Ausência



Antes do Amanhecer
Escrito por snarkyroxy
Traduzido por BastetAzazis
Betado por Ferporcel

Sumário: Snape está finalmente acordado, mas como ele vai reagir ao desaparecimento da Marca Negra?

Disclaimer: Tudo que você reconhecer pertence ao gênio imensurável de J. K. Rowling; eu só gosto de pega-los emprestado e brincar com eles.


* * * * * * *
Capítulo 27: Ausência

Ao som da voz de Snape, os olhos de Hermione se moveram instantaneamente para o rosto dele. Ele tinha virado a cabeça levemente, os olhos semi-abertos e inertes de fadiga quando focaram nela. Hermione se levantou rapidamente da cadeira, agarrando a mão dele com um pouco mais de força enquanto se inclinava sobre a cama.

– Bem-vindo de volta – ela disse brandamente, incapaz de impedir a si mesma de esticar a mão livre para afastar uma mecha isolada de cabelo que tinha caído nos olhos dele quando ele mexera a cabeça.

Ele abriu a boca para falar de novo, mas a secura na garganta não permitiria e ao invés disso ele tossiu.

– Você quer um pouco de água? – ela perguntou, e ele assentiu com a cabeça depois de tentar, sem sucesso novamente, limpar a garganta e dizer sua resposta.

Ela se endireitou, soltando a mão dele, e sacou a varinha. Virando em direção à porta do banheiro, ela chamou:

– Accio copo!

Um copinho estalou em suas mãos no instante seguinte, e ela direcionou a ponta da varinha dentro do copo e murmurou:

– Aguamenti!

Snape, neste meio tempo, tentara se levantar sozinho nos cotovelos para aceitar a água, mas seus braços estavam fracos e trêmulos, e ele caiu sobre os travesseiros com um grunhido de frustração.

Hermione percebeu que, apesar do sangue da égua apaixonada ter um efeito obviamente positivo sobre ele, ele ainda não estava cem por cento bem como ela esperara que ele estivesse.

– Apenas vá com calma por um tempo – ela o alertou, tentando evitar soar muito maternal. Ela sabia como ele odiaria ser paparicado, mesmo no seu estado enfraquecido. – Deixe-me ajudá-lo.

Ele tossiu de novo, mas não protestou quando ela reagrupou os travesseiros um tanto desajeitadamente para levantá-lo um pouco, depois se sentou na borda da cama e serpenteou a mão por trás da cabeça dele, ajudando a sustentá-lo quando levantou o copo até os lábios dele. Durante os vários momentos em que ela virou o líquido frio na boca dele, ela foi lembrada da última vez em que ela o ajudara a beber – quando ele retornara de Voldemort depois de ser forçado a tomar a Poção Cruciatus. Pareciam anos agora, considerando tudo que acontecera entre eles depois daquilo. Na verdade, fora um pouco menos de seis semanas.

Snape tentou se afastar quando o copo estava quase vazio, e ela o removeu, retirando sua mão de trás da cabeça dele, também. Ele relaxou nos travesseiros com um suspiro e fechou os olhos quando ela colocou o copo na cômoda próxima.

Ela ficou onde estava, empoleirada cuidadosamente na beira da cama, e estudou o rosto dele. Ainda havia olheiras sob os olhos dele, mas a pele parecia quase normal novamente, pálida como era. A sugestão de uma barba curta escurecia seu rosto, embora McGonagall tivesse o hábito de tirar magicamente o que crescia a cada manhã.

Depois de um período curto, os olhos dele se abriram novamente e ele finalmente conseguiu limpar a garganta, grasnindo:

– Então, parece que estou vivo, afinal.

Ela assentiu, cruzando as mãos no colo e baixando os olhos para elas.

– Você nos deu um baita susto, sabe – ela disse calmamente.

– Por quanto tempo eu estive aqui? – ele perguntou, e ela pode sentir os olhos dele no rosto dela.

Ela engoliu o nó na garganta e encontrou o olhar dele.

– Quase uma semana.

– Uma semana? – Ele olhou fixamente para ela, incrédulo. O braço esquerdo estava ao lado dele, sob o lençol; depois de um minuto, ele o moveu pelo peito, sondando o ponto onde a adaga havia entrado no seu corpo. Ela viu o esboço da mão dele traçar a linha fina que era o único remanescente da sua provação.

