Capítulo IV



Oi, oi povo!!


Como passaram de carnaval? Deu pra curtir bastante?


Eis mais um capítulo. Vou adiantando que no próximo capítulo o Draco entra em cena, então vamos para contagem regressiva.


Carol, fico feliz que esteja gostando da fic e sim, a família Malfoy tem uma história bem complicada, fique de olho no lago, ele tem muita coisa ainda pra mostrar e uma dica, preste atenção na Otávia...


Beijinhos à todos


Boa leitura.


 


***


 


Na semana seguinte, o professor e os filhos tomaram o caminho de Nunsthel. Otávia havia indicado um portãozinho do parque que dava diretamente para a estrada que conduzia, através da floresta, à moradia do administrador.


A cadeira de rodas de Alexis precisava ser empurrada por Hermione e o pai, porque a subida era bastante sensível. Os olhos da família iam descansando na relva iluminada, perdiam-se nas matas raiadas de sombra e de luz, onde as árvores seculares perfilavam suas silhuetas e baralhavam seus ramos, cobertas de tenras folhas primaveris. Os pulmões aspiravam o ar puro da montanha, carregando de exalações resinosas e dos perfumes da floresta.


De um atalho surgiu, ladrando, enorme cão negro.


— Aqui Zeus[1]! — gritou uma voz ligeiramente trêmula.


O cão parou logo. Hermione e o professor fizeram alto. Viram sair do atalho um velhinho baixinho e gorducho, vestido com esmero, à moda antiga. Seu rosto exibia cuidadosamente um longo e espesso bigode, exprimia jovial benevolência. Com um gesto rápido, ele tirou o chapéu para cumprimentá-los.


— Peço-lhes que perdoem a este impetuoso Zeus. Ele se julga em sua casa quando anda pela floresta. Assustou-se meu filho? — perguntou o desconhecido dirigindo-se ao pequeno Alexis.


O rapaz respondeu sorrindo:


— Quase nada, senhor. Asseguro-lhe.


— Tanto melhor, tanto melhor. Eu teria ficado desolado. Permitam-me que me apresente como vizinho. Penso tratar-se do professor Granger, não?


Como Adrian se inclinou confirmando, o velho acrescentou:


— Eu sou o Dr. Horace Slughorn.


— O Dr. Slughorn? O sábio experimentado que formou uma legião de excelentes discípulos?


— Ele mesmo — disse o velhinho, sorrindo — Há quase dez anos que fiz aqui o meu retiro, em meio a esta floresta, onde possuo um velho solar, bem próximo do parque de Runsdorf.


Os dois homens trocaram um cordial aperto de mão, enquanto o professor se declarava encantado por conhecer, pessoalmente, o eminente médico, do qual ouvira elogiar em Viena a precisão do diagnóstico e a consciência profissional.


— Eu não estou menos encantado pela vizinhança que me coube! — respondeu o Dr. Slughorn, expansivo — Também já ouvi falar do senhor. Li e apreciei as suas excelentes obras, aliás muito raras. Ouso, pois esperar que nos veremos sempre, não é verdade?


— Com grande prazer!


— Quando eu for ver o Conde Draco, aproveitarei para fazer-lhe uma visita.


— O conde está doente?


— Absolutamente! Mas quis honrar-me com sua amizade e em se dizer meu aluno.


— Ele estuda medicina?


— Sim, como curioso, naturalmente. Ah que inteligência e que paixão por esses estudos! É médico na alma e, se não fosse um Conde Malfoy, tornar-se-ia um dos mais sábios e dos mais admiráveis clínicos de nossa época!


Hermione perguntou:


— Em que a sua classe o impediria de seguir essa nobre e útil vocação?


O velhinho pareceu estupefato, quase escandalizado com a pergunta.


— Em que?! Mas, senhorita! Jamais um conde Malfoy se esqueceria a tal ponto das tradições de sua família! Médico! Traficante de seu saber, como eu, Horace – o plebeu! Ah! Os seus nobres antepassados sairiam das tumbas para amaldiçoá-lo.


— Não consigo entender esses preconceitos que de tal maneira possam prender um homem, que seria bastante enérgico para romper com tradições antiquadas e deploravelmente pedantes. Um trabalho digno e útil só pode aumentar o seu valor. E, no caso de quem se trata, esse trabalho daria ao Conde Malfoy uma superioridade mais real do que a que lhe confere a sua origem.


