CAPÍTULO QUINZE



CAPÍTULO QUINZE


 


- Não vou conseguir chegar em casa a tempo de me aprontar. - Gina se comunicava com Harry pelo tele-link enquanto buscava, no computador, todos os dados sobre David Baines Conroy. - Será que você não poderia me pegar aqui no trabalho às seis horas? Podíamos ir daqui direto para a festa das bruxas, no campo.


- Tudo bem, com a condição de que a viagem não seja feita em seu veículo. - Harry levantou uma das sobrancelhas de modo elegante, e então apertou os olhos para ver melhor e pediu: - Chegue um pouco mais perto da tela, querida... O que houve com você dessa vez? - perguntou.


- O que quer dizer com “dessa vez”? Estou muito ocupada!


- Quero saber o que houve dessa vez com o seu pescoço.


- Ah, isso... - Passou os dedos sobre as feridas, ainda em carne viva. Ela não conseguira achar o estojo de primeiros socorros. - Foi uma pequena diferença de opiniões. Eu ganhei...


- Naturalmente que sim... mas coloque alguma coisa nessas feridas, tenente. Devo chegar aí por volta de seis e meia. Podemos jantar a caminho.


- Certo. - Jantar a caminho?... - Espere um minuto. Não me apareça aqui com a limusine.


- Seis e meia. - disse e simplesmente sorriu.


- Estou falando sério, Harry, não traga a... - Estalou a língua em sinal de desaprovação, reclamando: - Droga! - Com um suspiro, voltou ao computador.


O CIPC era uma boa fonte para aquele tipo de pesquisa, avaliou Gina, passando por vários arquivos e fazendo pausas ao notar fatos relevantes sobre David Baines Conroy.


 


Divorciado, tem apenas um descendente, do sexo masculino, de nome Charles. Esse filho nasceu em 22 de janeiro de 2025, e sua mãe, Ellen Forte, conseguiu a custódia da criança.


 


Grande novidade, refletiu Gina. Assassinos em série dificilmente mantinham a custódia dos filhos.


- Vamos direto ao assunto. - murmurou ela. - Computador, quero acusações e condenações.


 


Acusado e condenado... Assassinato em primeiro grau, sob tortura, com estupro post-mortem, mutilação e desmembramento de Doreen Harden, sexo feminino, cor parda, com vinte e três anos. Sentença: prisão perpétua em penitenciária de segurança máxima, sem direito a condicional.


Acusado e condenado... Assassinato em primeiro grau, acompanhado de estupro, morte por tortura e posterior desmembramento de Emma Tangent, sexo feminino, negra, com vinte e cinco anos. Sentença: prisão perpétua em penitenciária de segurança máxima, sem direito a condicional.


Acusado e condenado... Assassinato em primeiro grau, acompanhado de sodomia, estupro, morte por tortura e desmembramento de Lowell McBride, sexo masculino, branco, com dezoito anos. Sentença: prisão perpétua em penitenciária de segurança máxima, sem direito a condicional.


Acusado e condenado... Assassinato em primeiro grau, acompanhado de estupro, morte por tortura e desmembramento de Daria Fitz, sexo feminino, cor parda, com vinte e três anos. Sentença: prisão perpétua em penitenciária de segurança máxima, sem direito a condicional.


Acusado e condenado... Assassinato em primeiro grau, sodomia, estupro post-mortem, morte por tortura e desmembramento de Martin Savoy, sexo masculino, cor parda, com vinte anos. Sentença: prisão perpétua em penitenciária de segurança máxima, sem direito a condicional.


O condenado encontra-se atualmente cumprindo sentença na Penitenciária da Estação Ômega.


Suspeito de doze outros assassinatos, casos ainda em aberto. Provas insuficientes para indiciação. Os investigadores principais de cada caso estão à disposição para maiores esclarecimentos.


 


- Computador, quero a lista dos investigadores principais de todos os crimes. - ordenou Gina, observando a lista de nomes e os dados que iam surgindo na tela. - Você andou passeando bastante por aí, não foi, Conroy? - falou baixinho ao notar que os detetives encarregados de cada caso estavam espalhados por todo o país.


