Explicações e Dumbledore



O recinto ficou em absoluto silêncio. Ana ainda estava tentando assimilar a afirmação da tia-avó. Mas... Se ela era uma bruxa...

Como que adivinhando os pensamentos da sobrinha, Agatha completou:

- Sua mãe também era. E seu pai, embora as circunstâncias de seu nascimento o tenham feito descobrir isso mais tarde que o habitual.

Ana estava chocada demais para dizer qualquer coisa. Mas as perguntas vieram de outras pessoas:

- Então, você não é de um universo paralelo? – Rony perguntou.

- Ou é de um universo paralelo onde sua tia é trouxa? – Jorge arriscou.

- E os livros? Como se explicam os livros se você é daqui? – Mione questionou.

- Que livros? – a professora Minerva perguntou, ela própria confusa.

Mas Ana não queria saber dos livros agora. Tudo o que queria descobrir era como, por todos os santos, seus pais poderiam ter sido bruxos?

- Tia Agatha... Como eu nunca soube disso? Por que não me contou?

- É uma longa história, criança.

- Eu quero saber, tia. Tenho o direito de saber!

- Primeiro me diga como chegou aqui. Quero saber até onde sabe do mundo mágico.

Em poucas palavras, Ana recontou a história. Quando ela terminou, a professora Minerva estava surpresa, mas manteve sua habitual compostura britânica.

- Então foi isso... – Agatha parecia intrigada, mas não surpresa. – Descobri que tinha algo errado quando o relógio ficou maluco, o seu ponteiro pulando entre “Brasil” e “Inglaterra” o tempo todo!

- A senhora tem um relógio como o da senhora Weasley? Eu nunca vi...

- Está na minha casa em Hogsmeade. Deixei aquele apartamento trouxa em Londres assim que você voltou para o Brasil.

- Porque escondeu que era bruxa, tia? Que meus pais eram bruxos?

- Querida... Acho que tudo começou quando renunciei à magia por amor a um rapaz trouxa, há mais de quarenta anos. Eu sabia que ele não conseguiria viver no mundo mágico. Sua vida era a Antropologia...

- Tio John...

- Sim. John Roberts. – Agatha sorriu. - Tomei a decisão por nós dois. Estudei, tornei-me uma antropóloga para ficar mais perto dele. Mas minha família jamais me perdoou. Para eles John deveria ter aberto mão de certas coisas para ficar ao meu lado. Talvez eles estivessem certos, eu não sei. Mas a verdade é que nunca me arrependi da minha escolha.

- Pensei que eles não quisessem o casamento porque tio John era pobre.

- Ah, não! Isso eu inventei, querida. Embora os Smiths fossem aristocráticos e, até certo ponto, materialistas, tinham alcançado aquele patamar onde se é tão rico que não faz mais diferença com quem se casa. Mas tinham uma tradição a zelar...

- Não era porque ele era trouxa, era? Quer dizer, aquela bobagem sobre sangue-puro...

- De forma alguma! Não os Smiths! Vejo que os tais livros me pouparam de explicar muita coisa a você... Querida, o que sabe sobre Helga Hufflepuff?

- Que é uma das fundadoras de Hogwarts, mas o que... – Ana arregalou os olhos, lembrando-se da elfa doméstica que fora incriminada por Tom Marvolo Riddle, ou seja, Voldemort, da morte de...

- Hepzibah Smith!

Harry, Hermione e Rony se entreolharam. Imediatamente perceberam que Ana sabia das memórias vistas na penseira de Dumbledore.

- Sim, ela era sua trisavó. Minha avó. Eu era só uma adolescente quando ela morreu. Somos descendentes de Helga Hufflepuff.

- Eu nunca faria a conexão... Smith é um nome tão comum!

- Não entre os bruxos, Ana. – ela fez uma pausa e continuou: - Os Smiths consideraram minha escolha como um ato de deslealdade para com a família, para com Helga Hufflepuff. Ela sempre pregou que, se você tem dons mágicos, deve usá-los para o bem da humanidade.

- E você escolheu esconde-los. – Ana completou.

- Sim. Eu virei o assunto preferido das fofocas. Dos círculos sociais ao Profeta Diário. – Agatha riu. – A vergonha da família. Mas eu vivi pouco disso tudo porque, logo me isolei no mundo trouxa. Era como se tivesse morrido e renascido com John. Fomos viver no Brasil, onde nos especializamos em estudar as civilizações dos sambaquis da região sul.

- Mas quando meus pais entram nisso?

- Calma, “bugrezinha”. – a tia lhe chamou pelo apelido que lhe dera, rindo.

– Vinte anos depois eu recebi uma carta inesperada. A filha de minha irmã caçula viria me visitar. Mal pude acreditar que alguém do mundo mágico se lembrasse de mim, quanto mais soubesse onde eu estava! Então, imagine qual não foi minha surpresa quando uma coruja apareceu na janela da minha casa!

