A Chave



Capítulo 6
“A Chave”


– Harry, que incrível! Acho que você deve ser a única pessoa na Grã Bretanha que tem uma fênix como animal de estimação! Digo, elas são muito raras, sabe? – dizia Hermione animadíssima, enquanto ela, Rony e Harry, que tinha a bela ave no ombro direito, caminhavam para a cabana de Hagrid.

– Mas Harry, você acha que foi Fawkes quem lhe deu aquela visão? – Rony acariciava a pequena cabeça de Fawkes, que se mostrava muito contente com o agrado.

– Talvez, Ron, talvez o Hagrid saiba nos dizer mais alguma coisa sobre fenixes, algo que nós não saibamos... Acho que Fawkes pode nos ajudar muito mais do que pensamos...

Os três chegaram à porta da cabana de Hagrid, que os recebeu com um enorme sorriso no rosto, e ao perceber o ilustre acompanhante de Harry, que vinha majestosamente empoleirado em seu ombro, demonstrou um enorme espanto.

– Harry! Você arranjou uma fênix? Mas que ótimo gosto! Esse é o meu garoto! – Hagrid estava tão excitado que ao afagar os cabelos de Harry, já comumente rebeldes, Harry sentiu que talvez não sobrasse nenhum fio depois que o amigo terminasse o carinho – Se parece tanto com a que Dumbledore tinha, podia jurar que são parentes!

– Hummm, Hagrid, é Fawkes mesmo. Dumbledore deixou-o de herança para mim, acabei de descobrir há pouco...

Hagrid pareceu não acreditar por um instante, mas então abriu um novo sorriso, os olhos cheios de lágrimas.

– Grande homem, Dumbledore... Grande homem! Rony, tenho boas notícias pra você! Acabei de receber uma coruja de seu pai: Lupin, Moody e Tonks encontraram o Carlinhos! Ele ainda estava na Romênia, parecia ter sido apenas estuporado, nada grave, já está em casa com o resto da sua família. Disse não se lembrar de nada, parece que o atacaram quando ele comprava um presente de casamento para Gui e Fleur em uma loja de artefatos de dragões muito famosa na Romênia...

– Isso é ótimo, Hagrid! – exclamou Rony, parecia estar menos deprimido agora que o irmão estava a salvo. – Harry, você não acha que já está na hora de irmos? Tenho medo do que pode estar acontecendo com a Gina agora! Por onde vamos começar?

– Certo. Hagrid, pensamos se talvez você pudesse nos dizer algo mais sobre fenixes! Digo, tive uma visão durante o casamento de Gui e Fleur e...

Harry então explicou tudo ao amigo gigante, que ouvia atentamente, demonstrando enorme interesse na história que Harry, Hermione e Rony contavam.

– Você acha que talvez Fawkes tenha algum outro poder que desconhecemos, Hagrid? – perguntou Hermione, que fora impedida pelos amigos de consultar a biblioteca, já que isso lhes tomaria tempo demais.

– Bom, pelo que sei, fenixes fazem seus ninhos no cume de montanhas, e são dificílimas de serem domesticadas. Apenas bruxos poderosos conseguem esse feito... Foi Dumbledore em pessoa quem domesticou Fawkes, e, desde que me lembro dele, Fawkes já era seu animal de estimação... Bem, o que mais, suas lágrimas possuem poderosas propriedades curativas, são capazes de carregar uma quantidade de peso inimaginável, e...

Hagrid parecia estar tentando arrancar da cabeçona alguma outra informação que ajudasse aos amigos, já que todas as características que ele havia citado já eram sabidas pelos garotos, uma vez que Fawkes já salvara a Harry e Rony no segundo ano, curando uma ferida fatal feita a Harry por um basilisco, e então os levando para fora da Câmara Secreta sem nenhuma dificuldade.

– Não sei Harry, acho que é isso! Nunca ouvi falar de fenixes que tivessem o poder de revelar o futuro para seus donos ou nada parecido... AH!

Hagrid quase derrubou o chá que tomava em cima de Hermione, que levantou-se rapidamente para evitar uma queimadura.

– É claro, tinha me esquecido! Fenixes tem o canto mágico! Dizem que seu canto aumenta a coragem dos puros de coração, a aterroriza os impuros de coração...

