Cheque-mate



Antes do Amanhecer
Escrito por snarkyroxy
Traduzido por BastetAzazis
Betado por Ferporcel

Sumário: – Srta. Granger – a voz de Dumbledore disse no escuro –, eu devo me desculpar com você. Temo ter feito um erro terrível... um que não posso corrigir.

Disclaimer: Tudo que você reconhecer pertence ao gênio imensurável de J. K. Rowling; eu só gosto de pega-los emprestado e brincar com eles.

N.A.: Prometi que vocês encontrariam certas informações neste capítulo, e assim encontrarão... Ainda, todos vocês sabem que eu gosto de suspense no final, não sabem? Considerem-se avisados.

N.T.: Eu acabei esquecendo nos últimos capítulos de agradecer à minha beta-anjo-da-guarda Ferporcel e à minha consultora-de-assuntos-potterianos suviana. Brigadinha meninas, essa tradução ficaria terrível se não fosse por vocês!

Ah, como a Snarkyroxy já avisou, ela gosta de suspense... Já vou avisando que com a chegada de Harry Potter and the Deathly Hallows as atualizações podem demorar um pouquinho mais...

* * * * * * *

Capítulo 24 – Cheque-mate

Muito cedo no domingo de manhã, antes mesmo do sol aparecer no céu claro e frio, Severo Snape se viu no escritório do Diretor mais uma vez.

Ele ainda estava terrivelmente furioso com o velho por permitir que o último ataque procedesse sem alerta, mas mesmo que odiasse admitir, Snape entendia as razões de Dumbledore.

O sucesso do ataque provaria sua lealdade à Voldemort de uma vez por todas, aos olhos do Lorde das Trevas, e uma vez que Snape era o fornecedor da poção a ser usada em qualquer dos ataques subseqüentes, as perspectivas eram de que ele seria incluído nos planos. Não apenas isso lhe daria a oportunidade de prevenir mais mortes, mas também, ao sabotar propositalmente as missões, ele poderia deixar o Lorde das Trevas com suspeitas sobre outros Comensais da Morte.

– Ah, Severo – o Diretor disse, aparecendo de uma porta lateral do seu escritório, vestido num ridículo robe azul coberto por estrelas amarelas. – A que devo o prazer de uma visita tão cedo?

– Há uma coisa que devemos discutir, Diretor – Snape disse secamente, cruzando os braços na frente do peito.

– Eu espero mesmo que você não tenha mudado de opinião quanto ao nosso acordo, Severo – o homem mais velho disse, franzindo a testa levemente enquanto sentava-se numa poltrona perto do fogo e acenava outra cadeira para Snape. – Você realmente entende que é para...

– Sim, sim – o mestre de Poções disse impacientemente, recusando com um aceno o convite para se sentar e andando de um lado para o outro em frente ao fogo. – Não se preocupe, velho. Você estava certo sobre aquilo, como sempre. Estou aqui por causa de outra coisa que aconteceu.

Dumbledore olhou para cima bruscamente.

– Alguma coisa que você esqueceu de me informar na noite passada?

– Não, uma coisa que aconteceu depois disso.

Dumbledore pareceu vagamente confuso.

– Você entrou em contato com Tom novamente desde…

– Tudo que falo para você tem que ser sobre o Lorde das Trevas, Alvo? – Snape o cortou irritado.

Na verdade, Snape achava que seria bem mais fácil falar sobre Voldemort que informar ao Diretor da sua indiscrição mais cedo com a Hermione. Tinha que ser feito, entretanto. Se o Diretor acabasse descobrindo de outra maneira – e o velho tinha o dom de saber de tudo que acontecia no castelo, no seu devido tempo – o resultado poderia ser desastroso.

Dumbledore estava recostado na sua cadeira, considerando Snape com uma expressão contemplativa. Depois de um tempo, ele disse:

– Claro que não, me perdoe. É só que você nunca pareceu com vontade de discutir qualquer outro assunto. Você nunca foi de ficar de conversa fiada, Severo.

– Isto dificilmente é conversa fiada – Snape disse. – Temo ter feito algo imperdoável.

O Diretor olhou fixamente para ele sobre o aro dos seus oclinhos de meia-lua.

– Sente-se, meu rapaz, antes que você caia. Você parece mais pálido que o normal. O que é que você tem que me contar de tão urgente?

Ele se abaixou até a poltrona oposta a Dumbledore e pensou na melhor forma de expor o que estava prestes a dizer. Sua garganta ficou muito seca de repente.

– Eu... eu fiz... Ah, droga, Alvo, eu beijei a Her... a Srta. Granger.

Ele inclinou-se para frente para pôr os cotovelos sobre os joelhos, a cabeça nas mãos, não querendo ver o desapontamento nos olhos do Diretor. O silêncio se tornou sufocante depois de algum tempo, e ele murmurou:

– Bem, diga alguma coisa, velho. Eu não vim aqui para me confessar para mim mesmo.

– Isso é tudo?

Sua cabeça levantou-se bruscamente com o tom moderado da voz do Diretor, e ele encontrou o velho o observando em expectativa.

– Isso é tudo? – ele pôs para fora. – Você ficou completamente maluco? Eu acabei de confessar que iniciei um ato totalmente inapropriado com uma aluna, e tudo o que você consegue dizer é “Isso é tudo”?

– Eu devo dizer que estou surpreso, Severo – Dumbledore disse, tirando seus óculos para limpá-los com o canto da manga. – Entretanto, também estou aliviado; eu imaginei que a razão da sua presença aqui fosse algo muito mais sério.

– Mais sério que um professor beijando uma aluna, Alvo? – Ele se sentia enojado apenas ao se referir ao que acontecera daquela forma. Aluna era o último adjetivo que ele teria usado para descrever a Hermione na noite anterior... antes que ele voltasse à razão, de qualquer forma. Assistente, amiga, companheira... mas não aluna. Há muito tempo que ela deixara de ser isso fora das aulas, aos seus olhos.

O Diretor alcançou uma balinha de limão na mesa de centro entre eles, oferecendo a travessa para Snape, que franziu a sobrancelha e olhou feio para o velho. Dumbledore deu uma risada curta e baixa.

– Então, diga-me – ele falou depois de um tempo. – Qual foi a reação da Srta. Granger?

Snape olhou fixamente para ele, incrédulo.

– O que, em nome de Merlin, isso tem a ver, Alvo? – ele falou rispidamente. – As regras da escola proíbem claramente qualquer interação desse tipo entre um professor e um aluno aos seus cuidados, e as reprimendas no passado foram desde suspensão à exoneração para Azkaban...

– E quando há circunstâncias atenuantes presentes – Dumbledore interveio –, qualquer reprimenda fica apenas à discrição do Diretor, baseado no seu conhecimento da sitiuação.

– Não há circunstâncias atenuantes, Alvo – ele disse exaustivamente.

– Uma amizade existente – o Diretor ofereceu calmamente. – A guerra. Ambas são justificativas suficientes para um lapso momentâneo de julgamento, por assim dizer.

Snape olhou fixamente para o Diretor.

– Você está me dizendo que...

– Dado que – Dumbledore continuou, a voz subitamente firme –, isso não ocorra novamente até que você não tenha mais nenhuma posição de autoridade sobre a Srta. Granger, e que ela estivesse em total acordo com suas ações naquele momento. Então, eu vou perguntar de novo, Severo, qual foi a reação da Srta. Granger?

Snape podia sentir a cor crescendo em suas bochechas quando ele começou:

– Ela... Quando eu... Bem, eu acho...

– Ora, tenha dó, Severo. Pare de ser tão puritano. Ela o beijou ou não o beijou de volta?

– Sim! – Snape exclamou audivelmente. – Sim, ela me beijou de volta, até que eu voltei ao juízo e a afastei, e então ela teve a audácia de me dizer que não teria objeções se eu o fizesse de novo.

Ele se interrompeu, levantou e cruzou a sala para ficar em frente ao fogo novamente, desejando que o rubor deixasse seu rosto. Se a verdade fosse dita, não era apenas mortificação por revelar tais detalhes ao Diretor que estava causando esta reação, mas também a simples lembrança do beijo, a recordação dos lábios dela nos seus, e a maneira como a língua dela se lançara hesitantemente para saboreá-lo. Ele se forçou a voltar a si; verdadeiramente satisfeito que a afastara quando o fez... embora uma parte primitiva dele desejasse que ele não tivesse o senso de fazê-lo.

– Bem, Severo – o Diretor disse depois de algum tempo. – Não parece pelo seu relato que a Srta. Granger estava de forma alguma insatisfeita com a situação. Muito pelo contrário, ao que parece.

Snape virou-se para olhar feio para o velho, que novamente tinha uma aparência suspeitosamente alegre.