Gina ainda era adolescente quando o caso Conroy tomou conta de todos os noticiários, mas se lembrava dos raptos, dos membros da família chorosos, diante das câmeras, implorando a Conroy que lhes contasse onde escondera os restos mortais de seus entes queridos. Lembrava-se de policiais com ar sombrio dando declarações, e visualizou o próprio Conroy, com seu rosto sereno marcado por olhos escuros e ferozes.


Na época, todos o chamaram de demônio, recordou. O Anticristo... esse era o termo usado por todos para descrevê-lo em uma tentativa, talvez, de separá-lo da raça humana.


No entanto, ele fora humano o bastante para conceber um filho. E esse filho estava em sua lista de suspeitos. Talvez ela tivesse se focado demais em Selina Cross.


O filho demonstrava ter atração pelo poder, refletiu. E feitiçaria tinha tudo a ver com poder, não é mesmo? Ele conhecia, comprovadamente, pelo menos uma das vítimas. E duas outras foram mortas por facas. Conroy se mostrara muito habilidoso no passado com facas.


Ele também se considerava um instrumento de Deus, recordou, analisando os dados. Sim, ali estava uma de suas declarações incoerentes, notou ela, destacando o arquivo e exigindo:


- Computador, quero o áudio deste arquivo.


 


Carregando arquivo...


 


- Sou uma força que está acima de todos. - afirmava a voz de Conroy, com uma dicção maravilhosa e quase musical. A voz do filho, lembrou Gina, era igualmente carismática. - Sou o instrumento de um deus de vingança e dor. O que faço em seu nome é grandioso. Tremam diante de mim, pois jamais serei derrotado. Sou Legião.


- Você é lixo. - corrigiu Gina. Legião... Selina Cross usara o mesmo termo. Interessante... Será que Conroy enveredara pelo satanismo, perguntou-se, ou pela feitiçaria? E será que o filho fora atraído para as mesmas áreas de atuação?


Até que ponto, ponderou ela, Charles Forte sabia das atividades do seu pai? E como se sentia a respeito?


- Computador, apresente informações sobre Charles Forte, morador desta cidade e conhecido anteriormente pelo nome de Charles Conroy, filho de David Baines Conroy.


 


Pesquisando...


 


Quando as informações surgiram, anunciadas por um bipe, Gina tamborilou com os dedos sobre o tampo da mesa e as avaliou. A mãe levara o filho para Nova York, o que significava, refletiu Gina, que o rapaz viajara de volta até a sua cidade de origem para assistir ao julgamento. Ele se dera a todo esse trabalho, provavelmente entrando em conflito com a mãe. Largou a faculdade de farmácia no segundo período. Muito interessante. Registrado como atendente especializado em substâncias químicas, trabalhou na fabricação e clonagem de drogas farmacêuticas. Pulou de cidade em cidade, notou ela. Como seu querido pai. Finalmente, se estabeleceu em Nova York, como co-proprietário da loja Busca Espiritual.


Recostando-se na cadeira, Gina passou os dedos, de forma casual, pela garganta arranhada. Não se casara, não tivera filhos e nunca fora preso. Por palpite, solicitou algo a mais:


- Computador, informe todos os seus dados médicos.


 


Charles Forte teve a mão quebrada aos seis anos. Também aos seis anos, sofreu uma leve concussão, acompanhada de lesões abdominais. Aos sete, queimaduras de segundo grau nos antebraços. Também aos sete, concussão e tíbia fraturada.


 


A lista continuava nesse ritmo por toda a sua infância, em um padrão tão constante que fez o estômago de Gina se apertar.


- Pare! - comandou ela. - Informe a probabilidade de ele ter sido vítima de abuso infantil.


 


Probabilidade: noventa e oito por cento.


 


- E por que cargas d’água as autoridades não perceberam este fato?


 


Os registros médicos indicam que os diversos atendimentos foram feitos em vários hospitais em cidades diferentes, em um período de dez anos. Não há registro nos arquivos da Agência Nacional de Prevenção de Abusos e Proteção da Criança.