Harry então lembrou-se claramente de ter ouvido aquela música a que Hagrid se referia: a ouvira há poucos minutos atrás, quando a ave vinha em direção ao seu novo dono. Pouco antes do casamento de Gui começar, lembrou-se, a ouvira com certeza, e também na noite em que Dumbledore morrera, quando Fawkes sobrevoava os terrenos do castelo, entoando o lamento que parecia vir de dentro de Harry, e não de fora.

– Faz muito sentido! – disse Hermione, pensativa.

– Também acho, Harry. Quando ouvimos a música agora há pouco, me senti tão corajoso, como se tivesse certeza que poderia enfrentar todos os Comensais da Morte do mundo para encontrar minha irmã!

– Eu sei, também me senti assim nas vezes em que ouvi a música. Mas não faz sentido, faz? Digo, como é que uma música pode ter me dado uma visão?

Nem Hermione, Rony ou Hagrid puderam responder a pergunta de Harry, e todos se entreolhavam com muita preocupação. O que fariam se não soubessem por onde começar sua busca? Harry sentia um frio na espinha só de pensar em Gina aprisionada em algum lugar escuro, com Malfoy, Snape e Voldemort. Sentia-se angustiado ao imaginar a garota que amava sendo torturada por maldições ou até mesmo sendo envenenada por alguma poção de Snape. Foi quando Harry teve a idéia que talvez pudesse finalmente dar-lhes alguma pista.

Olhando para a enorme ave que descansava em seu ombro, foi tirando de dentro das vestes um livro de capa preta parecendo novo, mas com as folhas muito gastas e velhas, enquanto Hermione lhe lançava um olhar furioso.

– Harry, será que eu já não te disse que você deveria queimar essa droga de livro?!

– Nunca pensei que viveria para ver você me mandar queimar um livro, Mione. – respondeu o garoto, sorrindo, enquanto folheava o velho livro de Poções de Snape. Hagrid parecia não entender nada, enquanto Rony ria calado.

– Não entendi, Hermione! Você quer que o Harry queime o livro? Por que? – perguntou Hagrid, coçando curiosamente a enorme barba.

– É um longa história, Hagrid, contaremos quando estivermos com mais tempo. – respondeu Harry, impedindo Hermione de dizer qualquer coisa.

Ele não queria que soubessem que carregava consigo um livro de estudos de Snape, o assassino de Dumbledore. Doía-lhe muito saber que havia aprendido tanto com um “covarde” (era assim que gostava de pensar em Snape desde a noite na Torre de Hogwarts) de quem jamais gostara na vida, e que também nutria os piores sentimentos possíveis por ele desde a primeira vez que o vira.

Foi então que aconteceu, de repente, como num piscar de olhos: Fawkes, que estava no ombro de Harry, encarou estranhamente as mãos de Harry, contemplando com interesse o livro de poções, e, segundos depois, havia levantado vôo para a soleira da janela da cabana do guarda-caças, com o livro que roubara de Harry entre as garras, parando de fronte ao grupo que assistia tudo espantado. Com um alto pio, que mais parecia uma nota musical, mostrou com a cabeça o exterior da cabana.

– Acho que ele quer que você o siga, Harry! – disse Rony.

– Não o deixe esperar, Harry, vamos! – levantou-se Hagrid apressadamente, quase derrubando a mesa à qual estavam sentados.

O grupo saiu pela porta da cabana, indo atrás de Harry, que estava confuso com a atitude da fênix.

– O que aconteceu, Fawkes? – Harry perguntou, parando ao lado da ave e acariciando suas penas vermelhas e douradas, que agora repousava em cima da metade de um meio tronco, o livro preso entre as garras. – Onde você vai com isso?

Harry de repente sentiu-se muito tonto, como se rodasse violentamente pendurado por um cabo que prendia sua mão. Fechou os olhos, pois sentiu que vomitaria, mas quando os abriu, o mal estar passara, e já não havia Hagrid, Hermione, Rony e nem Hogwarts. Estava em frente a uma casa muito velha, com as janelas feitas de madeira velha e quebrada, e a rua se estendia até onde os olhos de Harry não podiam enxergar. Uma enorme chaminé que parecia pertencer a uma usina abandonada sobrepunha-se à visão das pequenas casinhas velhas, sombrias e abandonadas que formavam a rua. À porta da casa em que Harry se encontrava em frente, Fawkes esperava imponente, o livro ainda preso nas garras, como se convidasse o garoto a entrar em sua própria casa para uma xícara de chá. Harry estava confuso, não entendia o que havia acontecido, mas aos poucos a mente pareceu estar voltando ao lugar de direito.