– Funcionou – ele disse finalmente, ainda dedilhando a cicatriz e parecendo distintamente confuso. – Ela reconheceu o Potter; eu deveria ter ficado bem.

– Sim, você deveria – ela respondeu hesitante –, mas não funcionou bem da maneira que o Prof. Dumbledore esperava.

– O que você quer dizer?

Hermione mordeu o lábio e desviou o olhar. Mesmo que pudesse encontrar as palavras para contar-lhe que a Marca Negra se fora, ela não sentia que era ela quem deveria. Era verdade que fora ela quem havia pensado no Harry como um meio para salvá-lo, mas depois de ver a reação de Dumbledore ao braço limpo de Snape, ela sentiu que o velho bruxo tinha o direito de dar as boas novas – ou pelo menos estar presente quando Snape ficasse sabendo.

Ela se perguntou se aquilo fazia alguma diferença, e se Snape notaria por iniciativa própria antes que eles tivessem a chance de contar para ele? Claro que ele notaria, dado tempo, mas seu braço esquerdo ainda estava escondido sob o lençol naquele momento.

– Hermione?

A voz dele a tirou de seus devaneios, e ela percebeu que ele ainda esperava por uma resposta para sua pergunta.

– Eu, é... – ela balbuciou. – Nós não temos certeza absoluta do que aconteceu depois que a lâmina saiu... Você se lembra de alguma coisa?

– Não, eu... – Ele franziu o cenho, pensando. – Eu lembro do Potter segurando a adaga, mas depois... nada.

Ela assentiu com a cabeça. Parte dela estava feliz que ele não se lembrava do que tinha acontecido posteriormente, embora ela achasse que jamais esqueceria os gritos agonizados, ou a maneira como as unhas afiadas dele deixaram marcas de sangue na própria pele.

Apenas relembrar o que acontecera trouxe de volta o terror da magia desconhecida, e ela dificilmente perceberia que estava chorando até que sentiu uma mão levemente áspera tocar a umidade em seu rosto.

Ela olhou para cima, assustada com a expressão de dor no rosto dele.

– Sinto muito – ela disse timidamente, afastando a mão dele e secando com constrangimento as lágrimas por si mesma.

– Não, eu é que sinto muito – ele disse seriamente. – Parece que eu sou a causa da maioria das suas aflições ultimamente.

O soluço de alívio que estivera se formando em sua garganta desde que ele abrira os olhos irrompeu, tornando-se uma gargalhada meio engasgada.

Ele olhou para ela surpreso, e ela balançou a cabeça.

– Não, não é você... bem, é, mas... É só que foi um pouco assustador, pensar que você ia... e depois encontrar uma maneira de salvá-lo só para não funcionar como deveria, e então essa... essa espera. – Ela sabia que estava tagarelando e respirou fundo.

Ele a observava com uma mistura de preocupação e cautela, como se ela pudesse sucumbir a qualquer momento, e ela percebeu, não pela primeira vez, que palavras nem sempre eram adequadas.

– Eu só estou feliz por você estar bem – ela disse, e antes que ele pudesse responder, ela se inclinou, serpeando suas mãos pelas costas nuas dele para abraçá-lo com força.

Era uma posição bem desajeitada; ela estava empoleirada na borda da cama, inclinada sobre o corpo semi-elevado dele com seus braços presos entre o calor das costas dele e o frio dos travesseiros. Ela não ligava, entretanto, e nem o Snape, pelo que parecia.

Ele suspirou, sua respiração próxima à orelha dela, e deslocou-se levemente para conseguir envolver seu braço livre ao redor dela, movendo-o em círculos pequenos e vagarosos entre os ombros dela. Ela respirou fundo, respirando a essência campestre dele que ela primeiramente pensara ser resultado de todos os ingredientes de poções com que ele trabalhava. Mesmo agora, entretanto, depois de uma semana longe da sua arte, o cheiro ainda estava preso nele.

Quando ela finalmente se afastou, embora com relutância, a mão em suas costas continuou lá por um momento antes de cair para descansar na cama perto de onde ela estava sentada. Não havia nenhum traço do embaraço que acompanhara o depois de seus abraços anteriores, e os olhos de Snape mantinham um calor de entendimento que ela sabia que estava refletida nos seus próprios olhos.

