NICHOLAS



Capítulo XIV


 


NICHOLAS


 


      Hermione estava tão atarefada naquela manhã de quarta-feira com as atividades da mudança e também com o recebimento dos móveis que havia comprado para sua nova casa que se esquecera completamente de entregar ao órgão competente a documentação de solicitação de licença de habitação e a de instalação de alarme contra incêndio e outros riscos, conforme era exigida pelo Ministério da Magia aos novos habitantes de uma cidade bruxa.


 


      De alguma forma, no meio daqueles quatro operários dispostos a testar a durabilidade de seus bens e a confusão de reorganizar objetos e hábitos, conseguira deixar de cumprir com sua responsabilidade como recém moradora de Hogsmeade. E não estava gostando nada disso. Detestava sentir-se irresponsável.


 


      Tentou equilibrar sua mente para lembrar-se onde havia colocado os benditos documentos. Ela deveria ter entregado a papelada antes de realizar a mudança, mas não arranjou tempo e acabou deixando para depois. Agora estava ali, perdida. Olhou em todos os aposentos da casa, dentro e fora das caixas já abertas e em todos os eventuais esconderijos. Ela nem tentou conjurar o “Accio”, pois não funcionaria. Esse feitiço só servia para atrair objetos dos quais se sabia a localização exata.


 


      Perturbada, voltou ao jardim onde sua mãe orientava os operários bruxos corpulentos e carrancudos com a firmeza dos marechais que apareciam de tempos em tempos na família. Ao ver a aflição no rosto da filha, a Sra. Granger abandonou a atitude autoritária.


 


      _ O que foi, filha?


 


      _ Não consigo encontrar a maleta com os documentos que trouxe e preciso entregá-los ainda hoje pela manhã, mãe!


 


      _ Acredito que sei onde está, Hermione! Parece-me que você os colocou naquela mala preta com o brasão da coroa.


 


      Hermione entrou novamente em casa e gritou:


 


      _ Encontrei, mãe! Preciso dar uma saída rápida, mas já volto – falou enquanto saía apressadamente para a rua; tomou a direção esquerda, até a última casa do quarteirão. Nem se lembrou de trocar a roupa.


 


      Um bruxo passou voando baixo em uma vassoura e o metal do cabo de freio refletiu a luz do sol, espalhando uma luminosidade que a ofuscou por alguns instantes. Ela protegeu os olhos com uma das mãos e, então, viu o prédio que procurava. Notara o edifício ao passar por ali com a comitiva de sua mudança, quando vinha da estação de trem. Entre uma escola para bruxos pequenos e a biblioteca, o prédio havia sido apenas parte do cenário. Mas agora via as luzes brilhantes. “Que bom que era bem perto” – pensou. Tratou de atravessar a rua que era bem ampla.


 


♥ ♥ ♥ ♥ ♥ ♥ ♥ ♥



      Ele não sabia o que o fez virar a cabeça naquele momento. Talvez estivesse esperando pela chegada dela. O fato é que naquele exato instante olhou pela janela do edifício, para a rua, e ficou hipnotizado pelos movimentos ágeis da moça. Movia-se como o vento se este pudesse assumir a forma de uma mulher jovem com cabelos cor de mel e com reflexos iguais o sol ao amanhecer. Vestindo uma bermuda branca que deixava à mostra as pernas perfeitas e um top vermelho que realça os seios arredondados e a barriga lisa e bem definida, era uma visão encantadora. Não entendia como os colegas de trabalho ainda não haviam se aproximado da porta para assobiar.


 


      Ele próprio conteve o impulso tipicamente masculino. Ao julgar pela expressão ela parecia preocupada. “O que será que ela fazia ali?” – pensou. Chegou à porta no momento em que ela entrava. No último degrau que dava acesso ao hall, Hermione tropeçou e desequilibrou-se devido à pressa. Braços fortes a ampararam. Ela se recompôs devagar e foi falando enquanto ainda mirava o chão.


 


      _ Obrigada. Desculpe-me e com licença, mas onde posso entregar uns documentos para... VOCÊ!? O QUE FAZ AQUI?


 


      _ Eu trabalho aqui Hermione – respondeu ele fitando-a com interesse e curiosidade.


