Xeque



- Eu estava com saudades da senhora. – ele disse ainda abraçado a ela, segurando Josh que dormia tranquilamente apoiado em seu braço esquerdo.

- Será que estava mesmo? – ela disse olhando para ele, saindo do abraço. – Já fiz vários almoços em família e você nunca aparecia. Em cada um Hermione vinha com uma desculpa diferente. Sabe meu filho – ela agora sorria, era um sorriso triste. -, eu tinha mais motivos para ficar sem uma vida do que você. Mas vi que tenho filhos maravilhosos – com isso ela acariciou a bochecha de Rony, que a olhava calado. -, netos espertos e inteligentes, muitos deles ruivinhos. – e olhou para Josh sorrindo.

- Mãe...

- Ouça, Rony. Será que você não percebe que você tem muito mais para viver do que eu? Será que você não percebe que toda a sua família te ama? Será que você não percebe que se casou com uma pessoa maravilhosa? – Hermione a baixou a cabeça, triste. – Será que você não percebe que também deve ter a sua família?

Pronto. Pensava Rony. Filhos novamente...

Rapidamente ele entregou o sobrinho a sua mãe, virando-se para Hermione.

- Até para a minha mãe você anda chorando?

- O quê? Rony, não... – ela dizia sem acreditar. Como alguém podia ser tão frio?

- Eu não acredito! Você devia parar de pensar só em você, Hermione! Dá para você ter um pouco de sensibilidade e me entender?? – ele praticamente gritava.

A Sra. Weasley olhava tudo com um olhar repreensivo.

- Hermione, minha querida, não sei como você agüenta o meu filho. Eu sou mãe, mas você não é obrigada a nada.

Rony olhou para sua mãe, boquiaberto. Era um complô? Será que ficariam falando a festa toda que eles deveriam ter filhos? E ainda falando para Hermione, sua mulher, que era não era obrigada a viver com aquilo?? Ela era sua esposa! Era a vida que escolhera!

- Não se preocupe, Sra. Weasley. Ele só está chateado...

- Você não deveria ser tão doce assim com ele – ela continuou arrancando um “Mãe!” de Rony. -, se você não tomar uma atitude ele vai continuar a te desrespeitar.

- Eu não a desrespeito! Ela sabe que eu a amo!

- Só amor não basta, meu filho. Só amor não basta... – e ela se retirou, levando Josh que acordara por causa do tio.

De repente a sala parecia infinitamente grande. Mesmo com Hermione ao seu lado no sofá, ele sentia que nunca mais a encontraria, estavam perdidos um do outro. Mas, pensava ele, talvez ela nem quisesse encontrá-lo.

Não que estivesse errado, ele não estava errado. Mas e se sua mãe tivesse um pouco de razão? “Só amor não basta.” Ele olhou para ela, pelo canto dos olhos. Ela, de cabeça baixa, tentava esconder as lágrimas que insistiam em cair. Será que o amor que ele sentia por ela não bastava mesmo? Mesmo sendo a coisa mais forte que ele sentira em toda sua vida? Mesmo sendo um amor que crescera com ele?

Olhou para frente novamente, pensando no que falar quando a encontrasse. Não queria pedir desculpas, na verdade não devia. Talvez ele tivesse mesmo sido um pouco grosso, mas ela estava sendo egoísta, infantil, mimada. Não, realmente não pediria desculpas. Assim como tinha certeza de que ela não pediria, não depois das coisas que sua mãe dissera a ela.

E então sentiu os braços dela em volta de seu pescoço e ouviu sua voz perto do seu ouvido. Aquela voz. Meiga, calma, decidida.

- Eu também te amo, Ron.

Ele sorriu, acariciando o rosto dela. Ela o amava, como ele a amava. E ele sabia, não importava o que acontecesse, eles sempre se amariam. Não precisavam de mais nada. Não precisavam de pedidos de desculpa. Sua mãe estava enganada: só amor bastava sim.

Já Hermione não tirava uma coisa de sua cabeça: só amor não bastava mesmo. E ela realmente não era obrigada a agüentar.





FLASHBACK



Rony, com os olhos vermelhos encarava o irmão tão colado ao seu rosto que um sentia a respiração do outro. Enquanto um continuava a tremer de medo o outro tremia de raiva, de fúria.

