CAPÍTULO DEZENOVE



CAPÍTULO DEZENOVE


 


Gina trabalhou com ele, sem parar, por uma hora, apertando-o de forma incessante, para depois recuar e mudar de tática. Manteve as fotos das mortes sobre a mesa o tempo todo, expostas em leque como um baralho apavorante.


Quantas mais, perguntou ela diversas vezes. Quantas imagens de mortos além daquelas deveriam estar ali?


Durante todo o interrogatório, ele derramou lágrimas e negou, chorou muito e manteve silêncio.


Ao devolvê-lo para a detenção, os olhos dele se mantiveram fixos nos dela, até ele ser levado embora. Foi o que viu no olhar de Hermione, porém, que atraiu a sua atenção, e Gina esperou até as duas ficarem a sós para perguntar:


- Algum problema, policial?


Acompanhar o interrogatório foi como observar um lobo brincando e destruindo uma presa já ferida. Hermione respirou fundo e se preparou para responder.


- Sim, senhora, há um problema. Não gostei da linha que seguiu em sua técnica de interrogatório.


- Ah, não gostou?


- Pareceu-me extremamente pungente. Cruel! Usar o pai dele, o tempo inteiro, e obrigá-lo a olhar para as fotos.


O estômago de Gina ardia e seus nervos estavam à flor da pele, mas manteve a voz fria, controlada, e as mãos firmes enquanto recolhia as fotos sobre a mesa.


- Talvez eu devesse ter perguntado a ele educadamente se poderia ter a bondade de confessar, para que todos nós pudéssemos voltar logo para o conforto de nossas casas. Não sei por que não pensei em usar essa tática... vou anotar sua sugestão para tentar fazer do seu jeito na próxima vez que estiver com um suspeito de crime na sala de interrogatório.


Hermione teve vontade de se encolher, mas conseguiu resistir e replicou:


- Foi apenas uma opinião, tenente, especialmente se lembrarmos de que o suspeito não estava acompanhado por um advogado...


- Mas eu li os direitos dele, não li, policial?


- Sim, senhora, mas...


- Ele não confirmou ter compreendido seus direitos e obrigações?


- Sim, senhora. - Hermione recuou um pouco, balançando a cabeça para a frente, lentamente.


- Consegue lembrar, policial Hermione, quantos interrogatórios você já conduziu em casos de homicídio?


- Senhora, eu...


- Eu não consigo. - atirou Gina, e seus olhos foram do gélido ao quente em uma fração de segundo. - Não me lembro de quantas vezes foram, mas sei que foram muitas! Quer dar mais uma olhada nessas fotos, policial? Quer ver mais imagens desse cara com as tripas para fora espalhadas sobre o piso do banheiro? Talvez isso ajude a endurecer um pouco o seu coração, porque se as minhas técnicas de interrogatório a deixam melindrada, Hermione, você está na profissão errada.


Gina caminhou até a porta a passos largos, e então girou o corpo para trás, vendo que Hermione continuava no lugar em que estava, rígida e atenta.


- Minha expectativa é de que a pessoa que me serve de auxiliar me dê também apoio total, não que fique me questionando pelo simples fato de ter uma simpatia especial por bruxas. Se não consegue segurar essa barra, policial Hermione, posso aprovar o seu pedido de transferência assim que você o trouxer para a minha avaliação. Compreendido?


- Sim, senhora. - Hermione soltou um suspiro entrecortado, enquanto as botas de Gina iam fazendo um barulho ritmado pelo corredor afora. – Compreendido. - repetiu para si mesma e fechou os olhos.


- Você foi rígida demais com ela. - comentou Neville, acompanhando os passos de Gina.


- E você também não comece!...


- Isis acabou de chegar, voluntariamente. - disse ele, levantando a mão em sinal de defesa. - Coloquei-a na sala de interrogatório B.


Virando a cabeça de repente, Gina mudou de direção e abriu a porta da sala B com violência. Isis parou de andar de um lado para outro e se virou para Gina, dizendo:


- Como pôde fazer isso? Como pôde traze-lo até aqui? Ele tem pavor de lugares como este.


