Underclass Hero



 


Ted Lupin


–Como foi a aula?


–Bleh.


Isso é o máximo que uma conversa nossa pode chegar. Voltei a ler.


Ouvimos a porta abrir, e logo Dorcas se aproximava afobada. Tentei não olhar quando ela beijava meu pai em cumprimento.


–Acabei de encontrar Lily - disse ela, sentando-se no sofá - Ela disse que Harry foi suspenso.


–Harry? O nosso Harry? - perguntou papai, franzindo o cenho.


–Não, querido, o Harry dela - respondeu Dorcas, sorrindo enquanto ele ria e revirava os olhos - Parece que ele invadiu a rádio da escola e colocou uma música pra tocar no intervalo. Uma música da banda dele.


Os dois olharam pra mim.


–Aula bleh, né? - ironizou papai, mas eu dei de ombros, sem levantar os olhos. - Tem algo a declarar?


–Nah.


Ted.


Bufei, e olhei para os dois.


–Criamos uma música no final de semana, e gravamos ela no estúdio da casa do Harry. O retardado ficou com o CD e colocou pra tocar no horário de almoço, como em um pedido de desculpas bizarro e clichê para a vizinha ruiva, que, a propósito, ele é apaixonado. Satisfeitos?


Remus parecia levemente confuso, mas Dorcas ria.


–Dá pro gasto. Acho que vou mandar flores pra ele - brincou ela - Revelação do ano. Não achei que Harry fosse capaz de se apaixonar.


–Isso porque você não viu o jeito que ele trata aquele videogame dele - resmungou Remus, e eu não consegui conter um sorriso.


– O que teremos para o jantar hoje?


–E você pergunta pra mim?


Dorcas revirou os olhos.


–Ted, o que você quer comer?


–Sushi - respondi.


–Sushi! - exclamou ela, jogando os braços para cima em uma comemoração.


–Sushi? - estranhou Remus - Acho que vocês estão no país errado.


–Não seja estraga prazeres, Remus - disse Dorcas, se levantando - Vamos comer peixe cru hoje, e não há nada que você possa fazer para mudar isso.


Papai resmungou enquanto observava sua esposa sair saltitando em busca do telefone. E depois se virou para mim, mero observador.


–Não é tão ruim - falei - Se colocar meio quilo de pimenta, o gosto fica bom.


–Como você consegue gostar tanto de pimenta?


–Mamãe.


–Oh.


No silêncio incômodo que se seguiu, resolvi voltar a ler, para não ter que olhar para a cara dele. Sempre que o assunto se voltava à minha mãe, ficávamos assim.


–Tem falado com ela ultimamente? - perguntou. Sabia exatamente do que ele estava se lembrando. Desde que eles brigaram no telefone por causa da tatuagem e da dificuldade de tomar conta de mim, temos evitado o assunto.


–Falei com ela esses dias - disse, tentando parecer desinteressado - Está se virando bem em New York. Já arranjou um apartamento, e está só esperando a poeira baixar para eu poder ir. Está trabalhando que nem uma condenada, mas está satisfeita.


Parei de falar quando Dorcas voltou. De volta ao meu livro, tentei ignorar o olhar preocupado que ela lançou a nós dois.


Maggie Black


–Adivinhem quem chegou?


Deixei cair o celular quando ouvi um latido.


–Padfoot!


Corri escada abaixo e quase morri quando uma imensa bola de pelos se atirou em cima de mim.


–Seu cachorro boboca! - exclamei, deitando no chão e fazendo carinho nele, permitindo que ele me encharcasse com suas lambidas.


–Mal ele voltou e você já o está tratando assim? - riu mamãe, desistindo de tentar agarrar Padfoot pela coleira. - Ele vai acabar tentando se matar de novo.


Lancei a ela um olhar raivoso, mas mamãe não pareceu se importar.


Cerca de três meses atrás, aconteceu um acidente. Tá, não foi exatamente um acidente, mas eu gosto de pensar desse jeito, porque não temos quem culpar, e o cachorro já se ressentia o suficiente. Padfoot bebeu água da piscina. Não parece grande coisa, já que todo mundo já bebeu água da piscina um dia, mas aquela água estava infestada do mais potente cloro de limpeza que o mercado piscinístico já tinha visto. E o que acontece quando um ser vivo (quatro patas, rabo balançante, corpo peludo e baba pra caramba) bebe um produto de limpeza? Bingo. Ele fica mal. Mal pra caramba.


–Quem é o gatão da mamãe? Quem é? - brinquei, fazendo uma voz infantil. Juro que vi Padfoot fazer uma careta.


–Eu não devia ser a mamãe? - perguntou minha mãe, pendurando seu casaco ao lado da porta.


–Nah, você é a avó - respondi.


–Eu sou muito nova pra ser avó - resmungou ela, mas eu apenas sorri. De repente Padfoot ergue a cabeça animado e começa a latir do nada, tentando escapar do meu abraço.


–Que foi, moço? - perguntei, mas logo soube a resposta.


–PADFOOT!


E foi desse jeito que um cachorro imenso foi esmagado por meu pai.


–Você vai matar meu cachorro! - exclamei, com uma falsa irritação.


–O cachorro é meu, cabeçuda - respondeu ele, afagando loucamente o pobrezinho.


–Eu que limpo a caquinha dele, então acho que ele é meu - intrometeu-se mamãe, com um sorrisinho. Olhamos para ela.


–Você nem gosta dele - brincou papai. Os olhos dela se apertaram de irritação, mas antes que a bomba explodisse, Padfoot se atirou em cima dela.


–Sirius! - exclamou ela, tentando afastar o cão, sem nenhum sucesso - SIRIUS!


Papai se adiantou para puxá-lo pela coleira.


