Instinto Paterno





Hermione desceu do elevador e, quase correndo, seguiu até a única porta existente no fim do corredor daquele andar. Logo estava na sala circular e como se esta adivinhasse onde ela queria ir, ela girou entregando-lhe a porta correta. Na realidade, ela só soube que era a sala certa quando empurrou a porta e se deparou com as fileiras de bancos de pedra que afundavam sala à dentro. E lá em baixo, assentado na última fileira de bancos, defronte ao véu, estava Harry.

A garota desceu alguns bancos e parou. Harry fitava, aéreo, o véu. De onde estava Hermione podia escutar o rumor de vozes por trás do véu.

Ficou presa ali, como que hipnotizada, por algum tempo. O véu a chamava e em seu rumor de vozes Hermione identificou uma em especial.

- Rony?

Harry se assustou e erguendo-se virou para ir dar com Hermione, algumas fileiras de banco acima dele próprio. A garota por sua vez parecia ter dito mais do que pretendia e encarava Harry com as maçãs do rosto vermelhas.

- O que você ta fazendo aqui?- indagou o rapaz meio confuso. Seguira até o ministério na ilusão de encontrar Sirius, não Hermione.

- Me perguntando sobre o que você está fazendo aqui.- disse a garota ainda meio sem jeito.

- Como se você se importasse.- disse Harry dando as costas e voltando a se assentar.

Hermione hesitante, desceu as fileiras que os separavam e assentou ao lado dele. Virou-se para o véu e pôs-se a fitá-lo novamente.

- É.- murmurou ela depois de um tempo.- Daqui parece mesmo que a qualquer momento eles surgirão de trás do véu. Mas eles não surgirão, Harry.

- Eu sei.- murmurou o garoto.

- Todos estão mortos.- disse Hermione.- E as pessoas mortas nunca voltarão. Você deveria saber disso.

- E eu sei.- repetiu Harry.- Mas eu achava que as vivas sempre voltavam...

- Nem sempre...

- Então já não sei mais em que acreditar.- o garoto fitou o perfil compenetrado de Hermione.- A menos que você ainda vá voltar.

- Eu já voltei.- murmurou Hermione e então piscou, como se assustasse com o que dissera. Virou-se para Harry.- Ao que éramos antes, é o que digo. Mas você se tornou tão tolo que é incapaz de perceber.

Harry abriu a boca para dizer qualquer coisa, mas a capacidade de Hermione em calar com palavras era imensa.

- E se não se importa, não vou me sentir bem em lhe deixar sozinho aqui.- atravessou ela antes de mais nada.- E como eu tenho algo importante a fazer, esta tarde, por favor, não se demore.

Harry abriu a boca novamente insistindo em dizer o que achava que tinha de ser dito. Mas ela tinha razão. Aquele mês fora exatamente como nos velhos tempos. Hermione torrando para que ele fizesse seu trabalho direito. As sessões de Snape explosivo, a expressão horrorizada durante o ataque das peças no xadrez bruxo, e até o sorvete de morango com uma cereja em cima eram os mesmo dos velhos tempos. Respirou fundo e se levantou.

- Vamos embora, você não vai me deixar sozinho aqui mesmo.- disse ele.




****




Draco acordou assustado com os passos da enfermeira que vinha trazer o café da manhã dos enfermos. Sua cabeça doía, assim como suas costas, e ele sentia-se extremamente mau-humorado. A enfermeira parecia falar com ele, mas ele só escutou o final.

- Tem visitas.- murmurou a mulher loura enquanto dava colheres de uma sopa espessa na boca de Narcisa Malfoy que tinhas os olhos distantes.

- Visitas?- indagou Draco cruzando os braços, indisposto.

- Sim. Estava esperando-o acordar no corredor quando eu entrei.- disse a enfermeira.- Uma mulher.

Draco se levantou tirando as madeixas louras do rosto. Esfregou os olhos, fazia um mês que não dormia uma noite que poderia ser chamada de bem dormida. Caminhou até a porta, abriu-a e saiu. O corredor estava deserto exceto por dois Medibruxos que caminhavam calmamente indo a algum lugar no final do mesmo corredor. Seu primeiro impulso foi voltar no quarto de sua mãe e insultar a enfermeira, mas então algo no chão lhe chamou a atenção.

Draco encarou o pequeno envelope pardo por algum tempo. Talvez esperasse que ele explodisse, mas não explodiu. O rapaz olhou pros lados, os dois Medibruxos tinham sumido. Abaixou-se e apanhou o pequeno envelope e virou-o para saber de onde vinham.

Tomas Black Weasley

Ao ver os dois sobrenomes em bizarro contraste nas costas do envelope, Draco abriu, ansiosamente, o mesmo. Havia um cartão onde nada fora escrito. No lugar das palavras estava a marca de um minúsculo pé, em sangue.

Por um momento ele apenas fitou a vermelhidão da marca no cartão. A enfermeira deixou o quarto deixando a porta aberta. A fênix, tão vermelha quanto o sangue no papel, esticou o pescoço a fitá-lo. Encontrava-se pousada sobre o parapeito da janela do quarto.