- Charles Forte foi detido para interrogatório relacionado com a morte por esfaqueamento de Louis Trivane, entre outros. - Contrastando com a voz alta e furiosa de Isis, a de Gina estava baixa e fria. - Ele ainda não foi oficialmente indiciado.


- Indiciado? - Sua pele dourada empalideceu. - Você não pode acreditar que Chas tenha alguma coisa a ver com um assassinato. Trivane? Nós não conhecemos nenhum Louis Trivane.


- Você conhece todas as pessoas com quem o Sr. Forte mantém relações de qualquer tipo, Isis? - Gina jogou a pasta sobre a mesa e manteve as mãos sobre ela, como se para lembrar a si mesma do que havia ali dentro. - Você sabe de tudo o que ele faz, pensa e planeja?


- Somos tão unidos quanto dois corpos, mentes e almas humanas podem ser. Não existe maldade nele. - Sua raiva desapareceu por completo e sua voz estremeceu. - Deixe-me levá-lo para casa. Por favor...


Gina enfrentou os olhos suplicantes de Isis fixamente, forçando-se a não sentir a dor que eles transmitiam.


- Já que vocês são assim tão unidos quanto é humanamente possível, era do seu conhecimento que Forte decidiu se tornar também tão íntimo, fisicamente, de Mirium?


- Mirium? - Isis piscou uma vez, e então quase riu diante da idéia. - Isso é ridículo.


- Ela me contou isso, pessoalmente. E sorriu ao me contar... - Lembrar daquilo, trazer a imagem de volta à cabeça, ajudou a acabar com qualquer simpatia que Gina pudesse demonstrar. - Mirium sorriu para mim, Isis, sentada com as pernas abertas sobre o que restou do corpo de Louis Trivane, com o sangue dele espalhado em suas mãos e em seu rosto, enquanto segurava um punhal.


Ao sentir as pernas bambas, Isis esticou o braço, tentando alcançar às cegas as costas de uma cadeira para apoiar a mão.


- Mirium matou uma pessoa? Isso é impossível...


- Pois eu achava que todas as coisas eram possíveis em sua área de atuação, Isis. Peguei Mirium em flagrante, pessoalmente, enquanto ela executava a sua pequena cerimônia mortal. - Gina sentiu uma comichão nos dedos, mas não abriu a pasta com as fotos. Sentia pena, por trás de tudo, pela mulher que amara e acreditara em seu amor. - Mirium cooperou muito conosco e me contou, alegremente, que Charles Forte permitiu que ela matasse Trivane por conta própria. Ao contrário dos outros crimes, dos quais participou apenas como observadora.


Utilizando as mãos para manter o equilíbrio, Isis andou em volta da cadeira, sentindo-se tonta, e se largou sobre ela, afirmando:


- Ela está mentindo. - Havia uma lança espetada em seu coração, e era como se a girassem para aumentar a dor. - Chas não tem nada a ver com isto. Como pude deixar de perceber esta faceta dela? - Fechando os olhos, Isis balançou-se para a frente e para trás, lentamente. - Como é que eu não notei? Nós a iniciamos na Arte, a aceitamos no seio do nosso grupo. Nós a tornamos uma das nossas.


- Parece que você não consegue ver tudo, não é? - Gina olhou para Isis com a cabeça meio de lado. - Acho que deveria estar ainda mais preocupada com a sua percepção visual em relação a Charles Forte.


- Não. - Isis tornou a abrir os olhos. Havia dor neles, mas, por trás do sentimento, havia uma determinação de aço que Gina reconheceu. - Não há ninguém que eu veja e conheça com mais clareza do que Chas. Ela está mentindo.


- Mirium será devidamente testada. Nesse meio-tempo, talvez você queira pensar novamente a respeito de ter se deixado usar como álibi dele. Ele traiu a sua confiança. - afirmou Gina, chegando mais perto de Isis. - A vítima podia ter sido você. Mirium é mais jovem, provavelmente mais influenciável. Fico me perguntando por mais quanto tempo ele ia fingir que deixava você conduzir o espetáculo.


- Como pode deixar de compreender o que existe entre mim e Chas, quando tem o mesmo em sua própria vida, Gina? Você acha que a palavra de uma mocinha perturbada consegue lançar dúvidas sobre o homem que eu amo? Apenas isso já seria o bastante para fazê-la duvidar de Potter?