Muito se passara entre eles – não dito – quando enfrentaram o prospecto da morte que nenhum dos dois podia negar, e ela, pelo menos, não queria.

Hermione se perguntou rapidamente como ficaria agora o aviso de Dumbledore e o decreto do Snape de “ainda não”, dadas as circunstâncias.

Hermione aprendera a jamais tentar prever o Diretor, mas todas as ações dele até agora – especialmente a discrição, mesmo dentro da Ordem – apontava que ele deixaria todos assumirem que Snape estava morto. Se fosse tornado conhecido que Snape sobrevivera, seria suicídio ele se aventurar além de Hogwarts. Voldemort não cometeria o erro de permitir que o traidor deixasse sua presença vivo novamente.

O Diretor deixou claro durante o anúncio para a escola na semana passada que Snape não daria mais aulas. Se Dumbledore fizera o anúncio presumindo que Snape estava morrendo, ou por alguma outra razão, era outra questão.

Afastando para longe a esperança egoísta de que uma relação aluna-professor não seria mais um problema, e a idéia da reação de Snape a ser forçado a se “fingir de morto” por tempo indeterminado, ela mudou sua atenção de volta para o homem à sua frente.

Ela percebeu que ele estivera observando-a enquanto ela estava perdida em pensamentos e corou, perguntando-se se ele sabia o que ela estivera pensando. Ela o viu tentar sem sucesso reprimir um bocejo e amaldiçoou a si mesma por não perceber o quanto ele ainda parecia exausto.

Ela se levantou, alisando as dobras do lençol, e disse:

- Você deve descansar. Dumbledore estará aqui em breve, e imagino que ele tenha um monte de coisas para lhe dizer.

A prova de como Snape estava cansado foi que ele não protestou. Meramente assentiu com a cabeça e fechou os olhos, a discussão curta deles já o havia exaurido.

A mesma mecha errante de cabelo caíra no rosto dele, ainda virado levemente na direção dela, e ela se esticou uma mão para afastá-la pra trás novamente. Os olhos dele permaneceram fechados e, num impulso, ela se inclinou mais vez para baixo e pressionou seus lábios na testa dele num beijo leve como uma pena. A pele dele estava quente e macia.

Quando ela se afastou, a respiração tranqüila dele denunciou o fato de que ele já havia adormecido.

Saindo do quarto, deixando a porta levemente entreaberta atrás de si, ela percebeu que era a primeira vez em uma semana que ela era capaz de sair sem temer pelo que encontraria quando retornasse. Era como se um enorme peso tivesse sido tirado dos seus ombros, e ela sentiu que podia realmente voltar sua atenção a outras coisas sem temer por distrações sentimentais.

Todos os seus professores e muitos dos seus colegas tinham notado sua natureza preocupada na última semana, mas felizmente ninguém, com exceção de alguns sonserinos, fizera a conexão entre isso e o desaparecimento misterioso do mestre de Poções. Julgando pelos comentários maldosos, os sonserinos estavam confiantes de que o traidor estava morto, mas a maioria dos alunos, ignorando tanto da Ordem quanto o papel de Snape nesta organização, estavam apenas felizes que não teriam mais aulas com o Chefe da Sonserina e não se preocupavam em parar para pensar em por que ele não estava mais lecionando.

Ela sabia que Dumbledore estava feliz que a especulação fosse mínima, mas havia uma percepção desconfortável de que nenhum dos alunos ligava para o que acontecera a alguém que era parte das suas vidas diárias, bem vindo ou não.

Ela atravessou a sala de estar e sacou a varinha, tocando-a na maçaneta da porta do laboratório para desativar as proteções. Nos últimos meses trabalhando com Snape, ele se acostumara a deixar a porta entre o laboratório e seus aposentos privativos aberta com mais freqüência enquanto ela estava lá. Desde a semana passada, entretanto, sabendo que Pettigrew havia, de alguma forma, conseguido acesso ao laboratório, a porta permanecera fortememente trancada e protegida magicamente todo o tempo.

McGonagall e Dumbledore haviam acrescentado uma horda de novas proteções no laboratório, e na escola como um todo, incluindo o feitiço para a detecção de animagos que a professora de Transfiguração estivera trabalhando com o Ministério da Magia. Os dois professores garantiram à Hermione que ela estava perfeitamente segura trabalhando no laboratório agora, mas ela ainda se via procurando nervosamente sobre o ombro ao menor ruído no laboratório silencioso.