Draco encarou a fênix que lhe lançava um olhar amável. Ia-se acostumando com ela em seu encalço, aos poucos. Desviou os olhos para a direita, no leito onde sua mãe dormia. Não devia, ele sabia, mas havia uma espécie de comichão dentro dele. Um comichão que queria leva-lo para quilômetros e quilômetros de distância dali. E ele não podia detê-lo.




****




Hermione esperava assentada na cama de colunas do quarto de Luna. Não sabia o que esperava, era a verdade. Luna a recebera e dissera “aguarde um momento” e então sumira por uma porta interna ao quarto.

Observava a pintura no teto, pareciam criaturas próximas de anjos chifrudos que poderiam ser facilmente confundidos com demônios apesar da aparência calma e angelical. Distraía-se agora em uma roseira peculiar no lado esquerdo do teto quando ouviu o murmúrio de gritos no andar debaixo. Sem conseguir resistir, saltou da cama de Luna e lançou-se ao corredor. Seguiu alguns passos até as escadas forradas por uma tapeçaria amarelada.

- Que diabos você tem na cabeça, homem?

Hermione olhou pra baixo assustada sem conseguir ver mais que a sombra de duas pessoas. Achou conhecer aquela voz.

- A história não é verídica mesmo, que problema havia em publicá-la?- era uma voz masculina agora.

- Você não tem o direito de publicar as coisas dos diários, sendo verdade ou não! Minha irmã provavelmente tem acesso a revistas como a suas, aquilo só a instigará a voltar. O que disse no início do verão, sobre manter a sua filha segura?!

- Hermione.

Hermione olhou pra trás e sentiu-se corar ao ver-se surpreendida por Luna. Tratou de voltar pra dentro do quarto.

- Eu sinto muito.- disse ela observando Luna se dirigir a um baú de mogno e começar a puxa-lo na direção de sua cama.- É que ouvi gritos e... Gina não deveria estar aqui?

- Aquela mulher a mandou pra casa assim que chegou aqui.- disse Luna se concentrando em abrir o baú.- A Tonks do departamento de mistérios.

- Isso tudo é por causa da revista?- indagou Hermione se perguntando se deveria ter entregado a mesma à Andrômeda Tonks.

- Talvez.- disse Luna dando ombros.- Quem se importa?

Hermione franziu o cenho demonstrando que no fundo se importava. Luna riu e a primeira não entendeu a graça.

- O que importa é que aqui estamos nós.- disse Luna estendendo-lhe algo que acabara de tirar do baú.

Hermione baixou os olhos para o objeto. Era aparentemente um caderno muito empoeirado, apesar de não parecer tão velho. Apanhou das mãos de Luna que tratou de tirar outros idênticos e ir depositando-os sobre a cama.

Hermione encarou o objeto. Sabia o que era aquilo, aliás, o que [i]eram[/i] aquilo. Mas não entendia porque Luna estava mostrando a ela. Concentrou-se nele. Havia uma flor gravada ali. Uma flor estranhamente familiar. Tentou se lembrar onde a vira antes e quando conseguiu, arregalou os olhos.

- É uma flor cipreste.- murmurou Luna.- Há quem a acha fúnebre demais, mas mamãe a achava belíssima.

Hermione sentiu seu queixo cair. Tratou de volta-lo para o lugar. Ela tentava se controlar, mas sua mente ia longe, agora. As idéias que iam surgindo, vindas sabe-se lá de onde, chegavam a ser tão absurdas que não pareciam ser dela. Idéias ilógicas.

- Luna, desculpe tocar nesse assunto, mas...- disse Hermione hesitando.- sua mãe não foi enterrada por aqui, ou foi?

- Em um cemitério trouxa, na França.- respondeu Luna distraída.

- Não sabia que ela era nascida trouxa.- comentou Hermione.

- E não era.- disse Luna.- Sou sangue puro.

Família nobre provavelmente, pensou Hermione apesar de nunca ter ouvido falar da possível tradicional família a qual Luna pertencia. Mas os Weasley, por exemplo, eram “puro-sangue” e mal falados por gostarem de Trouxas. Ser editor de uma revista sensacionalista parecia o suficiente pra ser apagado de todas as tapeçarias de boas famílias.

- Eu sei, não falam muito sobre a gente.- disse Luna.- É que desde que papai lançou a revista as coisas complicaram um pouco pro nosso lado. Mas éramos uma família tradicional no passado.

- Vindos da França ou algo assim?- indagou Hermione.

- Não.- riu Luna.- Mamãe amava a França. Acho que já li sobre como ela foi lá pela primeira vez em algum desses diários, não me lembro ao certo. Ser enterrada naquela terra foi uma espécie de último desejo se não era seu desejo desde sempre.

A garota loura se calou. Hermione voltou a viajar em seus pensamentos. A voz da própria Luna soou novamente, porém em sua cabeça, repetindo “Eu herdei mais de mamãe do que havia dito.”, “Eu herdei mais...”. E a conclusão que veio a seguir foi tão absurda que ela chegou a rir enquanto murmurava “não, não mesmo”

- Se você ainda possuísse um vira-tempo eu diria pra passar horas lendo isso tudo aqui.- disse Luna ignorando a expressão mista de dúvida e riso no rosto de Hermione.- mas...

- Como você sabe que já tive um vira tempo?- surpreendeu-se Hermione.