- Não é a minha vida pessoal que está na ponta da corda aqui. - afirmou Gina, sem vacilar. - É a sua! Se você se preocupa tanto assim com ele, coopere comigo... essa é a única maneira de impedi-lo de continuar com isso e ajudá-lo.


- Ajudá-lo? - A boca de Isis se torceu, irônica. - Você não quer ajudá-lo. Quer que ele seja culpado... quer vê-lo punido, por causa de sua origem. Por causa do pai dele.


Gina olhou para a pasta que estava embaixo de sua mão, e para a fina capa que escondia as imagens terríveis de uma morte pavorosa.


- Você está errada, Isis. - disse Gina baixinho, quase como se falasse consigo mesma. - Eu queria provar que ele era inocente. Por causa do pai dele.


Então levantou o olhar, encarou Isis com determinação e informou:


- O mandado de busca e apreensão já deve ter sido emitido. Vamos revirar a sua loja e o seu apartamento. Qualquer coisa que encontrarmos também poderá ser usada contra você.


- Não importa. - Isis se obrigou a ficar em pé. - Vocês não vão achar nada lá que possa ajudá-los.


- Você tem o direito de permanecer no local durante a busca.


- Não. Ficarei aqui. Quero ver Chas.


- Você não é parente dele nem legalmente casada, e portanto...


- Weasley, - interrompeu Isis, baixinho - você tem um coração. Por favor, ouça a voz de seu coração e permita que eu me encontre com ele.


Sim, Gina tinha um coração. Ele estava doendo ao ver o ar de súplica nos olhos de uma mulher tão forte.


- Posso autorizar cinco minutos, através do vidro de segurança. - Ao escancarar a porta com força, completou, entre dentes: - E diga-lhe para arranjar um advogado, pelo amor de Deus!


 


No almoxarifado da Busca Espiritual e em uma sala de trabalho no apartamento que ficava sobre a loja, havia dezenas de garrafas, pacotes e caixas. Os recipientes estavam cheios de líquidos, pós, folhas e sementes. Gina encontrou registros organizados detalhando o conteúdo e a indicação de uso de cada um deles.


Ordenou que tudo aquilo fosse levado para o laboratório, a fim de ser analisado.


Encontrou punhais e athames diversos, alguns com cabos entalhados e outros lisos, com lâminas longas e curtas. Pediu a um dos técnicos do laboratório para pesquisar vestígios de sangue em tudo.


Mantos cerimoniais e roupas comuns também foram igualmente examinados.


Gina tentou filtrar as vozes altas à sua volta, os técnicos jamais conseguiam trabalhar em silêncio, e procurou realizar o seu trabalho com foco e eficiência.


E então, no fundo de um baú, debaixo de uma pilha de mantos cuidadosamente dobrados, perfumados por ramos de alecrim e raspas de cedro, ela encontrou um manto preto todo embolado e ensangüentado.


- Aqui! - Fez sinal para uma das jovens que trabalhava com os técnicos. - Passe o aparelho nisto aqui.


- É uma boa amostra. - comentou a profissional, mastigando chiclete e passando o bocal do aparelho que trazia preso ao ombro sobre o pano. - A maior parte do sangue está nas mangas. - Por trás dos óculos protetores, os olhos da jovem pareciam ligeiramente entediados. - Sangue humano. - confirmou ela. - Tipo A negativo. Não dá para dizer mais usando apenas um aparelho portátil como este aqui.


- Já é o bastante. - Gina colocou o manto em um saco, lacrou-o e etiquetou-o, para ser usado como prova. - O sangue de Wineburg era A negativo. - Olhou para Hermione ao entregar-lhe o saco lacrado. - Que falta de cuidado a dele, não?


- Sim, senhora. - Cumprindo o seu dever, Hermione guardou o saco com todo o cuidado no kit de provas. - É o que parece...


- Lobar era O positivo. - Foi até outro baú, levantando a tampa curva. - Continue a procurar.


O crepúsculo já se aproximava com sua luz difusa e brisa fresca quando elas entraram de volta no carro. Como a tensão entre Gina e Hermione continuava grande, a tenente não se deu ao trabalho de pedir e acionou pessoalmente o tele-link do veículo.


