Insânia e Razão
Harry passou a semana seguinte trancado em seu quarto. Na Terça feira seguinte ao enterro ele foi encontrado por Lupin na dispensa.
- O que está procurando Harry?- perguntou ele para o garoto que estava agachado mexendo em alguma coisa, ainda de pijama.
Harry ignorou-o.
- Quer comer algo?- perguntou Lupin.
Harry então se ergueu apontando uma faca para o pescoço de Lupin, que assustado recuou alguns passos.
- Fique onde está!- disse Harry com os olhos arregalados.- Seu Comensal imundo!
- Harry!- disse Lupin recuando mais alguns passos.- Não sou um comensal. Sou Remo Lupin, seu professor...Seu amigo!
- Cala a boca comensal!- disse Harry apertando a faca.
- Sou seu amigo.- disse Lupin.- Agora me dê isso.
Naquele momento Sirius surgiu pela porta da cozinha.
- O que está acontecendo aqui?- perguntou ele ao ver a cena.
- Cala a boca se não eu mato o comensal!- disse Harry arregalando os olhos ainda mais para Sirius, estava sem os óculos.
Sirius respirou fundo pensando no que fazer e então viu um frasco de veneno contra fadas mordentes na mão de Harry.
- O que você pensa que vai fazer com esse veneno?- perguntou Sirius dando alguns passos para frente.
- Não se mecha! Já disse que mato o comensal!- disse Harry.
- Então me diga o que ia fazer com isso!- disse Sirius.
- Vou tomar.- disse Harry.
- Você enlouqueceu?!- perguntou Sirius indo dar mais um passo, mas Harry chegou a faca mais perto do pescoço de Lupin e ele desistiu.
- Eu vou matar o comensal!- informou.
- Harry!- disse Sirius.- Ele não é um comensal! Ele é Remo Lupin!
- Ele é um comensal!- insistiu Harry.
- Ok! Então se ele é um comensal que eu sou?- perguntou Sirius.
- Você é o fantasma do meu padrinho.- disse Harry.
- Ok! E você confia em mim?- perguntou Sirius tentando manter a calma.
- Confio no meu padrinho, não no fantasma dele!- disse Harry.
Naquele momento a Sra. Weasley entrou na cozinha.
- Harry?!- disse ela levando as mãos à boca.- O que você está fazendo?
- Então! Eu sou o seu padrinho!- disse Sirius ignorando a recém chegada.- Você confia em mim?
- Não!- disse Harry.- Você é o fantasma dele. Eu confiava nele, mas não confio em você!
- Então vamos brincar de faz de conta!- disse Sirius.- Você finge que confia em mim. Você gosta de brincar?
- Sim.- disse Harry dando um sorriso demente.
- Então agora que eu sou o seu padrinho, você confia em mim?- perguntou Sirius.
- Sim!- disse Harry.
- Então, agora, me dê a faca!- disse Sirius.
- Não!- disse Harry voltando a olhar para Lupin.- Ele é um comensal e eu vou matá-lo.
- Não pare a brincadeira, Harry.- disse Sirius.- Vamos fingir que ele não é um comensal e então você vai me entregar a faca, certo?
- Certo.- disse Harry quando Dino e Rony entraram na cozinha ficando paralisados à porta.
- Então me dê a faca!- disse Sirius estendendo a mão sem ousar dar um passo em frente.
Harry olhou para Lupin. Não estava pensando direito. Estavam chamando-o de Harry, mas aquele era seu nome? Ele viu o comensal, que estava vermelho. Devia fingir que aquele não era um comensal e entregar a faca para o fantasma de seu padrinho. E ele o fez.
Lupin caminhou até a Sra. Weasley e ficou ali parado olhando Harry com os olhos cheios de pena.
- Pronto.- disse Sirius.- Agora sente-se aqui!
Harry caminhou até o lugar que ele indicara e assentou-se ainda segurando o frasco de veneno.
- Agora me entregue o veneno.- disse Sirius sentando-se defronte a ele.
- Não!- disse Harry "abraçando" o frasco.- Vou tomá-lo.
- Porque você vai tomá-lo?- perguntou Sirius.- Você quer morrer?
- Sim!- disse Harry.