Olhando para a tabela do ciclo lunar sobre a escrivaninha desordenada de Snape, Hermione percebeu que era uma boa coisa ela estar livre de distrações naquela noite. O Prof. Lupin precisaria começar a tomar a Poção Mata-cão nas próximas vinte e quatro horas se ele quisesse evitar os efeitos da lua cheia que se aproximava.

Ela tirou os ingredientes que precisaria dos armários e começou a picar, macerar e moer, tentando manter um equilíbrio entre velocidade e precisão com o qual ela vira Snape fazer as mesmas coisas. Suas próprias habilidades eram boas, mas não se comparavam às de um Mestre com muita prática.

Ela ainda não se sentia completamente confiante para preparar a poção, mas mesmo com Snape quase recuperado, ela não achava que ele estaria em qualquer condição de ficar parado em frente a um caldeirão por horas num futuro próximo, então ela faria o melhor que pudesse.

Era estranho, ela refletiu, dada a potência do sangue de égua apaixonada, que ele não estivesse cem por cento recuperado. Ela imaginou, curiosa e um pouco assustada, a força que a Magia das Trevas possuía para ser capaz de diminuir os efeitos da substância curativa mais poderosa conhecida pela bruxandade.

Já com cerca de meia hora de preparação de ingredientes, ela ouviu o crepitar da rede Flu na sala de estar e, no momento seguinte, o Diretor apareceu na porta do laboratório.

– Ah, Srta. Granger – ele disse. – Presumo que Severo esteja acordado, então?

Ela pousou a faca e encarou o velho onisciente.

– Sim, mas como você... ?

Dumbledore deu um riso curto, um brilho presente em seus olhos que ela jamais pensara que sentiria falta de ver até sua ausência na semana passada.

– Eu imagino que você não deixaria o lado dele se não estivesse segura do seu bem estar – o Diretor disse, e ela corou.

– Bem – ela disse na defensiva, gesticulando para os ingredientes espalhados na frente dela –, o Prof. Lupin logo vai precisar da Poção Mata-cão, então eu não podia esperar mais para começar a prepará-la.

– Claro, claro – o Diretor murmurou, movendo-se pelo laboratório e sentando-se do lado oposto a ela quando ela recomeçou seu trabalho. – Como está o Severo?

– Ele vai ficar bom – ela disse. – Ele está dormindo de novo, e... ele não sabe sobre a Marca ainda.

Dumbledore olhou para ela curioso, e ela respirou fundo, raspando o último pinhão do almofariz para um prato.

– Eu simplesmente não podia dizer a ele – ela explicou. – Eu não sabia como, além do fato que eu não devia fazer isso.

– Não devia? – Dumbledore disse, surpreso. – Srta. Granger, foi apenas através da sua brilhante idéia que Severo está livre da Marca, sem mencionar que está vivo também.

– Eu sei – ela disse calmamente. – Eu só pensei... Eu acho que você deve ser aquele a lhe dizer.

O Diretor a olhou estranhamente por um momento, mas então assentiu apreciativamente. Naquele instante, entretanto, uma exclamação alta vinda do outro cômodo atingiu seus ouvidos – um grito de surpresa, choque e até mesmo terror. Dumbledore se levantou num pulo, surpreendentemente ágil para sua idade, e correu do laboratório para a sala de estar, Hermione logo atrás dele. Empurrando a porta do quarto com um estrondo, eles pararam, ambos olhando para o Snape, que apesar da entrada deles, não lhes dera nenhuma atenção.

Ele estava sentado na borda da cama, o peito nu, a roupa de cama colocada de lado. O braço direito segurava o esquerdo num aperto mortal, e ele olhava fixamente para a pele pálida e não marcada da parte interna do seu antebraço.

Isso resolve o problema sobre quem deveria contar a ele - Hermione pensou. Separadamente, ela percebeu que as calças pretas que ele vestia não eram as que ele usava quando retornara a Hogwarts na semana passada, mas eram calças de um pijama leve de algodão. Ela se perguntou como ele acabara vestido com elas e sentiu uma onda de ciúmes estranha e totalmente inapropriada ao pensar na McGonagall trocando a roupa dele, mesmo que fosse mais provável que ela tivesse usado um feitiço.

Nem Hermione, nem Dumbledore avançaram mais pelo quarto, ambos observando Snape com uma mistura de apreensão e alívio.