– Você não deveria ficar tão feliz com a situação, Alvo – ele disse. – Como você sabe que eu não a forcei, coagi, a fiz beber uma poção? Como você sabe que eu não estou mentindo sobre a reação dela?

– Porque eu confio em você, Severo – o Diretor disse apenas. – Assim como eu confio na Srta. Granger.

Snape sentou-se novamente, balançando a cabeça.

– Há algo semelhante a ser tão confiante, você sabe, Alvo.

Dumbledore pareceu ignorar sua declaração e disse:

– A primeira vez que pedi para a Srta. Granger trabalhar com você, devo admitir, eu esperava que você percebesse que havia mais nela que apenas a persistente aluna grifinória que você sempre viu. Ouso dizer, eu esperava que vocês pudessem se tornar amigos, de alguma forma. Vocês são, afinal de contas, muito parecidos no amor pelos estudos, se em nada mais.

– Bem, parece que seu desejo se realizou, Alvo – Snape disse maliciosamente. – Amigos... de alguma forma.

O Diretor ignorou o tom de Snape, entretanto, e simplesmente riu curto.

– Eu nunca imaginei que vocês se dariam tão bem na companhia um do outro, ou que a amizade progrediria tão rapidamente. Todo mundo precisa de alguém em quem confiar – ele disse seriamente –, e temo que você perdeu a fé em mim como essa pessoa, então fico feliz que você tenha encontrado outra.

– Alvo – Snape começou a dizer. Era verdade; ele tinha perdido um pouco da fé no Diretor ultimamente. Não como um líder ou um mentor, mas simplesmente como um confidente. Ele se viu sendo manipulado com tanta freqüência como resultado das suas confissões, e a tentativa do Diretor de aproximá-lo da Hermone, mesmo que apenas como amigos, era mais um exemplo disso.

– Tudo bem, Severo. Eu serei o primeiro a admitir que distorço as coisas para os meus próprios fins, mas sempre tenho minhas razões. Embora, se me permite dizer, a Srta. Granger é uma jovem muito determinada. Acho que ela teria encontrado uma maneira de entrar na sua vida mesmo sem a minha gentil intromissão.

O mestre de Poções bufou.

– É assim que você está chamando isso agora?

Ele estava aliviado, entretanto, que o Diretor estava tão receptivo à situação. Se Dumbledore tivesse proibido qualquer interação entre ele e sua jovem assistente fora da sala de aula, os próximos meses seriam ainda mais intoleráveis que a constante presença dela perto dele seria.

* * * * *

Hermione dormiu até tarde na manhã de domingo depois de voltar ao seu quarto nas primeiras horas. Na verdade, ela estava surpresa que tinha dormido de todo modo; sua mente e seu coração ainda estavam em disparada quando ela rastejara para a cama, vendo e revendo os eventos anteriores na sua cabeça.

Ela estava sentada na sala comumal um pouco antes do almoço, supostamente revendo sua redação terminada de Feitiços, mas na verdade, olhava fixamente para o pergaminho, os pensamentos ainda na noite anterior, quando Harry e Rony caíram na frente dela. Seus rostos estavam vermelhos, e os cabelos revirados pelo vento devido às condições geladas em que eles estiveram praticando algumas novas táticas de quadribol.

Eles devem ter dito o nome dela algumas vezes antes dela responder, porque quando ela piscou e olhou para cima, Harry estava com a mão acenando à frente dos seus olhos.

– O que... Ah, oi – ela disse encabulada.

– Ah, você está acordada – Rony riu. – Nós pensamos que estava dormindo com os olhos abertos por um minuto.

– Não – ela disse, enrolando o pergaminho. – Apenas pensando.

– Tem certeza que você está bem? – Harry perguntou. – Você parece um pouco vermelha.

Com isso, Hermione sentiu seu rosto ficar ainda mais quente e murmurou alguma coisa sobre uma febre.

Aquilo pareceu satisfazer seus amigos, que assentiram simpaticamente, Rony acrescentando:

– Eu ouvi falar que tem uma gripe terrível por aí. Metade do time de quadribol da Lufa-lufa está doente... pena que não vamos jogar contra eles na próxima semana.

Quando Hermione seguiu com seus amigos para o almoço, ela descobriu que seus pensamentos de novo estavam voltados para o Snape. Ela tinha marcado de descer ao laboratório dele depois do almoço, como fizera em todos os domingos pelos últimos meses, embora estivesse um pouco hesitante sobre como seria recebida. Eles se despediram um tanto embaraçosamente nas primeiras horas da madrugada, e embora ela tivesse toda a confiança de que eles continuariam trabalhando juntos como tinham feito antes, ela seria tola se pensasse que nada mudaria. A simples lembrança do beijo era suficiente para trazer calor ao seu rosto; como ela conseguiria trabalhar na mesma sala que ele, parar ao lado dele, olhar para ele, sem que uma reação semelhante a traísse?

Ainda assim, Hermione não estava nada mais que determinada, então, depois do almoço, ela se despediu de Harry e Rony e seguiu seu caminho para os aposentos do Snape. Era um pouco depois da uma quando ela abriu a porta do laboratório, e Snape levantou os olhos, surpreso.

– Você chegou cedo – ele comentou de onde estava fatiando alguma coisa viscosa na bancada.

– E isso importa? – ela perguntou hesitante.

– Não, é bom – ele disse, e ela fechou a porta atrás dela, aliviada. – Vou começar a testar o antídoto enfeitiçado esta tarde. Você pode ajudar a preparar os ingredientes, se desejar.

Ela puxou um banquinho e seguiu as instruções dele de como cortar, amassar ou medir, até que ela ouviu um ruído atrás dela.

Girando o corpo no banquinho, ela espiou num canto vazio da sala, mas não conseguiu ver nada. Assim que se virou para a mesa, entretanto, ouviu o ruído novamente.

Desta vez, ela pulou do banquinho e iluminou a varinha, inspecionando o canto sujo cuidadosamente.

– Você ouviu isso? – disse para Snape, que tinha parado de cortar para observá-la com curiosidade.

– O quê?

– Há alguma coisa no seu laboratório que não deveria estar aqui – ela insistiu. – Eu não sei o que é, mas eu continuo ouvindo coisas rastejando sempre que estou aqui.

Snape franziu a testa.

– Eu não percebi nada.

– Parece que sempre acontece quando você não está aqui – ela disse, e ele levantou uma sobrancelha para ela. – Eu sei, parece bobo, mas poderiam ser doxies ou aranhas, ou... algo pior que eu não conheça.

– Eu terei que olhar mais tarde – Snape assegurou-lhe e depois sorriu maliciosamente. – Embora, se eu descobrir que são doxies ou aranhas, ouso dizer que eles desejarão não terem escolhido um laboratório de poções para invadir. Meus estoques dos dois estão quase se esgotando.

Hermione riu e, com um último olhar para o canto da sala, ela voltou ao trabalho.

Eles trabalharam em silêncio por algum tempo depois, e o ânimo leve pareceu gradualmente evaporar do ambiente. Por várias vezes, pareceu que Snape ia falar alguma coisa, mas então parecia mudar de idéia. Ela levantou os olhos para ele e não pôde deixar de notar a leve cor no rosto dele. Ele levantou os olhos também e a pegou observando-o, e ela olhou para o lado novamente, confusa. Ela estava usando um almofariz e pistilo para masserar as cascas de ovos de dragão Antipodean Opaleye num pó fino quando Snape finalmente pousou a faca e falou:

– Eu informei o Diretor sobre o que aconteceu mais cedo.

Ela derrubou o pistilo, que bateu no lado da tigela com um som alto, e levantou os olhos para ele, atordoada.

– O que ele disse?

– Eu ainda estou aqui, não estou? – ele disse, pegando a faca novamente. – Assim como você.

– Ele aceitou? – ela disse sem acreditar, mas a esperança momentânea durou pouco quando Snape balançou a cabeça.

– Ele aceitou que eu fiz uma coisa estúpida num momento de fraqueza.

Uma coisa estúpida? Hermione abriu a boca para protestar, mas, vendo o olhar exasperado dela, ele continuou rapidamente:

– Não o ato, Hermione, a circunstância é que foi estúpida. Foi uma decisão ruim da minha parte, e se acontecer de novo, o Diretor deixou bem claro que não será tão compreensivo.

– E mesmo assim, ele está disposto a me deixar trabalhar aqui com você por horas sem fim, sozinha – ela refletiu.

– Ele confia que nós dois respeitaremos seus desejos – Snape disse.

