CAPÍTULO NOVE



CAPÍTULO NOVE


 


Os olhos de Jamie assumiram um ar cruel e furioso. Gina não tirou os olhos dele ao espalmar a mão sobre a mesa, inclinando-se na direção do menino e dizendo:


- Você está me contando que viu Lobar matar a sua irmã?


- Não. - A boca de Jamie se remexia como se estivesse mastigando as palavras e as achasse muito amargas. - Mas eu sei. Sei que ele foi um deles. Eu o vi com ela. Vi todos eles. - Seu queixo estremeceu e sua voz ficou entrecortada, fazendo Gina se lembrar de que ele tinha apenas dezesseis anos. Seu olhar, no entanto, continuava a parecer o de uma pessoa muito vivida. - Eu entrei lá, uma noite. Naquele apartamento no centro.


- Que apartamento?


- O da Selina Assombração e do Alban Babacão. - Encolheu os ombros, mas o movimento era mais de nervoso do que de arrogância. - Assisti a um dos shows demoníacos deles. - Sua mão já não estava tão firme quando ele pegou a lata e engoliu de uma vez o restinho de Pepsi.


- Eles o deixaram assistir à cerimônia?


- Eles não me deixaram assistir a nada. Nem sabiam que eu estava lá. Pode-se dizer que simplesmente me convidei. - Olhou para Harry. - O sistema de segurança deles está longe de ser irado como o seu.


- Essa é uma boa notícia. - reagiu Harry.


- Você tem andado muito ocupado. - disse Gina, sem baixar o tom de voz. - Planeja seguir a carreira de arrombador e ladrão?


- Não. - disse sem sorrir. - Quero ser um policial... como você.


Gina expirou com força, passou as mãos no rosto e se sentou, avisando:


- Policiais que têm o hábito de fazer invasões ilegais acabam do lado errado das grades.


- Eles estavam com a minha irmã.


- Como assim? Estavam mantendo Alice lá contra a vontade dela?


- Eles esculhambaram com a mente dela. É a mesma coisa.


Área sensível, refletiu Gina. Ela não podia voltar atrás no tempo e impedir o menino de invadir uma propriedade particular. Seu avô, que sempre fora um policial absolutamente íntegro, lembrou, também tentara fazer a mesma coisa. O neto simplesmente conseguira a façanha.


- Olhe, eu vou lhe fazer um favor porque gostava muito do seu avô. Vamos manter isso fora do caso. No que se refere às suas declarações, você jamais esteve lá. Nunca colocou os pés naquele apartamento, compreendeu?


- Certo. - Levantou um ombro. - Pode ser, qualquer coisa serve...


- Conte-me tudo o que viu. Não exagere os fatos nem faça especulações.


- Vovô sempre me dizia a mesma coisa. - Seus lábios sorriram de leve.


- Isso mesmo. Se quer mesmo ser um policial, tente me oferecer um bom relatório agora.


- Combinado, tá legal!... Alice andava circulando pela Cidade dos Bizarros, certo? Faltava às aulas e jogava frases soltas, insinuando que ia parar de estudar. Mamãe estava muito abalada com aquilo. Pensava que era por causa de algum cara, mas eu sabia que não era. Não que Alice estivesse me contando alguma coisa, porque deixara de falar comigo.


Nesse ponto, parou de falar, e seus olhos ficaram sombrios e tristes. Então balançou a cabeça e suspirou, continuando:


- O lance é que eu a conhecia muito bem. Se fosse um cara, Alice ia ficar toda melosa, com olhar sonhador e abobada. Nesse caso, era bem diferente. A princípio, achei que ela andava experimentando. Estou falando de drogas ilegais. Soube que minha mãe conversou com meu avô e ele levou um papo com Alice, mas ninguém estava chegando a lugar algum. Então achei melhor pesquisar. Segui minha irmã algumas vezes. Achei que seria bom, para começar a prática de ficar vigiando alguém, entende? Ela nunca me sacou. Nenhum deles me sacou. Muita gente não se toca com crianças nem as vê. Quando vêem, acha que são idiotas e inofensivas.


- Ora, mas eu não acho você inofensivo, Jamie... - comentou Gina, com os olhos fixos no menino.


Os lábios dele se torceram, tentando dar um sorriso afetado. Percebeu que a declaração de Gina não era exatamente um elogio.


- Então, fiquei na cola dela e fui até aquele clube. - continuou. - O tal de Clube Athame. Foi a primeira vez que tive que ficar de fora. Não estava preparado para aquilo. Ela entrou às dez horas e saiu por volta de meia-noite, acompanhada pela Patrulha dos Malignos.


Tornou a rir meio sem graça quando Gina levantou uma sobrancelha.