– Fawkes, onde estamos? Nós... aparatamos?

A ave agora arranhava o chão com impaciência, como se quisesse deixar claro que explicações deveriam ser dadas posteriormente. Harry entendeu, e a seguiu. A visão da velha casa era deprimente: a sala de estar não parecia com as outras que Harry já vira na vida, e, por um momento, sentiu saudades até mesmo da velha sala que cheirava a gatos da Sra. Figg. Esta em que estava agora lembrava mais uma espécie de calabouço, onde ele poderia jurar que o dono da casa já usara para prender alguém, já que haviam marcas em todas as paredes, talvez tentativas frustradas de fugas, pensou Harry.

As paredes que não eram visíveis tinham sido preenchidas com armários lotados de livros velhos, empoeirados e, pelo que Harry via, a maioria deles tratava de assuntos que fizeram os cabelos da nuca de Harry se arrepiarem: “Maldições, Azarações & Arte das Trevas”, “Poções Negras”, “Venenos & Antídotos” e uma série de outros livros que Harry teria tido muita atenção em verificar, não fosse o farfalhar de penas que Harry tinha certeza que não devia ignorar.

– Ok, ok, Fawkes! Só gostaria de saber que diabos de lugar é esse! – dizia Harry, extremamente preocupado, e com a varinha em punho. – Lumos!

Harry seguia Fawkes, que agora pairava em cima de um velho sofá, que estava rasgado de uma extremidade à outra. A ave havia largado o livro de poções, que escorregara pelo surrado sofá, indo parar no chão velho e manchado da sala. Harry precipitou-se e apanhou o livro, mas algo embaixo do velho sofá lhe chamou a atenção. Eram os restos de uma veste negra, quase que uma capa, que lembrou algo a Harry, mas ele não conseguiu decifrar exatamente o que.

– De quem será isso, ahn? – perguntou à ave, que continuava majestosamente em cima do sofá velho e rasgado, estendendo os restos da capa para Fawkes. – Você não sabe de quem é, sabe?

Fawkes definitivamente parecia não se importar com o achado de Harry, pois ela agora virara os olhos na direção oposta ao garoto, onde uma das prateleiras de livros encobria uma das paredes laterais da sala escura. Harry novamente entendia o que a ave lhe dizia sem palavras.

– O que há aqui, ahn? Alguma coisa importante? Algum livro?

Harry analisava as lombadas dos livros velhos, muitos deles em couro preto, outros em marrom. Não havia nada de mais assombroso do que já vira, apenas títulos e títulos dedicados às Artes das Trevas. De repente, surgiu a Harry o pensamento que lhe congelou a espinha: será que era a casa de um Comensal da Morte? Não que ele tivesse medo, mas a última coisa de que precisava agora era ser apanhado por um grupo de Comensais. Ele precisava ajudar Gina, não podia ser capturado agora.

– Fawkes, essa é a casa de algum Comensal da Morte? Há Comensais aqui?

A ave pareceu, e Harry se espantou por estar pensando naquilo, com um leve movimento do bico, estar “sorrindo”, como se aprovasse o raciocínio do garoto.

– Espero que você não tenha me trazido para o matadouro, amigão... – disse ele, acariciando levemente a ave, enquanto se virava para novamente encarar a prateleira. – Será que tem algo aí atrás?

Harry empunhou a varinha com decisão, e no segundo seguinte, sem dizer única palavra, mentalizou veementemente:

Alorromorra!

Nada aconteceu. Nem barulho, nem porta se abriu, simplesmente nada. Harry pensou que talvez tivesse de praticar mais seus feitiços não-verbais, e então murmurou, em teste:

Alorromorra!