- Foi você! Você o matou! – Rony gritava, exaltado. Gina e a Sra. Weasley se abraçavam, chorando. Fred e Jorge olhavam para Rony. – Será que você não pensou? Você... Você o matou!

- Rony, você não entende...

- Eu não entendo? É você quem não entende! Você nunca entendeu o significado da palavra “família”, da palavra “união”, não é mesmo?? O que sempre importou foi a sua carreira! A sua vida! Você! Virou as costas para o papai e mamãe, virou as costas para seus irmãos. Por causa do trabalho! Do maldito trabalho! – ele gritava, inquieto, andando de um lado para o outro da cozinha. – Você não viu como eles sofreram por sua causa! Sua ingratidão! E agora... isso. E você nem ao menos sente!

- É CLARO QUE EU SINTO!

- POIS NÃO É ISSO QUE PARECE, WEATHERBY!

- NÃO PRECISO TE DAR SATISFAÇÕES! E NÃO ME CHAME DE WEATHERBY!

- NÃO PRECISA ME DAR SATISFAÇÕES?! VOCÊ MATA O PAPAI E NÃO PRECISA DAR SATISFAÇÕES?!?!

- EU NÃO O MATEI!!! NÃO MATEI!!!

- NÓS VIMOS!!

- Mas... Eu não queria...

Então desmontou. Caíra no chão, chorando. E se virou para Rony, encarando-o.

- Você sabe como é ele se despedir na sua frente e nem ao menos mencionar seu nome? Você sabe como é ver uma criatura...

- Era um Erumpe... – começou Hermione, mas Fred e Jorge logo olharam para ela, repreendendo-a.

- ...correndo em direção do seu pai? Sabe o que é desespero? Sabe o que é ter que fechar os olhos para não ver sangue? Se concentrar em qualquer outra coisa para não ouvir gritos de pânico? Sabe o que é ver mais de 200 pessoas morrendo na sua frente? Sabe o que é dar tudo para ter sido você ao invés do papai? Sabe o que é dar a vida por não fazê-lo me colocar na cabina naquela hora? Sabe o que é seu pai cair, na sua frente, e você não poder fazer nada? Sabe o que é nem ter tempo de dizer “tchau”?

Todos estavam quietos, olhando para ele. A Sra. Weasley foi a única que correra para abraçar o filho, chorando. Rony não olhou para ninguém e saiu, pisando forte. Parando na porta ele se virou para Percy e disse:

- Então depois de tudo que você fez contra ele, depois de tudo que ele fez por você, era só “tchau” que você queria dizer?

Ele abriu a boca para responder, mas não teve tempo. Rony já havia subido as escadas e batido forte a porta de seu quarto.

Todos na cozinha ficaram se olhando. Gina chorava abraçada a Harry enquanto este tentava conter as lágrimas. Fred e Jorge deviam ter realmente achado a panela velha e a maçaneta da dispensa muito interessantes, olhavam fixamente. A Sra. Weasley ainda estava com Percy, também no chão, chorando abraçada a ele.

Olhando de um para o outro, Hermione se viu sozinha ali. Na verdade se viu com sua tristeza. Pensou em Rony e em como ele devia estar triste. Pensou nas coisas que ele falara, no modo que agira, em como seus punhos estavam cerrados, em como seu maxilar endurecera, em como seu cabelo balançava enquanto ele andava, nervoso. E pensou também em como estava pensando demais e que era melhor ajudar o seu amigo que estava no quarto, sozinho, assim como ela, apenas com sua tristeza.

Saiu da cozinha a passos lentos, temendo ser reparada, o que não aconteceu. Cada um estava ocupado demais sofrendo. Ela também estava, mas não sabia o porquê, não queria deixar que Rony sofresse. Queria estar com ele, assim como Harry e Gina, Fred e Jorge e Molly e Percy. Bem, um pouco diferente disso, ela admitia, mas ainda assim com ele. Era como se ela quisesse a tristeza dele também, para agüentá-la sozinha só para não vê-lo triste. Mais uma vez se viu pensando demais e se concentrou apenas em subir as escadas, indo na direção do quarto dele.

- Ron...? – ela perguntou cautelosamente de frente para a porta que se encontrava entreaberta. – Ron? Você está aí?