Enquanto eles assistiam, ele esfregou o polegar da mão direita para frente e para trás sobre a pele, ficando mais vigoroso a cada golpe, como se procurasse remover algum truque ou feitiço que o enganava. Quando o esfregar tornou-se um coçar, e depois um arranhar, Hermione passou por Dumbledore, aproximando-se cautelosamente de Snape.

Quando ela chegou ao lado de Snape, havia marcas vermelhas de unha na pele do braço dele, e ela fechou sua mão sobre a dele, parando o movimento.

Ele levantou os olhos para ela, parecendo assustado até mesmo por encontrá-la no quarto, mas então seus olhos tomaram uma expressão incomum de súplica quando ele disse numa voz áspera:

– Faça desaparecer.

Ela franziu a testa, confusa, puxando a mão dela e a dele do braço para novamente revelar a pele desmarcada.

– Fazer o que desaparecer? – ela perguntou gentilmente.

– Isto – ele disse, segurando seu braço na direção dela. – Este... encobrimento, este feitiço, seja lá o que estiver encobrindo-a.

– Não há feitiço algum, meu rapaz – Dumbledore disse, finalmente caminhando para dentro do quarto para parar ao lado de Hermione. – A Marca do Tom se foi.

– Eu... – Snape olhou para Hermione novamente, a confusão e o descrédito evidentes no rosto.

– É verdade – ela disse, soltando a mão dele com um pequeno aperto.

– Você está livre, Severo – Dumbledore acrescentou calmamente.

Snape encarou o Diretor por um bom tempo antes de baixar o olhar para o braço de novo, e Hermione o viu engolir em seco. Ele levantou a outra mão para traçar a pele novamente, os arranhões levemente avermelhados que ele mesmo fizera anteriormente eram o único contraste na extensão pálida.

– Eu... – Ele se interrompeu de novo, sua voz áspera forçando a garganta enquanto ele levantava uma mão trêmula para cobrir os olhos. No momento seguinte, ele se inclinou para amparar os cotovelos nos joelhos, levando o rosto nas duas mãos. Hermione olhou para o Diretor, cujos olhos muito brilhantes estavam fixos no mestre de Poções. Olhando de volta para o Snape, a cabeça ainda abaixada, ela viu que os ombros dele tremiam e percebeu num estalo que ele estava chorando; soluços quietos e pesados que podiam ser apenas de alívio acometiam sua estrutura fina com o entendimento de que ele estava finalmente livre das amarras do seu erro de vinte e um anos atrás.

Ela fez menção de alcançá-lo, mas foi parada por uma mão em seu ombro.

– Venha, Srta. Granger – ele disse calmamente, pegando-a pelo braço e conduzindo-a para a porta do quarto. Ela voltou o olhar para o Snape enquanto era conduzida para fora; ele ainda estava sentado com a cabeça nas mãos.

Dumbledore fechou a porta quietamente atrás deles e virou-se para ela.

– Eu acho – ele começou, sua própria voz estava um pouco mais áspera que o normal – que o Severo precisa de algum tempo sozinho para contemplar essa descoberta.

– Sozinho? Isso é prudente? – Hermione perguntou, preocupada. – Certamente ele vai querer saber como isso aconteceu, e...

– Acho que essa explicação pode esperar um pouco – Dumbledore lhe assegurou. – Acho que Severo já tem muito para absorver no momento. Tenho muito para discutir com ele, mas acho que pode ser amanhã.

Hermione franziu um pouco o cenho, mas aceitou com um aceno de cabeça os pedidos do Diretor.

– Acho que devo voltar ao preparo da poção para o Prof. Lupin – ela disse, feliz por pelo menor ter uma desculpa para ficar por perto por um pouco mais, no caso de Snape querer procurar por uma explicação naquela noite.

– Sim – ele disse –, e eu devo informar aos Profs. McGonagall e Lupin das boas novas. Eu devo agradecê-la, Srta. Granger, por tudo que fez nesta última semana, ou mais. Não é apenas o Severo e o Prof. Lupin que são gratos por sua ajuda.

– Obrigada, professor – ela disse com um pequeno sorriso e virou-se para seguir para o laboratório. Quando ela chegou na porta, a voz do Diretor a parou, e ela se virou para onde ele estava parado perto da lareira, uma pitada de pó de Flu numa mão.