O doutor franziu as sobrancelhas prateadas:


— Oh, a senhorita tem opiniões terrivelmente democráticas! Aconselho-a... Hum!... A não enunciá-las em presença dos senhores de Runsdorf. Mas, perdão, eu os estou prendendo e retardando o seu passeio!


— Temos tempo e parece-me que não estamos muito longe de Nunsthel, não é?


— A dez minutos, mais ou menos. Vão visitar o administrador? Um homem encantador. Trato de sua pequena Gisela, que é muito delicada... Adeus ou, por outra, até logo!


Cumprimentou graciosamente, chamou o cão e afastou-se com passo ainda esperto.


Em pouco, os visitantes tinham chegado à entrada da grande clareira onde se elevava, em plena floresta, a moradia do administrador dos domínios pertencentes, nessa região, ao Arquiduque Dumbledore. Essa antiga residência, muito grande, tinha aspecto ao mesmo tempo imponente e familiar, com suas altas janelas emolduradas de esculturas, os telhados de velhas telhas vermelhas, os muros pardos, em parte cobertos por longas trepadeiras. Um jardim, cuidadosamente tratado e abundantemente enfeitado de flores, rodeava o edifício. No fundo, via-se a muralha de verdor[2] formada pelas copas cerradas da floresta.


O professor empurrou o portãozinho de madeira envernizada. Ao som claro da campainha, apareceu no limiar da porta envidraçada um alto e vigoroso jovem, que se adiantou rapidamente para os recém-chegados.


— Ei-los, enfim! Soubemos da sua chegada a Runsdorf e os esperávamos todos os dias. Entrem, papai está ali. Senhorita, permita-me que a substitua — disse ele, tomando o lugar dela junto à cadeira de Alexis, enquanto Hermione e o pai seguiam em direção à casa, onde um homem de alta estatura apareceu e, com exclamações de alegria, apertou o professor em seus braços:


— Meu querido Adrian, que boa surpresa você nos faz! Quem imaginaria que você viria procurar-me em minha floresta? Mas tenho muitas descomposturas para lhe passar! Por que, em vez de procurar abrigo e emprego em casa de estranhos, não me pediu hospitalidade para você e para os seus filhos?


— Meu amigo, eu seria incapaz de abusar de sua benevolência.


— Ah! Você continua sempre com as suas suscetibilidades, o muito delicado Granger. E essa linda jovem não é Hermione de quem me fez tantos elogios em suas cartas?


Arthur Weasley cumprimentou a filha de seu amigo com graça cortês. Tinha a mesma idade do professor e, entretanto, conservava a flexibilidade elegante, a viril e encantadora beleza da mocidade. Seus olhos azuis, profundos e soberbos, refletiam bondade e nobreza de alma, a amável constância que Adrian Granger sempre conhecera em seu melhor amigo.


Os recém-chegados foram introduzidos na sala de visitas, onde habitualmente se reunia toda a família, um grande aposento claro, mobiliado com elegância sóbria e enfeitado de flores em profusão. Arthur disse a Hermione, que admirava uma cesta arranjada com delicado gosto:


— Aprecio imensamente as flores e minha filha mais velha tem sempre o cuidado de enfeitar esta sala, o que muito me agrada. Mas onde estão Ginevra e Nimue[3], Ronald?


O jovem acabava de retirar Alexis da cadeira e o instalava cuidadosamente num fofo divã. Voltou-se para o pai com um sorriso que lhe iluminava a fisionomia franca e simpática.


— Ginny decerto pressentiu as visitas e foi enfeitar a nossa Nimue.


Arthur sorriu.


— Nós mimamos um pouco essa menina por causa de sua saúde. Felizmente ela tem muito boa índole. Ah! Ei-las!


Ginevra Weasley, ruiva, fresca e graciosa, assemelhava-se ao irmão, exceto pelos olhos que ao invés de serem azuis, eram de um castanho claro. Nimue herdara a beleza materna, infelizmente a robusta saúde de Arthur não foi herdada. Depois de apresentar as boas-vindas aos visitantes, foi sentar-se perto do administrador, que lhe acariciou delicadamente a linda cabeça ruiva.


— Apresento-lhe a minha pequena ignorante — disse ele num tom misto de sério e brincalhão — Ela até agora é absolutamente refratária aos estudos, apesar de todos os meus esforços.


Alexis a fitou com surpresa.