– É mais fácil dizer que fazer – ela murmurou consigo mesma. Não sabia que a excelente audição do mestre de Poções tinha captado sua reclamação até que percebeu que ele não tinha voltado a cortar. Ela levantou os olhos para encontrá-lo observando-a, alguma coisa nos olhos dele parecida com o olhar que eles trocaram na noite passada, logo antes dele beijá-la.

Depois de um momento, ele pareceu voltar a si, e o olhar desapareceu. Ele apenas assentiu e disse:

– Sim, é.

Ele voltou ao trabalho, e Hermione pegou o pistilo novamente, sua mente na confirmação dele.

Ambos percebiam que a atração entre eles era inteiramente mútua, e isto talvez fosse mais fácil de suportar – para Hermione, de qualquer forma – que se ela descobrisse que seus sentimentos pelo mestre de Poções eram completamente unilaterais.

Ela ficou aliviada, assim que continuaram a preparar a poção, que eles ainda podiam trabalhar juntos e conversar como faziam antes. Havia um leve desconforto na ocasião; ele se esquivou levemente quando os dedos dela roçaram nos dele quando ela lhe passou um frasco, mas logo o trabalho requeriu toda a concentração deles, e qualquer desconforto foi esquecido na complexidade da poção.

Hermione adicionava ingredients sob as instruções de Snape, enquanto o mestre de Poções lançava vários feitiços e encantamentos sobre os ingredientes e sobre o próprio caldeirão. Até mesmo as mexidas eram feitas sob um feitiço, já que a adição de qualquer objeto estranho como uma concha perturbaria os feitiços ativos na mistura.

No final da hora requerida de agitação, depois da qual a poção tinha que cozinhar intocada por mais uma hora, Hermione tinha um reconhecimento verdadeiro da dificuldade das poções enfeitiçadas.

Snape caiu inteiramente na frágil cadeira da escrivaninha do laboratório, limpando o suor que gotejara na testa com o esforço para manter os múltiplos e complexos feitiços por tanto tempo.

Hermione limpou o resto da bagunça do preparo dos ingredientes e então foi para perto do Snape, onde ele tinha se inclinado para trás na cadeira e fechado os olhos.

– Você está bem? – ela perguntou suavemente.

– Huhum – ele murmurou sem pensar, mas não abriu os olhos.

Ela viu uma linha de suor correr pela têmpora até a bochecha dele. Puxando a varinha, ela lançou um feitiço rápido de limpeza, seguido por um feitiço refrescante na direção dele.

Ele abriu os olhos num instante quando o feitiço banhou seu rosto e ergueu uma sobrancelha solitária para ela.

– Bem – ela disse na defensiva –, eu pensei que você já estava cansado de feitiços por agora.

Ele deu um sorriso malicioso e fechou os olhos novamente, e Hermione observou o rosto dele atenciosamente. Ele realmente parecia bem relaxado, para variar, ela notou, embora talvez fosse apenas o cansaço de preparar a poção.

Havia menos rugas no rosto dele, entretanto; a linha funda sempre tão presente na testa dele havia suavizado, e a boca estava relaxada, o invés da linha fina e apertada que Hermione passara a reconhecer como uma medida de tensão. Parecia leve, complacente, quase da mesma forma que estava quando ele...

Ela virou-se abruptamente e caminhou pelo laboratório com a pretensão de pegar ingredientes do armário para o próximo estágio do preparo.

Controle-se, Granger – ela ralhou consigo mesma, respirando devagar e profundamente. Você tem meses para lidar com isso antes que qualquer coisa possa acontecer... se alguma coisa vier a acontecer novamente. Não comece a se torturar agora.

Ela deu um pulinho quando Snape apareceu ao lado dela; ela não o ouvira se mover pelo laboratório. Foi necessário todo seu autocontrole para manter uma expressão neutra no rosto quando, inclinando-se sobre ela para pegar um frasco da prateleira mais alta, o peito dele rapidamente se esfregou contra o ombro dela.

Ela suspirou um tanto insegura quando ele levou o frasco de volta para o outro lado do laboratório até o caldeirão e recolheu os próprios ingredientes para segui-lo.

Mais fácil dizer que fazer podia ter sido uma avaliação grosseira.

* * * * *

O jantar no Salão Principal na segunda feira viu outra edição especial do Profeta Vespertino. Os alunos, observando as corujas arremetendo-se para os assinantes, perceberam na hora que uma edição da tarde do jornal nunca era publicada para contar boas notícias.

Se Hermione pensava que ter alguma idéia do que estava por vir tornaria aquilo mais fácil, estava enganada. As manchetes diziam: Você-Sabe-Quem ataca trouxas, e numa linha abaixo lia-se: Envenenamento fatal em escola ligado à tentativa de ataque no Ministério na semana passada.

Uma escola trouxa. Não era de se surpreender que Snape estivera tão furioso com Dumbledore e tão aborrecido por não ser capaz de avisar ninguém. Este não era um alvo tático como fora a tentativa no Ministério. Isto era Voldemort matando pessoas inocentes só porque podia.

Hermione olhou de relance para a Mesa Principal, mas o lugar de Snape estava vazio. Dumbledore estava lendo o artigo com uma expressão controlada no rosto, enquanto que a maioria dos outros professores conversavam em voz baixa, balançando as cabeças e parecendo distintamente preocupados.

– Isso é realmente baixo – Rony murmurou, lendo na frente de Hermione quando ela se virou para o artigo.

“Trinta e duas crianças trouxas morreram e dúzias estão hospitalizadas depois que foi descoberto que o fornecimento de água da escola estava contaminado com uma substância ainda por ser identificada. Oficiais do Departamento de Relações Trouxas do Ministério da Magia foram mandados para a escola em Brighton depois dos relatos não confirmados de que as crianças apresentavam sintomas semelhantes à Cruciatus. Em investigações adicionais, foi revelado que o fornecimento de água da escola foi intoxicado com o mesmo veneno que foi descoberto na água dos escritórios do Ministério em Londres, na semana passada. Uma coruja anônima notificou os oficiais do Ministério da contaminação na semana passada, e o fornecimento foi suspenso sem nenhum ferido. As crianças trouxas hoje, entretanto, não tiveram tanta sorte. Professores confusos foram vistos administrando a água envenenada a crianças já infectadas, sem perceberem o erro até que fosse tarde demais. Um porta-voz-bruxo auror disse que o Ministério não sabe explicar por que a escola trouxa foi atacada. Nenhuma bruxa ou bruxo nascido trouxa alguma vez freqüentou a escola, e uma fonte do Profeta Diário acredita que Você-Sabe-Quem voltou aos assassinatos em massa irracionais de trouxas - uma coisa jamais vista desde sua primeira queda.

O Ministro da Magia está agora em reunião com o Primeiro Ministro trouxa, e uma operação será planejada para transferir os casos mais sérios para o St. Mungus. Oficiais do Ministério se recusaram a comentar como este evento afetará o Estatuto Internacional de Sigilo, mas ativistas do controverso grupo Harmonia Bruxo-Trouxa já estão protestando contra a idéia de uma Obliviação em massa.

Hermione estremeceu quando terminou de ler o artigo, embora estivesse longe de estar frio no Salão Principal magicamente aquecido. Irracional nem começava a descrever as mortes de incontáveis crianças inocentes. Ela achou difícil compreender que tipo de monstro podia conceber tais golpes tão terríveis.

Alunos por todo o Salão Principal pareciam horrorizados conforme as cópias do Profeta rodavam por todas as mesas das Casas. Até mesmo muitos alunos da Sonserina pareciam desconfortáveis e aterrorizados.

A foto na segunda página era talvez ainda pior que o próprio artigo na primeira página. Mostrava uma cena de caos absoluto; pessoas correndo para todos os lados, jovens alunos chorando, e mais de um podiam ser vistos no gramado, em convulsões como se a Cruciatus tivesse sido lançada sobre eles. Não havia som, claro, mas se houvesse, Hermione estava certa que ouviria gritos agonizantes.

Hermione fechou o jornal e o tirou da sua frente, não querendo ver mais nada. Com o canto do olho, ela viu que Harry a observava e virou-se para olhar para ele.

– Você sabia, não sabia? – ele disse quietamente, de maneira que Rony podia ouvi-lo, mas mais ninguém na mesa podia.

Ela respirou fundo e debilmente e respondeu:

– Eu sabia que alguma coisa estava para acontecer, mas não isso. Eu nunca imaginei algo assim.

Ela olhou para ele novamente.

– Você também sabia, não é? – ela disse, percebendo de repente que ele também não parecia tão chocado. Enjoado, sim, mas não chocado.

Ele assentiu com a cabeça.

– Minha cicatriz estava doendo esta manhã, na aula de Poções. Eu sei que você não notou porque estava sentada na minha frente, mas o Snape percebeu. Ele me viu fazendo careta e esfregando a cicatriz, mas não fez nenhum comentário desdenhoso ou qualquer outra coisa; ele parecia preocupado.