 


      _ Trabalha? Como assim? – De repente ela tomava consciência de estar diante de um homem alto, ruivo, forte e extremamente bonito vestido com uniforme de guarda-bruxo. Mais importante que tudo, estava diante de um homem que a olhava como se tivesse passado um mês de jejum e ela fosse um suculento frango assado.


 


      Hermione baixou os olhos tentando ignorar o sentimento de estar sendo analisada por Ronald. “Ele sempre faz isso” – pensou – “Era melhor concentrar-se no que viera fazer ali.” O fato de estar sendo estudada por aqueles olhos azuis maravilhosos não era um preço muito alto a pagar pela sua segurança e credibilidade.


 


      Escondendo a surpresa inicial e o fato de seu corpo estar soltando fogos de artifício por tê-lo tão próximo, tentou parecer severa. Alisou a bermuda com as mãos, estranhando o nervosismo que a invadia.


 


      _ Preciso entregar alguns documentos aqui na corporação e obter a licença para minha mudança – ela falou apressadamente – Necessito também da instalação do alarme de incêndio. Com quem devo falar?


 


      Ronald notou que ela estava agitada. Gostava do leve rubor que tingia seu rosto. Olhando fixamente para ela, sorriu. Pensou como era bom que ela estivesse ali precisando da ajuda dele. Lembrou-se que sabia que ela viria para Hogsmeade, mas não imaginou que fosse logo.


 


      Hermione lamentava estar vestindo bermuda e top. Por outro lado, suspeitava que ele a faria sentir-se nua mesmo que usasse um saco de estopa amarrado com barbante. Seu corpo inteiro estremeceu por causa daquele lindo sorriso, suas pernas ficaram moles como gelatina. Erguendo o queixo, respirou fundo e decidiu sair dali o mais depressa possível.


 


      _ Onde posso entregar os documentos, Sr. Weasley?


 


      _ Sr. Weasley? – ele fechou a cara e o sorriso sumiu de seu rosto – o que deu em você agora, Srta. Granger? – zombou também.


 


      _ Estamos em seu ambiente de trabalho – Hermione procurou mudar de assunto – Não posso perder tempo. Minha mãe e os operários estão me esperando para que possamos concluir a mudança. E você sabe que ela é trouxa... Não quero que ela fique sozinha por muito tempo.


 


      _ Venha por aqui. Eu mesmo vou te dar a licença e providenciarei para que o alarme seja instalado o mais rápido possível, ok? – fez um gesto para que ela se acomodasse em uma cadeira e cuidou dos papéis de forma bem organizada. Hermione nem teve tempo de recusar a oferta, pois ainda não havia assimilado o fato de ter Ronald tão perto de si outra vez. Ainda estava atordoada. Sem conter a curiosidade, perguntou-lhe:


 


      _ Por que você escolheu ser guarda-bruxos?


 


      _ Porque a mulher que eu amo me disse, uma vez, que eu tinha talento para isso – Rony respondeu levantando a cabeça e olhando significativamente para ela. Hermione quase engasgou sem ter nada na boca. De repente sentiu a garganta seca, a respiração difícil e o coração bater descompassadamente. Resolveu calar-se e não perguntar mais nada.


 


      Ela, então, lembrou-se que Gina dissera-lhe que Rony tinha conseguido um emprego e que já não morava na Toca. Só que Hermione não deixara que ela lhe contasse o resto. “Mas ele tinha que escolher logo Hogsmeade para trabalhar e morar? Isso não era justo!” E agora estava ali diante dele. Ele estava sendo tão gentil e atencioso que ela não poderia ignorá-lo sem passar por idiota. Assim que recebeu a documentação das mãos dele tratou de se dirigir para a porta do hall. Ele a acompanhou. Dessa forma, com um pé fora do edifício estendeu a mão para despedir-se dele, mas logo se arrependeu do gesto. O cumprimento era firme, quente e os olhos azuis a perturbavam, fazendo com que se lembrasse dos deliciosos momentos de outrora. “Por que sentia a garganta tão seca? Precisava parar e beber alguma coisa de vez em quando. Passara boa parte da manhã trabalhando, tentando organizar a nova casa e ainda tinha muita coisa a fazer. Depois viria a loja. Não dispunha de muito tempo, a inauguração estava próxima.” – seus pensamentos pareciam um vendaval destelhando casas.