- Porque você quer morrer?- perguntou Sirius como se conversasse com uma criança de cinco anos.
Harry tornou a arregalar os olhos verdes para Sirius como um louco. Porque ele queria morrer? E então ele se lembrou. Lembrou de tudo. Sobre quem era e sobre toda a sua vida. Ele baixou o rosto.
- Você tentar se matar não vai trazê-la de volta.- disse Sirius ao ver que o momento de loucura de Harry estava passando.
E então Harry notou algo de errado. Sirius estava ali diante dele. Então ele se lembrou de todo o ódio que sentia do mundo e se levantou em um impulso.
- Ela morrer trouxe você de volta!- cuspiu ele. Seus olhos arregalados deram lugar a olhos cheios de ódio.
- Não! Não trouxe!- disse Sirius.- Me dê o vidro Harry.
- Eu não vou dar!- disse ele saltando o banco e correndo até a porta.
- Harry...- fez Sirius e então Harry atirou o vidro contra Sirius de modo que o atingiu na testa abrindo um corte ali. Em seguida ele voltou correndo para o seu quarto e se jogou na cama chorando. Acabou adormecendo.
****
- Harry?!- chamou a voz de Gina. Harry levantou os olhos para a porta. A garota entrou e se assentou na cama de Rony.
Harry baixou os olhos novamente para a sopa e mexeu-a com a colher por algum tempo.
- Tenho uma notícia pra você.- Disse Gina.
- Se for notícia ruim dá meia volta.- respondeu Harry secamente.
- Na verdade ela não é boa, mas acho que você deveria saber.- disse Gina.
- Não quero saber de nada!- disse Harry arregalando os olhos.
- Aonde você pensa que vai chegar desse jeito?- perguntou Gina.
Harry deu ombros.
- Já vai fazer um mês e meio que você está trancado nesse quarto!- disse Gina.
- Aqui eu tenho tudo que preciso.- disse Harry.- Uma cama, algumas roupas, meus óculos, um banheiro e alguém que sempre me trás algo de comer.
- Algo de comer que você mal toca, como essa sopa!- disse Gina.- Aonde pensa que vai chegar assim?
- Se essa vida me ajudar a morrer mais rápido eu ficarei satisfeito.- disse Harry.
- Cho morreu.- disse Gina.
- O que?- perguntou Harry entornando a sopa nas cobertas.
- Cho morreu. Ela foi torturada até ficar inconsciente durante a invasão, eu assisti tudo, Dolohov quase a matou, e sabe porque?- perguntou Gina.
- Porque ela era alguém próximo de mim?- arriscou Harry.
- Ela havia se tornado uma comensal junto com Draco.- disse Gina.- Mas se arrependeu e lutou do nosso lado.
- Você está fazendo hora com a minha cara.- disse Harry se lembrando de seu encontro com Cho em Hogsmead certa vez, o que lhe fez lembrar de Hermione.
- Por que eu faria isso?- perguntou Gina.
- Porque todos fazem isso comigo!- disse ele.
- Snape disse que ela passou a Voldemort a lista de todos os membros da AD.- disse Gina.
- Não duvido nada que o próprio Snape tenha feito isso.- disse Harry.
- Umbridge também sabia quem eram.- disse Gina.
- Quem se importa?- perguntou Harry.
- Eu me importo!- disse Gina.- Aquela lista, Harry, se tornou uma espécie de lista negra.
- Você está tentando me convencer de que é melhor eu morrer de uma vez, pois estou prejudicando a vida das pessoas?- perguntou Harry.
- Eu estou tentando te convencer de que não importa se você queira ou não que as pessoas continuem do seu lado. Elas vão continuar mesmo se você não quiser.- disse Gina.- E que se você realmente quer "salvar" a vida delas deve reagir e tomar uma atitude logo.
- E o que você quer que eu faça?- perguntou Harry.
- Que levante dessa cama e volte à vida!- disse Gina.
- Isso não vai salvar a vida das pessoas.- disse Harry.
- Eu e Rony temos um plano. É ousado, mas é um plano.- disse Gina.
- E qual é o plano?- perguntou Harry.
- Só vou lhe contar se você reagir.- disse Gina.