- Eu pareço a garota avoada, Hermione.- disse Luna sorrindo.- Mas você sabe que eu sou a mais observadora. Aquela que sempre sabe tudo, de todos. Mas como ia dizendo, como não tem um vira-tempo, eu mesma resumo a história.

Hermione respirou fundo imaginando o que viria. Não podia ser pior do que ela imaginara. Não conseguia parar de repetir mentalmente “Seja racional, Hermione, seja racional!”

- Elas eram amigas de infância.- disse Luna.- Como eu e Gina.- a garota pausou e ergueu os olhos para Hermione. Pareciam lúcidos, o que acentuava o tom bizarro da cena.- Elas tiveram um caso.

- Eu imaginei isso, mas era de brincadeira!- disse Hermione com um sorriso amarelo.- Fala sério?

- Porque não falaria?- indagou Luna.

- Porque é Luna Lovegood?- indagou Hermione e depois temendo que Luna se ofendesse acrescentou:- Ok, é isso que está escrito nesses diários?

Luna fez que sim com a cabeça.

- E porque só esses diários dizem isso? Como a história não vazou?- indagou Hermione.- Quero dizer, Draco deveria saber disso. Ele é sobrinho dela. E como ela pode ter se casado então?

- Abafar esse tipo de história é o que as famílias costumam fazer para criar a ilusão de que nada aconteceu, de que nada “saiu do controle”.- murmurou Luna.

- Você insinuou isso anteriormente, mas achei que não fosse coisa tão grande assim.- disse Hermione.- Sempre achei que a história sobre Sirius fosse a oficial.

- Ela seria obrigada a se casar.- murmurou Luna.- E Sirius pareceu a menos pior das opções.

- Parece improvável.- disse Hermione.- Mas depois do Rony. Eu acredito em praticamente qualquer coisa.

Silêncio. Hermione abriu o caderno que tinha em mãos e começou a passar as páginas sem de verdade se concentrar em alguma coisa escrita ali. A caligrafia da mãe de Luna era muito bonita, apesar de rápida. Segurava para não começar a viajar novamente, temia que Luna pudesse lhe informar que as coisas bizarras que lhe viessem à cabeça eram verdades. E ela simplesmente não sabia de onde estavam surgindo aquelas idéias.

- Quem mais já teve acesso à esses diários, Luna?- indagou Hermione.

- Papai e a ex-chefe de mamãe.- disse Luna.- Andrômeda Tonks.

- E essa história da França...?

- Elas se encontravam lá, nos verões, principalmente depois que as famílias descobriram tudo.- explicou Luna que também se distraía em um dos diários.

Isso talvez explicasse porque a mãe de Tonks viera com aquela história sobre a França, pensou Hermione. Alguém bateu à porta. Luna ergueu o rosto quando seu pai entrou no quarto.

- Oh! Ainda tem visitas, querida.- admirou-se ele.

Hermione fitou-o. Não lhe era estranho, na realidade. O vira duas vezes antes, uma na enfermaria de Hogwarts, outra no átrio, esperando por Tonks. Mas ele dessa vez não estava só, pois logo atrás dele surgiu o rosto de Andrômeda.

- Hermione, achei que já tivesse na Ordem.- murmurou ela.

- Estava conversando com Luna.- justificou Hermione sentindo os olhos dos dois recém chegados nos diários sobre a cama e nas mãos das garotas.

- Veio você mesma saber se a história da revista que me entregou era verdade.- concluiu a Sra. Tonks sutilmente hostil, parecia irritada. Hermione abriu a boca pra negar, mas nem deu tempo.- Eu estava agora a pouco discutindo com o Sr. Lovegood, dizendo a ele que não devemos publicar histórias fictícias em revistas.

- É, deu pra escutar.- disse Hermione devolvendo na mesma moeda, apesar de sorrir.

- Mas como você foi rápida, já deve ter descoberto o suficiente.- prosseguiu Andrômeda.- Eu estava me dirigindo para a Ordem, porque não vem comigo?

- Prefiro ir pra casa.- disse Hermione com secura particular.




****




Harry deixou-se cair em sua cama e ficou fitando a moldura vazia. Respirou fundo, passeou as mãos pelos cabelos, tirou os óculos. Por dezesseis anos o que ele mais quisera era uma festa de aniversário. E agora que ele a teria, já não queria tanto assim. Alguém bateu à porta e entrou. Por um momento ele desejou ver Rony entrar e perguntar por que ele ainda não estava na cozinha. Mas apesar de o recém chegado ser ruivo e alto, não era Rony.

- Todos estão lhe esperando.- disse Gui se assentando na cama que outrora pertencera a Rony.- Apesar de parecer que você não está nem um pouco disposto.

- É.- concordou Harry.

- Quer me contar o que aconteceu no ministério?- indagou Gui pensativo.

- Acho que não.- disse Harry sinceramente.

- Deve ser em horas como esta que Rony faz mais falta não é mesmo?- indagou Gui. Harry fez que sim com a cabeça.- Não sei se pode valer de qualquer coisa. Mas você deveria lembrar do passado. Lembro de quando conheci você e Hermione. Você, ela e Rony eram o verdadeiro trio parada dura. O certo é que continuassem assim, mesmo sem o Rony.

- Não tem mais jeito.- disse Harry.

- Tem sim.- disse Gui com firmeza.- Ela não quer você ao lado dela como namorado talvez por sentir falta do amigo que você era antes. Pense nisso.