- Aqui é a tenente Weasley. Gostaria de falar com a dra. Minerva.


- A dra. Minerva está atendendo um paciente. - disse a recepcionista, de forma educada. - Ficarei feliz em registrar sua mensagem, se desejar.


- Sabe se ela já fez testes com Mirium Hopkins?


- Um momento, por favor, enquanto verifico os registros. - A recepcionista desviou o olhar para a tela ao lado, e então tornou a se virar de frente para Gina. - Esta sessão foi remarcada para amanhã de manhã, às oito e trinta.


- Remarcada? Por quê?


- O registro indica que a paciente reclamou de terríveis dores de cabeça, e, depois de ser examinada pelo médico de plantão, foi medicada.


- E quem era o médico de plantão? - perguntou Gina, já rangendo os dentes de irritação.


- Dr. Arthur Simon.


- Só podia ser... - Com mau humor, Gina ultrapassou um gigantesco ônibus lotado que se arrastava à frente dela. - Esse cara é capaz de lhe receitar um tranqüilizante duplo só por causa de uma cutícula mal cortada pela manicure.


- Sinto muito, tenente. - A recepcionista fez cara de triste, tentando ser solidária com Gina. - A paciente já havia sido medicada antes de os testes de avaliação serem realizados. A dra. Minerva não pode atendê-la até amanhã de manhã.


- Ótimo! Fabuloso! Peça para ela entrar em contato comigo assim que terminar a avaliação. - Desligou, resmungando: - Que médico filho-da-mãe! Vou até lá dar uma olhada nela eu mesma. Leve o material que recolhemos para o laboratório, Hermione, e exija urgência, mesmo que não adiante nada. Depois disso, está dispensada por hoje.


- A senhora vai tornar a interrogar o Sr. Forte ainda hoje?


- Exato.


- Senhora, peço permissão para estar presente durante o interrogatório.


- Permissão negada. - afirmou Gina secamente, enquanto estacionava na garagem da Central de Polícia. - Já disse que você está dispensada por hoje! - Saiu do carro, bateu a porta e foi caminhando para longe da ajudante.


 


Já era meia-noite e sua cabeça também doía terrivelmente. A casa estava calma quando ela entrou e se arrastou lentamente escadaria acima. Não ficou surpresa ao ver Harry ainda acordado e falando com alguém pelo tele-link do quarto. Olhou para o monitor ao passar e reconheceu o rosto jovem e empolgado de um dos engenheiros designados para a construção do Olympus Resort.


Isso a fez se lembrar dos últimos dias de sua lua-de-mel, que passara no resort ainda não inaugurado. Gina também enfrentara a morte lá. Grande novidade, pensou com amargor, enquanto se debruçava sobre a pia do banheiro e jogava um pouco de água fria no rosto. Ela jamais conseguia escapar daquilo mesmo.


Enxugou o rosto e foi andando até a cama, para se sentar e tirar as botas. Assim que elas caíram no chão, o esforço de continuar a se despir lhe pareceu por demais intenso. Foi se arrastando, até colocar o corpo todo atravessado na cama, de bruços.


Harry ouvia o engenheiro; olhava para ele com um olho enquanto observava Gina com outro. Reconhecia os sinais, os olhos cheios de olheiras, a pele pálida, os movimentos lentos e deliberados. Ela trabalhara novamente até a exaustão, um hábito que o deixava fascinado e também frustrado.


- Amanhã eu torno a ligar para saber a respeito disso. - anunciou Harry, encerrando a ligação e desligando em seguida. - Já vi que teve um dia dos bravos, tenente.


Ela nem se mexeu quando ele se sentou sobre ela com uma perna de cada lado e começou a massagear-lhe a nuca e os ombros.


- Devo ter passado por dias piores. - murmurou. - Só que não consigo me lembrar de quando foi...


- O assassinato de Louis Trivane já apareceu em todos os noticiários.


- Malditos urubus.


Ele desafivelou o coldre, puxou-o para tirá-lo debaixo dela e o colocou de lado.


- Quando um advogado proeminente é retalhado em um clube privativo de alta classe, o fato sempre acaba virando notícia. - De forma competente, apertou os polegares sobre a coluna de Gina, subindo devagar. - Tonks já ligou um monte de vezes.