- Eu não consigo reagir, Gina!- disse Harry.- Será que você não entende? Não era simplesmente uma amiga que se foi, era a minha namorada!
- Era a minha melhor amiga!- disse Gina.- Era como uma irmã pra mim para ser sincera. E não é porque ela se foi que eu vou ficar me afogando em mágoas, Harry!
Harry deu ombros.
- Quer saber...- disse Gina se levantando.- Não vou mais me preocupar contigo! Se você quiser ficar aí nessa cama até morrer que fique! Eu não estou mais nem aí. E tem mais: vou dizer ao Rony pra se jogar em uma cama e ignorar que o mundo continua girando também. O nosso plano nunca vai dar certo. Tchau!
E dizendo isso ela saiu do quarto batendo a porta ao passar. Harry ficou parado durante algum tempo, depois se levantou a fim de trocar as cobertas que agora estavam cheias de sopa. Um mês e meio, pensou. Já deviam estar quase no fim de fevereiro e ele ali. Sentia que estava preso àquela cama e não tinha vontade de lutar contra essa prisão. Mas algo lhe dizia que era preciso reagir. Que era preciso recomeçar. Algo vindo do fundo de seu coração, mas ele sentia que não era capaz de fazer algo sem Hermione ao seu lado. Então o rosto de Hermione lhe surgiu na memória. "Eu nunca lhe deixarei totalmente, meu amor. Eu estarei sempre em seu coração."
****
- E então Gina?- perguntou Sirius.
Gina se assentou defronte ao homem e baixou a cabeça.
- Porque ele é tão egoísta?!- perguntou ela.- Porque é tão cabeça dura também?!
- Ele ainda não se conformou, Gina.- disse Isabel que estava assentada ao lado de Sirius.
- Porque não fala com ele, Sirius?- perguntou Rony.- Ele ainda não acredita plenamente que você voltou.
- Ele sabe que voltei.- disse Sirius.- Só não quer acreditar. Tanto ele sabe que me atacou aquela vez quando me reconheceu.
Gina concordou observando a pequena cicatriz que já quase sumira da testa de Sirius.
- O Harry pode estar ficando louco?- Perguntou Rony.
- Ele está tendo algumas alucinações apenas.- disse Remo.- Isso vai passar. Um dia, vai passar.
- Mas...- fez Rony. Ia falar sobre algo que evolvia a profecia, mas não sabia se podia falar sobre isso ali, talvez nem todos soubessem.
- Pode falar, Rony.- disse Isabel fitando-o.
- E se ele surtar novamente e ninguém estiver perto?- perguntou Rony.- Eu quero dizer, naquele dia ele ia tomar um veneno, se ele morresse, a guerra estaria terminada?
- Espera aí.- disse Gina.- Então aquela profecia dizia algo relacionado com a morte de Harry e o fim da guerra?
- Sim.- disse Rony.- Para a Guerra acabar, Harry ou Voldemort, um dos dois terá que morrer.
- Mas então...- fez Gina pensativa.- A gente teria de fazer uma emboscada.- completou no momento em que Snape entrou na cozinha.
- Severo?- perguntou Lupin.- O que faz aqui?
- Onde?- perguntou Snape que parecia transtornado.- Onde está Dumbledore? Onde?
- Ele não está aqui, mas...- fez Lupin observando Snape dos pés à cabeça.- Me acompanhe Severo.
Os dois deixaram a cozinha.
- Não temos mais um espião confiável para nos auxiliar em uma emboscada.- disse Isabel.
- Nunca tivemos.- completou Sirius.
- Desculpe descordar contigo, tio.- disse Isabel.- Mas até certo ponto Snape nos foi muito útil.
Ao ouvir a palavra tio, Gina olhou para Isabel. Essa fitava Sirius. E então um flash do último momento de vida de Hermione lhe veio à cabeça. "Ah! E diga a Sirius que Isabel é filha dele!" Essa fora a única parte dos últimos pedidos da amiga que Gina não cumprira. Não sabia porque, mas sentia que não devia contar. Pelo que sabia Belatriz Lestrange revelara tal coisa para Hermione e Isabel depois de ser torturada na cabana de Hagrid. Porque, então, Isabel não contara a Sirius?