- Certo... - Voltou ele, tentando consertar a narrativa. - O objeto da vigilância evadiu-se do estabelecimento em companhia de três indivíduos, dois do sexo masculino e um do sexo feminino. A Polícia já tem as descrições dos suspeitos, então posso simplesmente dizer que este investigador identificou-os mais tarde como sendo Selina Cross, Alban e Lobar. Eles procederam na direção leste, a pé, então adentraram uma estrutura residencial multi-unitária, de propriedade de Selina Cross. Este investigador observou as luzes se acenderem no último andar. Depois de avaliar suas opções, o investigador decidiu entrar no prédio. O sistema de segurança foi ludibriado com um mínimo de esforço técnico. Posso tomar outra Pepsi?


Sem dizer nada, Harry pegou a lata vazia, lançou-a no aparelho para reciclagem e pegou outra para o menino.


- Estava muito silencioso lá dentro. - continuou Jamie, abrindo a lata. - Tudo parecia morto... escuro. Tinha uma mini-lanterna comigo, mas não a usei. Subi as escadas internas e contornei as exigências do sistema de reconhecimento palmar, bem como as câmeras de segurança. As fechaduras também não foram muito difíceis de abrir. Percebi que eles achavam que ninguém ia ter coragem de ir tão longe sem convite, entende? Caí dentro, mas o lugar estava vazio. Não entendi nada... eu os vira entrar, vira a luz, mas o lugar estava vazio. Então dei um role pela área. Havia uns troços meio doidos lá dentro. E tudo tinha um cheiro assim... estranho, tipo aquele incenso esquisito que a gente encontra em lojas do pessoal do movimento para a Família Livre, só que diferente. Muito esquisito... e havia também uma estátua lá dentro. Um sujeito com cabeça de porco-selvagem, corpo de homem e um pau monstruoso batendo continência.


Ele parou e ficou vermelho ao se lembrar de que estava falando na presença de mulheres, ainda que policiais.


- Desculpe... - disse baixinho.


- Eu já vi paus batendo continência antes. - disse Gina, com a voz branda. - Continue.


- Certo. Então eu estava ali, olhando para a estátua, e um cara entrou. Merda, me ferrei, pensei na hora, mas ele não me viu. Pegou um troço dentro de uma gaveta, tornou a se virar e vazou. Não olhou nem uma vez para o canto onde eu estava. - Jamie balançou a cabeça e tomou um gole do refrigerante, enquanto revivia a experiência e o medo que quase o fizeram se borrar nas calças. - Cheguei ao portal a tempo de vê-lo atravessando uma parede. Passagem secreta. - explicou, com um riso curto. - Pensei que só havia isso em vídeos antigos. Esperei uns dois minutos e fui atrás dele.


Nesse ponto, Gina simplesmente tornou a colocar as mãos no rosto, apertando-o tanto que os nós dos dedos o marcaram.


- Você foi atrás dele? - perguntou.


- Fui. Minha sorte estava em um bom dia... Havia uma escada, muito estreita. Acho que era feita de pedra. Dava para ouvir música. Não exatamente música, era mais assim, tipo vozes cantarolando alguma coisa sem abrir os lábios. E o cheiro estranho estava mais forte. A escada virava e dava em uma sala que tinha mais ou menos metade do tamanho desta cozinha e paredes espelhadas. Havia um monte de velas e mais estátuas com tesão. Estava tudo enfumaçado. Havia alguma coisa na fumaça, porque comecei a sentir a cabeça leve. Tentei me segurar para não respirar muito fundo.


Olhou para a bebida em sua mão. Contar essa parte ia ser mais difícil, avaliou. Pior do que ele achou que pudesse ser.


- Havia uma plataforma elevada, toda entalhada. Os entalhes pareciam palavras, acho, mas não deu para ver direito. Alice estava deitada em cima dela. Estava nua. Os outros três estavam em pé em volta dela, balbuciando alguma coisa. Parecia que estavam cantando, mas não consegui entender as palavras. Estavam fazendo coisas com ela, e uns com os outros também.


Teve que engolir em seco novamente. Seu rosto estava branco como cera, e havia pontos vermelhos nas bochechas.


- Estavam usando uns brinquedinhos sexuais, e ela... ela os deixava fazer aquilo. Os dois. Ficou ali, deixando-os fazerem tudo, enquanto a piranha da Selina Cross ficou só olhando. Alice simplesmente deixou que eles fizessem tudo...


Sem perceber, Gina esticou o braço, pegou a mão dele e deixou o menino apertar seus dedos até parecer que ia lhe quebrar os ossos.