— Oh! E, no entanto, aprender é tão interessante! Eu passaria os dias inteiros estudando!


Nimue sacudiu os belos cachos ruivos.


— Pois eu gosto mais de correr pela floresta e de brincar com as minhas cabrinhas!


— Ah! Sim, é que você pode correr! — murmurou Alexis com amargura.


Nimue ruborizou-se a essa observação, e os belos olhos azuis demonstraram o pesar que lhe causava a sua inadvertência.


Inclinando-se para Alexis e pousando a sua mão sobre a dele, acrescentou:


— Mas você há de correr um dia tão bem quanto eu! Ficará bom com o ar da floresta. Não é verdade, papai, que ele ficará bom?


— Decerto! Você verá, meu querido menino, que não vai arrepender-se de ter vindo conhecer a nossa terra. Estão bem com os Malfoy?


Arthur Weasley dirigia essa pergunta ao professor que respondeu:


— Muito bem. Ficamos sempre em nosso apartamento depois das horas de lição; começamos anteontem. Hermione abriu o fogo.


— E está satisfeita com os seus alunos? — perguntou Ronald


— Ainda não o posso dizer. Maia, a mais velha das meninas, parece muito inteligente. Ariadne é mais embotada. Quanto a Áquila, é muito inclinado para ciências. Mas estão atrasados em seus estudos. Fora disso, são bastante corteses.


— E seus de orgulho, naturalmente, como todos os Malfoy. Estamos na segunda metade do século XIX e essa família ainda conserva muito bem todas as tradições feudais, tanto que um conde Malfoy julgaria estar abolindo as prerrogativas da nobreza se ele próprio procurasse valorizar os seus domínios ou se sentasse nos bancos de uma Universidade!


— A propósito, acabamos de encontrar o Dr. Slughorn — disse o professor — Ficamos de nos tornar a ver. Esse velho parece ser muito agradável e sociável.


— É verdade. Ele se aborrece sozinho em sua velha casa e sempre o encontram a percorrer toda a região, parando em casa de um ou de outro, bem recebido por todos, porque é pessoa boníssima e possui fino espírito e bom senso, salvo quando se trata dos privilégios nobiliárquicos[4] dos Malfoy. Seus pais foram vassalos dos senhores de Runsdorf e ele tem por essa família uma incondicional veneração. O Conde Draco, principalmente, é o objeto da sua idolatria. Acho que não preciso avisá-los de nunca o censurarem perante ele.


— Se é assim, já estou julgada e condenada! — disse Hermione rindo — Porque cometi a grande imprudência de insinuar que o conde errava em não seguir, por puro orgulho de casta, a vocação que o impele para a medicina.


Arthur sorriu.


— Deverá, então, com efeito ter um lugar muito pequeno na estima do doutor, senhorita. Comigo ele ficou emburrado durante muitos meses porque um dia lhe disse a minha opinião a esse respeito. Na verdade o conde possui as belas qualidades que o Dr. Slughorn lhe atribui e é deplorável vê-lo levar uma existência inútil, unicamente porque tem a honra – ou a desgraça – de se chamar Conde Malfoy.


— O senhor diz bem, a desgraça meu pai! — exclamou Ginevra — Tem havido tantas catástrofes estranhas nessa família... Gosto mais de me chamar simplesmente Ginevra Weasley.


O olhar de Arthur teve um lampejo, ao prosseguir:


— Você tem razão, minha filha... É mesmo muito melhor. Verdadeiramente, você será muito mais feliz do que todas as condessas Malfoy, passadas, presentes e futuras.


— Do que a pobre Paola, por exemplo. Conhece a história dela, Srta. Granger?


— Conheço, a velha camareira me contou, para me prevenir contra as surpresas do terrível fantasma.


Os olhos claros de Ginevra revelaram o seu espanto a essa observação irônica.


— Oh, está zombando disso? Mas parece que é verdade! E dizem que o Conde Cepheus também aparece...


— E o que faz ele? — perguntou Hermione, sorrindo.


— Esse é um bom fantasma, pode estar certa! — respondeu Ronald, no mesmo tom — É até possível que ele ainda esteja vivo.


— Como vivo?


— Sim, pois desapareceu misteriosamente e de tal maneira que ninguém mais ouviu falar dele. Vou contar-lhe isso, enquanto Ginny nos serve o café.