Harry deu ombros.

- De toda forma, ela não vai vir mesmo. Porque não para de se entristecer esperando-a chegar, inutilmente, e vem se juntar a nós?

- Ela não vem?- indagou Harry. Esperava que fosse grossa, que o ignorasse, mas deixar de vir?

- É. Parece que aconteceu alguma coisa. Tonks acaba de ir pra casa.- disse Gui.- Mas nada de muito grave.- acrescentou rapidamente.




****




Draco adentrou o imundo pub quase na saída de Hogsmead. Estava parcialmente vazio, exceto pelas figuras sombrias de costume.

Draco se aproximou do balcão procurando o rosto conhecido do homem que poderia vir a ajuda-lo. Não demorou muito e o velho de ar rabugento surgiu por ali.

- O que quer?- rosnou ele a Draco que fez um sinal para que se aproximasse.

- Procuro uma pessoa, que deve ter passado por aqui.- sussurrou ele. O velho ergueu as sobrancelhas como que em sinal para que prosseguisse.- Uma mulher: alta, cabelos negros, voz rouca, ar de gente nobre e importante. Ela poderia estar grávida, ou carregando um bebê.

O velho ficou quieto, mas impassível, por algum tempo. Analisou Draco com olhos penosos. Coçou a barba aparentemente hesitando sobre dar ou não informações.

- O Sr. não está aqui junto com dois homens ruivos, está?- indagou ele. Draco fez que não com a cabeça.- Nem está aqui a mando do ministério, certo?

Draco encarou-o seriamente, então curvou-se para frente sorrindo de forma esnobe.

- Definitivamente não.- disse desejando que o velho não estivesse tão bem informado a respeito do mundo contemporâneo.- Meu nome é Draco Black Malfoy. Sou filho de Lúcio Malfoy. Eu não estaria aqui a mando do ministério, não hoje em dia.

O velho não conseguiu esconder um sorriso. Coçou a barba novamente, olhou à volta. Um rapazola magrelo e imundo, em roupas rotas, surgiu por uma porta de trás do balcão.

- Ele não cala a boca!- murmurou ele ao velho enquanto apanhava uma bandeja e colocava nela algumas garrafas que trazia.

O velho por sua vez virou-se para Draco.

- Ela está aqui.- disse ele.- Não agora, mas vai voltar. Espere um minuto e então entre pela porta, eu estarei do outro lado lhe esperando.

Draco o fez e minutos depois seguiu o velho por um corredor interno cercado de portas de madeira podre. Um cheiro quase insuportável de mofo recendia de todos os cantos. Muito ao longe se podia escutar um choro de neném.

O velho seguiu por aquele corredor por mais alguns metros até que parou defronte a uma porta. O choro de neném estava muito mais alto agora. O velho tirou uma chave de um dos bolsos e entregou-a a Draco.

- Faça esse garoto calar a boca!- e dizendo isso ele deu as costas e rumou de volta na direção do pub.

Draco encaixou a chave na fechadura já sabendo o que viria a seguir. Respirou fundo e entrou.

Um pequeno embrulho de cabelos ruivos rolava pela cama chorando. Draco fechou a porta atrás de si e apanhou o pequeno que mal devia ter uma semana de vida. Meio sem jeito, o rapaz balançou-o de um lado para o outro. Foram preciso apenas alguns minutos para que o choro cessasse.

Alguns minutos mais seguiram. Draco ainda sacudia de leve o embrulhinho. O pequenino ruivo soltou um suspiro. Seus minúsculos olhinhos estavam fechados. Respirava ruidosamente.

Draco voltou-se para a única cama no escuro quarto e colocou o bebê por ali. Este soltou um novo suspiro, mas nem se mexeu. O rapaz louro então olhou à volta. Os pertences da tia estavam todos por ali. Um malão de fundo falso, muito maior por dentro e um baú, onde estavam as armas que ele mesmo trouxera da casa do pai.

Além da velha cama e de um aparador no qual havia uma bacia e um jarro cheios de água; havia no quarto ainda uma escrivaninha, encostada em baixo de uma janela de madeira que estava fechada. Draco se aproximou desta e abriu uma fresta para deixar entrar um pouco de luz e ar, como se aquilo pudesse amenizar o cheiro de mofo.

Sobre a escrivaninha haviam alguns jornais e revistas e diversos rolos de pergaminho. Draco puxou uma cadeira de encosto quebrado que acompanhava a escrivaninha e apanhou o Profeta Diário do dia.

- A temporada de julgamentos de Comensais termina.- leu.

Draco deu ombros enquanto jogava o jornal de volta.

- Temporada de julgamentos...- murmurou enquanto apanhava uma revista. Chamava-se O Pasquim.

Draco encarou o demônio estampado na capa. Lembrava-se de ouvir piadas sobre aquela revista, mas nunca havia tido uma em mãos. Nem mesmo depois da amizade que desenvolvera com Luna Lovegood, que por acaso era a filha única do viúvo editor.

Abriu a revista. Na contra capa havia a nota do editor logo abaixo de uma foto do próprio. O Sr. Lovegood era um homem de rosto cheio estampado por um enorme bigodão louro. Mas não foi a gordura pendente e tampouco o bigode que despertou o interesse de Draco. Havia sobre a própria fotografia e em volta, diversos rabiscos à mão.