- Sim, ligou para a central também. Não tenho tempo para ela.


- Humm... - Ele puxou a blusa de Gina para fora das calças e passou a usar a base da palma da mão para fazer massagem. - Você realmente entrou no momento do crime ou isso foi acrescentado pela mídia para tornar a história mais interessante?


- Não, eu realmente cheguei na hora. Se aquele andróide idiota não tivesse me atrasado, eu... - Parou de falar e balançou a cabeça. - Na verdade, cheguei tarde demais. A assassina já abrira a barriga dele. Ainda estava trabalhando em suas vísceras, até parecia uma aluna aplicada executando um projeto para a aula de ciências. Ela acusou Charles Forte.


- Sim, isso também foi noticiado.


- Claro que foi. - disse ela, soltando um suspiro. - Não dá para evitar o vazamento de informações.


- Você está com ele sob custódia?


- Sim, estamos fazendo interrogatórios... eu estou!... Ele nega tudo. Encontrei provas de um dos crimes em seu apartamento, mas ele continua a negar tudo.


Ele nega, pensou ela, e parece chocado, deslocado, aterrorizado.


- Ai, droga! - Virou o rosto, apertando-o contra a colcha. - Que droga!


- Vamos lá... - Ele beijou o alto de sua cabeça de leve. - Vamos trocar de roupa e ir para a cama.


- Não me trate feito criança!


- Tente me impedir.


Ela começou a se mexer para o lado, mas então se moveu com rapidez, sem nem mesmo perceber as próprias carências e intenções. De repente, já estava com os braços em torno dele e o rosto enterrado em seu ombro, com os olhos fechados e bem apertados, como se desejasse afastar da mente imagens indesejáveis.


- Você está sempre aqui para me consolar, mesmo quando não está...


- Não estamos mais sozinhos. Nenhum de nós. - Sentindo que ela precisava daquilo, levantou-a, colocando-a no colo, e pediu: - Vamos lá, conte-me tudo. Na sua cabeça, há mais do que um crime e algumas provas encontradas.


- Não sou uma pessoa boa... - A frase saiu antes que ela conseguisse impedir. - Sou uma boa policial, mas não sou um bom ser humano. Não posso me dar ao luxo de ser.


- Isso não faz sentido, Gina.


- Faz sim... e é verdade. Você é que não quer enxergar essa realidade. - Gina se afastou para poder olhar de frente para ele. - Quando a gente ama alguém, consegue relevar os pequenos defeitos, mas se recusa a ver os grandes. Ninguém gosta de admitir que a pessoa que está a seu lado seja capaz de fazer coisas horríveis, então finge que não vê...


- E o que você é capaz de fazer e eu sou tão cego a ponto de não ver?...


- Arrasei com Forte, fiz um purê dele. Não fisicamente. - continuou ela, tirando os cabelos da frente do rosto. - Era tão fácil fazer isso, tão prático e limpo. Eu o esquartejei emocionalmente, queria que fosse assim! Queria que ele me contasse tudo o que fizera, para poder acabar com o assunto e encerrar o caso. E quando Hermione teve peito bastante para questionar minhas técnicas de interrogatório, eu a trucidei. Depois, dispensei-a para poder voltar lá sozinha e continuar a atacá-lo.


Harry ficou calado por um momento, e então se levantou para puxar as cobertas debaixo de Gina, colocando-as ao pé da cama.


- Deixe-me recapitular essa história. - disse ele. - Você deu de cara com uma mutilação no momento em que ela estava sendo executada, levou a assassina presa, uma assassina que implicou o nome de Charles Forte nesse e em outros assassinatos. Isso tudo poucos dias depois de termos encontrado outro corpo mutilado junto ao portão de nossa casa.


- As coisas não podem ser levadas para o terreno pessoal.