Mas nada aconteceu novamente. Entendeu então que ou não havia coisa alguma atrás da parede de livros, ou então estava muito bem guardada. Foi então que viu, no topo da penúltima fileira, um pequeno espaço. Um único espaço. Algum livro fora tirado dali. Harry se perguntou o porquê de aquele ser o único espaço vago em todas as prateleiras repletas de livros que jaziam pela sala, mas logo pareceu entender algo que era tão claro.

– Ah, não! – disse ele, olhando para Fawkes, que definitivamente tinha um ar de satisfação ao encarar o garoto. – Não pode ser, pode?

Harry agora encarava o livro do Príncipe Mestiço, que estava em sua mão. Parecia ser do exato tamanho do espaço livre na prateleira. Com desgosto por achar que poderia estar certo, por achar que talvez soubesse onde estava, ele se pendurou na primeira prateleira a fim de alcançar a última. Empurrou suavemente o livro de poções no espaço vago.

A princípio nada aconteceu, e Harry parecia sentir-se aliviado. Talvez não fosse a casa dele. Era só uma coincidência. Mas estava errado. Segundos depois, um pequeno rangido tomou conta da sala escura, o livro de poções de Snape começou a girar por entre os livros que o cercavam, e a própria prateleira em seguida foi girando levemente, revelando uma porta bizarra em forma de arco, que dava entrada a uma escura escadaria de pedra. O livro funcionara como uma espécie de chave. Fawkes voou da poltrona em direção à porta, e passou pela orelha esquerda de Harry, que se assustou ligeiramente.

– Ok, você quer ir na frente então? Fique a vontade!

Harry agora seguia a ave que subia os degraus de um em um, já que aparentemente não conseguia abrir as enormes asas no estreito corredor que ia em direção ao andar de cima do casebre.

A visão do andar de cima deixou Harry ainda mais arrepiado: havia um estreito corredor com uma meia dúzia de pequenas e inconfundíveis celas, em que Harry teve certeza, com a luz da varinha acesa, que haviam sido usadas não há muito tempo atrás, no final do corredor, uma velha porta de ferro enferrujada. Em uma das primeiras celas logo depois das escadas, inscrições feitas com lascas de pedras pareciam ter sido confeccionadas recentemente, e Harry não pode deixar de pensar que talvez já tivera visto aqueles símbolos em algum lugar, mas seus pensamentos foram interrompidos por Fawkes, que agora não estava visível, mas Harry podia ouvir suas patas arranhando a pedra velha do chão um pouco mais à frente.

Seguindo pelo corredor, em busca de Fawkes que parecia chamar o garoto, o coração dele deu um salto: na última cela do corredor, encolhida a um canto miserável e sujo, estava Gina, a aparência abatida, como se estivesse sem comer há dias, a calça jeans rasgada nos joelhos, parecia dormir.

– Gina, acorde! Gina! – Harry ofegava do lado de fora da cela, sem levantar a voz, não sabia se havia alguém na casa. – Gina!

Mas a garota não se mexia, e o coração de Harry de repente disparou. Será que estava viva? Não podia pensar nisso, não agora. Não conseguiu se controlar, e ergueu logo a varinha na altura do peito, apontando para as barras da cela, que não tinham fechadura.

Alorromorra! – murmurou instintivamente.

Para desespero do garoto, parecia que o dono da casa, fosse Snape ou não, simplesmente havia protegido todas as portas contra o feitiço usado por ele. O sangue começou a subir por suas veias, e o desespero tomou conta de Harry, que não conseguia acordar Gina ou tampouco abrir a cela para libertá-la.

– Fawkes, me ajude! Gina, por favor, não esteja morta, por favor! Fawkes!

Ele agitava as barras violentamente, mas elas não pareciam nem sentir que Harry implicava-lhe toda a fúria de seus braços. O ódio tomou conta de Harry, que desesperara-se por completo. Violentamente, então, elas simplesmente se arrancaram da parede, inteiras, levando pedaços de cimento em suas extremidades, com um enorme estrondo, caindo por cima de Harry, que se protegeu como pôde, enquanto Fawkes pulara em um gesto rápido para evitar ser esmagada. Harry se levantava, empurrando de cima de si próprio as grades pesadas e enferrujadas. Correu ao encontro da garota.

– Gina! Você está bem Gina? – dizia ele, sacolejando o leve corpo desacordado da menina, que não parecia esboçar reação alguma.