 


- Idiotas! Idiotas! - Gina passou as mãos no rosto, apertando com força o local onde uma dor de cabeça começava a surgir, em sua fronte. Aquilo era parecido demais com o que acontecera com ela. - Quero uma listagem com os tratamentos psiquiátricos ou perfis psicológicos disponíveis. - exigiu.


 


O objeto da pesquisa cadastrou-se voluntariamente na Clínica Miller, para ser atendido como paciente externo. Seu médico foi o dr. Ernest Renfrew, de fevereiro de 2045 a setembro de 2047. Os arquivos com dados médicos estão indisponíveis. Não há outras informações.


 


- Tudo bem, já temos material para começar a trabalhar. Abra um arquivo novo com o nome de Charles Forte, caso número 34299-H, e copie todos os dados. Cruze referências com Conroy. Desligue-se quando completar a tarefa. - Levantou os olhos ao ver Neville, que colocara a cabeça no portal, avisando:


- Selina Cross acabou de ser liberada.


- Sim, o que é bom dura pouco.


- Alguém já examinou esses arranhões de gato aí?


- Vou ao ambulatório. Você tem um minuto?


- Claro.


- David Baines Conroy.


- Você tirou esse nome do fundo do baú. - disse Neville, soltando um assobio curto e sentando-se, à vontade, sobre a ponta da mesa. - Esse canalha era um doente mental! Fatiava as vítimas depois de acabar com elas. Guardava os pedaços em uma geladeira de isopor. Tinha um trailer e viajava por toda parte... pregando.


- Pregando...?


- Bem, talvez este não seja exatamente o termo. Ele se apresentava como uma espécie de Anticristo. Falava um monte de baboseiras a respeito de anarquia, liberdade para gozar os prazeres da carne, abrir os portões do inferno, esse tipo de coisa. Parece que pegou a maioria das vítimas na estrada. Quase todas as pessoas que morreram eram acompanhantes autorizados itinerantes. Pelo menos três delas foram reconhecidas como acompanhantes registradas. Prostitutas sempre foram alvos fáceis para tarados.


- Mas ele foi declarado mentalmente são, pois enfrentou um julgamento.


- É... conseguiu passar nos testes de sanidade mental. Legalmente, era normal. No fundo, porém, era um pirado total.


- Mas tinha família...


- Sim, sim, isso é verdade. - Neville fechou os olhos, como se tentasse se lembrar dos detalhes. - Eu ainda estava trabalhando no Departamento de Homicídios naquela época e não houve um tira sequer em todo o planeta que não tenha se interessado pelo caso. O acusado jamais cometeu nenhum dos crimes aqui nesta cidade, pelo menos que a gente saiba, mas eu me lembro de que ele tinha uma esposa... Ela era muito pálida e tinha cara de assustada. Abandonou o marido, parece que antes de ele ser pego. E havia também uma criança... um filho. O garoto era de assustar.


- Por quê?


- Tinha os olhos iguaizinhos aos do pai, só que pareciam não ter vida, entende? Lembro que achei, na época, que qualquer dia a polícia ia se ver perseguindo o filho. O menino tinha toda a pinta de quem ia seguir os passos do pai. Então ele e a mãe desapareceram, protegidos pela Lei de Privacidade, e nunca mais se ouviu falar deles.


- Até agora. - Gina manteve os olhos fixos em Neville. - Vou me encontrar com o filho de Conroy hoje à noite. Em uma convenção de bruxas.


 


Harry chegou de limusine. Ela tinha certeza de que ele faria isso, só para deixá-la irritada. E teria continuado irritada se não percebesse, ao entrar, que o AutoChef do veículo tinha um bom estoque de comida italiana.


Gina já estava devorando um prato de manicotti antes mesmo de eles cruzarem a ponte Jacqueline Onassis. Apesar disso, balançou a cabeça para os lados diante do burgundy que Harry despejou em uma taça.


- Hã-hã... estou de serviço. - recusou, com a boca cheia.