- Desculpe-me, tenente, mas isso é conversa fiada! Agora, continuando... - disse ele, dando a volta na cama para desabotoar a sua blusa. - Você leva Charles Forte para interrogatório, um homem que suspeita, por bons motivos, ser o responsável por várias mortes violentas. Joga pesado, algo que sua ajudante, a quem você está treinando, desaprova; uma ajudante que, embora altamente competente, tem muito menos experiência nesses assuntos; uma policial novata, que não passou pela experiência de entrar em um aposento e dar de cara com uma mulher que está alegremente fazendo picadinho de um homem. Como vê, as notícias foram muito específicas. - disse-lhe ele. - Em seguida, - acrescentou, antes que Gina tivesse chance de falar - você repreende essa mesma auxiliar por ela ter questionado o seu procedimento e a dispensa para poder retomar o interrogatório. Essa é a história toda?


Franzindo o cenho, ela observou o alto da cabeça de Harry quando ele se abaixou na frente dela, puxando-lhe as calças, e argumentou:


- Você está colocando as coisas em preto e branco, e elas não são assim.


- Nunca são. - Ele colocou as pernas dela na cama e a empurrou para baixo com carinho. - Vou lhe dizer em que tudo o que me contou a transforma, tenente. Isso a faz uma boa policial, uma profissional dedicada... e humana. - Ele se despiu e se enfiou na cama, ao lado dela. - Portanto, já que é assim, talvez seja melhor eu me divorciar de você e tocar minha vida em frente. - Puxou-a para perto dele, até sentir que a sua cabeça se aninhara em seus ombros. - Obviamente, até agora eu tenho estado cego para as suas terríveis falhas de caráter.


- Do jeito que você fala, me faz sentir uma idiota.


- Ótimo, era o que eu pretendia. - Beijou-a na testa e ordenou às luzes que diminuíssem. - Agora, durma.


Ela virou a cabeça um pouco de lado para poder sentir o cheiro da pele dele, enquanto deslizava para o mundo dos sonhos.


- Acho que não vou deixar você se divorciar de mim não... - disse ela, com um suspiro.


- Não?


- Hã-hã... - Balançou a cabeça. - Não quero abrir mão do café, de jeito nenhum.


 


Gina entrou em sua sala às oito da manhã. Antes disso, passara no laboratório para tentar apressar os técnicos, e isso, em parte, a havia deixado mais animada. Seu tele-link estava com a luz de mensagens piscando, conforme notou assim que abriu a porta. Hermione estava em pé, atenta, ao lado de sua mesa.


- Chegou cedo, Hermione? - Gina foi até o tele-link, digitou uma senha e esperou as mensagens serem apresentadas. - Você só vai entrar em horário de serviço às oito e meia.


- Queria falar com a senhora, tenente, antes de começar meu turno.


- Certo. - Gina deixou as mensagens em modo de espera e se virou para Hermione, dando-lhe toda a atenção e comentando: - Você está com uma aparência horrível.


Hermione manteve os olhos firmes. Sabia bem como estava a sua aparência. Não conseguira comer nada nem dormir. Sintomas que ela sabia serem embaraçosamente semelhantes aos que alguém sente ao terminar um romance. Só que aquilo, conforme percebera durante a longa noite, era pior do que qualquer rompimento com um homem.


- Gostaria de me desculpar formalmente junto à senhora, tenente, pelas afirmações que fiz após o interrogatório do Sr. Forte. Fui insubordinada e procedi de forma incorreta ao questionar seus métodos. Espero que meu erro de julgamento nesse assunto não a influencie na decisão de me afastar desse caso, ou dessa divisão.


Gina sentou-se na cadeira que rangeu, pedindo por óleo.


- Isso é tudo, policial Hermione?


- Sim, senhora. Bem... gostaria de dizer também que...


- Se tem mais alguma coisa a dizer, tire o cabo de vassoura que espetou na bunda e desmonte essa pose de soldadinho de chumbo. Você está em horário de folga e nossa conversa não é oficial.


Os ombros de Hermione pareceram relaxar um pouco, mais por defesa do que por despreocupação.


- Desculpe tenente. Ver o Sr. Forte desmontar daquele jeito me afetou muito. Não consegui me manter emocionalmente afastada da situação para ter uma visão objetiva. Eu não acredito, isto é, não quero acreditar - corrigiu-se - que seja ele o responsável. Isso prejudicou a minha avaliação profissional.


- Objetividade é essencial em nosso trabalho. Também é, mais freqüentemente do que gostaríamos de admitir, algo impossível. Eu também não fui totalmente objetiva, e devido a isso reagi de forma exagerada aos seus comentários, Hermione. Peço desculpas por isso.