 


      _ Muito obrigada por tudo – conseguiu falar finalmente.


 


      _ Foi um prazer. Eu ainda sou seu amigo, certo? – Ronald ainda segurava sua mão e prendia sua atenção. Lutando contra o desconforto, Hermione interrompeu o contato. Mesmo assim ele a seguiu quando ela começou a se afastar.


 


      Ele estaria de plantão até a noite e, por isso, não poderia deixar a corporação para acompanhá-la até em casa, apesar do desejo de fazer isso quase o sufocar. Parado na entrada do quartel, ofereceu-lhe outro sorriso.


 


      _ Bem, como devo ter sido o primeiro cidadão de Hogsmeade a cumprimentá-la e, como certamente estará ocupada demais para cozinhar quando a tropa da mudança for embora, talvez queira jantar... – ele arriscou.


 


      _ É claro que vou jantar – ela respondeu desviando o olhar daquele sorriso que a fazia derreter, fingindo não entender o que ele dissera.


 


      _ Foi um convite, Hermione. Perguntei se queria jantar comigo.


 


      _ Oh, eu não me atreveria a afastá-lo de seu dever.


 


      _ Hoje é minha noite de folga – ele insistiu, mas ela já atravessava a rua com passos apressados, deixando-o parado como um adolescente confuso que acabara de ser rejeitado pela rainha da formatura. “Esse adolescente já morreu, Ronald. Você agora é um homem.” – disse para si mesmo.


 


      _ Para tudo existe uma primeira vez, Weasley.


 


      Julgava estar sozinho no piso térreo. Deixara os colegas em um emocionante jogo de xadrez bruxo no salão de recreação do primeiro andar, mas Nicholas Taney sorria encostado na porta do hall principal do prédio. A amizade que os unia era recente, porém parecia que se conheciam há séculos. Deveria saber que a situação que acabara de ocorrer divertiria o colega.


 


      _ Não pensei que viveria para ver este dia. Uma mulher recusou o seu convite para jantar? – rindo e insistindo em perturbar o amigo, Nicholas se aproximou – Até minha mãe teria saído com você se demonstrasse um mínimo de interesse por ela.


 


      _ Desculpe-me, Nick, mas não estou interessado em levar uma surra do seu pai.


 


      Os Weasley e os Taney haviam ficado próximos desde que os rapazes adquiriram amizade nos testes de seleção e depois, mais intensamente, no treinamento da corporação de guarda-bruxos e foram designados para trabalharem no mesmo aquartelamento. Os Taney também moravam em Ottery St. Catchpole, mas nunca haviam se esbarrado antes.


 


      Já na entrada do quartel, perto de Rony, Nick estudou a mulher que chamara a atenção do amigo e que caminhava mais adiante.


 


      _ Ela não é seu tipo.


 


      _ O que quer dizer? – Rony estranhou o comentário. Hermione entrava na segunda casa a contar do início do quarteirão. Ele viu também a Sra. Granger, os operários e umas três carroças de mudança sendo esvaziadas.


 


      _ Ela parece ser casada ou é comprometida. É linda, porém séria – Nick continuou sua análise de Hermione.


 


      Ronald achou melhor deixar que Nick pensasse que Hermione era comprometida. Conhecia a reputação do amigo e, apesar de ser respeitador, ele possuía a incrível característica de ser um tremendo conquistador. No entanto, confessou:


 


      _ Nós nos conhecemos desde crianças. Estudamos juntos em Hogwarts.


 


      _ Sério? Interessante – Nick falou com um olhar divertido – Então você pode me apresentar para ela. Ora, você deve saber se ela é casada ou não. Você prestou atenção no corpo que ela tem? Que pernas! E a barriga...


 


      Ronald fechou a cara, enciumado. Sabia que Nick não tinha intenção de ofender ninguém com o comentário, no entanto, ele falava demais. Seu pulso latejava. Não conseguiu conter uma resposta instintiva.


 


      _ Beija o rosto de sua mãe com essa boca imunda?


 


      _ Só quando ela insiste muito – Nick respondeu – Estou enganado ou ficou aborrecido com o que eu disse?