- Não consegui mais ficar ali. Estava enjoado vendo tudo aquilo, e havia a fumaça e os sons. Tinha que cair fora! - Seus olhos ficaram molhados quando levantou a cabeça. - Ela não teria permitido que eles fizessem tudo aquilo com ela se não estivesse com a mente alterada. Alice não era uma vagabunda, não era...


- Eu sei. Você contou tudo isso a alguém?


- Não consegui. - Passou as costas da mão sobre o rosto. - Minha mãe ia morrer só de ouvir essa história. Eu queria jogar tudo aquilo na cara de Alice, porque fiquei muito revoltado. Mas também não consegui. Estava com vergonha por tê-la visto daquele jeito, acho. Ela era minha irmã...


- Está tudo bem.


- Voltei ao clube duas noites depois e consegui entrar.


- Eles deixaram você entrar?


- Arrumei uma identidade falsa. Em lugares como aquele, eles não ligam a mínima se você tiver cara de doze anos, desde que a identidade afirme outra coisa. A segurança é mais forte lá dentro. Eles têm scanners, eletrônicos e humanos, todos com as butucas ligadas e em toda parte. Avistei Alice com aquele tal de Lobar, o medonho. Eles subiram para o andar de cima e foram lá para o nível dos bacanas. Não consegui subir, mas cheguei perto o bastante para ver quando eles tornaram a sumir. Saquei que devia haver algum quarto lá em cima também, como aquele no apartamento. Estava pensando em achar um jeito de entrar lá qualquer hora, depois do clube fechar, mas então Alice caiu fora e se afastou deles. Foi procurar a tal de Isis e ficou lá por algum tempo, arrumou um lugar para morar e um emprego. Nunca mais voltou ao clube nem ao apartamento.


Deu um suspiro e continuou:


- Pensei que ela tinha se estabilizado, que sacara o tipo de gente do mal e horrorosa que eles eram. Ela voltou a conversar um pouco comigo.


- E ela lhe contou sobre as pessoas com as quais se envolvera?


- Não exatamente. Falou apenas que cometera um engano, um terrível engano. Disse que estava tentando pagar pelos erros que cometera limpando o troço que haviam colocado em seu cérebro. Vi que ela estava apavorada, mas, quando soube que conversara com o meu avô, achei que as coisas todas iam se ajeitar. Foram eles que o mataram também?


- Não temos provas disso, e não vou conversar sobre esse assunto com você. - acrescentou Gina ao ver que ele levantou os olhos, assustados, e a fitou. - E você também não deve conversar a respeito de nada disso com ninguém! Não deve chegar perto daquele clube nem do apartamento. Se fizer isso e eu descobrir, e pode estar certo de que acabo descobrindo, vou lhe colocar um bracelete de localização e você não vai conseguir nem arrotar sem o sistema dedurar e eu ficar sabendo.


- Mas é a minha família...


- Sim, eu sei. E se quer ser um policial, é melhor aprender desde já que se você não conseguir ser objetivo, não poderá fazer seu trabalho.


- Meu avô não conseguiu ser objetivo. - disse Jamie baixinho - E agora está morto.


Sem resposta para aquela observação, Gina se levantou, dizendo:


- O nosso problema agora é tirar você daqui e conseguir manter o seu envolvimento longe da mídia. Os repórteres estão acampados no portão.


- Sempre existe uma alternativa. - comentou Harry. - Vou providenciar isso.


Gina concordou com a cabeça, sabendo que ele teria uma saída, sem dúvida.


- Preciso trocar de roupa e ir para a central - disse ela. - Hermione... - Lançou um olhar de lado, muito significativo, na direção de Jamie. - Você fique por aqui, me esperando.


- Sim, senhora.


- Ela está querendo lhe dizer para ficar aqui e me vigiar como um cão de guarda. - resmungou Jamie, quando Gina e Harry saíram da cozinha.


- É mesmo. - concordou Hermione, mas lançou para o menino sorriso de cumplicidade. - Quer mais uma Pepsi?


- Acho que sim.


Hermione se levantou, foi brincar com o compartimento de onde saíam as bebidas da geladeira e se serviu de uma xícara do magnífico café de Harry.


- E então, desde que idade você sonha em ser tira, Jamie?


- Desde que nasci.


- Eu também. - Ela se acomodou para ficar de papo com o menino.


 


- Vou tirá-lo daqui por via aérea. - Harry comunicou a Gina, que se lavara e trocava de roupa no quarto.


- Por via aérea?


- Sim, estava pensando em pegar o mini-helicóptero para dar uma volta mesmo.


- Essa região está fora da área autorizada para uso de helicópteros particulares.


- Repita isso quando estiver usando distintivo. - disse e, como era esperto, disfarçou o riso dando uma tossida forte.