- Pois eu não estou. - Ele provou um pouco e observou seu rosto. - Por que não foi tratar desses arranhões? - perguntou, passando os dedos com carinho sobre as feridas em sua garganta.


- Fiquei amarrada na cadeira a tarde toda, trabalhando.


- Amarrada? Ora, isso é algo que ainda não experimentamos. - Sorriu com gosto quando a viu arregalar os olhos. - Foi só uma idéia. Assisti à gravação de seu pequeno tête-à-tête com Tonks, na Central de Polícia. Fiquei surpreso por você conceder esta entrevista.


- Foi uma troca, e aproveitei bem a parte que me coube. - Inclinando-se para a frente, levantou a tela de privacidade para separá-los do motorista. - É melhor contar tudo a você antes de nos juntarmos às festividades desta noite. - E explicou-lhe com detalhes a nova linha de investigação que ela estava tomando, experimentando em seguida uma das azeitonas graúdas da tigela de petiscos. - Isso tudo fez Charles Forte subir vários degraus em minha lista de suspeitos. - concluiu.


- Pelos pecados que o pai cometeu?


- Às vezes, é assim que as coisas acontecem.


Harry não disse nada por um momento. Ambos tinham motivos para sentir desconforto com esta teoria.


- Você é quem sabe, tenente, mas não seria mais plausível que circunstâncias como essa o empurrassem para o pólo oposto?


- Mas ele conhecia Alice e sabe manipular substâncias químicas. O avô dela estava com drogas químicas no organismo ao morrer, e ela sofrerá alucinações. As outras duas vítimas sofreram assassinatos ritualísticos, e Charles Forte pertence a uma seita. Não posso ignorar todos esses fatos.


- Ele me pareceu a antítese do homicida.


Gina remexeu nos aperitivos e espetou um pequeno pimentão marinado, afirmando:


- Certa vez eu me deixei enganar por uma velhinha simpática, baixinha, que parecia ser a vovozinha predileta de qualquer pessoa. Ela dava abrigo a gatos abandonados e preparava biscoitinhos para as crianças da vizinhança, além de cuidar de lindos gerânios que espalhava sobre os peitoris das janelas da sala. - Saboreando o petisco, Gina pegou mais um. - A doce velhinha atraiu meia dúzia de meninos para a sua casa e usou os órgãos internos das crianças para alimentar os gatos, antes de conseguirmos agarrá-la.


- Que história encantadora! - Harry colocou o prato sobre uma mesinha retrátil. - Você está certa. - Colocando a mão no bolso, pegou o amuleto que Isis lhe dera na antevéspera e o colocou no pescoço de Gina.


- Para que isso agora?


- Fica melhor em você do que em mim.


- Conversa fiada! - Estreitou os olhos ao olhar para ele. - Você está sendo supersticioso.


- Não, nada disso... - mentiu ele, colocando o prato vazio de Gina sobre o dele antes de ela conseguir se virar, começando a desabotoar-lhe a blusa em seguida.


- Ei, o que está fazendo?


- Passando o tempo... - Suas mãos espertas e ágeis foram descendo com rapidez até lhe cobrirem os seios. - Temos ainda uma hora pela frente até chegarmos lá, indo de carro.


- Eu não vou transar na parte de trás de uma limusine em movimento! - avisou ela. - Isso é...


- Uma delícia. - completou ele, substituindo as mãos pela boca.


 


Gina estava se sentindo complacente e relaxada no momento em que a limusine tomou uma via secundária, rural e estreita. Ali as árvores existiam em abundância, as estrelas pareciam mais brilhantes e a escuridão era completa. As árvores altas e quase desfolhadas pelo outono formavam um arco acima da estrada, como se fosse um túnel. Ela notou os olhos brilhantes e dourados de um animal, talvez uma raposa, que atravessou a estrada e desapareceu no bosque.


- Neville e Hermione continuam atrás de nós?


- Hein? – Harry enfiou a camisa para dentro das calças. - Acho que sim. Querida, você está vestindo a blusa do avesso. - avisou ele com a voz calma enquanto sorria.