Hermione olhou para o prato vazio, sem dizer nada.

– Ele sabia que isso estava para acontecer.

Foi uma afirmação do Harry, não uma pergunta, mas Hermione ainda sentiu-se compelida a corrigi-lo.

– Ele sabia, mas não o culpe, Harry – ela implorou. – É complicado. O Prof. Dumbledore o proibiu de avisar alguém.

– Ah, isso explica – Harry disse pensativo.

Outros alunos estavam saindo do Salão Principal depois do jantar, e Harry conduziu Hermione e Rony até o Saguão de Entrada e então disse:

– Eu tive uma reunião com o Prof. Dumbledore na noite passada. Ele começou dizendo todas aquelas coisas que não faziam sentido na hora, sobre como nós temos que fazer sacrifícios e mesmo depois ainda ter que se perguntar se tomou a decisão certa. Aposto que ele está se perguntando isso agora.

Hermione assentiu com a cabeça.

– O Prof. Snape estava furioso com ele na noite passada, mas o Diretor estava tentando fazer a coisa certa por ele. Se alguém fosse avisado, ele seria morto. Voldemort o estava testando.

– Você-Sabe-Quem não confia nele? – Rony perguntou surpreso.

Hermione balançou a cabeça.

– Eu não sei dos detalhes, mas o Diretor achou que isso provaria a Voldemort que ele era leal, aparentemente – ela acrescentou, vendo o olhar no rosto de Rony –, de uma vez por todas.

Harry suspirou.

– Um alto preço a pagar.

O trio vagou sem direção pelo Saguão de Entrada por um tempo, ouvindo as conversas e especulações de outros alunos preocupados. Ninguém estava pensando em coisas triviais como lição de casa, mas finalmente foi Rony quem mencionou que eles ainda tinham que terminar a redação de Feitiços que era para a manhã seguinte.

Harry suspirou e concordou que ele também tinha que terminá-la. Hermione, como sempre, havia terminado antes do final de semana, e embora tivesse outros trabalhos das aulas do dia, tinha outras preocupações em mente. Quando eles chegaram à escada do primeiro andar, Hermione se separou dos amigos. Rony assumiu que ela tinha pego um atalho para a biblioteca, mas Harry a olhou com um olhar sábio e assentiu.

O corredor próximo ao retrato de Inácia Wildsmith estava deserto, e Hermione deslizou rapidamente pela porta da passagem para os aposentos de Snape.

A lareira na sala de estar estava acesa, mas a sala estava vazia, exceto pela coruja negra do Snape empoleirada perto da mesa dele, a cabeça encolhida em uma das asas. Na verdade, ela nunca vira o pássaro nos aposentos dele antes e imaginou o porquê da presença dele até que viu uma cópia do Profeta Vespertino desenrolado na mesa dele.

Abrindo a porta para o laboratório, Hermione parou e observou com admiração. O mestre de Poções estava trabalhando no antídoto encantado novamente, e a sala brilhava fracamente com a mágica dos feitiços que ele lançava. Parado sobre o caldeirão, o rosto dele estava iluminado pelo brilho suave e dourado dos raios de mágica que envolviam o caldeirão, retorcendo-se e girando. O único som era o da voz baixa do Snape recitando um encantamento longo.

Hermione ficou em pé, paralisada, por um bom tempo antes de alguma coisa acontecer. Um movimento repentino da varinha do Snape mandou os raios dourados se enrolarem sobre a beirada do caldeirão e dentro da poção, então ele levantou a outra mão. Hermione observou atônita quando ele usou uma segunda varinha para levitar um pequeno prato de vidro sobre o caldeirão, que Hermione reconheceu como os excrementos da égua apaixonada, distribuindo igualmente o conteúdo enquanto ainda controlava a luz dourada dentro do caldeirão com a outra mão.

Direcionando o prato vazio de volta para a bancada, Snape disse outro feitiço e o interior do caldeirão brilhou com a intensidade da luz do sol nascente por um instante, antes da luz diminuir.

Respirando com dificuldade, ele ajustou a chama sob o caldeirão, virou a ampulheta na bancada e depois se afundou agradecidamente num banco próximo, colocando as duas varinhas na bancada à frente dele.

Hermione estivera muito assustada para se mover antes, com receio de quebrar a concentração dele, mas agora ela se aproximava e espiava a poção fervilhante. Parecia a mesma coisa que o antídoto normal a não ser por uma leve luminescência onde encostava nas paredes do caldeirão.

– Tem a sua aprovação? – o mestre de Poções perguntou com um sorriso falso.

– Funciona? – ela devolveu.

– Por enquanto – ele disse, suspirando cansado. – Ainda há um último feitiço para lançar no final, mas o estágio mais complexo terminou, e parece ter sido um sucesso. Nós precisaremos de mais excrementos de égua apaixonada para fazer mais, entretanto – ele adicionou.

– Complexo é um eufemismo – ela disse, balançando a cabeça. – Aquilo foi incrível. Como você consegue usar duas varinhas e feitiços tão complexos?

– Habilidade – ele gracejou, olhando levemente satisfeito consigo mesmo, e ela revirou os olhos.

– Prática – ele disse com mais seriedade. – O principal é a concentração. Muitos bruxos e bruxas, por mais especializados na preparação de poções, falham ao fazer poções enfeitiçadas simplesmente porque não possuem a concentração necessária para completar encantamentos longos.

Snape se levantou, então, e atravessou o laboratório até o armário contendo as poções terminadas. Pegou um frasco pequeno, abriu-o e tomou seu conteúdo; Hermione reconheceu como uma leve Poção Reanimadora.

– Pensei que você disse na noite passada que não precisava disso.

– Eu tinha uma assistente na noite passada – ele a lembrou.

– Se eu soubesse que você estava fazendo isso, teria vindo mais cedo – ela disse se desculpando, mas ele fez um aceno, recusando.

– Por que você está aqui, afinal? – ele perguntou, checando a poção mais uma vez antes de deixar o laboratório e seguir para a outra sala. Ela o seguiu, e ele sentou-se à sua escrivaninha, afastando o Profeta. – Você não tem uma reunião com o Sr. Malfoy e o Diretor esta noite?

– Tenho, mas não antes das oito – ela disse.

– E terminou toda a sua lição da semana, suponho – ele continuou desdenhoso.

– O que você é? Meu Diretor de Casa? – ela disse irritada. – Não, eu não terminei meu dever, mas há outras coisas na minha cabeça. Eu li o Profeta Vespertino no jantar, e...

– Ah – ele disse, a voz subitamente distante quando ele olhou de relance para sua própria cópia, franzindo a testa para a manchete.

– E você não jantou no Salão Principal – Hermione continuou, levantando a voz com um pouco de irritação. – Eu quis ter certeza que você estava bem.

– Não podia estar melhor – ele disse numa falsa voz animada que soava muito errada vinda dele. – Dumbledore foi muito gentil ao emprestar minha própria coruja para me mandar uma cópia.

Tonatiuh levantou a cabeça da sua asa e piou levemente.

– Você sabe o que eu quis dizer, Severo – Hermione disse secamente.

– Eu estou perfeitamente bem, como você pode ver – ele disse na mesma voz estranha assim que se recostou e passou a mão pelo cabelo. – A garrafa de Uísque de Fogo está intocada, todos os objetos de vidro na sala ainda estão intactos... Eu devo estar bem.

Hermione cruzou os braços e sentou-se na frente dele, sobrancelhas levantadas, esperando que ele respondesse seriamente sua pergunta. Ele desviou os olhos por um momento e limpou a garganta, então olhou para ela de novo, vagamente irritado ao descobrir que ela ainda o observava.

– Eu estou bem – ele repetiu e se levantou, murmurando alguma coisa sobre checar a poção novamente, mesmo que Hermione soubesse que tinha que ferver por trinta e seis horas agora.

Hermione se levantou, também, franzindo a testa para a figura que se retirava, mas não o seguiu. Ao invés disso, caminhou até onde Tonatiuh estava empoleirado e esticou a mão para acariciar as penas sedosas da coruja. O pássaro se arrastou para perto dela ao longo do poleiro e inclinou a cabeça apreciativamente quando ela coçou seu pescoço.

– O que eu posso fazer para ajudá-lo? – ela disse brandamente para o pássaro. – Eu quero alcançá-lo, mas não sei como.

A coruja olhou de volta para ela com olhos pesarosos, parecendo entender o dilema dela. Possivelmente, Snape não podia estar tão insensível pelo ataque depois da reação de sábado à noite. Ele estava escondendo suas emoções novamente, da mesma maneira que fizera antes de confiar nela o suficiente para deixá-las transparecer... Ela odiava isso, e não tinha a mínima idéia do que fazer.