- Leve-o para casa, sim? Eu agradeceria... - disse ela, resmungando alguma coisa para si mesma, enquanto vestia uma blusa limpa. - Aquele garoto tem é sorte de estar vivo!


- Ele tem iniciativa, é brilhante e muito focado no que quer. - Sorriu ao pegar o aparelho que confiscara do menino, admirando-o. - Puxa, se eu tivesse um desses aqui com a idade dele... ah, as possibilidades!...


- Você já faz maravilhas com seus dedinhos mágicos.


- É verdade. - Enfiou o aparelho no bolso. Ia mandar um de seus engenheiros analisar o brinquedo para fazer um igualzinho. - Acho que a juventude de hoje em dia não sabe apreciar a satisfação de trabalhar com as mãos. Se o jovem Jamie desistisse dos seus planos de trabalhar para as forças de combate ao crime, acho que poderia arrumar um bom lugar para ele em meu pequeno mundo.


- Nem fale nisso! Você iria corrompê-lo.


Harry colocou um aparelho no pulso; tinha pouco mais que a espessura de um papel e era todo feito de ouro.


- Você se saiu muito bem com ele, querida. Foi firme, mas sem ser fria. Usou de um estilo agradável, autoritário e ao mesmo tempo maternal.


- Hein?! - Ela piscou.


- Você é muito boa para cuidar de crianças. - Deu um sorriso ao vê-la empalidecer. - Isso me fez imaginar...


- Sai dessa! Ei, se toca! - aconselhou ela, afivelando o coldre. - Vou para a central agora, fazer meu relatório e passar para Lupin os dados que não estarão registrados. Oficialmente, o nome de Jamie não vai ficar ligado a isso. Tenho certeza de que, se for necessário, vocês dois vão inventar uma história bem plausível para contar para a mãe dele.


- Isso é moleza... - disse Harry, empurrando a bochecha com a língua.


- Humm... pela minha avaliação preliminar, Lobar foi assassinado às três e trinta da manhã. Isso foi mais ou menos uma hora depois de sairmos do clube. É difícil dizer há quanto tempo ele já estava ali, jogado na calçada em frente ao muro, mas eu chutaria uns quinze minutos, mais ou menos, antes da chegada de Jamie. É pouco provável que a pessoa que largou Lobar ali tenha ficado circulando pela área. Mas se ela ficou e viu Jamie, o menino pode ter se tornado um alvo. Quero aquele garoto sob vigilância, mas até que Lupin libere, não vou poder usar um tira para fazer isso.


- Quer que eu coloque um de meus confiáveis funcionários para vigiá-lo?


- Não, mas é o que vou ser obrigada a pedir... - Virando-se para o espelho, passou os dedos pelos cabelos, na falta de uma escova. - Estou trazendo esse caso para dentro de casa, de várias formas... desculpe.


- Você não pode separar o que faz de quem você é, nem espero que o faça. - Caminhou até onde ela estava, virou-a na direção dele e emoldurou seu rosto com as mãos. - O que atinge você, atinge a mim. É isso que eu espero, e é também o que quero.


- O último caso que me atingiu pessoalmente quase matou você. - Colocou as mãos sobre os pulsos dele, apertando-os em um gesto de carinho. - Preciso demais de você... e a culpa é sua!


- Exato! - Ele abaixou a cabeça e a beijou. - Isso também é exatamente o que eu quero. Vá trabalhar, tenente.


- Estou indo. - Seguiu a passos largos para a porta, mas então parou e olhou para trás. - Olhe, não quero ser informada pelo Departamento de Trânsito que o meu marido andou fazendo firulas pelo céu em seu mini-helicóptero.


- Você não vai ser informada disso. Eu sei subornar muito bem.


Isso a fez rir, enquanto descia para pegar Hermione e enfrentar a primeira onda de ataque implacável da mídia.


Mal acabara de colocar o cinto de segurança quando ouviu o ronronar grave de um motor muito caro. Franzindo ligeiramente as sobrancelhas, olhou para leste e viu o elegante helicóptero se elevar, com sua cabine espelhada e o giro constante de suas hélices prateadas. Ele circulou em volta do carro, como se estivesse brincando com ela, e então, de forma ilegal, afastou-se dali zunindo como uma bala.


- Uau! Que momento! Que máquina! Aquele era o Harry? Você viu só?... - Hermione esticou o pescoço para fora do carro, a fim de dar uma última olhada. - Viu só que rapidez?...


- Cale a boca, Hermione!


- Nunca andei de helicóptero particular. - Com um suspiro longo, Hermione se ajeitou no banco. - Esse aí faz os aparelhos que o Departamento de Trânsito usa parecerem carroças voadoras.