- Até certo ponto, Isabel.- disse Sirius e Gina piscou voltando a si.- E ele nunca foi totalmente seguro, voltou para Voldemort oferecendo-se como espião. E desde que se recusou a trair Dumbledore ajudando na invasão à escola ele ganhou a indisposição de Voldemort.
- Então não temos mais um espião?- perguntou Rony.- Estamos às cegas?
-Praticamente.- disse Sirius.
- Eu me ofereci para tomar o lugar de algum comensal...
- Seria loucura!- interrompeu Sirius.- Sua prima já pensou nisso antes de você aparecer. Nunca daria certo. Voldemort é um excelente legilimente.
- Nem se Isabel tomasse o lugar de sua mãe?- arriscou Gina ainda pensando sobre o fato de Sirius ser o pai da garota.
Houve um silêncio.
- Sabe...- disse Gina.- Quando recapturamos a invasão vocês nos disseram que Tonks tinha jogado a isca para Mione ir à casa dos Gritos e que lá ela se reuniu a vocês dois e a própria Tonks e então se dividiram e foram para Hogwarts ao saberem da invasão, certo?
Sirius fez que sim com a cabeça.
- Isabel e Mione desarmaram Rodolfo Lestrange e foram na direção da cabana de Hagrid, onde encontraram Belatriz Lestrange.- continuou Gina.- O que, exatamente aconteceu lá dentro?
Houve um novo silêncio. Gina viu Sirius fitar Isabel como se esperasse uma resposta dela.
- Eu também gostaria de saber sobre isso.- disse Rony.
- Se não quiser não diga.- disse Gina.- Mas eu estive pensando sobre isso. Lestrange e Umbridge estavam cumprindo um plano, e quando eu apareci atrapalhando-o elas iriam se livrar de mim antes de prosseguir, mas então eu falei sobre você e ao ver sua mãe em estado de choque eu aproveitei para fugir. E ela provavelmente sabia que vocês iriam até lá, pois ela esperou vocês!
- Eu discuti com minha mãe.- disse Isabel olhando para baixo.- E a torturei, mas Hermione não deixou que eu a matasse, e então nós deixamos a cabana, e foi só.
Gina viu que Sirius ainda fitava Isabel.
- Com licença.- disse Isabel se levantando e saindo da cozinha.
- Gina, você sabe de alguma coisa que nós não sabemos?- perguntou Rony fitando a irmã.
- Não!- mentiu Gina.
- Mas qual era o plano de vocês?- perguntou Sirius olhando-os.
- Usar sua sobrinha.- disse Gina.
- Mas não como espiã.- disse Rony.
- Estivemos pensando...- disse Gina.- Sobre os grandes bruxos de lá, e os de cá. Existem pouquíssimas mulheres do lado de lá. Narcisa Malfoy, Belatriz Lestrange e Umbridge. E Creio eu que Belatriz seja uma das mulheres mais próximas a Voldemort.
Sirius escutava atentamente apesar de seus olhos estarem levemente desfocados.
- Achamos isso pois ela foi vista por Mundungo fazem quinze dias, e se não fosse alguém importante teria sido morta ao descobrirem sobre Isabel.- disse Rony.
- Temos que eliminá-la, Sirius.- disse Gina.
- E em que isso ajudaria?- perguntou o homem.
- Abriríamos um buraco no flanco deles!- disse Rony.
- Vocês tem razão sobre Belatriz ser uma grande bruxa e todo o mais, mas não creio que seja um grande progresso matá-la!- disse Sirius.- Logo surgiria um substituto.- e então ele se levantou.- Vou ver o que está acontecendo com Remo e Severo.- completou antes de sair.
- Ele gosta dela.- disse Gina pensativa.
- Que?- fez Rony.
- Nada!- disse Gina.- Vou ler um pouco.
A garota seguiu até seu quarto deixando seu irmão na cozinha. A cama que antes pertencera a Hermione atualmente era ocupada por Luna, que naquele dia tinha ido visitar seu pai.
Gina assentou-se em sua cama. Sentia-se profundamente cansada. Vinha se sentido assim desde a morte da melhor amiga. Ganhara olheiras quase permanentes em baixo dos olhos castanhos.