- Droga! - Gina lutou para tirar a blusa, ajeitou-a, revirando as mangas com a mão, e tentou novamente. - Não fique com essa cara de convencido não. Eu apenas fingi estar gostando...


- Querida Gina, - ele tomou sua mão e beijou-a - você é tão generosa comigo.


- Se você acha... - Tirando o amuleto do pescoço, colocou-o por cima da cabeça de Harry. - Use-o você... - e antes que ele pudesse fazer alguma objeção, ela completou: - Por favor.


- Você não acredita mesmo nisso, não é?


- Não. - ajeitando o cordão para dentro da camisa dele, ela deu uma batidinha em seu peito - Mas você parece que sim. Seu motorista sabe o caminho?


- As informações que Isis deu sobre o trajeto foram programadas no painel. - Olhou para o relógio. - Pelos meus cálculos, devemos estar quase chegando.


- Pois para mim parece que estamos no meio do nada. - Olhou para fora da janela. Viu apenas escuridão, fracas silhuetas de árvores e mais escuridão. - Gostaria de estar em meu próprio território. É difícil acreditar que estamos a pouco mais de duas horas de distância de Nova York.


- Você é realmente uma típica moradora de cidade grande.


- E você não é?


- O campo pode ser um lugar interessante para se visitar, por temporadas curtas. - Deu de ombros. - Toda essa quietude pode renovar suas forças.


- Pois me deixa inquieta. - Eles viraram em outra estradinha sinuosa. - Além do mais, tudo tem a mesma cara e não acontece nada aqui. Não há... ação. - decidiu ela. - Quando a gente está cercada por todo esse verde dentro do Central Park, ou do Greenpeace Park, aí sim... há grandes probabilidades de topar com um assaltante, no mínimo um traficante, quem sabe uma prostituta sem licença ou um bando de pervertidos. - Ao olhar para Harry, viu que ele estava rindo dela. - O que foi?


- A vida junto de você tem muito mais... cor.


- Sei... - Ela deu uma risada de deboche, colocando o coldre.


- Até parece que a sua vida era cinzenta e seu mundinho desbotado e sem vida antes de eu aparecer. Todos aqueles vinhos, mulheres e um monte de grana... devia ser um tédio só!


- A chatice era indescritível. - concordou ele, com um suspiro. - Eu poderia ter me afogado em todo aquele enfado se você não tivesse me jogado na cara as suspeitas de um ou dois assassinatos.


- Viu só? Aquele foi o seu dia de sorte. - Ela notou o brilho das luzes por entre as árvores no momento em que o automóvel começou a subir uma ladeira íngreme, com muitos sulcos na pista. - Graças a Deus estamos chegando! E parece que a festa já começou.


- Tente não debochar, viu? - Harry deu um tapinha em seu joelho. - Isso ofenderia nossos anfitriões.


- Não vou debochar. - disse ela, com uma cara zombeteira. - Quero impressões. Não apenas sobre Charles Forte, mas sobre todo mundo. E se você reconhecer algum dos participantes, avise-me. - Pegando um pequeno aparelho na bolsa, guardou-o no casaco.


- Um microgravador? - Harry estalou a língua. - Acho que isso é ilegal. Sem mencionar a deselegância.


- Não sei do que está falando.


- Além do mais, desnecessário. - acrescentou ele. Virando o pulso para cima, apertou um minúsculo botão ao lado do relógio. - Este aqui é muito mais eficiente. Pode ter certeza de que sei o que estou falando, pois fabrico os dois modelos. - Sorriu quando o carro parou junto de uma pequena clareira. - Acho que chegamos.


Gina avistou Isis logo de cara. Era impossível não notá-la. O manto branco e transparente que ela usava parecia brilhar na escuridão como se estivesse iluminado pelo luar. Seus cabelos estavam soltos e eram muito compridos, escorrendo-lhe dos ombros. Uma tiara de ouro cravejada de pedras coloridas envolvia-lhe a cabeça. Seus pés longos e estreitos estavam descalços.


- Abençoados sejam. - cumprimentou ela, deixando Gina sem ação ao beijá-la nos dois lados do rosto. Recebeu Harry da mesma maneira, e então tornou a se virar para Gina. - Você está ferida. - E antes de Gina ter tempo de responder, ela colocou os dedos sobre os arranhões. - Veneno!