– Srta. Granger, se o Severo vier procurando por mais explicações nesta noite, pediria para que você não mencionasse mais nenhum dos outros métodos que nós usamos para salvar a vida dele além da remoção da adaga.

Dumbledore a observava gravemente, e ela franziu o cenho. Ela sabia sobre o que o Diretor estava se referindo, e embora ela suspeitasse que Snape ficaria lívido por causa do uso do sangue da égua apaixonada para salvá-lo, ainda assim ela não gostava de esconder a verdade dele.

– Por enquanto – Dumbledore emendou, vendo a hesitação dela. – Permita que eu explique isso para o Severo quando for a hora certa.

Ela assentiu, então, e o Diretor voltou ao seu escritório pela rede Flu enquanto ela voltava para o laboratório.

Três ou mais horas depois, tendo terminado a poção satisfatóriamente e engarrafado tudo menos um cálice cheio, ela olhou em volta do laboratório, certificando-se que tudo estava limpo e colocado de volta em seu devido lugar. O cálice de cobre estava na beira da bancada mais próxima da porta, esperando ser entregue ao professor de Defesa, e ela o pegou e deixou o laboratório, fechando a porta atrás de si e olhando-a por um momento até ver o brilho azul fraco das proteções.

Hesitando, ela olhou do cálice fumegante em suas mãos para a porta fechada do quarto. Ela não ouvira nenhum som do quarto desde que ela e Dumbledore o deixaram mais cedo, e isso tanto a preocupava quanto a confortava na mesma proporção. Talvez Snape estivesse descansando, exausto depois do esgotamento físico da última semana, ou talvez ele ainda estivesse sentado onde eles o deixaram, incerto de como lidar com o choque de estar tanto vivo quanto livre.

Ela olhou para o cálice de novo. Tinha acabado de ser preparado; não faria mal atrasar sua entrega por alguns minutos.

Ela o colocou na mesa de centro e caminhou vagarosamente até a porta do quarto. Ela bateu suavemente e depois de nenhuma resposta ou nenhum som de dentro, ela abriu a porta apenas o suficiente para espiar.

– Severo? – ela chamou calmamente, localizando o corpo dele debruçado na cama, as tochas na parede ainda acesas como estavam anteriormente. Ele não respondeu e parecia estar adormecido, mas ela adentrou o quarto e foi até a cama, apenas para se certificar.

Ele estava deitado de lado, o braço direito agarrando o antebraço esquerdo com força novamente, como se ele estivesse tentando impedir a Marca de voltar à sua pele durante o sono. Ele estava por cima do lençol enrugado, dando a impressão que ele caíra no sono sem o propósito de ir dormir. A fina linha vermelha da cicatriz da adaga estava visível abaixo da ossuda caixa toráxica, e ela teve que resistir à vontade de alcançá-la e tocá-la. Qual o problema com as cicatrizes? – ela pensou, lembrando-se da vez que ela descobrira com tanta curiosidade as marcas de garras do lobisomem, agora escondidas do outro lado do corpo dele.

Ela olhou para o rosto dele, quase obscurecido pelo cabelo, mas não parecia haver nenhum traço da angústia de outrora. Ele parecia calmo, mas enquanto ela olhava, viu um leve arrepio cruzar o corpo dele. Ela tocou levemente no braço dele com as costas da mão e percebeu que ele estava frio ao toque. Localizando o edredom azul escuro dobrado aos pés da cama, ela o pegou e estendeu-o sobre ele cuidadosamente. Ele estava tão exausto que nem se mexeu.

Abafando todas as tochas menos uma com um aceno de varinha e um feitiço murmurado, ela o deixou descansando, novamente sentindo a mesma sensação de alívio ao saber que ele estava, em sua maior parte, seguro e bem.

Ela foi pela rede Flu para o escritório do Diretor, que estava vazio, e depois fez seu caminho para a sala de Defesa e o escritório do Prof. Lupin, esperando que ele ainda estivesse lá mesmo sendo tão tarde; era quase meia-noite.

– Hermione! – disse Lupin, conduzindo-a no mesmo momento que abrira a porta. – Eu esperava vê-la esta noite.

Ela sorriu, entregando-lhe o cálice quando ele se sentou à mesa, gesticulando para que ela tomasse a cadeira oposta.