— No início do século, havia em Runsdorf — prosseguiu Ronald — três irmãos: Caelum[5], Cepheus e Abraxas. O mais velho, Caelum, segundo o costume, era o herdeiro de todos os domínios e privilégios. Cepheus, de natureza independente e enérgica, cansou-se bem depressa da existência ociosa que lhe impunham a tradição. Munido da parte que lhe cabia da herança materna, empreendeu viagens longínquas. Depois, os irmãos souberam que ele dirigia, na ilha de Java, uma importante exploração agrícola. Desde então, romperam-se as relações da família com aquele que assim desprezava as tradições.


— Com a morte de Caelum, sem deixar descendentes, foi Cepheus, entretanto, quem herdou os bens patrimoniais — continuou Ronald — Embora ele já tivesse acumulado considerável fortuna, resolveu voltar para a Áustria. Viúvo de uma Polonesa que esposara no decorrer de suas viagens e da qual não tivera filhos, trouxe em sua companhia um sobrinho de sua mulher, menino de doze anos, adotado por ele e em cujo benefício deveria reverter todo o fruto de seu trabalho no estrangeiro. Seu irmão Abraxas e sua irmã Lyra, a despeito da bem conhecida arrogância, receberam-no sem hostilidade. Cedendo à afabilidade de Cepheus, que desejava esquecer o passado, eles vinham de tempos em tempos a Runsdorf, onde o irmão trabalhava nas grandes reformas com que pretendia melhorar os seus domínios. Ora, certa manhã, o seu criado de confiança não o encontrou no apartamento e foi em vão que o procurou em todo o castelo e no parque. Desanimado de encontrá-lo, preveniu a Condessa Lyra, que se achava no castelo há alguns dias. Ela fez com que recomeçassem as buscas e enviou um correio ao outro irmão, Abraxas, então em Viena. Este, logo que chegou, mandou sondar o lago, os poços, as masmorras, mas o conde Cepheus continuou desaparecido, e o seu dinheiro também, porque o cofre onde ele guardava a fortuna estava completamente vazio quando o abriram!


— E o menino? — perguntou Hermione.


— O jovem Gröninger[6] ficou pobre porque não tinha nenhum direito sobre os bens patrimoniais de seu pai adotivo, que passaram ao Conde Abraxas, o qual o conservou junto dele, manifestando o propósito de lhe dar uma boa educação. Entretanto, alguns meses depois do desaparecimento de Cepheus, o menino também sumiu...


— Um perfeito mistério! — disse o professor — E foi encontrado?


— Nunca. O conde fez muitas buscas, não somente na Áustria mas até no estrangeiro. Tudo foi inútil. Houve que sugerisse que o Conde Cepheus talvez num acesso de loucura tivesse fugido levando toda a fortuna, para se lançar em algum golfo ou precipício. Mas são apenas suposições infundadas, porque Cepheus Malfoy sempre foi tido como um espírito sadio e muito lúcido, e um excelente cristão.


— Esse também estará no lago? — disse Hermione, sorrindo meio pensativa.


— Quem sabe? — murmurou Arthur Weasley.


Enquanto o filho fazia essa narração, ele se conservava silencioso, uma contração de amarga ironia na boca, a mão, num gesto maquinal, a acariciar os cachos de Nimue, sentada junto dele.


Ginevra serviu o café e a conversa mudou de assunto. Os visitantes falaram de Viena, de sua vida calma e modesta. O administrador contou a sua, bem pacífica também; com emoção e saudades lembrou sua esposa, morta por ocasião do nascimento de Nimue e cujo retrato ocupava o lugar de honra da sala.


— A minha boa Molly! Que vazio ela nos deixou ao partir! Era a fada benfeitora desta casa e todos, até o último dos lenhadores, a amavam e veneravam.


De fato, era deliciosamente doce e atraente o semblante feminino que sorria um pouco melancólico no quadro de carvalho sobriamente ornado de um filete de ouro. Nimue assemelhava-se muito à sua mãe. Molly Prewett Weasley além de bela, possuíra o encanto superior da bondade, da graça e do devotamento.


Arthur levou seus amigos a visitar o jardim e o pátio das criações, onde Ginevra projetava empreender importantes reformas, assim como numa quinta[7], situada um pouco mais embaixo, à beira do vale.


— Eu a animo muito — disse o administrador ao seu amigo — Este gênero de ocupação, esta vigilância ativa, torna forte uma mulher. É assim que as energias se desenvolvem e que se adquire o hábito da reflexão e das responsabilidades.