- Veneno? - Gina teve visões de unhas terríveis embebidas em uma poção de ação lenta que circulava aos poucos através de sua corrente sangüínea.


- Não se assuste, não se trata de veneno físico, e sim espiritual. Sinto Selina aqui... - Seus olhos permaneceram fixos nos de Gina, enquanto ela abaixava a mão e tocava o seu ombro. - Isso não é bom para nenhum de nós. Mirium, por favor, receba os nossos outros convidados. - pediu ela a uma mulher de pele escura e baixa estatura no momento em que o calhambeque de Neville apareceu sacolejando ladeira acima. - Chas vai cuidar desses ferimentos.


- Está tudo bem. Vou ao ambulatório amanhã de manhã.


- Não creio que isso seja necessário. Por favor, venha por aqui. Não é muito saudável você manter vestígios dela em seu corpo, mesmo tão pequenos.


Isis foi à frente, indicando o caminho em volta da clareira. Gina conseguiu avistar um círculo amplo, formado por velas brancas enfileiradas. Pessoas estavam do lado de fora do círculo, batendo papo, observou Gina, como se estivessem em um coquetel na cidade. As roupas variavam. Havia mantos, ternos, saias longas e curtas.


Eram umas vinte pessoas, avaliou Gina, que iam dos dezoito ao oitenta anos, em uma mistura de raças e gêneros. Não havia nenhum tipo específico. Geladeiras portáteis estavam espalhadas em torno, o que explicava o fato de vários dos membros estarem tomando drinques. A conversa era realizada em voz baixa, com uma ou outra risada ocasional que sobressaía em meio ao murmúrio.


Chas se levantou de uma cadeira ao lado de uma mesa dobrável e se virou ao ver que eles se aproximavam. Usava uma roupa composta de uma só peça em um tom de azul e sapatos macios na mesma tonalidade. Sorriu ao reparar o olhar desconfiado que Gina lançou para os objetos que estavam sobre a mesa.


- Instrumentos de trabalho dos bruxos. - explicou ele.


Havia cordões vermelhos, um punhal com cabo branco... um athame, pensou Gina. E viu mais velas, um pequeno gongo de latão, um chicote, uma espada de prata, garrafas coloridas, tigelas e taças.


- Interessante.


- Hoje vamos realizar um ritual antigo, que exige ferramentas antigas. Mas a senhora está ferida! - Deu um passo na direção dela, levantando a mão e parando ao notar o olhar de advertência que Gina lhe lançou. - Desculpe. Isso deve estar doendo.


- Chas tem o dom da cura. - Isis curvou os lábios, abrindo um sorriso com ar de desafio. - Considere isso apenas uma demonstração. Afinal, você veio até aqui para observar, não foi? E seu companheiro está usando uma proteção.


E eu também, pensou Gina, sentindo-se confortada pelo peso da arma que levava.


- Então, tudo bem. Faça a sua demonstração. - Colocou a cabeça meio de lado, convidando Chas a examinar os arranhões.


Os dedos dele eram surpreendentemente frios, incrivelmente suaves e macios, movendo-se sobre sua pele esfolada. Ela manteve os olhos fixos nele, reparou quando ele os focou e pestanejou.


- A senhora teve sorte. - murmurou ele. - O resultado não alcançou as intenções. Poderia agora deixar sua mente relaxar?


O olhar dele se elevou e se fixou no dela.


- A mente e o corpo são uma coisa só. - continuou ele, baixinho, com aquela voz adorável. - Um guia o outro, um cura o outro. Deixe-me libertá-la disso.


Gina sentiu uma espécie de calor irradiar-se por dentro dela, indo dos pontos em que os dedos dele tocaram até sua cabeça, e seguindo por todo o corpo, até que uma espécie de entorpecimento veio chegando. Ela sentiu um ligeiro sobressalto, se colocou em alerta e o viu sorrir suavemente, afirmando:


- Não vou machucá-la.