Harry sentiu-se aliviado por um instante. Ela estava viva, podia sentir sua respiração, mesmo que lenta e desengonçada, mas ela respirava, o coração batia, estava viva!

– Precisamos levá-la daqui, Fawkes! Ela precisa de cuidados médicos, acho que deve ter sido torturada!

Harry então pensou ter ouvido algum barulho distante, e seu coração disparou novamente.Fawkes continuava do lado de fora da cela, como se esperasse pelos garotos. Veio então o pensamento que provocou total desespero em Harry: eles provavelmente não podiam desaparatar de dentro daquela casa! Fawkes não podia também voar, não havia espaço para abrir suas asas, era um corredor de celas muito estreito.

– Não vou conseguir carregá-la muito longe, Gina! Por favor, acorde! Precisamos partir!

Harry então se lembrou de um feitiço que Dumbledore usava, que era uma espécie de revigorante, um feitiço que era capaz de fazer a pessoa retomar a consciência. Fechou os olhos com força, apertando o cérebro com a mão que segurava a varinha, como se tentasse arrancar da cabeça algo que ele sabia que estava lá.

– Lembrei! Agora, Gina, por favor, me ajude, reaja! ENERVATE!

Um jorro de luz vermelha saiu da ponta da varinha de Harry, indo de encontro ao peito de Gina, que pareceu ter absorvido o feitiço completamente. Ela agora abrira os olhos, encarava Harry como se estivesse tentando entender o que se passava.

– Harry...

– Não fale, Gina. Vamos sair daqui, venha!

Harry ajudou a menina a se colocar de pé, que murmurava algumas palavras que Harry não conseguiu decifrar, já outras podia ter certeza que conseguia: “Draco Malfoy”, “Comensais”...

– Tá tudo bem agora, Gina! Já estamos indo para casa! – Harry a tranqüilizava, enquanto desciam as escadas de pedra, Fawkes à frente abrindo o caminho.

Quando chegaram ao pé da escada, Harry teve certeza absoluta que ouvira sim um barulho, e já não era tão distante. Algo caminhava sorrateiro entre o sofá e o resto das vestes que Harry deixara para trás, antes de subir pela escada. Ao ver o olhar de pavor de Gina, este a acalmou.

– Calma, Gina! Veja, é só um rato!

Mas Gina não estava se acalmando.

– Não, Harry... Não!

Mas Harry não precisou de muito tempo para raciocinar, nem para tentar decifrar o que a garota dizia. O rato parou de fronte à porta onde estavam, encarou-os por um momento, e Harry o reconheceu. Marrom, os pêlos faltando em muitas partes do pequenino corpo, um dos dedos da pata faltando: era Perebas. Era Rabicho. Em questão de segundos, o rato transformara-se em um homem muito pequeno, menor do que Harry, com os dentes da frente sobressalentes, uma pequena careca no cocoruto da cabeça, vestes negras, uma fantasmagórica mão de prata, a varinha apontada para Harry. “EXPELIARMUS”. A varinha de Harry voara de sua mão, longe de alcance.

– Vo... vo... cê não devia ter vindo aqui, moleque! – disse ele em um sussurro, como se tivesse medo de ser ouvido, olhando apavorado em todas as direções. – Essa garota não vai a lugar algum! Pertence ao Lord das Trevas!

– Então por que você não vem buscá-la de mim, ahn?

Harry colocara-se em frente a Gina. Fawkes assistia à cena empoleirada novamente no velho sofá, os olhos faiscando, como se estivesse esperando uma oportunidade para atacar. Gina atônita, em estado de choque.

– Não seja bobo, moleque! Você não pode me enfrentar! Está desarmado! Agora vamos, me entregue a garota! Tem mais gente chegando, seu tolo! Você não conseguirá sair daqui! Vamos, me dê a garota!

– Não pretendo sair daqui sozinho, e se você ficar no meu caminho, vingarei meus pais aqui e agora com meus próprios punhos! TRAIDOR! – berrou Harry, seus punhos cerrados tremiam de furor.

Rabicho parecia estar preocupadíssimo, olhava furtivamente para os lados, como se esperasse que de repente alguém chegasse. Então, sem o menor receio, abaixou a varinha.