- Você costumava ficar mais intimidada quando eu a mandava calar a boca.


- Isso era antigamente. - Sorrindo, Hermione cruzou as pernas nos tornozelos. - Você lidou com o menino muito bem, tenente.


- É que eu sei como conduzir um interrogatório, Hermione. - Levantou os olhos com impaciência.


- Nem todo mundo sabe lidar com adolescentes. Eles são meio brutos... e frágeis. Aquele ali já viu mais na vida do que deveria nessa idade.


- Eu sei. - Acontecera o mesmo com ela própria, lembrou Gina. Talvez por isso ela o compreendesse. - Prepare-se, Hermione. Os tubarões já estão circulando e vindo para cima de nós!


Hermione fez uma careta ao ver o bando de repórteres se acotovelando do lado de fora dos portões. Havia minicâmeras, gravadores e olhares famintos.


- Nossa, espero que eles peguem o meu melhor ângulo. - disse Hermione.


- Achei que você estava sentada nele.


- Obrigada. É que eu ando malhando muito. - De modo automático, Hermione tirou o sorriso do rosto e assumiu uma expressão profissional e neutra, enquanto murmurava: - Não estou vendo Tonks.


- Mas ela está por aí... - Gina acionou o controle para abrir os portões. – Nymphadora Tonks jamais perderia um lance desses. - Calculando o tempo, passou com o carro no instante exato, a tempo de evitar que a frente do carro batesse nas grades de ferro que se abriam. Os repórteres se lançaram na frente do carro, engolfando-o, enquanto miravam suas câmeras e berravam perguntas. Uns dois se mostraram corajosos ou então idiotas demais para colocar o pé dentro do terreno, o que caracterizava invasão de propriedade particular. Gina reparou neles e colocou o volume do alto-falante externo do carro no máximo.


- A investigação está prosseguindo. - anunciou, com a voz amplificada. - Ao meio-dia, será feito um pronunciamento oficial. Qualquer representante da mídia que invada esta propriedade será não apenas processado, como também perderá o acesso a qualquer dos dados que serão divulgados. - Tornou a fechar os portões, quase esmagando alguns pés, que começaram a pular no meio da confusão. - Onde é que se enfiaram os policiais que deixei de guarda?


- Devem ter sido devorados vivos a essa altura. - Hermione olhou para o repórter que estava com a cara esmagada do lado de fora do seu vidro e pediu: - Este aqui até que é bonitinho, tenente. Tente não estragar seu rosto.


- Quem escolheu foi ele. - Continuou dirigindo. Alguém pulou da frente do carro, apoiando-se no pára-choque, e soltou um palavrão. O carro deu um solavanco e ouviu-se um grito muito alto.


- Acho que você passou por cima do pé dele. Dez pontos para a tenente! - exclamou Hermione, discretamente empolgada com aquilo. - Agora, veja se consegue tirar do mapa aquela ali... a mulher com pernas quilométricas, de tailleur verde. Vai lhe garantir mais cinco pontos.


A repórter agarrada ao pára-brisa escorregou para fora quando Gina deu um golpe de direção.


- Droga, essa você perdeu, Weasley! Também, não dá para acertar todos...


- Hermione... - Gina balançou a cabeça, pisou fundo no acelerador e seguiu em direção ao centro -... às vezes você me preocupa.


 


Gina planejava ver o comandante Lupin logo, mas não se surpreendeu ao avistar Nymphadora Tonks esperando, de tocaia, junto à escada rolante do primeiro andar da Central de Polícia.


- Noite agitada, hein, Weasley?...


- Foi mesmo, e continuo agitada e cheia de coisas para resolver. Vai haver uma entrevista coletiva com a imprensa ao meio-dia.


- Mas você já podia me adiantar alguma coisa agora... - Nymphadora conseguiu forçar o caminho e entrou na escada rolante logo atrás de Gina. Não era uma mulher volumosa, mas era rápida e esperta. Não dava para ser a repórter mais famosa dos noticiários ao vivo sem desenvolver reflexos rápidos. - Só uma dica, Weasley. Algo que eu possa oferecer ao público na minha vinheta de dez da manhã.


- Um cara foi morto. - disse Gina, sem muito papo. - A identificação só será tornada pública depois que o parente mais próximo for notificado.


- Então você já sabe o nome da vítima. Tem alguma pista de quem rasgou a garganta dele?


- Na minha opinião profissional, foi uma pessoa com um instrumento cortante na mão. - disse Gina seca.


- Hã-hã... - Os olhos de Tonks se estreitaram. - Há um bochicho por aí de que foi deixada uma mensagem na cena do crime. E que foi um assassinato ritualístico.


Sempre a droga das informações que vazavam, pensou Gina.