Virando-se para o lado, pegou uma garrafa âmbar, tirou a rolha e espalhou um líquido claro, com perfume floral, nas mãos.


- Isto é um bálsamo, uma antiga receita com ingredientes modernos. - Começou a esfregar suavemente o líquido, seguindo com os dedos os sulcos que as unhas de Selina haviam aberto. - Isso vai purificar seus tecidos e não haverá mais desconforto.


- Você manja de produtos químicos, não é?


- Isto é feito à base de ervas... - pegou um lenço no bolso e o usou para limpar os dedos -... mas, sim, entendo de substâncias químicas.


- Gostaria de conversar com você a esse respeito... - esperou um segundo, com os olhos penetrantes colados nele -... e também sobre o seu pai.


Ela viu que aquilo o deixou perturbado, pela forma com que suas pupilas se dilataram e depois tornaram a se contrair. De repente, Isis já estava se interpondo entre eles, com uma fúria gloriosa estampada no rosto.


- Você foi convidada para vir até aqui, tenente Weasley. - disse ela - E este lugar é sagrado. Você não tem o direito de...


- Isis... - Chas tocou em seu braço. - Ela tem uma missão. Todos nós temos. - Tornou a olhar para Gina, parecendo se recompor. - Sim, tenente, falarei com a senhora, quando desejar. Este, no entanto, não é o momento nem o lugar certo para trazermos sensações de desespero. A cerimônia está prestes a começar.


- Não queremos atrapalhar.


- Amanhã, às nove da manhã, na Busca Espiritual... o horário e o lugar parecem-lhe adequados?


- Tudo bem.


- Agora, desculpe-me.


- Você sempre paga gentileza com dor? - quis saber Isis, falando entre dentes com indisfarçável fúria, enquanto Chas se afastava. Então balançou a cabeça e lançou um olhar deliberado na direção de Harry. - Vocês todos são bem-vindos para observar, e esperamos que tanto vocês quanto seus acompanhantes saibam demonstrar o devido respeito pelo nosso ritual desta noite. Não é permitido que fiquem dentro dos limites do círculo mágico.


Ao se afastar, Gina enfiou as mãos nos bolsos e comentou:


- Bem, agora já são duas bruxas que estão pau da vida comigo. - Olhou para trás, ao sentir que Hermione vinha andando mais depressa até alcançá-la.


- Esta vai ser uma cerimônia de iniciação. - sussurrou Hermione para Gina. - Soube disso através do bruxo ma-ra-vi-lho-so que está usando aquele igualmente lindo terno italiano. - Sorriu para o outro lado da clareira, na direção de um sujeito com cabelos muitos brilhantes, cor de bronze, que correspondeu exibindo um sorriso de um milhão de watts. - Nossa, um homem desses faz até a gente pensar em se converter...


- Segure sua onda e seus hormônios, Hermione. - cochichou Gina, acenando com a cabeça para Neville.


- Minha santa mãezinha ia rezar meia dúzia de rosários hoje à noite se soubesse onde estou. - comentou ele, forçando um sorriso para disfarçar o nervoso. - Que lugar fantasmagórico!... Não há coisa alguma em volta desse local, a não ser um monte de espaço vazio.


- Você e Neville são realmente da mesma tribo. - suspirou Harry, enlaçando a cintura de Gina com o braço e se virando no momento em que o ritual teve início.


A jovem que Isis chamara pelo nome de Mirium estava de pé do lado de fora do círculo de velas, teve os olhos vendados e foi amarrada por dois homens. Todos, com exceção dos observadores, estavam agora completamente despidos. As peles brilhavam e refletiam tons de branco, cinza e dourado sob o luar que fluía. No fundo do bosque, pássaros noturnos gorjeavam de forma ritmada.


Sentindo-se desconfortável, Gina deixou a mão escorregar para dentro do casaco, a fim de sentir o peso da arma.


Os cordões vermelhos foram usados para atar as mãos da iniciada e ficaram com as pontas penduradas. No momento em que um dos cordões foi atado ao tornozelo da jovem, Chas disse:


- Pés nem presos nem livres.