- John e eu não tivemos filhos, e Elizabeth preencheu essa lacuna. O tempo ia passando e ela sempre adiava o retorno para a Inglaterra. Logo descobrimos que a razão de tanta demora era um jovem aluno de John, o mais brilhante, por sinal...

- Meu pai! – Ana sorriu. Conhecia parte dessa história.

- Sim. Mas seu pai era trouxa, eu temia que a história fosse se repetir.

- Como assim? A senhora disse que meu pai era bruxo!

- Digamos que ele ainda não era quando conheceu sua mãe. Ou melhor, era, mas não sabia.

- Tia... Isso é impossível! – Ana deu um incrédulo meio sorriso.

- Não, não é. Incomum, sim. Mas impossível... Definitivamente não.

- É verdade, Ana. – a Prof. Minerva achou por bem intervir. – A mágica se revela de formas diferentes nas diversas populações mágicas do mundo. Entre os europeus isso é mais homogêneo, mas sabemos de tribos ameríndias em que o potencial mágico é tão forte, que a natureza se encarregou de criar um dispositivo de auto-preservação: até que os corpos estejam desenvolvidos e aptos a comportar um fluxo de magia forte e constante, esta fica “adormecida”.

- Meu pai era do norte. Descendente de potiguares e franceses...

- Sim. – Agatha continuou. – E continuaria achando que era apenas uma pessoa com uma estranha propensão a ter as coisas quebradas ao seu redor se não fosse sua mãe. Foi ela que percebeu primeiro que seu pai tinha potencial mágico.

- Mas então estava tudo resolvido! Os dois eram bruxos! Esconder para quê? De quem?

- Da família de seu pai. – Agatha respondeu. – Desculpe querida, eu sei que seus tios são boas pessoas, que te criaram com muito carinho, mas... São o grupo de trouxas mais trouxas que eu já vi na vida! Lembro quando você tinha sete anos e desenhou um cavalo alado... O que eles te disseram?

- “Ana, amorzinho, cavalos não tem asas. Vá e faça o desenho direitinho, sim?” – Ana imitou a voz fina de tia Bianca.

- Viu? É disso que estou falando! – Tia Agatha estava indignada. – É absurdamente trouxa! Primeiro, porque não se tira a criatividade de uma criança desse jeito; segundo, porque EXISTEM CAVALOS COM ASAS SIM! Há vários na Floresta Negra, na Alemanha. Só porque os trouxas não os vêem não quer dizer que não existam!

Harry lembrou que tinha passado por isso também. A diferença era que com ele a frase era: “Motos não voam moleque!”.

- Por que não me contou quando morei com você? Eu já tinha doze anos, tia.

- Eu tinha medo. As circunstâncias em que seus pais morreram...

- O acidente de avião? – Ana perguntou.

- Não. Isso foi um feitiço da memória que o Ministério da Magia do Brasil lançou. Esse acidente nunca aconteceu. – Tia Agatha estava chorando agora. – Seus pais... Morreram assassinados por... Um Comensal da Morte!

- Como? – Ana estava totalmente perdida.

- Seu pai iria dar uma palestra no Amazonas, quando sua mãe reconheceu um dos comensais que era procurado em um hotel de lá. Ela mandou uma coruja para os aurores brasileiros, mas o comensal também a reconheceu e... Matou-os achando que assim manteria sua localização em segredo. Um “obliviate” seria bondade demais para um comensal...

- Quem... – Ana respirava com dificuldade. – Quem era o comensal?

- Bartholomeu Crouch Jr. – Agatha estava com a voz trêmula. – Você era só uma criança, Ana... E eu não sabia se você tinha poderes mágicos ou não...

- E meus tios ficaram com a minha guarda.

- Sim. O advogado que eu consultei na época me disse que eu não tinha chances de ficar com você...

- Eu preferi deixar sua existência em segredo, Ana. Para o mundo bruxo Elizabeth e o marido haviam morrido sem filhos. Convenci-me que estava fazendo a coisa certa quando, anos depois, ouvi os rumores que Harry Potter tinha enfrentado Você-Sabe-Quem em Hogwarts. Se ele voltasse, os comensais iriam se sentir confiantes para se vingar daqueles que os denunciaram. E se isso não fosse possível... Daqueles a quem amavam.

- Então... Você não enviaria aquele livro para mim?

- Não posso pensar em uma razão para fazer isso. Acredito que seria mais o meu estilo ir até o Brasil e falar pessoalmente com você.

- Porque “acredita”, Agatha? – a Prof. McGonnagal estranhou. – Quer dizer, ou foi, ou não foi você, não é mesmo?

- Ora, digo isso porque não posso responder pelas razões que me levarão a fazer algo no futuro, Minerva.

- FUTURO?!? – todos exclamaram.

Ana não tinha levantado a hipótese porque achava que estava realmente em um mundo diverso do seu. Mas agora que via a tia, tal e qual quando Ana era uma adolescente, estava claro que tinha apenas viajado no tempo. No mesmo mundo, só que alguns anos antes.