- Não posso comentar nada a esse respeito.


- Espere um minuto! - Ao chegar ao topo da escada, Tonks pegou Gina pelo braço. - Se quiser que eu segure alguma informação até você liberar, você sabe que farei isso. Por favor, me dê pelo menos uma dica e me deixe trabalhar.


Confiar na mídia era algo arriscado, mas ela já confiara em Tonks antes, e isso beneficiara as duas. Como elemento de pesquisa, Gina sabia que Tonks era um instrumento bem afinado. Disse então:


- Se foi um assassinato ritualístico, fato que ainda não foi determinado nem deve ser levado ao ar, o meu próximo passo seria reunir todos os dados relacionados com grupos dedicados a seitas ou cultos especiais e que estão estabelecidos nesta cidade, registrados ou não, bem como os nomes de seus membros.


- Mas existe todo tipo de seita, Weasley.


- Então é melhor partir logo para o trabalho. - Soltou o braço, antes de soltar mais uma migalha para Tonks. - Engraçado, agora que estou pensando no assunto, “culto” deve ser a raiz da palavra “oculto”... ou talvez seja apenas uma coincidência.


- É, talvez seja... - Tonks entrou rapidamente na escada ao lado, que descia. - Pode deixar que eu tiro a sua dúvida.


- Isso foi muito esperto. - decidiu Hermione.


- Só espero que continue assim. Vou direto para a sala do Lupin. Quero que descubra para mim os nomes de todos os policiais que estavam no local onde o corpo foi desovado nesta madrugada. Vou ter um papo particular com cada um deles a respeito de gente que divulga informações confidenciais da polícia.


- Ai! Essa vai doer!


- Pode ter certeza de que sim. - murmurou Gina, seguindo em direção ao elevador.


 


Lupin não a deixou esperando. Gina reparou, enquanto se sentava diante dele, que o comandante não dormira mais do que ela na noite anterior.


- O Departamento de Assuntos Internos está reclamando a respeito do caso Wojinski. Estão forçando a barra para abrirmos uma investigação oficial a respeito de sua morte.


- E o senhor não consegue segurar esse inquérito?


- Só até o fim do expediente, logo mais.


- Meu relatório talvez ajude. - Gina pegou um disco na bolsa. - Não existe prova absolutamente alguma de que o sargento Wojinski estivesse consumindo drogas ilegais. Todas as indicações apontam para o fato de que ele estava tentando atingir Selina Cross. Seus motivos são pessoais, comandante, mas até mesmo o Departamento de Assuntos Internos vai conseguir compreendê-los. Tenho as declarações de Alice gravadas, já as transcrevi na íntegra e as coloquei no relatório. Na minha opinião, ela foi drogada e teve a sua... ingenuidade explorada. Foi sexualmente usada. Envolveu-se com a seita fundada por Selina Cross e Alban. Quando rompeu com o grupo, foi ameaçada e ficou amedrontada. Por fim, recorreu a Frank.


- E por que a jovem se desligou deles?


- Na gravação, ela alega ter testemunhado o assassinato ritualístico de uma criança.


- O quê? - Os nós dos dedos do comandante ficaram brancos quando ele apertou com toda a força a borda da mesa. - Ela testemunhou um assassinato, relatou isso a Frank e ele não abriu uma investigação?


- Alice esperou algum tempo antes de contar ao avô, comandante. E não existem provas que sirvam de apoio às suas alegações. Não posso substanciá-las neste momento. Tudo o que posso garantir é que Alice acreditava ter presenciado um assassinato. Estava apavorada, temendo por sua vida. Ela também se sentia responsável pela morte do avô. Acreditava piamente que ele fora assassinado como represália às investigações particulares sobre Selina Cross que estava realizando. Alice alegou que Selina Cross tinha conhecimento técnico de substâncias químicas e basicamente envenenou Frank.


- Não temos dados concretos para provar uma armação como essa.


- Ainda não. Alice estava certa de que seria a próxima vítima e morreu na mesma noite em que me apresentou sua declaração. Ela também acreditava que Selina Cross conseguia mudar de forma.


- Como assim?


- Achava que Cross podia assumir a forma de diversos animais. Um corvo, por exemplo.


- Ela achava que Selina Cross podia se transformar em um corvo e sair voando? Nossa Weasley, os rapazes do Departamento de Assuntos Internos vão adorar essa história.


- Uma coisa como essa não precisava ser real, bastava ela acreditar. Alice era uma jovem aterrorizada e atormentada por essas pessoas. Encontrei uma pena preta no peitoril de sua janela na noite em que morreu, uma pena artificial, por sinal, e havia mensagens  ameaçadoras em seu tele-link. Eles a estavam atormentando muito, comandante, pode ter certeza disso. O que Frank fez foi tentar proteger a família. Talvez tenha abordado o problema de modo errado, mas era um bom policial. E morreu como um bom policial. O Departamento de Assuntos Internos não vai conseguir mudar isso.


