar um banho e eu também. Aí vamos comer alguma coisa bem gostosa.



Rony sentou-se no sofá-cama e pensou no que acontecera ainda há pouco entre ele e Hermione. Eles dormiram juntos e ele despertou acariciando-a. “Será que ela deixara ou se incomodara?” Era tarde demais pra pensar nisso, mas caso ela ainda continuasse insistindo em fugir dele, não a procuraria mais. Ao menos, teria a certeza de que lutara por ela com todas as suas forças.



Hermione e Eileen entraram na cozinha usando vestidos leves de algodão, frescas e suavemente perfumadas. Não escondendo a surpresa, ela viu que Rony já preparava o desjejum. Sobre a mesa havia ovos com bacon, frutas, leite, cereais, pão e bolo. Ao vê-la entrando, ele se esqueceu de todas as idéias de poucos momentos atrás. “Jamais deixaria de lutar por ela.” Ela não resistiu em provocá-lo:



_ Cozinhando, Rony? Fred e Jorge conhecem esses seus dotes culinários? – inspirando o aroma das delícias que estavam sobre a mesa, ela prosseguiu – Hum... Parece que está tudo muito delicioso! Não é, Eileen?



_ Você também me parece muito delici... – ele não prosseguiu, mas a tentação de responder à provocação era grande. Hermione lançou-lhe um olhar furioso e mostrou-lhe a menina que beliscava um pedaço de bolo distraidamente. Rony emendou: _ Quer dizer, você está linda, Mione!



_ Eu também estou linda, não é Rony? – Eileen perguntava para ele, os olhos pequenos muito expressivos. Ele serviu-lhe uma tigela com leite e cereais.



_ Você é uma formosura, docinho. – a menina ficou satisfeita com a resposta e começou a comer. Virando-se para Hermione, ele perguntou:



_ Posso tomar um banho aqui na sua casa?



_ Sem problema, Rony. Mas só há banheiro com chuveiro no meu quarto. Vou levar você até lá. Você pode ficar sozinha um instante, Eileen? Eu já volto. Tudo bem? – Eileen assentiu com a cabeça, enquanto comia seus cereais.



Logo que entrou no quarto de Hermione, Rony sentiu que o perfume dela pairava no ar. Em seguida ele olhou em volta e viu as fotos sobre a mesinha de cabeceira.



_ Posso? – perguntou ele.



_ Claro – disse Hermione enquanto pegava algumas toalhas no armário. Rony ficou ali examinando as fotos deles e comentou:



_ Sinto muitas saudades daquela época. Com exceção de Voldemort, claro. – ele sorriu.



_ E Aragogue! – ela acrescentou, entregando as toalhas a ele.



_ Nem me fale naquele bicho asqueroso! – disse o ruivo fazendo uma careta e devolvendo um porta-retrato à mesa. – Só o Hagrid mesmo para gostar dele. Ainda bem que aquela acromântula nojenta já morreu.



_ É. Só o Hagrid. – Hermione olhou para Rony e mudou de assunto – Rony, precisamos conversar. – ela percorreu o espaço que os separava decidida e corajosamente. Tinha tomado uma decisão. Olhando fundo naquele olhos azuis que tanto amava disse: _ Não quero que você fique insistindo em me reconquistar Rony. Para o meu bem, para o seu bem, isso tem que parar!



_ Não penso assim, Mione. Só tenho consciência de que a quero mais do que qualquer coisa no mundo. – Então, traçou a linha das faces dela com as pontas do dedo. Hermione estremeceu e seus olhos inundaram-se de lágrimas.



_ Por favor, Rony! Não torne tudo mais difícil. – ela segurou-lhe as mãos entre as suas. – Você é e sempre será meu melhor amigo, de quem sou mais próxima do que a qualquer outra pessoa. É meu confidente, me conhece e me aceita como sou... Não posso arruinar isso. – as lágrimas escorriam pelo seu rosto.



_ Você me ama? Não minta pra mim, nem para si mesma. Diga: você me ama, Mione? – Rony sabia a resposta, mas precisava se certificar de que ela também sabia. A resposta estava estampada nos olhos dela junto com o pânico. Ele entendia como ela se sentia: o medo de voltar atrás e não dar certo novamente era algo de tal magnitude que a enchia de pavor. Até mesmo Rony estava perturbado com tal possibilidade. Mas eles não podiam viver fugindo e evitando encarar os problemas e perder as boas chances que a vida ainda podia lhes oferecer.



_ Sabe que sim – ela disse num fio de voz, a cabeça baixa.



_ Você é uma das pessoas mais importantes de minha vida, Hermione, e também não pretendo perder sua amizade. Contudo fingir que não a amo como mulher, que não a quero, é pedir demais. Essa ânsia absurda que nos consome não passará se resolvermos ignorá-la. Se não tomarmos nenhuma atitude, essa mística tentação e fantasias irão sempre nos atormentar.



Hermione estudou seu semblante por minutos infindáveis, como se digerisse aquilo que ouviu.



_ Eu estou decidida, Rony – disse por fim – Não podemos voltar a namorar. De hoje em diante, seremos apenas amigos. Como sempre fomos. – depois de uma pausa, ela prosseguiu, esperançosa – Isto é, se você quiser, é claro.



_ Tudo bem, Mione – ele disse conformado. _ Assim será. Já perdi o seu amor, não quero perder a sua amizade também. De hoje em diante não mais importunarei você com insinuações amorosas. – ele virou-se para a porta do banheiro, os olhos banhados em lágrimas. “Precisava ser forte”. – pensou. Mas, pelo menos, sempre estaria ao lado dela.



_ Rony, desculpe-me, não precisa ser assim. Por favor, diga que me entende. – ela agora chorava copiosamente. A dor que sentia traspassava todo o seu corpo, mas essa era a decisão correta.



Voltando até ela, Rony lutou consigo mesmo para deixar que o “amigo” prevalecesse ao homem que era e que queria aquela mulher. Abraçou-a fortemente, como só os amigos fazem e beijando-lhe o topo da cabeça, confortou-a como fizera há anos, consolando-a em sua dor, pela amizade.



_ Está tudo bem, Mione. Sério. Jamais deixarei de ser seu amigo. Jamais. – seu pulso agora ardia, latejava, doía. Ele fechou os olhos, sentindo-se levemente tonto. Havia um nó em sua garganta, uma imensa dor em seu peito. Afastando-se dela, ele entrou no banheiro. Hermione voltou para a cozinha.



“Fizera o que era melhor para ambos, tinha certeza. Mas porque se sentia tão mal? Seu corpo doía tanto que parecia estar doente. Vai passar”. – concluiu – “Vai passar. E a amizade perdurará.”



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