- Oito anos no futuro. – Ana disse, devagar. – Não tinha levado isso em conta porque achei que estava em um universo paralelo. Tia... Como pode ser? Os livros... O primeiro já foi publicado! Como ninguém soube dele?

- Não sei querida... Eu me mantive afastada do mundo trouxa desde que você voltou para o Brasil, há um ano. Quer dizer, o seu “eu” do presente. Mas... – Agatha tirou um envelope do bolso. – O Prof. Dumbledore me entregou isto há alguns anos. Disse que não deveria me surpreender se encontrasse alguém que conhecesse um pouco “mais velho”. E me entregou esta carta, com instruções de dá-la a você, quando isso ocorresse. Com tudo isso acontecendo desconfiei que fosse o momento, e a trouxe comigo.

- Dumbledore...? – Ana pegou o envelope lacrado em cera, e com letras elegantemente rebuscadas em verde, quase com reverência. Olhou para o quadro do velho diretor, que lhe piscou um olho. Resolveu abrir a carta logo, e ler em voz alta:

Cara Ana:

Tomo a liberdade de chamar pelo primeiro nome aquela que também teve a liberdade de... Como direi? “Molhar as fraudas” enquanto estava em meu colo, na festa de seu batizado. [Ana abafou um riso nessa parte].
Sim, eu estive nela. Conheci seus pais, que eram de um tipo de pessoas leais, corajosas e íntegras que faz falta a este nosso mundo. E foi pensando neles, valorosa Ana, que adivinhei o potencial que você iria atingir. Se meus cálculos estiverem corretos, a esta altura você já deve saber tudo o que aconteceu na vida de Harry Potter, através dos livros que pedi que minha querida amiga Joane Rowling publicasse. [exclamações surpresas ecoaram na sala].
Não se assuste. Tive boas razões para por em risco o disfarce do Mundo Mágico. E a principal delas é que o maior perigo para os trouxas é sua ignorância sobre Voldemort. Caso nossos esforços não dêem certo, se ele ficar tão incontrolável a ponto de sua maldade se revelar ao Mundo Trouxa, ao menos aqueles que leram os livros terão uma chance.
Não preciso dizer que faço isso sem a aprovação do Ministério ou da Confederação dos Bruxos. Encantei cada livro, cada edição, para que somente os trouxas possam vê-lo, ou até mesmo ouvir comentários sobre ele.
Até a meia-noite de 31 de julho de 1997. Depois, o feitiço acaba.
Muito cedo para você descobrir pessoalmente o Mundo Bruxo, Ana. Sua tia, Agatha Smith-Roberts, teve bons motivos para escondê-lo de você, como já deve saber.
No entanto, em oito anos estará apta a aplicar todo o seu conhecimento e sua intuição para ajudar o jovem Potter e seus amigos. Mas terá passado o momento crucial em que eles seriam necessários.
Por isso apliquei este engodo no tempo.
Espero que me perdoe pela forma desconfortável pela qual chegou até aqui, mas a entrega do Expresso Coruja é a única confiável, com mais de dois mil anos de existência. Creio não havia outro meio de fazer uma chave de portal como aquele livro chegar até você no tempo certo. [“Isso explica porque o livro tinha dois furinhos na frente e quatro atrás”, pensou Ana, “garras de coruja”].
Observei você enquanto crescia, minha cara. Realmente lamentei você não poder entrar para Hogwarts junto com Harry. Sua mãe e a dele, que eram amigas nos tempos do colégio, gostariam disso. Há escolhas que só ele pode fazer, Ana. Mas, antes de fazê-las, ele precisa saber de coisas que só você pode contar também. No tempo certo saberá o que quero dizer.
Intuo que nesse meio tempo tenha se identificado com a curiosidade da senhorita Granger, a mania de fazer gracinhas do senhor Ronald Weasley, e o talento do senhor Potter de se meter em encrencas. Creio, então, que se dará muito bem com eles. [Ana enrubesceu].
Boa sorte, Ana dos Trópicos. E... Leia nas entrelinhas.

Alvo Dumbledore.

P.S.: Gostei muito do cavalo alado que desenhou. [Ana olhou espantada para a tia, que lhe explicou que o tinha mostrado a ele, há muitos anos].

- Então... – Carlinhos foi o primeiro a falar. – Você tem a idade de Harry?

Todos olhavam surpresos para ele. Depois de tudo o que tinham sabido, a única coisa com a qual ele se importava era a idade de Ana?

- Não... – ela apressou-se a responder. Mas em seguida fez uma expressão de receio cômica, que daria inveja ao próprio Rony: – Na realidade, sou alguns meses mais nova...

Carlinhos fez um gesto de incredulidade, e saiu da sala sem mais uma palavra.

- O que deu nele? – Rony perguntou, provocando um revirar de olhos de Hermione.

- Rony, como você é tapado! – Gina exclamou.

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