Como não houve resposta alguma ela empurrou a porta, que bateu na maçaneta fazendo um barulho matálico.

- Acho que bati a porta com muita força, não? – Rony se encontrava sentado na cama. Ela sorriu.

- Só um pouquinho de nada, eu diria. – ele a olhou e também sorriu.

- Pode sentar aqui na cama, não precisa ficar aí em pé.

E então ela viu uma coisa que fez seus olhos encherem d’água. Na frente de Rony encontrava-se um tabuleiro de xadrez, arrumado. Um peão branco estava duas casas a frente das outras peças.

- Ron, por que o tabuleiro? – mas não sabia o motivo de ter perguntado isso a ele, ela já sabia a resposta.

- Ele me pediu. – disse com simplicidade. – E sabe... Você nunca me chamou de “Ron”.

- Desculpe... – disse sorrindo, sem jeito.

- Não precisa se desculpar, eu gosto.

E se encararam sorrindo.

- Ele nunca chegou a te ganhar? – ela perguntou tentando iniciar uma conversa, mas logo se arrependendo ao ver a expressão no rosto dele. Ia, novamente pedir desculpas quando ele sorriu.

- Não. Só o meu bisavô ganhava de mim. Depois de um tempo ficou sem graça, sabe? – e ele sorriu novamente. – Ninguém jogava comigo, não queriam perder. O papai era... – e ele percebeu que nunca fora tão difícil empregar um verbo no passado. – era o único que jogava comigo. Ele chegava do trabalho tarde, mas sempre antes de jantar jogava comigo. Sentia muita falta disso em Hogwarts...

- Eu imagino.

- Você e o Harry sempre foram piores que o Carlinhos. E olha que ele me perguntava tudo no xadrez! Não sabia nem os movimentos... – ele disse sorrindo, olhando para Hermione que parecia chateada.

- Não sou tão ruim assim! – disse ela num tom falsamente sentido.

- Claro que não, é só pior que isso.

- Ronald! – mas ela já sorria. Sorria porque ele sorria.

- Sabe, você podia tentar mais uma vez...

- Não quero perder para você... – disse manhosa.

- Ah, Mione. Uma vez a mais... Que diferença faz?

- Ah, ok! Ok! – disse rindo e se sentou de frente para o tabuleiro na cama dele.

O jogo foi silencioso. Enquanto Hermione demorava cinco minutos no mínimo para fazer qualquer jogada, Rony fazia imediatamente depois dela, sorrindo.

- Olha, Ron! Você não tem para onde fugir! Seu cavalo já era! – disse ela feliz. Seria a primeira peça dele que ela faria sair do tabuleiro.

Ele a olhou, divertido. Ela sorria e ele sorriu também. Com um movimento rápido ela tirou o cavalo de Rony do jogo.

- Xeque! A primeira de muitas, me aguarde! – disse sorrindo e piscando para ele.

- Só de for a primeira e última desta partida, não?

- Como assim? – ela olhava para o tabuleiro sem entender.

- Mione, você tinha a chance de ganhar sabia. Confesso até que estava meio receoso sobre o movimento que você faria, mas, felizmente – e ele viu sua rainha andando lentamente até o rei dela –, você não percebeu – e a rainha quebrara o rei de Hermione – as sutilezas do xadrez. – acabara, ela havia perdido mais uma vez. – Xeque-mate!

Ele sorria, satisfeito.

- Ah, pelo menos uma peça sua eu tirei! – disse sorrindo.

- Sim, eu assumo. Até diria que você tinha que ganhar por isso, é um grande feito!

- Sem graça... Aposto que o Harry nunca tirou uma peça sua!

- Mione, não se sinta horrível, mas tem jogos em que ele tira mais peças minhas do que eu tiro as deles. E bem... – disse ele olhando para o lado direito do tabuleiro onde se encontravam várias pecinhas pretas quebradas – não foi bem isso que aconteceu, não é mesmo?

Ela ria. Assumia, era péssima no xadrez.

- Rony, eu sou otimista! Tirar uma peça sua é um bom avanço para quem não tirava nenhuma!

- Nisso eu vou ter que concordar com você. Mas Mione, você sempre faz jogadas esperadas... Por isso eu ria a cada jogada sua. Praticamente já sabia quais seriam seus próximos movimentos...

Ela o olhava, sorrindo. Um sorriso meio bobo no rosto.