— Compreendo Ginevra muito bem. Eu também gostaria dessa vida — disse Hermione — E parece-me que eu seria uma ótima rendeira.


— Pois bem! Associe-se aos empreendimentos de Ginny, senhorita. Poderemos tratar disso qualquer dia destes. Enquanto espera, venha aqui; quero mostrar-lhe a maravilhosa vista que se tem deste lugar.


Arthur conduziu os seus amigos para um terraço de pedra cinzenta, coberta de hera. Através de uma clareira na floresta dali se avistavam o vale e os prados de um verde fresco, o rio impetuoso marginado de álamos, pontilhado de tufos de verde. À esquerda, defronte ao parque secular, o castelo de Runsdorf aparecia, imenso, pesado e imponente, encimado pela bandeira senhorial, branca e vermelha. À direita, o telhado elegante de um grande chalé se erguia no meio de um bosque de pinheiros. Além do vale, a escura floresta recobria os flancos da montanha.


— Que vista soberba! — disse Hermione apoiando-se na balaustrada gasta pelo tempo e marchetada de musgo — O vale é admirável assim inundado pelo sol e o próprio Runsdorf parece até acolhedor! Sabem que a gente quase se perde nesse castelo? Esta manhã custei muito a encontrar a sala em que os meus alunos me esperavam. Eu gostaria muito mais de morar ali — disse ela designando o chalé do qual se distinguia um lado coberto de flores.


— Acredito-o! É uma moradia encantadora! — confirmou Ginevra — E dizem que seu interior é luxuoso. A princesa Karkaroff vive ali.


— Quem é essa princesa?


— A tia-avó dos Malfoy, irmã do Conde Abraxas, Lyra. Depois do suicídio deste, ela deixou Runsdorf e pouco mais tarde casou-se com um russo imensamente rico, chamava-se Igor Karkaroff, muito mais velho do que ela. Logo a deixou viúva, legando-lhe toda a sua fortuna. Entretanto, durante muitos anos ela continuou a residir em Moscou; por fim voltou para aqui e instalou-se no chalé rosa, que seu sobrinho Lucius lhe vendeu. Desde então, pouco sai, a não ser para pequenos passeios pela floresta. Já é muito idosa e dizem que muito lúcida e original. Anda sempre vestida de cores claras, de branco principalmente. Como era de esperar, ela também possui – e em alto grau – o orgulho hereditário dos Malfoy.


— Como sua sobrinha, a cônega — acrescentou Ronald — Dizem-na tão altiva! Não conhece ainda a bela cônega Ceres Malfoy, Srta. Granger?


— Não. Mora em Runsdorf?


— Ocasionalmente. De vez em quando aparece, para logo ir-se, do mesmo modo. Em geral reside no Capítulo[8], de que faz parte – congregação das mais aristocráticas, já se subentende, porque lá não se entra sem dar provas de uma nobreza de cinco ou seis séculos!


— Ela deve ser de certa idade...


— Uns quarenta anos, julgo eu, não é isso, papai?


Fazia alguns momentos que Arthur se voltara um pouco e parecia considerar atentamente o cume dos pinheiros que rodeavam o chalé. Sua mão acabava de por para trás a cabeleira ruiva, bem tratada, apenas levemente grisalha, que lhe caíra sobre a testa, e Hermione então reparou, junto da fronte, numa larga cicatriz.


— Parece-me — respondeu ele laconicamente.


— Ela é filha do segundo casamento de Abraxas Malfoy, o que explica essa grande diferença de idade entre ela e o irmão, o finado Conde Lucius. Apenas a entrevi uma única vez na carruagem que a levava de Runsdorf à estação. É ainda admiravelmente bela, mas a altivez dos Malfoy existe nela em grau superlativo.


— E essa maravilha não quis casar-se? — disse o professor.


— Não, recusou todas as alianças que lhe propuseram, sem dúvida por julgá-las inferiores ao seu merecimento.


— Ronald, não é Longbottom que vem por aquele caminho? — perguntou o administrador.


A sua voz pareceu a Hermione um pouco alterada.


— É ele sim, papai.


— Vá então dizer-lhe para vir falar-me amanhã de manhã.


O moço afastou-se e Arthur Weasley, convidando seus hóspedes a se sentarem, pôs-se a interrogá-los sobre a sua nova instalação.