– Temo que ela possa não ser tão potente quanto a do Severo – ela disse desculpando-se quando ele levantou o cálice e cheirou seu conteúdo. O professor de Defesa já tinha visto muito da interação dela com o mestre de Poções na última semana para não questionar o uso familiar do nome dele.

– Tenho certeza que estará perfeita. Tenho sorte de ter mais alguém que possa prepará-la – ele disse, e começou a bebê-la rapidamente. Colocando o cálice vazio na mesa no momento seguinte, ele acrescentou com uma risadinha: – Certamente tem o mesmo gosto.

– Eu não devo ter que prepará-la por muito mais tempo, de qualquer forma – ela comentou. – O Prof. Dumbledore conversou com você esta noite?

Lupin assentiu.

– Sobre o Severo? Sim, são boas notícias, não?

Hermione assentiu, também, murmurando:

– Eu estava começando a me perguntar se alguma dia teríamos boas notícias.

Lupin fixou nela um olhar contemplativo.

– Parecia irreversível por um tempo – ele concordou. – Severo tem sorte de ter uma amiga como você; você salvou a vida dele duas vezes na semana passada, sem mencionar toda a ajuda que você vem lhe dando nesses últimos meses.

– Eu não chamaria isso de salvar a vida dele tanto quanto de estar no lugar certo na hora certa – ela disse honestamente –, mas eu me considero sortuda de poder chamá-lo de amigo, também.

O professor de Defesa deu um riso curto.

– Este é um privilégio que poucos podem dizer que têm.

– Eu sei – ela disse calmamente, o humor subitamente sério novamente.

– Como ele encarou o desaparecimento da Marca Negra? – Lupin perguntou depois de um tempo.

Hermione engoliu em seco.

– Não muito bem – ela disse. – Ele não... Acho que ele estava quase com medo de acreditar que ela se fora.

Lupin assentiu com a cabeça.

– Posso imaginar que ele ficaria bem chocado, tendo vivido com ela por tanto tempo. Sua ausência, mesmo que bem vinda, vai exigir tempo para se acostumar.

Hermione observou o professor de Defesa cuidadosamente, um olhar pensativo no rosto dele enquanto encarava um ponto algum lugar acima e à esquerda de onde ela estava sentada.

– Quase como ser curado da licantropia – ela disse calmamente, percebendo que o professor de fala mansa sabia exatamente o que era estar preso numa vida que tão freqüentemente saía do seu controle.

– Quase – ele disse concordando. – Eu tenho sorte por ter um alívio temporário da minha aflição na forma de uma poção, entretanto. Não ousaria esperar por uma cura permanente como Severo recebeu.

– É apenas uma questão de tempo até alguém encontrar uma – ela refletiu. – A poção pode ser apenas temporária, mas é um passo em direção a uma cura permanente.

– Dez pontos para a Grifinória pelo otimismo – ele disse com um sorriso, o qual ela retornou. Depois de um momento de silêncio, ele acrescentou: – E não se preocupe com o Severo. Ouso dizer que você já fez isso o bastante ultimamente. Ele só precisa de algum tempo para aceitar sua nova liberdade; pode demorar um pouco para ele se acostumar depois de todos esses anos.

Hermione assentiu. O conselho de Lupin fazia sentido, vindo talvez da pessoa mais próxima de ser capaz de entender a situação do Snape. Ela imaginou, entretanto, apenas quanta liberdade Snape descobriria ter, uma vez que Dumbledore desse sua palavra sobre o assunto.


* * * * * * *

Continua

N.A.: Obrigada, como sempre, a todos que leram e deixaram review! Eu respondo mesmo a todos, então se você deixou uma review com uma pergunta, leve um tempo para ler minha resposta!

Aguamenti é canon, de EdP, e faz conjurar água limpa num recipiente já existente.

Este capítulo é um pouco mais curto (por algumas mil palavras – *rs*) que o anterior, mas o tamanho dos capítulos ao longo da fic como um todo é um tanto irregular – eu simplesmente paro onde parece ser a hora certa de interromper a história. *personificação do Forrest Gump* “Você nunca sabe o que vai pegar!”

Snape chorando sempre foi um dos meus monstros pessoais porque geralmente parece ser um erro de caracterização. Acho, entretanto, que sob as circunstâncias aqui, é justificado – vinte anos é muito tempo para viver com uma coisa e finalmente estar livre.

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