O pequeno homem da foto esfregava o nariz, manchado pela tinta, e lançava à Draco olhares ofendidos. Só quando ele finalmente sumiu é que Draco foi ler a única palavra legível, logo acima do sobrenome “Lovegood”, este quase totalmente coberto por tinta: “Idiota!”

Levemente encabulado, Draco foi passando as páginas e quando não havia mais o que ler ele passou para os pergaminhos escritos esparramados sobre a escrivaninha. Pareciam todos confusos e ilógicos como a própria revista. Iam de nomes rabiscados e desenhos à datas, horários de trens e espécies de relatórios de rotinas de pessoas.

Draco ia divertindo-se lendo aquela papelada. “Ela não pára”, era o que pensava quando um nome em particular lhe chamou a atenção logo abaixo de um desenho. Mal foi preciso ligar o nome ao desenho para descobrir que ele ilustrava uma peculiar cicatriz.

Não havia mais nada no pergaminho então ele passou ao próximo. Este estava escrito até a metade e a tinta parecia ainda um pouco fresca. Devia ter sido escrito ao raiar do dia e então esquecido ali.

“Gatos são animais fascinantes. Laranjas e peludos com a capacidade de arremessar livros e acordar garotinhas. Demônios e demônios! Aquele trouxa se acha esperto, mas passou a vida me investigando sem chegar a lugar algum. Ele sempre disse ter casado com a mais célebre das Black. Não tarde ele perceberá que para ser célebre é preciso saber surpreender. No momento cabe a mim preocupar-me com outro gordo e estúpido homem. Os diários não deveriam vir a tona! Nunca...Maldito!”

Draco olhou novamente para o volume d’O Pasquim sobre a mesa. Minutos antes ele mexera naquela papelada a título, unicamente, de passar o tempo até que sua tia voltasse sabe-se lá de onde. Agora o fazer nada havia se tornado incrivelmente interessante.

Ela não tinha uma imã mais nova. Mas a sensação de encontrar o diário de uma irmã e poder lê-lo sem interrupções não deveria ser diferente daquilo. Perguntando-se sobre o que mais haveria, Draco passou ao próximo pergaminho e a cada seguinte tudo ficava mais interessante.




****




Hermione empilhou o último livro a um canto. Passara a última hora analisando, superficialmente, cada um deles. Pelo que concluíra, em um dos diários de Luana Lovegood havia uma comparação de Belatriz Lestrange com uma figura mitológica. Andrômeda ou o marido pareciam ter passado longos anos procurando alguma veracidade na tal teoria.

Binchento ronronava de cima da cama parecendo indignado pela repentina organização do quarto. Hermione fitou-o por um momento e riu. Nem sabia ao certo porque ria, achava que era por a situação ser digna disso.

E quem era ela agora? O que estava fazendo ali? Passando o verão na casa de uma biruta. Amiga de outra. Buscando em diários de uma terceira maluca explicações para o sumiço de uma Comensal que sabe-se lá o real porque, a queria bem o mal.

Alguém bateu à porta. Ela voltou a ficar séria. Desejara acordar daquele sonho maluco, mas por mais que não parecesse, aquilo era a realidade: [i]nua e crua[/i]. A porta se abriu, a Tonks filha entrou. Sorria.

- Eu estranhei que você e mamãe estivessem demorando a se desentender.- disse ela.- O que aconteceu?

- Não importa muito agora.- disse Hermione.- Eu mesma não queria acreditar a princípio até tudo começar a ter incrível lógica.

- Do que está falando?- indagou Tonks.

- Sua mãe pode ser louca.- disse Hermione.- Mas tinha razão quando disse que Belatriz Lestrange estava na França.

- Agora quem está louca é você.- disse Tonks sem perder a graça.

- Não, eu falo sério.- disse Hermione.- Eu já tinha algumas informações. E com as que obtive hoje passei a tarde pensando e essa é a verdade.

- O raciocínio de mamãe esteve correto no passado, Hermione.- disse Tonks.- Mas um raio não cai duas vezes no mesmo lugar.

- Não sei se o raciocínio dela está certo dessa vez também.- disse Hermione.- Mas o meu está.

- E quais são os seus fundamentos?- indagou Tonks sorrindo de forma simpática.

- Não posso dizer. Mas estão certos.- afirmou Hermione.- Você deve acreditar em mim.

- Ok!- fez Tonks cruzando os braços sem deixar de sorrir.- E suponhamos que eu deva. O que espera que eu faça? Reúna os aurores ou a Ordem e diga que não tenho fundamentos pra afirmar isso, mas devemos rumar para a França, pois Belatriz Lestrange realmente está lá, como a louca da minha mãe vinha dizendo por mais de um mês?

- Eu não sei o que você vai fazer com isso.- disse Hermione se irritando um pouco.- Escuta. Lembra-se de quando o Rony voltou para Hogwarts e esteve internado na enfermaria? Eu disse a você que não podia informar os fundamentos, mas que ele estava sendo corroído pela Comensal. Disse que vocês deveriam penetrar-lhe a mente antes que fosse tarde demais.

- Eu lembro, mas...

- Eu estava errada?- indagou Hermione.

- Não, mas...