- Vamos fazer de tudo para que eles não consigam. - Guardou o disco. - Por ora, esse assunto fica só entre nós.


- Neville...


- Não nesse momento, tenente.


Gina decidiu que não ia ser enxotada daquele jeito, como uma mosca, e trincou os dentes.


- Comandante, minha investigação, até esse ponto, descarta qualquer conexão entre a investigação particular que o sargento Wojinski estava efetuando e o capitão Neville. Não encontrei rastro algum de que Neville tenha manipulado ou pesquisado irregularmente qualquer registro ou informação, a fim de ajudar Frank.


- E você realmente acredita que Neville iria deixar algum rastro, Weasley?


- Eu saberia do seu envolvimento. - Gina manteve os olhos fixos em Lupin. - Neville está sofrendo muito, tanto por seu amigo quanto por sua afilhada, e não sabe de coisa alguma, além da versão oficial. Ele não sabe de nada, comandante, e tem o direito de saber.


Aquilo ia deixar marcas no relacionamento dele com Gina, e Lupin sabia. Ia deixar marcas em todos os envolvidos, mas era algo que não podia ser evitado.


- Não posso levar os direitos pessoais do capitão Neville em consideração, Weasley. Pode acreditar, o Departamento de Assuntos Internos não levará. Todos os dados aqui são sigilosos e você deve divulgar apenas o necessário. Trata-se de uma questão delicada. Você vai ter que lidar com ela.


- Então vou lidar... - Aquilo abriu um buraco no seu estômago, mas ela concordou, balançando a cabeça.


- Que conexão existe entre tudo isso e o corpo que foi encontrado do lado de fora de sua casa na última madrugada?


Sem outra escolha, ela seguiu o treinamento e divulgou todos os dados.


- Trata-se de Robert Mathias, também conhecido como Lobar, sexo masculino, branco, dezoito anos. Meu relatório sobre a causa mortis é ferimento profundo na garganta, mas, além disso, o corpo foi mutilado. A vítima era membro da seita de Selina Cross. Eu também o entrevistei ontem em seu emprego no Clube Athame, de propriedade de Selina.


- As pessoas com quem você fala acabam morrendo muito depressa, Weasley.


- Ele era o álibi de Selina para a noite em que Alice foi morta. Era o álibi dela e de Alban. Ele mesmo confirmou isso durante a conversa que teve comigo. - Abriu a bolsa. - A vítima não foi morta no local, e deixaram o corpo lá de uma forma específica, que indica assassinato ritualístico. - E colocou uma das fotos do morto sobre a mesa de Lupin. - A arma do crime foi provavelmente a faca que espetaram em sua genitália. - continuou Gina. - Trata-se de um athame, um punhal ritual. Supostamente, os seguidores da religião Wicca usam um athame sem fio, cego, e o utilizam apenas para demarcar espaços de trabalho e símbolos. - Pegou outra foto, um close da nota. - Esta mensagem parece indicar que o assassinato foi efetuado por um inimigo da Igreja de Satanás.


- Igreja de Satanás. - murmurou Lupin. A foto do morto não o deixou abalado, provocou-lhe apenas uma sensação de cansaço. Ele já vira imagens demais iguais àquela. - Este termo é um oximoro perfeito... um paradoxo. Alguém se sentiu desgostoso com essas práticas de ocultismo e tirou a vítima de cena.


- O local em que ele foi encontrado certamente foi preparado para indicar isso. Essa é uma possibilidade, e também uma linha de investigação que pretendo seguir.


- Você está achando que Selina Cross está por trás disso... - Levantou os olhos da foto. - Suspeita de que ela tenha executado o próprio álibi?


- Ela executaria o próprio filho, se tivesse algum. Acho que é muito esperta - continuou Gina - e acho também que é louca. Vou fazer uma consulta com Minerva a respeito disso. Também acho que ela teve um prazer especial ao cometer o crime e esfregá-lo na minha cara. Ela não precisava mais dele. Essa foi a declaração que fez ao largá-lo lá.


- Converse novamente com ela. - concordou Lupin, devolvendo as fotos - E também com esse Alban.


- Sim, senhor. - Ela guardou as fotos. - Há mais um problema. É algo... delicado.


- O que foi?