– Escute, Potter, a garota tem de ficar! Você não entende? O Lorde Escuro me mata se souber que me ausentei de vigiá-la e a deixei escapar!

– NÃO ME IMPORTO COM O QUE ACONTECERÁ COM VOCÊ, SEU TRAIDOR! MEUS PAIS ESTÃO MORTOS POR SUA CAUSA! VOCÊ... MATOU... CEDRICO! ASSASSINO! SE SEU LORDEZINHO NÃO FIZER, EU O FAREI!

Harry gritava a plenos pulmões, o que pareceu deixar Rabicho ainda mais medroso e desconcertado. Definitivamente, por algum motivo, ele não queria que quem quer que fosse percebesse que Harry estava na casa. Será que era possível? Estava tentando... protegê-lo?

Foi então que veio à cabeça de Harry, como um flash: Dumbledore lhe dizia, na enfermaria, com seus óclinhos meia-lua, o nariz torto, quatro anos atrás: “Talvez algum dia você fique feliz por ter poupado a vida de Rabicho, Harry. Ele lhe deve a vida”. Era isso! Ele tinha que lembrá-lo.

– Escute aqui, não me importo em matar você, mas você ME DEVE! Você tem uma dívida comigo! Agora saia! – ameaçou Harry.

– VOCÊ NÃO PRECISA ME LEMBRAR DAS MINHAS OBRIGAÇÕES, PIRRALHO! EU SEI MUITO BEM O QUE DEVO E PARA QUEM DEVO! – agora era Rabicho quem gritava, levantando novamente a varinha na altura do peito de Harry. Estavam à distância de um passo um do outro agora.

Por um instante Harry se preparou, concentrou todo seu ódio em Rabicho e em Snape. Sabia o que tinha de fazer. Prometera que não faria novamente, mas não tinha escolha.

– Então que seja, traidor! – Harry preparou-se para avançar contra Rabicho e acertar-lhe com toda a força, mas Rabicho recuou.

– ESTÁ BEM! – gritou Rabicho, jogando a varinha para o alto, que caiu no carpete putrefato soltando pequenas fagulhas cinzas. – VÁ, SUMA LOGO DAQUI, VÁ! VOCÊS PODEM IR! E LEVEM ESSA GALINHA VERMELHA JUNTO COM VOCÊS, VAMOS! SUMAM! SUMAM!

Harry hesitou, mas percebeu que Rabicho não oferecia perigo. Ele não o atacaria. Teria o feito quando teve a chance. Mas Harry sabia que Dumbledore estava certo, mais uma vez. Rabicho tinha uma dívida com Harry, e estava pagando-a naquele momento. Harry continuava à frente de Gina, que chorava baixinho. Abaixou-se para apanhar a sua varinha, ainda encarando Rabicho, que estava de costas para eles agora, a varinha aos seus pés, as mãos na cabeça, sussurrando apavorado: “ele vai me matar, vai me matar!”.

– Vamos, Gina! Fawkes! – convocou Harry.

Quando estavam passando pela porta da casa, Rabicho gritou.

– ESPERE!

Harry se virou apressado, a varinha apontando para o pequeno homem, que remexia em uma das prateleiras de livros. Retirava uma varinha curta e marrom que Harry reconheceu: era a varinha de Gina.

– Tome, leve essa porcaria! – disse Rabicho, estendendo-a para Harry.

Mas Harry não se aproximou. Não confiava naquele traidor. Murmurou em pensamento, sem utilizar as palavras.

“Accio varinha”.

A varinha de Gina levitou rapidamente e parou na mão estendida de Harry, que a guardou no bolso. Rabicho parecia espantado com a habilidade de Harry. Projetou um pequeno sorriso, mas este logo desapareceu.

– Em breve você se arrependerá por ter sido salvo agora, Potter! Poderia ter sido salvo em uma situação muito pior, não para salvar sua namoradinha de escola! Mas é o seu destino! Não lhe devo mais nada, agora suma!

No instante seguinte Rabicho se tornara um rato novamente, e subiu as escadas em direção ao corredor de celas. Harry agora rumava decididamente em direção à porta, onde Fawkes e Gina aguardavam silenciosamente. Atravessou-a, chegando novamente à porta daquela estranha rua. Fawkes indicou aos garotos para que o tocassem, buscando um afago involuntário de ambos. Harry entendeu que eles seriam levados de volta pela ave. Mas antes de tocá-la, sentiu que devia ter o sangue frio de fazer algo.