- E você vai esperar mais alguém pirar e se matar antes de agir dessa vez?- indagou Hermione.- Vai esperar que seja tarde demais?

- Isso pode funcionar com a Ordem, Hermione. Mas não é um argumento válido para o ministério.- disse Tonks.- E não podemos fazer nada sem os Aurores. Os membros da ordem que sobram não são praticantes de Oclumência. Não teria muita chances se a encontrássemos.

- Mandem procurar no sul da França. Figura desconhecida invadiu um cemitério trouxa durante a noite. Um dos vigias morreu por causa desconhecida, outro está internado, pirado. Não sabem o que aconteceu.- murmurou Hermione.- Foi a última notícia bizarra, Harry a encontrou. Sua mãe sumiu por uma semana depois disso.

- Porque ela não informou o nosso departamento se achava que isso tinha a ver com a Comensal?- indagou Tonks.- Era o que deveria ter feito.

- Vocês não acreditam nela!- disse Hermione.

Tonks riu. Parecia sem jeito.

- Não sei se devo fazer algo a respeito, ou se devo intitulá-la como louca também.- disse Tonks.- O problema é que se você estiver certa... Porque não informa suas fontes? Seria tudo mais fácil.

Hermione deu ombros. Tonks parecia em conflito interno. Até que voltou a sorrir.

- Ok, verei o que posso fazer e se estiver certa de novo lhe obrigarei a voltar pras aulas de adivinhação.- riu Tonks.

- Oh! Não faça isso.- disse Hermione em tom de tragédia, rindo também.

- Acho que vou voltar pra Ordem então, para convencer alguns birutas a irem passar o restante do verão na França.- disse Tonks.- Porque não vem comigo?

Hermione hesitou. Lembrou-se do ocorrido com Harry, mais cedo.

- Seu melhor amigo ficaria feliz em receber a sua visita no dia do aniversário dele.- disse Tonks.




****




- Ela estava preocupada, desde o início do verão, com esse véu.- disse Gina.

- Eu sei.- disse Harry com desânimo.- E como sempre eu continuo sendo o velho Harry previsível de sempre, ao menos pra ela.

- Bem, depois disso talvez você possa seguir o conselho de Gui.- disse Gina.

- Como sabe que ele me deu conselhos?- indagou Harry.

- Eu meio que pedi ele pra conversar contigo.- disse Gina muito vermelha.

- Não sei se daria certo, de toda forma.- disse Harry.- Ela sequer veio. Você não saiu com ela, mais cedo?

- Teoricamente sim. Mas ela me deixou ir pra casa de Luna sozinha quando foi atrás de você.- disse Gina.

- E Luna, como está?- indagou Harry.

- Bem.- disse Gina com um sorriso amável.- Você não acha estranha essa amizade das duas?

- Não há nada de estranho nisso, Gina.- disse uma voz.

Harry ergueu os olhos e sorriu.

- Você veio.- murmurou.

- É. Eu não podia perder o aniversário do meu melhor amigo. Principalmente depois de quase perde-lo pra um véu.- disse Hermione sorrindo.




****




Draco atravessou o quarto à procura de uma vassoura ou qualquer meio de transporte que o levasse para longe dali. Foi quando ouviu os passos que ressonavam no corredor e que ele sabia bem a quem pertenciam. Voltou à cama e tomou o pequeno em um dos braços enquanto sacava a varinha contra o pendente.

A porta se abriu em seguida. E lá estava ela, em suas vestes negras de costume em contraste com sua pele clara como leite. O Barman do Cabeça de Javali, que segurava a porta para que ela passasse, se assustou ao vê-lo de varinha em punho e também sacou a sua.

- O que pensa que está fazendo, garoto?- rosnou ele.

- Não se preocupe, é só o meu sobrinho predileto.- sorriu Belatriz calmamente ao homem que após assisti-la entra no quarto, fechou a porta e se foi.

- O que faz com o meu filho no colo?- indagou Belatriz calma, ainda sorrindo enquanto desembainhava a própria varinha e a depositava sobre a escrivaninha, em meio aos papéis mexidos.

- Seu filho ou apenas uma arma que você calmamente produziu a fim de não perder o controle sobre Hermione no final de tudo?- cuspiu Draco ainda com a varinha erguida.

- Os dois.- disse Belatriz enquanto tirava a negra capa de viagem.- Fico satisfeita que tenha deduzido que essa coisa ruiva é uma arma, mostra que você ainda é um Black! Tive medo que as pessoas pensassem que por raios que me partam mudei de idéia sobre ter filhos.

- Vai matá-lo para atingi-la?- indagou Draco.

- Talvez não seja tão Black assim.- riu Belatriz com as mãos na cintura.- Não vou matar o moleque, ao contrário do que possa pensar não sou uma assassina. Tudo bem, matar alguns idiotas às vezes é divertido, mas tudo em excesso enjoa.

- Que nome dá ao que é então? Psicopata?- indagou Draco.

- Almejante do poder.- disse Belatriz sem nem pensar.- Do contrário, porque dividiria o meu dom de persuasão e manipulação com uma trouxa? Eu a teria matado quando nos encontramos, no começo de tudo, em Hogwarts. Mas...- Ela franziu as sobrancelhas como se raciocinasse apesar de Draco saber muito bem que aquele tipo de expressão fazia parte do Ato.- Você deve ter lido sobre isso enquanto xeretava meus escritos. Ela era trouxa e insuportável, mas era muito próxima de Potter, o único capaz de tirar Meu Lord do meu caminho.