Ela estava acariciando as penas macias da coruja novamente e não notou Snape reaparecer à porta até que ele falou:

– Você está mimando ele.

Ela virou para ver Snape observando-a da entrada do laboratório, onde ele se inclinava contra o batente da porta. Ele parecia ter se recomposto.

– Nós estávamos apenas conversando sobre um, errr, amigo em comum – ela disse levemente.

Snape estreitou os olhos e cruzou os braços contra o peito, mas não saiu do batente da porta.

– Mesmo? – ele disse. – E o que, por obséquio, você estava dizendo sobre esse amigo?

– Bem – Hermione disse calmamente, encontrando o olhar dele –, nós estávamos apenas um pouco preocupados com ele. Ele tem estado sob muita pressão ultimamente, veja só, e nós estamos preocupados que as pessoas estejam esperando demais dele. Ele não diz nada, claro, mesmo que o peso o esteja derrubando. Esperamos apenas que ele saiba que seus amigos estão aqui para ele, se ele precisar de nós.

– Bem – Snape disse depois de um momento, um olhar estranho no rosto –, estou certo que seu amigo está... grato... pela sua preocupação e sabe que pode recorrer a vocês, caso precisar.

– Ele pode – Hermione concordou. – Não é mesmo, Tonatiuh?

A coruja piou afirmativamente.

Hermione sustentou o olhar de Snape em silêncio por um bom tempo, até que o carrilhão do relógio em cima da lareira chamou sua atenção.

– Tenho que ir – ela disse, percebendo de repente que já eram oito horas. – Vejo você amanhã. Madame Pomfrey pediu alguns frascos extras de Poção Reanimadora. Aparentemente, todo mundo anda deprimido neste inverno.

Ela saiu rapidamente antes que Snape pudesse dizer alguma coisa, e quase correu escada acima para o escritório do Diretor.

A escada atrás da gárgula de pedra estava fechada quando Hermione chegou lá, arquejando levemente, e Malfoy estava sentado num banco de pedra no corredor, uma cópia do Profeta Vespertino nas mãos. Ele deslizou um pouco para o lado para lhe dar lugar no banco também, mas ela olhou para ele suspeitosamente e, ao invés disso, preferiu recostar-se contra a parede em frente a ele.

Ele deu de ombros e olhou de relance para o jornal, depois para ela novamente.

– Pobres crianças, não? – ele disse, e Hermione ficou surpresa com a falta da arrogância comum na voz dele. Entretanto, ela ainda não confiava nele.

– Eles são trouxas, Malfoy – ela disse tentativamente. – Desde quando alguém da sua família se importa com o que acontece com eles?

O rosto do sonserino ficou sombrio, mas ele engoliu qualquer resposta que estava formulando quando a gárgula de pedra se abriu para revelar a escada em espiral que levava ao escritório do Diretor. Sem esperar, Hermione pisou no primeiro degrau e o deixou levá-la até a sala redonda acima.

O Diretor não mencionou nada sobre o ataque além de um comentário lúgubre após ver o jornal nas mãos de Malfoy, mas quando a reunião deles terminou em uma hora ou mais, Hermione tinha se decidido a ficar e falar com o Diretor sobre Snape. Entretanto, Malfoy não parecia prestes a sair, obviamente querendo conversar com o Diretor a sós também, então, por fim, Hermione decidiu que sua conversa podia esperar até a próxima reunião e cumprimentou o Diretor com um “boa noite”.

* * * * *

Na noite de terça-feira, depois da sua ronda designada de Monitora Chefe e um jantar apressado, Hermione entrou no laboratório do Snape para encontrar o mestre de Poções num bom humor excepcional. Embora o antídoto encantado da Cruciatus estivesse fervendo apenas por vinte e quatro horas, não as trinta e seis requeridas pelo antídoto original, Snape adicionara o encanto final e, quando ela chegou, anunciou que a poção estava pronta.

– Como nós vamos saber se funciona? – ela disse, aliviada, mas ainda cautelosa com a poção não-testada.

Snape franziu a testa, olhando para os frascos da poção resfriada.

– Há apenas uma maneira de descobrir, eu acho – ele disse, pegando um frasco da poção Cruciatus original do armário protegido.

– Você não vai beber isso – Hermione disse, olhando fixamente para ele.

– Na verdade, eu vou – ele disse. – Depois que eu já tiver bebido a poção que nós acabamos de criar.

– Mas você não sabe se ela funciona – ela argumentou, lembranças da última vez que Snape foi forçado a testar sua própria poção flutuando em sua mente. Não era uma coisa que ela queria ver de novo, muito menos deixá-lo ter que passar por tudo novamente, se a poção preventiva não funcionasse.

– Nós não saberemos sem testá-la, também – ele disse com firmeza, pegando um frasco vazio e medindo uma dose da poção preventiva nele. Vendo o olhar preocupado dela, ele acrescentou: – Além disso, sempre haverá o antídoto normal, se este não funcionar.

– Ah, maravilha – ela desdenhou quando ele voltou ao armário e pegou um frasco do antídoto original também. – O que eu devo fazer? Despejar a poção garganta abaixo enquanto você se debate no chão?

Ele olhou feio para ela, e ela soube que não havia realmente outra maneira de ter certeza que a poção funcionava, mas ela não estava pronta para recuar sem uma concessão.

– Nós não podemos pelo menos ir até a outra sala para que você possa se deitar enquanto a toma? Você pode realmente se machucar aqui se ela não funcionar.

Ele soltou um suspiro resignado, mas murmurou:

– Está bem – e pegou os três frascos, acenando para que ela o seguisse.

Na outra sala, ele sentou no sofá e olhou para ela.

– Feliz?

– Não – ela retorquiu mal-humorada. – Você não está deitado, mas acho que é melhor que nada.

Ele deu um sorriso malicioso e destampou a rolha do frasco com a poção preventiva, engolindo o conteúdo num único gole, fazendo uma careta ao prová-la.

Então ele abriu a poção Cruciatus, mas não a colocou em seus lábios imediatamente, entregando o terceiro frasco para Hermione ao invés disso.

– Se a primeira poção falhar – ele disse calmamente –, deixe o antídoto pronto.

Ela olhou do frasco dele para o dela, ficando ainda mais preocupada.

– Se é tão ruim quanto você diz que foi da última vez – ela disse –, como eu vou conseguir fazer você tomar isto?

– Eu estou confiante que a poção preventiva vai funcionar, Hermione – ele disse, mas então continuou: – Se não funcionar, você vai dar um jeito. Me estupore se precisar.
“I have every confidence the preventative will work, Hermione,” he said, but
then amended, “and if it doesn’t, you’ll manage. Stupefy me if you have to.”

Ela o olhou boquiaberta.

– Estuporar?

– Eu não estou brincando, Hermione – ele disse seriamente. – Seja lá o que fizer, tenha certeza de lançar Estupefaça, não Petrificus.

– Por que não a Petrificus? – ela perguntou.

– Porque – ele disse cautelosamente – lançando a Petrificus em alguém sob a Maldição Cruciatus faz com que os vasos sanguíneos em seu corpo explodam.

Ela engoliu em seco e se afastou.

– Não, de jeito nenhum. Nós não vamos fazer isso.

– Nós não vamos – ele concordou. – Eu vou.

Ele tomou o frasco da Poção Cruciatus.

Hermione já tinha se movido na direção dele, varinha a postos, quando percebeu que nada havia acontecido. Houve um minuto inteiro de silêncio, e então, Snape se levantou cuidadosamente, como se estivesse se certificando de que ainda tinha total controle sobre seu corpo.

– Bem – ele disse finalmente, virando-se para ela. Ele não estava sorrindo, mas os olhos brilhavam. – Desculpe-me desapontá-la, mas parece que você não conseguirá me estuporar esta noite.

– Mas você tem certeza que funcionou? – ela perguntou nervosa, ignorando a piada. Seu braço com a varinha ainda estava tenso para reagir, se fosse o caso. – Não é só algum tipo de reação atrasada, é?

Ele balançou a cabeça, pegando os dois frascos vazios da mesa, junto com o frasco cheio da mão dela, e caminhou de volta ao laboratório.

– Se alguma coisa fosse acontecer, seria evidente imediatamente. Nós temos uma Poção Preventiva que funciona.

Hermione o seguiu.

– Isso é maravilhoso, então – ela disse com um suspiro de alívio, acrescentando com hesitação: –, especialmente depois de ontem.

– Sim – Snape disse firmemente. – Ouso esperar que tal incidente não se repita agora que nós temos uma maneira de contê-lo. É melhor eu informar ao Diretor do nosso sucesso.