 


      _ Não mais que de costume – respondeu Rony secamente e mudou de assunto enquanto voltavam para dentro do prédio – Sabe de uma coisa? Posso ouvir o sino anunciando o almoço e dez guarda-bruxos famintos decidindo esganá-lo porque não cozinhou quando era sua vez de preparar a comida.


 


      _ Droga! Havia me esquecido disso. Há alguma coisa pra preparar? – Nick suspirou.


 


      Ronald encarou o amigo como se não soubesse o que viria em seguida, como se não houvessem repetido aquela cena dezena de vezes.


 


      _ Na última vez em que olhei... – agora era a vez de Rony divertir-se.


 


      _ Não aceitaria tomar o meu lugar, não é? - Nick olhou esperançoso para o amigo.


 


      _ Já ocupei o seu lugar da última vez, lembra-se? E na penúltima também. Os rapazes estão começando a pensar que você não sabe cozinhar.


 


      _ Eles estão certos – Nick conhecia suas limitações.


 


      A mãe de Nicholas, Grace Taney, possuía um restaurante em Hogsmeade e atraía verdadeiras multidões com suas habilidades culinárias, o HOGSFOOT TANEY. Ronald não conseguia entender como um talento tão impressionante não era passado de geração em geração. Ele próprio aprendera muitas coisas com sua mãe e cozinhava razoavelmente bem, já o amigo era incapaz de produzir uma refeição decente.


 


      _ É hora de aprender – Rony decretou dando um tapinha nas costas de Nick.


 


      _ Quero ver se vai demonstrar esse entusiasmo todo quando estiver no St. Mungus passando por uma cirurgia no estômago – disse Nick emburrado, querendo escapar do inevitável.


 


      _ Não importa – respondeu Rony sem ceder à chantagem do amigo – Tenho uma proposta a fazer e sugiro que você leve a sério porque não irei além dela. Preciso ir ao mercado. Farei compras para o almoço, mas depois você terá que cozinhar.


 


      Era justo que cada homem tivesse sua vez de cumprir os deveres diários no aquartelamento. Nick só achava que deveriam dar a tarefa de cozinhar para alguém mais competente que ele.


 


      _ Traga algo bem simples – pediu Nick.


 


      _ Você leu meus pensamentos – respondeu-lhe Rony.


 


      Nick viu o amigo desaparatar e pensou na expressão que vira em seu rosto quando a bela jovem havia recusado seu convite para jantar.


 


      _ Apenas parte deles, Weasley. Apenas parte deles.


 


      Estava começando a achar que aquela mulher era a causa para o fato de nunca ter visto o amigo com uma namorada. Mulheres não era problema para eles, ao contrário. O prédio de guarda-bruxos vivia cercado por moças lindas e atraentes. Havia sempre um verdadeiro batalhão de pretendentes sempre dispostas a demonstrar seu interesse. Sabiam que todas aquelas mulheres ficavam fascinadas com o uniforme e a imagem de força associada a um guarda-bruxo. Além do mais, eles eram um sucesso absoluto entre as garotas da cidade, pois eram novatos na corporação, jovens, altos, fortes, bonitos e atraentes. Mas eles não se deixavam iludir. Nick, como Rony, não assumia compromisso com essas garotas; às vezes saíam juntos, ficavam com elas, se divertiam e só. Mas Rony era diferente em uma coisa: sempre ia pra casa sozinho no final da noite. Já Nick, nem sempre. Era um conquistador disposto a seduzir todas as mulheres. Gostava da liberdade e de se aventurar. Rony tinha a palavra compromisso escrita na testa e era também mais concentrado no trabalho. Quando começasse a namorar alguém, com certeza seria pra casar, passar o resto da vida junto com a mulher amada, ter um lar, uma família, algo bem estável.


 


      Nicholas estava preocupado. Nunca vira o amigo convidar uma mulher pra jantar antes. Teria que descobrir qual a importância dela na vida de Rony, pois não iria querer magoá-lo por nada, caso resolvesse investir naquela linda mulher. Se Rony for somente amigo dela, ele seria o próximo a convidá-la para jantar. E ela iria aceitar, pensou confiante.


 


 



 


 


 

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