– Espere, Fawkes... – murmurou ele.

Harry entrou correndo novamente para dentro da casa, passando pelo tapete podre, atravessando a poltrona surrada e parando de fronte à escadaria que levava ao piso superior. Apoiou-se na primeira prateleira, e retirou o livro de poções com um movimento brusco. A parede de livros se mexeu suavemente, ocultando a escadaria que levava ao piso superior. Correu de volta à porta de entrada, onde Gina e Fawkes o aguardavam.

– Vamos, Fawkes. Vamos embora...

E abraçando Gina com um dos braços, tocou as penas longas da cauda da Fênix. Uma nova sensação de enjôo tomou conta de seu corpo, mas dessa vez não achou que vomitaria. Parecia ter se adaptado um pouco mais à maneira estranha de desaparatar com a fênix. Será que estavam desaparatando? Não sabia se era isso que a ave fazia. Mas a vista do castelo de Hogwarts, o por do sol, e Hermione, Rony, Hagrid e a Professora McGonagall correndo ao seu encontro o fizeram esquecer do mal estar de viajar com uma fênix. Estavam de volta a Hogwarts. Era sempre maravilhoso estar de volta...


***


– Incrível, Potter! Incrível!

Moody parecia extremamente excitado ao ouvir a história toda do resgate de Gina. Mesmo que fosse pela décima vez seguida.

– Sabe, fenixes não costumam levar humanos em suas viagens velozes. Vocês devem ter uma forte conexão! Dumbledore realmente sabia o que estava fazendo, Harry! – Lupin parecia ainda mais empolgado, enquanto acariciava a plumagem de Fawkes, que comia um enorme ramo de azevinhos que a Sra. Weasley lhe trouxera.

– Você quer dizer que... Estávamos voando? – perguntou Harry, que não acreditava no que ouvia de Lupin. Pensara que Fawkes havia desaparatado com ele, mas não voado.

– Isso mesmo, Potter. Fenixes não sabem aparatar e desaparatar. Mas elas são capazes de realizar o que chamamos de “Viagens Velozes”. Viajam muito velozmente, quase como na velocidade da luz. Por isso você se sentiu tão tonto. Poucos bruxos sobrevivem a uma viagem dessas...

– É Harry – concordava Tonks, que estava abraçada a Lupin – parece que Dumbledore lhe deixou um presente e tanto, não é? Devia realmente gostar de você... Acho que até mais do que pensamos!

– E ele devia saber que você seria capaz de mantê-la fiel e leal a você, Harry! Do contrário, você jamais teria conseguido trazê-lo ao seu encontro ou fazer uma viagem veloz juntos.

Harry sorria e acariciava Edwiges, que parecia não gostar da popularidade de Fawkes, mas estava definitivamente satisfeita por ter a atenção de Harry inteiramente para si própria, enquanto todos os outros estavam por demais espantados com a beleza da fênix.

– É... e me parece que Dumbledore estava certo mais uma vez. Rabicho não pôde me fazer mal. Era como se fosse impedido, magicamente...

– Quando um bruxo deve a vida a outro, Harry – explicava Lupin –, cria-se um vínculo fortíssimo que não pode ser quebrado. Desde aquela noite na Casa dos Gritos, em que você impediu a Sirius e a mim de matá-lo, esse vínculo entre vocês foi criado. E parece que teve fim de uma maneira muito satisfatória, não é Molly?

A Sra. Weasley enxugava as lágrimas do rosto, murmurando palavras de agradecimento a Harry, que já estava muito sem graça por ter recebido tantos agradecimentos de toda a família e da Ordem. Talvez eles não soubessem o quanto Gina significava para ele próprio, pensou o garoto.

A verdade era que a Toca estava novamente alegre, todos felicíssimos que os filhos do Sr. e da Sra. Weasley haviam retornado para casa sãos e salvos. Carlinhos não sofrera quase dano algum, só havia sido estuporado. Gina agora se recuperara, havia sido enfeitiçada com a Maldição Imperius, pois queriam lhe arrancar confissões. Como resistira o mais bravamente que pôde à maldição, fora torturada também com a Cruciatus. Segundo ela, Draco mesmo a torturara. Estava de cama há alguns dias, mas parecia estar totalmente recuperada. Só a Sra. Weasley não concordava.