– Seu sucesso – Hermone corrigiu, e ele se voltou para ela do batente da porta.

– Não, definitivamente é o nosso sucesso – ele disse firme. – Eu não teria metade do tempo para aperfeiçoar a fórmula sem sua ajuda para preparar outras coisas.

– Você ainda merece o crédito pelo que fez – Hermione disse calmamente depois de um momento, mas Snape já havia deixado a sala e seguido pela rede Flú até o escritório do Diretor.

Todas as três poções relacionadas com a Cruciatus eram um feito extraordinário do Snape, mas ela sabia que era improvável que ele algum dia ele recebesse o reconhecimento público por elas. Ele não iria querer ser conhecido como o criador da poção original, é claro, mas as teorias que ele usara no desenvolvimento das poções podiam ser aplicadas para criar misturas que copiassem os efeitos de outros feitiços, e seus contra-feitiços.

Claro, a Ordem saberia do trabalho dele, mas os agradecimentos que ele teria recebido pela criação da poção preventiva seriam obscurecidos pelo fato de que ela não seria necessária se ele não tivesse criado com sucesso a outra poção em primeiro lugar.

Hermione odiava como tantos esforços dele passavam sem reconhecimento, dos seus progressos em poções ao jogo perigoso que jogava no círculo de seguidores de Voldemort. No seu terceiro ano, Hermione pensara que o mestre de Poções era mesquinho e infantil com sua fúria contra Sirius Black e a perda de uma prometida Ordem de Merlin, Primeira Classe. Agora, entretanto, ela esperava ansiosamente que no fim da guerra ele recebesse aquela honra e mais, e ficasse livre para ser reconhecido como outra coisa além de possuidor da marca de um Comensal da Morte em seu braço.

Hermione se preparou para fazer a Poção Reanimadora que Madame Pomfrey lhe pedira e estava quase terminando quando Snape voltou da conversa com o Diretor.

– Ele ficou satisfeito? – ela perguntou quando ele foi até a pequena escrivaninha e começou a remexer nas pilhas de pergaminho.

– Muito – Snape disse. – Ele acredita que haja uma maneira de mandar a poção preventiva para as vítimas em potencial sem que o Lorde das Trevas perceba que veio de mim.

Pergaminhos em mãos, Snape entrou a passos largos na sala de estar, mas então reapareceu momentos depois, franzindo a testa.

– Você viu meu livro de anotações?

– Aquele que eu lhe dei? – Hermione balançou a cabeça. – Eu não o usei desde a semana passada. Por quê?

– Estava aqui na noite passada – ele disse, procurando pelas pilhas de pergaminhos organizadas ao acaso novamente. – Eu poderia jurar que o deixei na escrivaninha.

– Você precisa de alguma coisa dele? – Hermione perguntou, despejando a Poção Reanimadora terminada em três frascos grandes.

– Eu ia apenas acrescentar os encantamentos à receita do antídoto, vendo como minhas anotações já são bem desorganizadas como estão. Não importa – ele disse, ainda franzindo a testa, mas colocando seu pergaminho de anotações de volta na escrivaninha. – Tenho algumas correções de redações que posso fazer ao invés disso.

Hermione assentiu e tampou os três frascos quando Snape voltou para a outra sala. Ela limpou o caldeirão e o colocou na prateleira contra a parede, então se virou justamente quando Snape reapareceu à porta... vestido com suas vestes de Comensal da Morte.

– O que você... – ela começou, assustada, mas então seus olhos viajaram para a mão direita dele, que agarrava fortemente o braço esquerdo. Havia uma careta de dor no rosto dele quando ela encontrou os olhos dele novamente.

– Eu fui convocado – ele disse. – Você pode informar o Diretor?

– Claro – ela disse, seguindo-o pela sala de estar –, mas o que está acontecendo? Por que ele o convocou esta noite?

– Eu não sei – ele disse preocupado, pegando um punhado de pó de Flu. – Pode ser só uma reunião para planejar ataques futuros... a não ser que tenha acontecido alguma coisa que eu não esteja ciente.

Ele jogou o pó de Flu, e o fogo resplandeceu verde quando ele chamou seu destino.

– Tenha cuidado – ela disse brandamente enquanto ele desaparecia e o fogo retornava a sua cor normal.

Ela voltou para o laboratório por um momento para se certificar de que os armários estavam trancados e protegidos. O ambiente estava completamente em silêncio quando ela fechou a porta atrás dela e segui pela rede Flu até o escritório do Diretor.

* * * * *

Aparatando no centro de um círculo de figuras negras e encapuzadas, Severo Snape mal teve tempo de respirar antes que um feitiço o atingisse certeiramente no peito, derrubando-o de costas no chão.

Um murmúrio excitado percorreu entre os Comensais da Morte reunidos, e ele percebeu que não foi num monte de sujeira, grama ou neve que ele aterrissou, mas numa fasquia áspera de pedra fria.

Ele ouviu um feitiço murmurado de algum lugar próximo, e sua varinha voou do seu alcance. Ele tentou se mover, mas outra palavra sibilada enviou cordas invisíveis que se enrolaram em seus pulsos e tornozelos, prendendo-o à imitação simplória de um altar.

Ele ofegou quando o ar frio da noite atingiu a parte superior do seu torso, súbito e perturbadoramente na falta das suas camadas de roupas. Com o coração acelerado, ele olhou em volta para seus companheiros Comensais da Morte, procurando algum indício do que estava acontecendo.

Snape vira o Lorde das Trevas demonstrar seu descontentamento em inúmeras ocasiões, e aquele cenário tinha todos os aspectos de uma reprimenda severa... o tipo da qual a vítima raramente saía inteira.

O que ele possivelmente teria feito para aborrecer tanto o Lorde das Trevas?

Você fez muitas coisas para garantir isso, seu idiota – ele lembrou a si mesmo. Mas nada que o Lorde das Trevas deveria saber, na verdade.

Houve silêncio no círculo, quebrado apenas pelos passos leves e deliberados que se aproximavam pelas costas dele.

Reconhecendo a futilidade de lutar contra as amarras mágicas que o prendiam no lugar, ele repousou quietamente e fechou os olhos, concentrando-se em limpar a mente.

– Olá, Severo.

A voz alta e fria do Lorde das Trevas fez um arrepio percorrer sua espinha, e ele abriu os olhos novamente para ver seu antigo mestre parado sobre ele, observando-o cuidadosamente.

Fixando uma aparência confusa no rosto, Snape disse:

– Meu Lorde, o que...

– Silêncio – a voz sibilante sussurrou. – Eu não lhe dei permissão para falar.

Snape desviou os olhos dos brilhantes poços vermelhos de fúria, e Voldemort riu brandamente.

– Você me desaponta, Severo – ele disse alto, andando devagar num círculo em volta da forma caída de Snape. – Você tem sido de grande valor para nossa causa; suas habilidades como Mestre em Poções, um título, devo acrescentar, que você não teria conseguido tão rapidamente sem a minha ajuda, tem nos fornecido misturas terríveis e mortais. Você nos manteve informados dos negócios daquele velho tolo que procura me derrotar e ajudou a educar e cultivar as próximas gerações dos meus servos leais.

Voldemort parou do seu lado esquerdo e acariciou levemente a Marca Negra com a ponta de um dedo esquelético. Snape estremeceu, sentindo-se como se um besouro agitado estivesse rastejando na pele do seu braço.

– Alguém poderia imaginar – Voldemort continuou, dirigindo-se ao Snape, mas ainda falando alto o suficiente para todo o grupo ouvir – que você era um dos meus servos mais leais.

Houve uma pausa, na qual o círculo de Comensais da Morte assistindo pareceu se encolher um pouco, e Snape segurou a respiração, esperando que estivesse errado quanto ao que estava por vir.

A dor atingiu seu braço quando o Lorde das Trevas agarrou seu antebraço, os dedos longos se enterrando fortemente na Marca, que acendeu para a vida e queimou escura pela segunda vez naquela noite.

– E agora – Voldemort disse ríspido –, eu descubro que você vem me afrontando esse tempo todo.

Um murmúrio de surpresa e choque percorreu entre os demais Comensais da Morte, junto com algumas exclamações abertas de Ele!

– Não, meu Lorde! – Snape implorou, tentando parecer genuinamente chocado com a conclusão aterradora que percorria suas veias. – Deve haver algum engano, eu...

– Silencio.

Sua boca se mexeu, mas nenhum som saía dela.

– Não, Severo – o Lorde das Trevas sussurrou. – Você não terá a sorte de argumentar contra seu destino desta vez. Eu passei anos escutando suas desculpas de por que, apesar da confiança do velho tolo, você não pôde me entregar nem ele, nem o Potter. Eu tolerei suas desculpas porque suas outras habilidades beneficiaram nossa causa. Mas não mais, Severo, meu caro mestre de Poções. Agora, eu tenho a prova de que você está trabalhando contra mim de dentro da minha própria milícia.