Surpresa e alívio a inundaram. Hermione sentiu no mesmo instante que já estava mais fácil respirar e engolir, livre da preocupação e do medo.


- A senhora vai me manter como sua auxiliar?


- Estou investindo em você, Granger... - Deixando as coisas nesse pé, Gina tornou a se virar para o tele-link.


Atrás de Gina, Hermione fechou os olhos com força e tentou manter a compostura. Respirou fundo, engoliu em seco e exultou por conseguir novamente fazer as duas coisas.


- Então, isso quer dizer que fizemos as pazes, Gina?


- Depende... por que razão estou sem café até agora? - Gina olhou de lado para Hermione e apertou o teclado para ver as mensagens. A primeira delas mal havia aparecido na tela quando Gina percebeu ao seu lado uma xícara fumegante que Hermione acabara de lhe servir.


Qual é, Weasley? Vamos lá, me dê um tempo!... Pode me ligar a qualquer hora do dia ou da noite, mas responda! Só quero alguns detalhes.


- Isso não vai acontecer, Tonks. - murmurou Gina, passando pelas três mensagens seguintes, também deixadas pela repórter, em um nível crescente de desespero.


Em seguida, havia um comunicado do médico-legista com o relatório da autópsia. Gina copiou o arquivo e mandou o computador imprimi-lo. Por fim, havia uma transmissão do laboratório, confirmando que o sangue encontrado no manto era de Wineburg.


- Eu não consigo enxergar. - disse Hermione baixinho. - Por que será que eu não quero enxergar? As provas estão todas aí, na minha cara. - Levantou os ombros e tornou a abaixá-los. - Estão bem na minha cara!


- Vamos indiciá-lo oficialmente e fichá-lo. - Gina esfregou o dedo para cima e para baixo da testa. - Homicídio em primeiro grau no caso de Wineburg. Vamos segurar a acusação de conspiração com o intuito de cometer homicídio no caso de Trivane, até Minerva terminar a avaliação da acusada. Traga-o novamente para a sala de interrogatório, Hermione. Vamos ver de quantos crimes mais podemos acusá-lo.


- Por que Alice? - perguntou Hermione. - Por que Frank?


- Forte não cometeu estes. Não foi ele...


- Casos independentes? Você ainda acha que Selina é a responsável por essas duas mortes?


- Sei que ela é. Mas ainda estamos longe de provar.


 


Gina passou a manhã revendo relatórios dos outros e preparando o dela. Ao meio-dia, ao se encontrar mais uma vez com Chas na sala de interrogatório, estava disposta a tentar uma tática diferente.


Avaliou a representante que ele escolhera, uma mulher jovem, com olhos tristes, que Gina imaginou que mal tinha idade para prestar exame da Ordem dos Advogados. Nem se deu ao trabalho de suspirar ao reconhecê-la da cerimônia de iniciação à qual assistira.


Uma advogada que também é bruxa, refletiu. E se perguntou se isso poderia ser considerado uma redundância.


- Essa é a representante que escolheu, Sr. Forte?


- Sim. - Seu rosto exibia um tom doentio de cinza, e suas olheiras haviam aumentado. - Leila concordou em me ajudar.


- Muito bem... o senhor foi acusado de assassinato, Sr. Forte.


- Acabei de solicitar uma audiência e entrei com pedido de liberdade sob fiança. - afirmou Leila, e passou a papelada para Gina analisar. - Está marcada para hoje, às duas da tarde.


- Vocês não vão conseguir fiança. - Gina entregou os papéis a Hermione. - E também não vão atrasar em nada o processo.


- Eu nem mesmo conhecia o homem que foi assassinado. - começou Chas. - Jamais o vi antes daquela noite, no velório. E estava com a senhora.


- O que o coloca na cena do crime e na hora do crime, e lhe dá a oportunidade. Quanto ao motivo...? - Gina se recostou. - O senhor estava no local, sabia que ele estava quase falando, prestes a entregar os pontos. O sangue dele não foi o primeiro a ser derramado, foi, Sr. Forte?