Era incrível. Ele começava a falar e ela se perdia. Começava a prestar atenção nos lábios, nos olhos, no cabelo caindo no rosto, no queixo dele. Ria de seus pensamentos e agradecia por ele não ser nenhum professor, seria a única matéria, ela tinha certeza, que não prestaria a mínima atenção. Afinal havia algo melhor em sala...

- Mione... ? Mione? Você pode me responder?

- Ahm? O quê?

- Por que você não andou com a rainha ao invés do bispo? Tirava o meu cavalo do jogo e me impossibilitava de chegar ao seu rei. Mas isso deixava livre o seu...

De novo. Ela já aceitara esse fato. Não conseguia prestar atenção.

- Hein?

- O que, Rony?

- Responde.

- Responder o que?

- Mione – ele disse rindo –, onde você estava com a cabeça? O movimento... Por que não mandou a rainha ao invés do bispo?

- Promete que não vai rir de mim? – ela perguntou abaixando a cabeça vermelha.

- Vou tentar, mas pelo jeito que você está não sei se vou conseguir. – disse ele já sorrindo.

- Eu não lembrava o movimento que a rainha fazia...

- HAHAHAHAHAAHAHAHA!

- Ron! Você disse que ia tentar! – disse ela sorrindo, contrafeita.

- Desculpe... hahaha Desc-culpe... hahahahhaha – parou para respirar um pouco, vermelho de rir - Mione... Você é o máximo!

Ela abaixou a cabeça, sorrindo sem graça. E um sentimento horrível tomou conta dela. Ela estava se sentindo feliz, feliz por vê-lo sorrir, feliz pelo o que tinha escutado, feliz com ele. Estava feliz num dia tão triste. Mas não queria fazer com que ele lembrasse, ele estava tão sorridente.

- Foi o que eu te falei Mione, você não pode deixar o adversário perceber a sua jogada.

- Ok... Mas e se ele perceber e não agir? Se você souber que ele sabe exatamente quais serão seus movimentos e não fizer nada? – não sabia de onde tinha tirado coragem para perguntar, mas se sentia satisfeita agora. E ainda tinha o fator “se”. SE ele entendesse o que ela queria dizer, SE ele entrasse no jogo também e SE ela estava realmente certa.

- O que você quer dizer com isso? – ele perguntou sério.

- Ah, você sabe. Você acha que eu deveria entrar no jogo dele e também fingir que eu não percebi nada? Acha que eu deveria atacar mesmo assim? Ou reformular todo o jogo, esquecendo o que eu ia fazer e partindo para outra tática?

- Nunca parta para outra tática, nunca.

- Por quê? – ela perguntou escondendo um sorriso.

- Ah Mione, a sua tática é a sua tática, não? É o seu toque no jogo, significa você. Não, nunca abandone sua tática. – ele disse olhando para o tabuleiro.

- Entendi. Mas e quanto aos movimentos? Eu finjo que eu não sei que ele sabe e espero ele abrir o jogo para uma visão maior ou não espero ele demonstrar que sabe?

Ele a encarou, sério.

- Depende de quem for o jogador.

- Você é o jogador.

Ele sorriu, vermelho. Ela também sorriu ao ver a ponta das orelhas dele vermelhas. Ele estava de cabeça baixa, recolhendo duas peças do jogo. Uma rainha preta e um rei branco. Colocou os dois sozinhos no tabuleiro e pediu para que a rainha destruísse o rei.

Hermione o olhou, sem entender. Ele a encarou sorrindo.

- Esse jogo você já ganhou há muito tempo.

Foi a vez dela de sorrir e corar. Ele se aproximou, sorrindo fraquinho, também vermelho. Talvez ela até percebesse que ele tremia se ela também não o fizesse. Ela sentiu o toque frio da mão dele em seu rosto contrastando com a respiração quente. Seus lábios se tocaram, suavemente. De olhos fechados sorriram, um dos sorrisos mais sinceros que já haviam dado. E novamente sentiram seus lábios juntos.

- Xeque-mate. – ela disse sorrindo quando se separaram. Ele, vermelho, sorriu e a beijou de novo.

Compartilhe!

anúncio

Comentários (0)

Não há comentários. Seja o primeiro!
Você precisa estar logado para comentar. Faça Login.