Prova? Uma centelha de medo deve ter aparecido no rosto de Snape, e embora ele rapidamente conseguiu encerrá-la por trás de um olhar confuso, Voldemort foi ainda mais rápido. Ele riu e finalmente soltou o braço de Snape do seu aperto firme.

– Meu Lorde – falou uma voz da beira do círculo. – Diga-nos como ele o afrontou, pois fazendo isso, ele traiu a todos nós.

Snape reconheceu o tom superior do Malfoy sênior e esperou ferventemente que ele não tivesse conseguido trazer Draco com ele esta noite. Com este pensamento desagradável veio outro – o Draco poderia ser a causa do seu apuro? Será que de alguma forma o jovem sonserino descobriu sobre sua verdadeira lealdade, ou – possivelmente ainda pior – o que havia acontecido entre ele e Hermione? Ele pegara o Monitor Chefe observando-a de maneira suspeita mais de uma vez na sua presença.

– Rabicho! – Voldemort chamou imperiosamente. – Venha mostrar ao nosso caro amigo o que você descobriu enquanto rastejava pelos cantos escuros de Hogwarts.

Os ruídos no laboratório.

Snape sentiu um arrepio de medo percorrê-lo quando Rabicho correu da borda da clareira até o lado do Lorde das Trevas. Há semanas que Hermione estivera ouvindo ruídos. A primeira vez que ela os mencionara, ele não deu bola achando que era uma desculpa para ela bisbilhotar o seu trabalho. Ele não os ouvira realmente, mas Pettigrew obviamente escolhera cuidadosamente sua hora, fazendo sons descuidados apenas quando a excelente audição de Snape estivesse fora do alcance.

Hermione ouvira sons novamente apenas duas semanas atrás, mas ele estivera muito preocupado para fazer alguma coisa além de lançar um feitiço de detecção algumas horas depois, que revelara que o cômodo estava vazio.

O Lorde das Trevas pegou alguma coisa das mãos de Rabicho e segurou no alto para que Snape pudesse ver. Com toda sua prática de espião, ele foi incapaz de mascarar o olhar de terror que cruzou seu rosto quando fixou os olhos no livro de anotações que Hermione lhe dera no Natal.

Rabicho deu uma gargalhada alegre com a expressão dele, e Voldemort aproximou-se, sibilando:

– Estou sentindo um traço de medo, Severo?

Seu coração estava acelerado; não havia escapatória desta vez. Ainda, ele devolveu o olhar desafiadoramente; não daria ao Lorde das Trevas a satisfação de implorar por sua vida.

Um dos Comensais da Morte no círculo chamou:

– O que é isso, meu Lorde?

– Isto? – Voldemort disse, deixando Snape para caminhar vagarosamente em volta do círculo de Comensais da Morte. – Estas são as poções mais valiosas do Severo, guardadas, devo acrescentar, no livro dado a ele pela sua pequena assistente de sangue ruim. Que tocante.

Alguns dos Comensais da Morte espectadores bufaram, e Rabicho, ainda parado ao lado de Severo, virou para ele e disse:

– Você está perdido desta vez, traidor.

Descobrindo que o feitiço Silencio acabara, Snape retrucou:

– Antes um traidor morto que uma desculpa hipócrita de espião como você. Diga-me, Pettigrew, o Lorde das Trevas sabe da sua dívida de vida com o jovem Potter?

– Cale-se – Pettigrew disse, parecendo aterrorizado de repente, e sacou sua varinha, apontando-a para Snape, o braço atarracado tremendo.

– Rabicho! – veio a voz imperiosa de Voldemort de uma curta distância. – Tome seu lugar no círculo; o traidor é meu.

Pettigrew sorriu desdenhosamente para Snape e se esquivou para a borda da clareira.

– Então – o Lorde das Trevas disse alto, fazendo um grande espetáculo ao abrir o livro de anotações de Snape –, aqui nós temos a Poção Cruciatus, que Severo tão engenhosamente inventou para meu uso pessoal.

Snape fechou os olhos momentaneamente, tremendo de frio e com o entendimento do que estava para acontecer. Não apenas ele fora descoberto, mas o Lorde das Trevas tinha em sua posse as instruções para fazer a poção, e a única cópia do antídoto, salvo o rabisco dos feitiços num pedaço de pergaminho no laboratório.

– E isto – Voldemort continuou – é o antídoto para a Poção Cruciatus; uma poção que não deveria ter nenhum antídoto.

Ele fechou o livro violentamente, jogou-o no chão e cruzou a clareira até onde Snape estava deitado.

– Você nega isso, Severo? – ele disse calmamente, os olhos queimando na cabeça de Severo, e ele sentiu a invasão formigante do mestre legilimente.

– Veja você mesmo – Snape cochichou malevolamente. Sabendo que não sobreviveria àquela noite, ele proveu um último instante de prazer vingativo trazendo à tona várias imagens da sua traição para o Lorde das Trevas ver. Os olhos de Voldemort arregalaram-se de horror, então se estreitaram quando Snape o tirou da sua mente antes que ele conseguisse ver mais alguma coisa.

– Então – ele disse calmamente –, meu espião mais confiável esteve escondendo coisas de mim. Meu espião mais confiável esteve, na verdade, me espionando, não para mim. O que ele lhe ofereceu que eu não poderia lhe dar, Severo? O que aquele velho tolo do Dumbledore poderia ter possivelmente prometido que fez meu jovem protegido de Poções virar-se contra mim?

– Liberdade – Snape retrucou, sacudindo-se contra as amarras mágicas que o prendiam no lugar.

O círculo ficava impaciente por não conseguir ouvir a conversa entre eles, e Voldemort levantou uma mão no ar para pedir silêncio. Os murmúrios pararam, e novamente o círculo pareceu ficar mais próximo, em expectativa.

– Então – Voldemort disse novamente, alcançando as vestes dele. Snape esperava que ele sacasse a varinha e lançasse uma Cruciatus ou, se estivesse sentindo-se piedoso, terminasse logo com aquilo com uma Maldição da Morte.

Ao invés disso, o Lorde das Trevas sacou uma adaga do interior das suas vestes, a lâmina afiada lampejando na luz das tochas em volta da clareira, o punhal encravado com algum tipo de gravura. Parecia vagamente familiar para Snape, embora ele não pudesse dizer onde o vira antes, e ele observou Voldemort correr o dedo cuidadosamente pelo fio da lâmina.

– Dumbledore acha que pode salvá-lo e lhe dar liberdade, não é? – Voldemort deu mais um passo em sua direção e fixou os olhos em Snape. O mestre de Poções devolveu o olhar desafiadoramente, a respiração acelerada era o único sinal aparente de medo.

Inclinando-se para baixo, de maneira que seu hálito rançoso afagasse o rosto de Snape, Voldemort cochichou malevolamente:

– Eu sou o único que pode salvá-lo disso.

Um fogo violento explodiu no peito de Snape quando Voldemort enterrou a adaga até o punho, inclinando-a para cima do ponto do corte, abaixo das costelas dele. A Marca Negra queimou para vida no braço dele também, e Snape se ouviu gritando quando uma névoa vermelha começou a escurecer sua visão. Com uma torcida final da adaga, Voldemort soltou o punho, deixando-a enterrada profundamente no corpo de Snape, e virou-se para a platéia.

– Olhem para o traidor! – ele gritou, e Snape ouviu os aplausos dos Comensais da Morte em resposta acima do sangue que pulsava em sua cabeça e dos seus doloridos ofegos por ar.

A agonia inicial da entrada da lâmina passou, mas mandava dores afiadas e penetrantes por todo seu corpo a cada respirada. Ele fechou os olhos, desejando que aquilo acabasse logo, mas sabendo que Voldemort prolongaria o sofrimento de alguém que o desafiara.

– É uma pena alguém com seu talento único morrer – Voldemort refletiu com escárnio. – Eu posso, é claro, salvá-lo, e estou disposto a ouvi-lo implorar por sua vida.

Voldemort não estava mentindo, Snape sabia; o Lorde das Trevas podia salvá-lo. Ele agora reconhecia a adaga como uma Lâmina Consangüínea, uma poderosa ferramenta das Trevas passada por gerações de algumas das famílias bruxas mais antigas do mundo. Como o Lorde das Trevas encontrou uma, Snape não sabia. O que ele sabia, entretanto, era que apenas a pessoa que provocou o ferimento, ou alguém relacionado a ela pelo sangue, poderia remover a lâmina; se alguém mais tentasse, a lâmina se desintegraria e a morte seria rápida. Deixada dentro da vítima, a morte viria através do envenenamento lento e dolorido do sangue.