Ela abriu a gaveta do criado à procura de um livro para se distrair um pouco, mas acabou encontrando outra coisa ali. Era o cartão de natal com a foto de Draco que recebera do mesmo. Ela ficou observando-o sorridente na foto por algum tempo.
Ela ainda sentia um enorme vazio por dentro ao pensar em Draco. Queria esquecê-lo, mas aquele mesmo rosto sorridente ainda habitava seus sonhos.
Em todas as noites, sem exceção, desde a noite em que Draco e Hermione morreram, ela sonhara com ele. Algumas vezes eram sonhos bons em que ela se via ao lado dele feliz em um lugar florido. Mas na maioria das vezes eram sonhos ruins, onde ela se via matando Draco e no meio de sangue e dor vinha o rosto de Lúcio Malfoy dizendo que se vingaria dela. E então ela acordava no meio da madrugada suada e assustada sentindo ainda o frio da espada de Slyherin em suas mãos. Frio este quase igual ao da lágrima solitária que escorria pelo seu rosto agora.
Ela atirou o cartão de volta dentro da gaveta, foi até o banheiro e lavou seu rosto. Tinha de fazer alguma coisa. Durante as aulas de Defesa Contra as Artes das Trevas eles estavam aprendendo que o principal objetivo não era matar comensais, e sim prendê-los, mas ela sabia que prendê-los não adiantaria. Certa vez ela contestara isso.
- Mas, professor Lupin.- dissera ela durante uma das aulas na sala de estar.- Do que adiantaria prendê-los? Não temos mais Azkaban ou dementadores, eles provavelmente iriam fugir novamente.
Ela assistiu Lupin pensar por um momento até responder.
- Os Comensais não merecem que sujemos nossas mãos com eles.
Ela tinha um plano já se formando em sua cabeça. Sabia que Luna, Zacarias e seus três irmãos (Rony, Fred e Jorge) topariam e achava que Isabel também aceitaria participar. Mas faltava alguém. Faltava Harry.
****
Harry ouviu alguém abrir a porta. Pelo som dos passos pesados era alguém mais velho. Mas ele não se virou para ver quem era.
O recém chegado puxou a cadeira da escrivaninha e se assentou. Harry escutou-o pigarrear. Nem se mexeu. Passaram-se cerca de dez minutos.
- Eu queria conversar com você, Harry.
Era Sirius.
Harry o ignorou. Fingiu que dormia.
- Não finja que dorme.- disse Sirius.- Não adianta.
Harry permaneceu quieto.
- Eu já estou me cansando de esperar você reagir.
Harry se assentou na cama e se virou. O padrinho estava assentado na cadeira da escrivaninha diante a porta como se quisesse impedir que alguém a abrisse. Harry não o via desde o dia em que lhe atirara um vidro na cabeça. A cicatriz do machucado já estava quase sumindo. E ele parecia mais belo do que nunca. Trajava vestes negras de aparência imponente, e não as velhas e surradas de sempre, e ele tinha a barba extremamente bem feita agora.
- Eu também cansei de esperar você.- disse Harry secamente procurando não olhar o homem nos olhos.
- Sobretudo eu voltei.- disse Sirius.
- Voltou muito tarde!- disse Harry.- Voltou trazendo coisas ruins!
- Porque não para de tentar me culpar por coisas que eu não fiz?- perguntou Sirius.- Não vê que eu já perdi tempo demais da minha vida pagando por coisas assim?!
- Antes você nunca tivesse fugido de Azkaban!- disse Harry.- Nunca tivesse aparecido na minha vida!
- Não foi isso que você disse no meu julgamento.- disse Sirius.- Dumbledore me disse que você emocionou a todos.
- Nada disso me importa agora.- disse Harry.
- Eu me importo com você.- disse Sirius.
- Porque não vai se preocupar com Isabel então, e me deixa em paz?- perguntou Harry.
- Porque Isabel é apenas a minha sobrinha.- disse Sirius.- E você não! Você é o filho do meu melhor amigo. E como ele se foi, deixando você para trás, eu me sinto no direito de dizer que você é meu filho também.
- Meu pai não ficaria feliz por enganarem o filho dele do modo que me enganaram!- disse Harry.