Havia um tom inconfundível de alegria e reverência em sua voz. Curiosa, Gina observou a formação do círculo e a abertura do ritual. A atmosfera, ela foi obrigada a reconhecer, era de alegria. Acima de todos, a lua flutuava, espargindo luz e cobrindo as árvores com um manto prateado. Corujas piaram ao longe, emitindo sons singulares que lhe pareceram percorrer o sangue. A nudez era completamente ignorada. Não havia os olhares furtivos nem de relance que ela sabia que testemunharia se estivesse em qualquer clube de sexo da cidade.


Chas pegou o athame, e a mão de Gin imediatamente apertou o cabo da arma dentro do bolso ao vê-lo apontá-lo para o coração da postulante. Falou palavras específicas e sua voz parecia aumentar e diminuir de volume, levada pela brisa enevoada da noite.


- Tenho duas senhas. - respondeu Mirium. - Perfeito amor e perfeita confiança.


Chas sorriu e afirmou:


- Todos os que os têm são duplamente bem-vindos. Dou-te agora uma terceira senha para passares através desta misteriosa porta.


Passando o punhal para o homem ao seu lado, ele beijou Mirium. Como um pai beijaria uma filha, pensou Gina, com ar de estranheza. Chas caminhou então em direção à postulante, abraçou-a por trás e então a empurrou para a frente, com seu próprio corpo, para dentro do círculo. Atrás deles, o segundo homem passou a ponta do athame sobre o espaço vazio, como se estivesse fechando uma porta, simbolicamente.


Havia cânticos agora, enquanto Chas conduzia Mirium em volta do círculo e todos a faziam girar com as mãos em volta do seu corpo, em uma espécie de brincadeira infantil de desorientação. Um sino soou três vezes.


Então Chas se ajoelhou, falando algumas palavras e beijando os pés da postulante, a seguir seus joelhos, seu ventre um pouco acima do púbis, seus seios e, finalmente, seus lábios.


Gina pensou que fosse sentir uma atmosfera de sensualidade, mas o que presenciara foi mais... amoroso do que sensual.


- Impressões? - murmurou para Harry.


- Notei muito charme, poder, um sentimento de religiosidade e... - levantando a mão, cobriu a de Gina, que continuava apertando o cabo da arma, tirando-a dali com delicadeza -... achei um ato inofensivo. Sexual, certamente, mas de uma forma muito equilibrada e respeitosa. Finalmente, sim, reconheci duas pessoas no grupo.


- Vou querer os nomes.


Enquanto o ritual continuava, ela levantou a mão de forma distraída e a passou na garganta. Sentiu a pele lisa, intacta, sã e sem dor.


Ao deixar a mão cair, Chas olhou para ela, fitando-a com firmeza, e tornou a sorrir.


 


 


 


Agradecimentos especiais:


 


gilmara: realmente o Neville deu uma mancada muito feia, mas vamos relevar par ao coitado, ele estava muito arrasado, tinha perdido alguém que ele considerava quase um irmão e depois a afilhada se “suicida”, acho que ele não suportou a barra, embora ache que ele deveria ter desviado seu alvo para um saco de areia.... Bem, o Neville com certeza vai se desculpar com Gina... Agora quanto a Selina, vou adiantar que a Gina não vai conseguir prende-la porque a bruxa malvada vai ser morta, e pela pessoa mais inesperada possível. Beijos.


 


Nanny Black: Fico feliz em ver você novamente aqui, o Harry foi mesmo muito esperto na maneira como lidou com a Gina e tudo mais. Agora quanto ao fato do Neville estar fuçando nos relatórios da Gina, não foi tanto o fato dele não confiar nela, acho que ele fez isso por que o caso envolvia a afilhada dele e ele estava bastante arrasado com a morte da garota, então ele ouviu dizer sobre o caso em aberto e quis tirar satisfações com a Gina, como ela não estava na sala ele procurou os relatórios policias. Pelo menos eu acho que qualquer pessoa que estivesse no ligar dele procuraria saber o que estava acontecendo, não importando o que isso pudesse custar. Beijos.


 


 

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