Snape não seria enganado, entretanto. O Lorde das Trevas podia salvá-lo do seu destino, sim, mas o que mais Voldemort tinha em mente para ele seria muito pior. Desta forma, pelo menos ele morreria com dignidade.

– Vá para o inferno – Snape vociferou. Ele ofegou quando a adaga mandou outra dor dilacerante até seu peito, mas conseguiu sufocá-la. – Vejo você lá em breve.

Voldemort o encarou, aparentemente desapontado por Snape se recusar a implorar por sua vida.

– Que assim seja – ele disse pensativo. – Talvez eu deva mandá-lo de volta ao velho tolo para morrer; para lembrá-lo que ele não pode salvar todo mundo.

Snape fechou os olhos e virou o rosto. Ele não queria que Dumbledore visse aquilo. Ainda que o Diretor o frustrasse às vezes, ele ainda era o mais próximo de um pai que Snape conhecera durante seus anos como adulto. Ele sabia que Dumbledore odiava ter que pedir para ele voltar para Voldemort toda a vez... apenas não havia outro jeito.

Mas mandá-lo de volta só para provocar o Diretor, sabendo que não havia esperança que ele sobrevivesse... Ele não queria que Dumbledore tivesse que ficar de prontidão, impotente, e o assistisse morrer...

E ainda tinha a Hermione.

Independente da dor em seu peito, ele sentiu outra dor, num lugar acima do ferimento, quando uma imagem dela entrou em sua mente. Era besteira pensar que sua morte não causaria nenhuma dor nela agora, e ele se amaldiçoou por deixá-la se tornar tão próxima a ele. Ele deveria saber que isso apenas a machucaria no final.

– Bem, Severo – o Lorde das Trevas disse, tirando-o dos seus pensamentos infelizes. – Parece que você não tem mais uso para mim, a não ser para provocar o velho tolo, então você vai retornar a Hogwarts.

Snape considerou, apenas por um instante, em implorar ao seu antigo mestre para deixá-lo morrer ali, sozinho, mas sabia que ele não o ouviria.

Ele observou quando Voldemort puxou a varinha das suas vestes, pegou uma pedra do chão e a golpeou, dizendo:

– Portus.

O Lorde das Trevas liberou as amarras mágicas em volta dos pulsos e tornozelos do Snape, mas ele se descobriu muito fraco até mesmo para levantar a cabeça da pedra, muito menos para lançar-se contra o monstro.

Rindo cruelmente, Voldemort inclinou-se sobre ele mais uma vez e sussurrou:

– Se você ver o Potter, diga-lhe que a vez dele está próxima.

Com isso, Voldemort jogou a pedra na barriga de Snape, e ele gritou de dor quando o solavanco da chave de portal o retirou da clareira.

Ele sentiu seu corpo bater duramente no chão e uma dor aguda quando a ponta da adaga se moveu dentro dele. Em algum lugar distante ele achou ter ouvido o choro triste de uma fênix. Tentou abrir os olhos, mas a névoa vermelha que ele viu foi rapidamente sobreposta pela escuridão, e ele não sabia de mais nada.

* * * * *

A quarta-feira amanheceu cinzenta, uma névoa baixa suspensa acima do castelo e dos jardins. Harry, Rony e Hermione estavam na sala comunal antes do café da manhã, fazendo uma revisão de última hora para a prova de Defesa Contra as Artes das Trevas que teriam durante a primeira aula.

O Prof. Lupin considerava provas práticas muito mais indicativas das habilidades na matéria que as provas escritas, mas, como ele dissera à classe na última aula, o plano de ensino do Ministério exigia ao menos uma prova escrita por ano, que era esta.

Hermione havia dormido bem, para variar, apesar do Snape ter sido convocado na noite anterior. Geralmente, ela não conseguia dormir até saber que ele havia voltado em segurança, mas quando informara ao Diretor da saída do mestre de Poções na noite anterior, o Diretor concordara que não devia ser nada mais que uma reunião para planejar futuros ataques.

Na verdade, o Diretor pareceu bem feliz que Snape fora convocado, o que provavelmente significava que Voldemort estava satisfeito com o sucesso do ataque de segunda-feira e convencido o bastante da lealdade dele para incluí-lo na seleção dos alvos futuros.

Tranqüilizada pela confiança do Diretor, Hermione fora para a cama, acordando revigorada e energizada para a prova e o restante do dia que, para ela, consistia inteiramente em Poções.

Um rápido relance quando eles entraram no Salão Principal para o café da manhã lhe disse que Snape não estava lá. Nem o Diretor, e ela se perguntou se eles estavam discutindo qualquer informação que Snape conseguira obter na noite anterior.

Ela, Harry e Rony estavam subindo de volta, um pouco depois, para pegar seus livros para a primeira aula quando ela ouviu seu nome e virou-se para ver o Diretor vindo em direção a ela no primeiro andar.

– Bom dia, professor! – ela cumprimentou alegremente. Harry e Rony a imitaram, mas então se aproximaram de Dumbledore e perceberam que o velho bruxo não estava sorrindo nem um pouco.

– Srta. Granger – o Diretor disse solenemente –, devo pedir que você venha comigo agora. Sr. Potter, Sr. Weasley, por favor informem ao Prof. Lupin que a Srta. Granger não irá a aula esta manhã.

– Mas nós temos prova, professor! – Rony disse.

– Está tudo bem – Hermione disse devagar, colocando a mão no braço do Rony, embora seu olhar não tivesse deixado o de Dumbledore. De repente, ela teve uma sensação horrível de mau presságio na boca do estômago.

– Hermione? – Harry disse interrogativamente, olhando dela para o Diretor.

– Por favor, Harry – Dumbledore disse gravemente. – Vá para a aula. Você será informado da situação se e quando eu puder.

Harry e Rony continuaram subindo as escadas relutantemente, lançando diversos olhares para trás para Dumbledore. Hermione pensou que seria levada até o escritório dele, mas ele desceu com ela para a passagem do primeiro andar, ao invés de subir, e parou em frente à porta que conduzia aos aposentos de Snape.

– O que aconteceu? – ela sussurrou enquanto ele abria a porta com um toque da varinha e a conduzia para dentro da passagem secreta.

– Srta. Granger – a voz dele disse no escuro –, eu devo me desculpar com você. Temo ter cometido um erro terrível, um que não posso corrigir.

Hermione acendeu sua varinha com um Lumus murmurado e fitou o velho bruxo por um instante. Ele parecia fatigado na luz pálida.

– Do que você está falando? – Ela desceu pela passagem em direção aos aposentos do Snape, tomada por uma súbita urgência que não conseguia explicar, trazida pelas palavras do Diretor e pela aparência terrível e derrotada dos olhos dele.

– Srta. Granger – ele disse quando a seguiu. – Temo ter subjugado o perigo que Severo corre cada vez que sai ao meu comando. A dedicação e determinação dele para fazer o que lhe peço me levou a um falso senso de segurança, que acredito que me arrependerei daqui em diante.

O único som eram os passos deles ecoando no piso de pedra.

– Severo foi descoberto.

Hermione parou de repente.

– Não – ela sussurrou, virando-se para o Diretor. O olhar grave e triste nos olhos dele falava muito mais alto que qualquer outra explicação.

– Venha, Srta. Granger – ele disse, agarrando o braço dela gentilmente e conduzindo-a em direção à porta no final do corredor. – Eu o deixei sozinho, a não ser por Fawkes, para ir buscá-la.

– Ele está ferido? Como ele conseguiu fugir? – Eles alcançaram o final do corredor e surgiram na sala de estar de Snape. Ela olhou em volta, mas estava vazia; até mesmo o fogo estava apagado.

– Tom o mandou de volta.

Ela virou-se para olhar o Diretor novamente quando ele fechou a porta para a passagem.

– Eu não entendo – ela disse, confusa. – Se Voldemort sabe... por que ele faria isso?

– Eu acredito que Tom está me zombando – o Diretor disse pesaroso. – Ele mandou Severo de volta, sabendo que não há nada que eu possa fazer para salvá-lo.

Hermione encarou Dumbledore. Ela devia ter entendido errado. Ele não podia simplesmente ter acabado de dizer…

– Nada que você... O que você está dizendo?

Dumbledore baixou a cabeça por um momento e depois deu um passo para mais perto de Hermione, segurando-a pelos ombros. Agora ela podia ver que os olhos dele brilhavam, brilhavam demais, e ele limpou a garganta antes de falar novamente, a voz dele cheia de sofrimento:

– Srta. Granger, Severo está morrendo.

* * * * * * *

Continua

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