– Gina, você vai ficar nessa cama até recuperar todas as forças. E isso não está em discussão. Agora vamos, coma mais um pouco de pudim, vamos!

Harry, Hermione e Rony riam freneticamente enquanto a garota era obrigada a comer um enorme pudim de carne, já que era visível que ela já se recuperara.

– Ai, a mamãe ainda me mata com essa vontade de salvar a minha vida! – disse Gina, rindo para Harry.

– Mas você já parece bem melhor, Gina! Você se sente totalmente recuperada? – perguntou Hermione, que se sentara ao lado da cama da amiga.

– Sim, claro! Estou pronta pra outra! – Gina agora se levantava, parecia realmente estar ótima.

– Você deu um baita susto na gente, sabia? Claro, eu sabia que tudo ia acabar bem, logicamente... – Rony parecia envergonhado por demonstrar tamanha preocupação com a irmã.

– O que seria do meu irmãozinho se eu não tivesse de volta pra ficar de olho nele, ahn?! – Gina dava um tapinha carinhoso no ombro de Rony, que sorriu.

– Bom, Rony, será que você me ajuda a procurar um gnomo no jardim?

– Mas pra que diabos você quer um gnomo, Hermione? AI! Ah, claro, claro! Vamos, sei onde eles se escondem... – disse Rony, de repente sendo induzido ao entendimento por um pisão no pé que Hermione lhe dera.

Harry agora olhava para Gina, que estava tão perto dele que Harry podia ver a si mesmo nos olhos da garota.

– Será que algum dia vou conseguir agradecer o suficiente?

– Você sabe que não precisa, Gina. Estou feliz só de vê-la aqui, bem, perto de mim. – Harry não se afastara dessa vez. Encarava a garota com afeto. – Preciso lhe dizer uma coisa, Gina.

– Ah, não, Harry! Por favor, não estrague esse momento com seus discursos protetores, por favor! Não tive culpa se eles me rap...

Mas Gina jamais conseguiu terminar o que diria. Fora agarrada por Harry, que a abraçava, olhando nos olhos da garota e lhe massageando os cabelos ruivos.

– Por que você não me escuta, hein bravinha? – sorriu Harry – Só queria dizer, que estive pensando em algo... E... acho que não faz sentido ficarmos separados, fingindo que não há nada entre nós, sabe... Eles já sabem. Rabicho disse que eu estava salvando minha “namoradinha da escola”. Draco deve ter contado tudo aos Comensais e a Voldemort. E... bem... eu preciso de você ao meu lado... sou mais forte com você perto de mim, Gina!

Lágrimas escorriam dos olhos de Gina, que parecia esperar qualquer tipo de coisa de Harry, menos aquilo. Abraçou então o garoto, que retribuiu o abraço. Ele então enxugou as lágrimas de Gina com suas próprias mangas.

– Então... você aceita ser minha namorada de novo? Será que ainda tenho um lugar nesse seu coração?

– Você o tem por inteiro, bobinho!

Harry sorriu, e a beijou. Harry pensou que aquele era um dos beijos mais apaixonados que ambos haviam trocado. Era um pacto. Ali, silenciosamente, ambos sabiam que estavam jurando lealdade e amor eterno, mesmo sem palavras. Caminhariam e enfrentariam juntos o que quer que fosse. Eram mais fortes juntos.

Os dois saíram pela porta do quarto em direção à sala da Toca, mas quando viram o que viram no corredor, decidiram que talvez devessem ficar um pouco mais no quarto. Rony e Hermione se beijavam abraçados logo à frente da porta do quarto de Gina, e não era fácil distinguir quem era quem.

– É, parece que o amor está mesmo no ar, né Harry? – disse Gina sorrindo empolgadíssima, enquanto empurrava Harry de volta ao quarto.

Não sabia se algum dia Hogwarts abriria novamente, mas tinha certeza que “aquela” mágica que sentia naquele momento não podia ser ensinada. Apenas sentida.

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