- Evitei qualquer referência a isso no relatório oficial. Alterei ligeiramente o horário dos acontecimentos. Segundo o registro, Harry e eu fomos acordados pelo alarme do sistema de segurança, que disparou no momento em que o corpo foi colocado em contato com o muro que circunda a propriedade. Extra-oficialmente, porém, devo relatar ao senhor que não fomos nós os primeiros a descobrir o corpo. Quem o descobriu foi Jamie Lingstrom.


- Meu Deus! - reagiu Lupin, após um longo minuto, e pressionou os olhos com os dedos. - Como aconteceu isso?


Gina pigarreou e ofereceu um relato rápido e sucinto de tudo o que aconteceu depois do alarme ter disparado. Concluiu tudo com o que Jamie lhe contara à mesa do café.


- Não sei o quanto dessas informações o senhor vai querer passar para o Departamento de Assuntos Internos. A declaração de Jamie corrobora a alegação de Alice sobre Frank estar tentando armar uma cilada para Selina.


- Vou filtrar tudo o que puder. - Continuou a esfregar os olhos. - Primeiro foi a neta, e agora, o neto.


- Acho que dei uma boa sacudida no menino, o bastante para mantê-lo na linha.


- Weasley, os adolescentes são incrivelmente difíceis de se deixar abalar. Eu já passei por isso.


- Quero que ele tenha alguma proteção, bem como vigilância constante. Por conta e iniciativa próprias, eu posso arranjar isso.


- Você quer dizer que Harry pode arranjar isso. - Levantou uma sobrancelha.


- O menino será vigiado. - Gina cruzou as mãos.


- Vamos deixar isso assim, por enquanto. - Ele se recostou. - Um misturador de sinais portátil, feito em casa, você disse? Um aparelho que o menino adaptou, a fim de conseguir enganar o sistema de segurança externo daquela fortaleza em que você mora?


- Assim parece...


- E onde está o aparelho? Você não o devolveu para o menino, não é?


- Não sou idiota. - reagiu ela, como se tivesse recebido um tapa. - Harry ficou com ele. - Ao completar a frase e pensar no fato, seu treinamento transpareceu e ela franziu os olhos sem querer.


- Harry ficou com ele... - A despeito da situação, Lupin jogou a cabeça para trás e soltou uma gargalhada. - Essa foi ótima! Você entregou a chave do galinheiro na mão da raposa! - Ao perceber a cara feia que Gina fez, Lupin abafou o riso. - Estou apenas tentando ressaltar o lado mais leve e engraçado da situação, tenente.


- Sim, senhor... Rá-rá-rá... Vou pegar o aparelho de volta.


- Não quero ofendê-la, Weasley, mas se está aceitando apostas, arrisco cem dólares como não vai conseguir arrancar o aparelho de Harry. De qualquer modo, diga-lhe que, extra-oficialmente, o departamento agradece muito pela sua assistência e cooperação.


- Desculpe-me, comandante, mas não vou transmitir esse recado a Harry. Isso iria subir-lhe à cabeça. - Reconhecendo que estava sendo dispensada, ela se levantou. - Comandante, Frank estava limpo. O Departamento de Assuntos Internos vai confirmar isso. Quanto à sua morte ter sido natural ou induzida, isso vai ser mais difícil de estabelecer. Eu bem que poderia usar os serviços do Capitão Neville...


- Você sabe que não necessita de Neville neste caso, Weasley, pelo menos não dos dotes investigativos dele. Aprecio os seus sentimentos, mas isso tudo fica apenas entre nós, até eu determinar o contrário. Talvez você se veja sentada nesta mesa, um dia. - disse ele e observou as sobrancelhas dela se unirem em sinal de surpresa. - Decisões muito difíceis deverão ser tomadas desta cadeira por você. E pode acreditar que dar ordens desagradáveis é tão frustrante quanto recebê-las. Mantenha-me informado.


- Sim, senhor. - Gina saiu, sabendo que não queria a cadeira, nem o posto, nem as responsabilidades dele.


 


 


 


 


Agradecimentos especiais:


 


Bianca: Um presente e tanto mesmo, a morte foi muito brutal sim e tenho certeza que ele acabaria mesmo entregando os pontos, principalmente se ela o “prensasse” contra a parede. Com certeza foi a curiosidade que atraiu  Alice para o lado das trevas, afinal como a própria Gina já a havia definido ela era uma menina curiosa. Acho que sobre como provar a autoria dos assassinatos eu vou deixar que os capítulos respondam. Beijos.


 


gilmara: realmente uma historia bem diferente que envolve a magia das trevas e a Wicca, de verdade não a magia nos assassinatos ou nos outros atos que Selina comete, mas os membros da ceita dela acreditam que sim, tudo ficará mais claro em alguns capítulos. O gato é sim um andróide programado para falar e assustar, assim como o corvo negro que havia na janela da Alice. Beijos.


 


 

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