— É espantoso que os senhores de Runsdorf deixem uma parte do castelo e do parque nesse estado de completo abandono — observou Hermione, depois de descrever o seu apartamento — A ala oposta à nossa está caindo em ruínas e o parque, em alguns lugares, é quase selvagem.


— As despesas de um tal domínio, por menor que seja em relação ao que já foi, são enormes — replicou Arthur.


— Mas os Malfoy são ricos.


O administrador teve um leve sorriso sarcástico, murmurando:


— Serão mesmo?


Hermione fitou-o com surpresa.


— O que? O senhor julga que eles estão arruinados? Mas parecem viver à larga, dão festas, os apartamentos são luxuosos...


O sorriso se acentuou nos lábios de Arthur.


— Saiba, senhorita, que é mais fácil um Malfoy morrer de fome em meio do seu luxo do que confessar que não tem um vintém. Não que eu pretenda insinuar que eles estão reduzidos a isso. Mas, depois dos loucos gastos feitos, primeiro por Abraxas Malfoy e depois por seu filho Lucius, não me parece que o patrimônio tenha ficado na mesma... Enfim, tudo isso pouco nos importa! — acrescentou, com um ligeiro movimento de ombros — Apenas lamento essas pobres criaturas, vítimas de uma falsa concepção da vida, legada pelos seus ancestrais e cuidadosamente inculcada em cada rebento do velho tronco, aniquilando neles o que de melhor existe no homem: o coração e a vontade.


O professor e seus filhos se retiraram uma hora mais tarde, depois de terem feito Ginevra e Ronald prometerem ir vê-los sempre; não conseguiram, entretanto, convencer o administrador a imitá-los.


— Prefiro não ir a Runsdorf — declarou ele num tom decidido, que atalhava todas as insistências — Não se ofenda, meu caro Adrian, e venha visitar-me sempre, o mais que puder. Previno-o de que Ronald irá, de carro, buscá-lo com seus filhos, todas as vezes que desejarmos vê-los. Já imagine que isso será todos os dias — acrescentou rindo.


Acompanhou os visitantes até metade do caminho de Runsdorf, de onde voltou com Ginevra e Nimue. Ronald prosseguiu, empurrando a cadeira de Alexis. No parque a pequena caravana cruzou com o Conde Malfoy e a jovem que Hermione e o professor tinham entrevisto num dos aposentos do castelo. Cumprimentos corteses e frios foram trocados de uma parte e outra, de passagem. Mas Alexis deparou no Conde Draco o mesmo olhar cheio de interesse com que ele o fitava no dia de sua chegada.


— Essa moça é a mais velha das jovens condessas, não é, Sr. Weasley? — perguntou Hermione.


— Com efeito, senhorita; é a Condessa Luna, muito simpática, apesar de sua altivez. Ela me dá sempre a impressão de estar triste ou fatigada.


Ronald só deixou Runsdorf depois que levou Alexis até a cadeira de descanso. Os Granger, reconfortados pelo seu bom humor comunicativo e pelo acolhimento hospitaleiro que lhes deram em Nunsthel, descobriram agora novo interesse na sua estada nesse lugar. Suas relações seriam encantadoras, porque Ronald parecia ser ótimo rapaz. Ginevra era certamente uma criatura de natureza amável e atraente, e Arthur Weasley conservava todas as qualidades de coração e de espírito que o haviam aproximado outrora de seu amigo Adrian.


— Ele tem a distinção de um grande fidalgo! — disse Alexis com entusiasmo — Mas que cicatriz é aquela em sua fronte, papai?


— Que cicatriz? — perguntou o professor, cuja miopia não lhe permitira observar essa particularidade na fisionomia de seu velho amigo Arthur.


— Na fronte, à esquerda.


— Ah! Sim, agora me lembro! Ele já a tinha quando foi ver-me há muitos anos, em companhia de sua esposa. Foi ferido ao salvar não sei quem de um incêndio, segundo ele me disse então; não entrou em pormenores sobre o caso e eu não insisti, por notar que parecia pouco desejoso de falar disso.


Uma leve batida à porta interrompeu o professor. Hermione foi abrir e introduziu o capelão de Runsdorf, que vinha retribuir aos novos hóspedes do castelo a visita que lhe tinham feito.