- Não a queria próxima por temer que ela se tornasse maior que você?- indagou Draco em tom desafiador.

Belatriz gargalhou. Draco, irritado, apertou a varinha em sua mão. Belatriz calou-se e encarou-o.

- Pode tentar me matar se quiser.- disse ela.- Vai fazer o que depois? Fugir com esse moleque e bancar o papai?- a última frase saiu em voz de criança.- Ó papai, porque vivemos fugindo? Ó papai, porque sou ruivinho e com sardas e o senhor é tão igual a uma Veela?

Draco apertou ainda mais a varinha enquanto as maçãs de seu rosto ficavam levemente vermelhas. Mas mesmo que por um momento seus olhos tivessem brilhado com tanto ódio que parecia prestes a atacar, ele não atacou.

- Sim, serei realista: apesar de trouxa ela poderia ser grande. Mas seu destino não permitiria.- disse Belatriz já em seu tom de voz normal.- Haveria duas opções. Ou ela se casaria com Potter, caso não morresse nas mãos de algum bruxo das trevas antes, e passaria o resto da vida às sombras de seu ilustre marido; Ou se casaria com aquele Weasley e passaria o resto da vida cuidando de um bando de ruivinhos catarrentos como esse... ah! Me esqueci. Ela não poderia ter um bando ruivinhos catarrentos. Eu quase fiz um favor a ela, Draquinho.

Draco afrouxou a varinha um pouco. Ela tinha razão, em outros tempos ele largaria a varinha e gargalharia com malícia ao imaginar aqueles dois possíveis destinos para Hermione Granger. Mas em outros tempos Granger não seria a única pessoa a quem ele amava.

- Eu a fiz maior do que ela seria sozinha para que ela se juntasse a mim num futuro. Como ex-comensal, ex presidiária em Azkaban e como uma Grande Bruxa das trevas qualquer meu poder nunca chegaria às mesmas dimensões que se eu tivesse uma nascida trouxa ao meu lado.- disse Belatriz de forma séria.- Você devia me parabenizar por minha genialidade e não ficar com essa varinha pronta para me atacar.

Draco abaixou a varinha um pouco, apesar de ainda tê-la pronta para atacar. Encarou a tia por algum tempo.

- Você me usou.- disse ele entredentes.- No começo era tudo curtição. Até que você me manipulou para que eu a amasse também não foi? Por isso eu já não sou o mesmo. Por isso eu deixei de ser o Draco Malfoy que fui criado para ser.

- Não Draco.- disse Belatriz.- Eu não toquei em você. Pelo contrário, eu apenas me aproveitei da sua queda pela sangue-ruim.

- Mas teria sido apenas uma queda se você não tivesse se metido! Ela sequer teria olhado para mim!

- Cada um constrói as suas verdades.- disse Belatriz simplesmente.- Agora se não se importa, pode me entregar meu filho. Crianças tem de ser amamentadas.

Draco olhou do pequenino em seu braço para a Tia, que se assentou calmamente na cama. Então ele finalmente baixou totalmente a varinha e estendeu o garoto à Belatriz.

A Comensal colocou-o meio sem jeito sobre a cama e então desabotoou a parte de cima de suas vestes negras até a altura do umbigo. Draco não a vira durante a gravidez, não chegara, assim, a vê-la com barriga. Mas tendo estado como tenha parecia já totalmente recuperada do parto. Seu corpo era o mesmo de antes. As curvas da cintura muito nítidas e sem flacidez alguma Apenas os seios, tão pálidos quanto o restante do corpo, pareciam um pouco maiores.

Ao chegar a esse ponto da observação Draco sentiu uma fisgada no baixo bento. Ruborizou. Era algo parecido com o que sentia sempre que pensava em Hermione. Quem crápula era ele? Que tipo de pessoa sente aquele tipo de coisa ao assistir a própria tia dando de mamar ao filho?

Draco tentou olhar para outra direção. Talvez Belatriz quisesse despertar aquilo nele. Não eram poucos os casos de que ele tinha conhecimento sobre a maior arma de Belatriz Black Lestrange, a capacidade de seduzir. E se ela seduzira um Weasley, ele próprio não seria tão difícil assim.

Draco voltou a olhar. O pequenino dava enormes sugadas no seio da mãe. Parecia muito próximo de faminto o que não deixava haver qualquer possibilidade de segunda intenção por trás da cena.

Então, quando sentiu novas fisgadas e imaginou o que diria sua tia ao penetrar sua mente e identificar aquilo, Draco achou melhor disser alguma coisa que conseguisse afastar a malícia que tinha mania de colocar nas coisas.

- Porque você escreve tudo?- indagou ele.

Belatriz, que antes fitava o próprio filho, ergueu os olhos e encarou Draco com calma.