- Eu não vim aqui discutir esse assunto com você, Harry!- disse Sirius.
- Veio fazer o que então?- perguntou Harry.- Quer que eu atire outra coisa em você?
- Eu vim lhe contar sobre algo do meu passado.- disse Sirius.- Algo que quase todos desconhecem.
- Não quero ouvir.- disse Harry.
- Nunca se perguntou porque eu nunca me casei?- perguntou Sirius.
Harry ia repetir que não queria ouvir mas parou. Já tinha se perguntado algumas vezes sobre aquilo. Seu padrinho fora e ainda era um dos homens mais belos que existiam por aí. Era difícil de acreditar que alguém assim pudesse ficar sozinho.
- Muitas pessoas me perguntaram isso durante a minha vida.- disse Sirius.- E ainda perguntam. Mas só existiram quatro pessoas que souberam do motivo além de mim.- Seu pai, Remo, minha prima Andrômeda e é claro, a grande causadora disso, minha prima Belatriz.
Harry não sabia onde a história iria chegar, mas permaneceu calado.
- Eu e Belatriz nunca demos certo, Harry.- disse Sirius.- Desde pequenos vivíamos brigando, mas quando alguém disse que Amor e Ódio andam juntos, esse alguém não estava errado.
Harry se lembrou então de certa vez em que Dumbledore dissera que havia, ou houvera, muito mais entre Sirius e Belatriz do que muitos imaginavam.
"Quando eu tinha meus treze anos eu descobri que apesar de todo o ódio que sentíamos um pelo outro eu a amava e por incrível que pareça esse sentimento era recíproco. E então nós dois vivemos um romance que durou até o início do verão, após o fim de meu quinto ano."
Sirius olhou para Harry.
- Talvez você não queira mesmo escutar a minha história.- disse Sirius.
Um lado de Harry queria dizer que não, queria continuar a desprezar Sirius. Mas havia um outro lado, um lado que estivera vazio quando Sirius atravessou o véu, que fora preenchido por Hermione e que agora estava novamente vazio.
- Prossiga.- disse Harry.
- Belatriz havia se formado naquele ano.- disse Sirius.- E se não fosse por uma diferença crucial entre nós dois, poderíamos ter nos casado dois anos depois e estarmos juntos até hoje. Há muito tempo eu já vivia em pé de guerra com a minha família, e depois que Andrômeda fora deserdada por se casar com Ted Tonks ela me incentivou a abandonar o meu lar. E eu o fiz. No início eu tinha a ilusão de que Belatriz seria capaz de sair de casa e vir comigo, mas então eu descobri que ela havia a muito tomado uma trilha sem volta, a trilha que leva às trevas, ao mal.
Harry não pode deixar de se lembrar de Gina e Draco. A história era bem parecida.
- Um ano depois ela se casou com Rodolfo Lestrange.- continuou Sirius.- Nas férias de páscoa. Ainda me lembro como se fosse ontem. Eu tinha dezesseis anos. Seu pai me acompanhou até o lugar onde foi a cerimônia e nos dias que se seguiram eu me tranquei no quarto como você tem feito.
- Não é nada parecido.- disse Harry quando percebeu aonde Sirius queria chegar.- Você renunciou a ela. Eu não renunciei a Hermione, ela foi arrancada de mim.
- Ao menos você não a viu casar com outro.- disse Sirius.- E nem teve que um dia encontrar uma filha dela com o seu irmão mais novo.
Talvez Sirius tivesse razão, pensou Harry. Talvez ele estivesse julgando a perda de Hermione mais grave do que na realidade era. Não que não fosse grave, mas é que talvez ele não precisasse parar a sua vida por causa daquilo.
- Eu tenho estado com o coração na mão por vê-lo deprimido como está.- disse Sirius.- Não que eu ache que você tenha que esquecer Hermione, se abrir para outras garotas, mas é que você deveria continuar a sua vida.
- Porque você não conheceu outras mulheres, então?- perguntou Harry.
- Um dia você vai entender que a gente só ama verdadeiramente uma mulher durante a nossa vida.- disse Sirius.- E no meu caso, por essa mulher ser a mulher errada, eu fui condenado a viver só.
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