–Que fracote, você, hein - brincou ele. Ao invés de ficar emburrada, mamãe riu dessa vez.


–Eu sou uma dama, não fui feita pra ser forte - respondeu ela, ajeitando a roupa e jogando o cabelo para o lado.


–E eu sou o quê, um pato? - perguntei, mas eles não me deram atenção. Ficaram sorrindo um para o outro, como se trocassem palavras não ditas. Padfoot desistiu de tentar lamber alguém, e acabou saindo correndo para os fundos. Meus ombros caíram quando ouvimos um barulho.


–Esse foi... - começou mamãe.


–É. - disse papai - Padfoot acabou de pular na piscina.


Suspiramos em conjunto.


–Eu que não vou limpar - disse mamãe. Ninguém discutiu.


Harry Potter


–Eu acabei de receber uns quarenta pedidos de amizade no Facebook - falei, franzindo o cenho para a tela - O que isso significa?


Meu pai me encarou desconfiado.


–Que há muitas pessoas querendo te conhecer melhor? - tentou mamãe.


–Lily, olha bem pra cara do nosso filho - disse papai, apontando pra mim. Revirei os olhos. Lá vem. - Ele não é muito popular, não.


–O que a cara dele tem a ver com isso? - perguntou mamãe, irritadiça - Ele tem exatamente a sua cara, e que eu me lembre você era bem popular.


–Acho que os olhos que estragam tudo - papai deu de ombros - A culpa é sua.


A ruiva ficou indignada.


–Ah, é? Desculpe por não ter tentado direito, ok, Sr. Potter? - disse ela, cruzando os braços e encarando o marido com uma fúria sobrenatural - Na próxima, você carrega o bebê!


–Tá! Espera, o quê? - gritou papai escaniçado, correndo atrás dela, que subira as escadas furiosa - Eu estava brincando, Lily! Harry é um gato!


A sala ficou em um estranho silêncio.


–É sempre assim? - perguntou Hermione, parecendo saber exatamente a resposta.


–Yep - respondi, voltando ao notebook. - Ele vai chegar lá em cima, encontrar ela rindo de se acabar, e logo os dois vão começar uma guerra de travesseiros - levantei o olhar - Já contei a história do aeroporto, né?


–A do mafioso e do pacote de Ruffles? - perguntou Rony, fazendo pouco caso - Já.


–E você, mocinho - disse Hermione dando uma de durona, apontando ameaçadoramente a caneta cor-de-rosa para mim - Não está de férias, não. Trate de sair do Facebook e começar a pesquisar de uma vez.


–Ele não precisa de internet - disse Rony, quase dormindo - Ele tem você.
Hermione não se prestou a responder.


–O que diabos é a Lei de Boyle? - resmunguei, lendo o texto na internet. Depois de quatro segundos, desisti - Hermione, não entendi.


–Você nem ao menos leu! - exclamou ela, me encarando pasma.


–Claro que li. Mas não entendi bulhufas.


Nessa hora, ouvimos risadas altas, e meu pai desceu correndo escada abaixo, gritando. Mamãe o seguia, com o que eu reconheci sendo o meu travesseiro erguido acima de sua cabeça.


Troquei um olhar com Hermione, e logo estávamos rolando de rir.


–Isso sempre acontece! - falei.


Alguns segundos depois mamãe passou pela sala, parecendo relaxada.


–James subiu na árvore - respondeu ela, ao ver nossos olhares inquisidores. - E eu tenho a impressão que ele não vai conseguir descer.


–Devo ajudá-lo? - perguntei.


–Nah - respondeu mamãe, subindo para o quarto. Revirei os olhos e me voltei ao notebook.


–Onde a gente estava, mesmo? - perguntei, completamente perdido na matéria.
Como eu tinha sido suspenso, e como eu tinha melhores amigos maravilhosos, eles se prestaram a vir na minha casa, para fazermos juntos a tarefa do dia. Embora eu prefira ficar jogando video-game o dia todo, achei legal da parte deles me ajudarem com a matéria que eu havia perdido. Bem, pelo menos Hemione estava ajudando.


–Aqui, ó - disse ela, sentando mais perto de mim no chão, pegando o livro da mesa de centro - É pra resumir o texto no caderno e depois resolver os exercícios, mas como você é um ananá, vou ter que te explicar.


Enquanto Hermione falava da matéria como se tivesse decorado o livro-texto, notei Rony no canto do olho. Ele estava deitado no sofá do outro lado da sala, balançando uma caneta na ponta dos dedos. O ruivo se moveu desconfortavelmente quando Hermione havia se aproximado de mim, e já desconfiava o motivo. Voltei minha atenção à garota.


–Hermione, você é incrível - falei, entendendo a matéria - É minha heroína. Sério, eu te amo.


A garota deu uma risadinha orgulhosa de si mesma, e pareceu feliz quando eu comecei a fazer as atividades. Rony se levantou do sofá em um salto, e recolheu sua mochila do chão.


–Deu pra mim - disse ele, colocando-a nas costas, e se dirigindo a porta de entrada - Boa sorte com isso. Até mais.


Ele nem ao menos tinha olhado para nossa cara ao sair. Olhei para Hermione, que encarava a porta de cenho franzido.


–O que há com ele? - perguntou ela, parecendo emburrada.


Não quis compartilhar minhas desconfianças, então apenas dei de ombros. Por mais estranho que fosse, isso era assunto dos dois, e eu não tinha direito de ficar me intrometendo. Só esperava que eles se acertassem logo.


Alguns minutos depois, ouvimos um chamado do quintal.


–Harry? - chamou papai, hesitante - Você pode, hm... Me ajudar a descer?


Me levantei e fui atrás de uma escada.

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