- Tudo tem um risco, Draquinho.- disse Belatriz.- Se lhe interessa o modo como fiz tudo eu lhe digo. Eu peguei uma parte desprezível dela pra mim, e entreguei-lhe algo meu que lhe seria útil.- Com a mão desocupada ela soltou os cabelos, parecia um pouco cansada.- Isso formava um tipo de ligação entre nós. O meu risco era que ela assumisse o controle, por isso eu tinha que de alguma forma ilustrar de forma clara o que se passava para então avaliar quem estava comandando quem. Escrever o que se passava aqui – disse indicando a própria cabeça - Era a melhor forma. Só que quando fui atender ao seu pedido de socorro, no fim da primavera, ela acabou descobrindo algum tipo de ligação entre nós.

- Então ela sabe sobre tudo o que eu li e concluí essa tarde?- indagou Draco.

- Ela não tardará a descobrir, mas não, ela não sabe.- disse Belatriz.- Sabe apenas da ligação e acabou encontrando uma forma de me afrontar através dessa.

- Por isso você fugiu?- indagou Draco.

- Sim.- disse Belatriz de forma transparente.- Passamos boa parte do verão cutucando uma a ferida da outra. Até que eu de alguma forma superei as minhas.- completou fitando o chão de forma monótona.

- E...- hesitou Draco.- O que acontecerá quando ela descobrir que é mais que uma simples ligação?

- Será a hora da verdade, Draquinho.- disse Belatriz enquanto colocava o filho adormecido sobre a cama e começava a abotoar as vestes.- Será a hora em que ou ela se juntará a mim, ou morrerá.

- E se ela descobrisse sobre tudo antes.- supôs Draco. Um plano ia se formando em sua cabeça.- E conseguisse assim uma chance de te superar?

- Isso não vai acontecer.- disse Belatriz ficando de pé e caminhando na direção de Draco até que parou a um palmo do garoto.- Pois você não sairá daqui para contar a ela.

- Não?- indagou Draco com um sorriso nos lábios.

- Não.

Draco não viu, mas escutou Belatriz fazer um movimento rápido com uma das mãos. A varinha do garoto voou pelos ares enquanto ela sacava algo que não era a sua própria varinha, pois foi enterrar-se em algum ponto abaixo do estômago de Draco.

- Vai me matar?- indagou o rapaz sentindo a dor subir-lhe à garganta.

- Quando jovem, eu tive uma amiga, Draquinho.- disse Belatriz puxando a única cadeira no quarto e fazendo Draco assentar-se nela, ainda com a adaga encravada na barriga.- Foi a única amiga que já tive. Ela era a melhor amiga que se pode ter.- ela sorriu.- Ela dizia que eu seria grande e ela tinha razão não é mesmo?- voltou a ficar séria.- Ela sempre tinha razão...

Draco se perguntou sobre que relação aquilo tinha com ele estar com uma adaga enterrada no estômago lhe causando dor.

- E ela tinha uma outra amiga... Uma desprezível amiga nascida trouxa!- murmurou Belatriz com os olhos brilhando insanamente.- Aquele cabelo avermelhado... aqueles olhos verde esmeralda! Ela gostava de ler livros velhos, livros muito velhos. A magia antiga lhe fascinava.

- Magias antigas não costuma funcionar.- gemeu Draco.

- Ela salvou a vida de seu único filho por dezesseis anos através de magia antiga.- concluiu Belatriz.

- Está tentando me fazer acreditar que vai salvar a minha vida?- riu Draco tentando firmar o corpo para arrancar a adaga fora.

- Sim.- disse Belatriz com simplicidade.- Eu poderia deixa-lo partir ileso. Você acabaria estragando meus planos e eu ficaria muito brava.

Belatriz empurrou a cadeira até a cama, onde fez Draco tombar-se deitado na mesma. O lençol logo se encheu de sangue.

- Eu o mataria, como consolo.- disse Belatriz enquanto afastava as mãos de Draco do ferimento e se preparava para tirar a adaga.- Mas eu estou salvando a sua vida.- disse ao puxar a adaga. Draco soltou um gemido alto. Sua vista escureceu de dor.- Em troca de uma maldição.

Draco encarou-a sem se mover. Qualquer movimento parecia o suficiente para mata-lo de dor. Belatriz curvou-se sobre ele e passou a mão pelo ferimento.

- Se você disser qualquer coisa sobre o que sabe.- disse Belatriz sorrindo enquanto se encaminhava até o filho e desenhava qualquer coisa na testa do mesmo com o sangue de Draco.- Você morre, o garoto morre e a sua amada sangue ruim morre.

- Magias antigas não dão certo.- murmurou Draco indagando se sobreviveria.

- Você vai pagar pra ver?- indagou a Comensal em tom rouco.

Draco não respondeu nada. Sentia-se fraco demais para respostas. Sentia frio também. Ele observou a tia sumir de seu campo de visão. Ouviu o ruído de algo pesado se arrastar, então ela estava de volta, se aproximou e se curvou sobre ele. Se não fosse a dor abaixo do estômago, Draco jurou que teria sentido novas fisgadas no baixo ventre quando a boca da comensal passou perigosamente perto da sua e foi repousar-se mais acima dando-lhe um beijo na testa.

- Até nunca mais, Draquinho.- murmurou no ouvido do rapaz.

Draco a viu sumir novamente. Tinha que sair dali ou fazer qualquer coisa. Com alguma dificuldade apoiou um braço e conseguiu se assentar. Por pouco tempo. O esforço foi tanto que ele sentiu-se cair pra frente indo encontrar o chão, onde sentiu toda a vida esvair-se de si.




****Continua****

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