O padre Filius Flitwick era um velho de estatura baixíssima, alquebrado e um pouco enfermo, mas de espírito delicado, muito claro e sorridente bonomia[9]. Tinha mais de noventa anos, dizia Otávia, que sempre o vira em Runsdorf. Filho de um rendeiro dos condes Malfoy, recebera a instrução eclesiástica à custa da primeira mulher do Conde Abraxas. Ordenado padre, viera como capelão de Runsdorf e desde então nunca deixara o castelo.


Logo que se instalou numa poltrona junto a Alexis, que parecia inspirar-lhe particular interesse, o bom velho perguntou qual era a impressão que lhes tinha produzido a floresta e mostrou-se encantado com o entusiasmo dos Granger.


— Sim, é uma bela obra do criador, uma de suas maravilhas, presenteada a esta humanidade ingrata! Sou grande admirador da minha terra natal, da minha floresta que, infelizmente, agora já não posso percorrer a pé. Mas o Sr. Weasley e o filho sempre vêm buscar-me de carro, para fazer longos passeios pelas minhas queridas matas, e depois trazem-me de volta até a entrada de Runsdorf.


— Ah! Arthur também não entra com o senhor? Esse nosso amigo sofreu alguma afronta aqui? Também recusou-se a nos visitar.


A fisionomia do padre pareceu de súbito tornar-se sombria.


— Mas não... é que ele é muito orgulhoso para se apresentar aqui sem ser convidado, para vir a uma casa cujos donos o julgam de uma essência inferior à deles...


Hermione sorriu com ironia.


— Inferior, ele? Esse homem de tão notável aspecto e que demonstra uma tão bela inteligência?


— Sim, mas pertence a uma família burguesa, a uma dessas velhas e honradas famílias, é verdade, à qual se têm aliado famílias aristocráticas menos exclusivistas do que os Malfoy.


— E o senhor, padre, aprova isso como faz o Dr. Slughorn?


O sacerdote meneou a cabeça, sorrindo com indulgência.


— Esse bom Horace é incapaz de ver o menor defeito nos Malfoy. Quanto a mim, sou ligado a essa família como a hera à árvore; daria a minha vida por qualquer um deles, se por tal preço pudesse proporcionar-lhes um pouco de felicidade. Mas, no trato íntimo, cotidiano, com os idéias do Deus humilde e doce que apareceu sobre a terra, as vaidades deste mundo se mostram claras, caem todos os véus, deixando à mostra as tristes baixezas humanas. Oh! Como é grande a nossa miséria!


Ele tinha cruzado as mãos tremulas sobre os joelhos e curvava a cabeça como sob uma pesada carga.


— E eles são umas criaturas boas e encantadoras. Olhem, por exemplo, o Conde Draco. Um ser de elite que passará a sua vida na inação, com pesar de ser assim, como uma carga para si próprio, inútil aos outros, porque um conde Malfoy não pode, sem se humilhar, exercer uma profissão liberal. E os outros? Farão qualquer casamento desde que os dotes de nobreza sejam suficientes ou, então, não se casarão e envelhecerão solitários, retirados em seu orgulho. Mas todos sofrerão porque têm sentimentos. Que os seus corações se dilacerem, se esmaguem, se afoguem sob o orgulho, mas que o mundo nunca o suspeite! Ah Senhor! Não os castigueis pelas culpas dos outros! — concluiu o bom velho quase soluçando.


 




[1] Uma pequena homenagem ao meu bebê, um mestiço de Labrador com Pastor Alemão de 7 anos. ^^


[2] Verdor: Característica do que é verde; Vigor, viço e força característicos da juventude.


[3] Nimue: seguindo de que todos os nomes na família Weasley têm referência ao mundo do Rei Arthur, resolvi manter, já que nessa história ao invés de sete filhos, temos apenas três, sendo que duas são mulheres.


[4] Nobiliárquico: Aquilo que tem caráter de nobreza.


[5] Caelum: conhecida também como Cinzel é uma constelação Austral, localizada do hemisfério celestial sul


[6] Gröninger: sobrenome de origem alemã foi retirado da relação de imigrantes estabelecidos na Colônia de Teresópolis – Águas Mornas e São Bonifácio – SC – Brasil, por volta de 1900.


[7] Quinta: habitação campestre; granja; chácara.


[8] Capítulo: nesse caso se refere à uma Assembléia de dignidade eclesiástica para tratar determinado assunto; lugar de reunião de cônegos ou frades em assembléia; colegiada.


[9] Bonomia: Qualidade do homem que é bom, simples, crédulo.

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