- Não sei de nada a respeito disso. - Sua voz estremeceu. Ele respirou fundo e colocou a mão sobre a de Leila, como quem precisa de apoio. Seus dedos se entrelaçaram e sua voz saiu mais forte: - Jamais fiz mal algum a outro ser humano em toda a minha vida. Isso vai contra tudo em que acredito, contra tudo o que eu me tornei. Já lhe disse. Não escondi nada da senhora, e achava que seria compreendido.


- O senhor possui um manto preto? Ele é feito de seda natural, envolve todo o corpo e vai até o chão.


- Possuo muitos mantos. Nenhum preto.


- Então, o senhor não reconhece isto? - Estendeu o braço, esperando Hermione colocar o saco com a vestimenta em sua mão.


- Não é meu. - Ele pareceu relaxar um pouco. - Este objeto não me pertence.


- Não? No entanto, foi encontrado em um baú no apartamento que o senhor divide com Isis. Foi escondido de modo descuidado, talvez às pressas, sob uma pilha de outros mantos. Há sangue nesta vestimenta, Sr. Forte. Sangue do falecido Wineburg.


- Não! - Ele recuou. - Isso não é possível.


- Pois é um fato. Sua advogada pode analisar o teste executado pelo laboratório, se desejar. Será que Isis reconheceria este manto? Talvez vê-lo sirva para... refrescar sua memória.


- Isis não tem nada a ver com isto. Não tem nada a ver com esse assunto. - Uma onda de pânico pareceu atacá-lo. - A senhora não pode suspeitar de que ela seja...


- Seja o quê? - Gina jogou a cabeça para o lado. - Uma cúmplice? Ela vive com o senhor, trabalha com o senhor e dorme com o senhor. Mesmo que esteja apenas protegendo-o, isto já a torna cúmplice.


- Ela não pode ser arrastada para esse lodo... não merece passar por isso. Deixe-a em paz! - Ele se inclinou para a frente, colocando as mãos trêmulas sobre a mesa. - Deixe-a em paz... prometa-me isso e eu lhe conto seja o que for que quiser saber.


- Chas... - Leila se levantou e colocou a mão com firmeza sobre o seu ombro. - Não diga mais nada! Meu cliente não tem mais nada a declarar no momento, tenente. Preciso conversar com ele e exijo privacidade nesse momento para fazer isso.


Gina olhou bem para ela. A mulher já não parecia jovem e triste, mas fria e determinada.


- Não adianta propor um acordo, porque nós não vamos aceitar, doutora, não nesse caso. - avisou Gina, levantando-se e fazendo um sinal para Hermione. - O que posso lhe adiantar é que uma confissão completa talvez o ajude a conseguir internação em uma clínica psiquiátrica em vez de ir para a prisão de segurança máxima. Pensem a respeito...


Gina xingou baixinho assim que se viu fora da sala, reclamando:


- Essa advogada vai colocar uma mordaça nele. Ele vai fazer tudo o que ela mandar, porque está apavorado demais para agir diferente. - Foi caminhando pelo corredor, mas acabou voltando. - Vou procurar Minerva. Ela já deve ter acabado a avaliação. Entre em contato com a promotoria. Precisamos de alguém do departamento deles aqui. Talvez consigamos descobrir mais coisas se um promotor conversar com a advogada de Forte.


- A ameaça a Isis o deixou abalado. - Hermione olhou em direção à porta, enquanto elas se afastavam dali. - Ele a ama de verdade.


- O amor existe sob várias formas, não é?


- Não consigo entender o porquê de ele ter feito sexo com Mirium.


- O sexo também existe sob várias formas. Manipulação pura e simples é uma delas. - disse e entrou em sua sala, a fim de ligar para Minerva.


 


 


Agradecimento especial:


 


Bianca: realmente não foi o Chas e a Isis não seria enganada mesmo, mas as provas estavam lá contra ele, a Gina apenas seguia os procedimentos. A Mirium estava completamente dopada além de ter sérios distúrbios mentais, a filha de Minerva ser uma bruxa ativa foi algo inesperado mesmo, mas no próximo capitulo teremos a revelação dos assassinatos e a confissão verbal, sem contar com uma pequena surpresa. O próximo capitulo também infelizmente já é o ultimo. Beijos e feliz dia das bruxas atrasado para você também.


 


 


 

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