CAPÍTULO ONZE



 


Gina foi uma das últimas pessoas a chegar ao velório e estava se sentindo grata por Harry ter ido com ela. Tudo lhe pareceu muito familiar, pois a sala era a mesma do velório de Frank; os cheiros eram os mesmos e muitas das pessoas também eram as mesmas.


- Odeio isso. - murmurou. - Morte esterilizada.


- Serve de conforto. - Gina olhou para o lugar onde Brenda estava sendo consolada pela mãe e pelo filho, enquanto lágrimas lhe desciam lentamente pelo rosto. Exibia o olhar vitrificado e delicado, típico das pessoas que estão sob o efeito de calmantes muito fortes.


- Será que serve de algum conforto?


- Fecha um ciclo. - corrigiu ele, tomando as mãos frias de Gina entre as suas. - Para alguns...


- Quando chegar a minha hora, não faça isso, Harry. Reaproveite as partes que conseguir, queime o resto e acabou-se!


- Não fale isso. - pediu ele, sentindo um aperto no coração e segurando a mão dela com mais força.


- Desculpe. Tenho tendência para pensamentos mórbidos em lugares como este. Olhe ali... - Parou de vagar com o olhar pela sala ao avistar Isis. - Lá está a minha bruxa.


Harry seguiu o olhar de Gina e analisou a mulher imponente com cabelos ruivos, da cor do fogo, que vestia um manto simples, branco como neve. Ela se mantinha em pé ao lado do caixão, junto de um homem um palmo mais baixo do que ela. Ele usava um terno simples, em estilo quase conservador, também branco. Estavam de mãos dadas.


- Quem é o homem que está com ela?


- Não o conheço. Pode ser um dos membros de sua seita ou algo desse tipo. Vamos conferir.


Eles se movimentaram através da sala e, como se tivessem combinado, se colocaram exatamente ao lado do casal. Gina olhou para Alice, com o rosto agora controlado e finalmente calmo. A morte tinha o dom especial de deixar as pessoas com o rosto relaxado e um ar tranqüilo... depois que a agressão passava.


- Ela não está aqui. - disse Isis baixinho. - Seu espírito continua em busca de paz. Pensei... pensei que fosse encontrá-la aqui. Sinto muito por nos termos desencontrado hoje, Weasley. Estávamos reunidos em memória de Alice.


- Você não estava na loja nem em casa.


- Não. Resolvemos nos reunir em outro lugar, para realizar nossa própria cerimônia. O senhor que trabalha do outro lado da rua me contou que você esteve à minha procura. - Um sorriso leve se insinuou em volta de sua boca. - Ele ficou preocupado quando soube que uma policial andava atrás de mim. Tem um bom coração, apesar de sua falta de estabilidade espiritual. - disse e deu um passo atrás para apresentar o homem ao seu lado. - Este é Chas. Meu companheiro.


Os anos de treinamento ajudaram Gina a manter o rosto sem expressão, mas ela estava muito surpresa. Ele era um homem comum, na mesma medida em que Isis era uma mulher espetacular. Seus cabelos eram louros, meio desbotados e muito finos. Seu corpo era quase frágil, com ombros estreitos e pernas curtas. O rosto quadrado e sem feições marcantes seria demasiado comum se não fosse pelos olhos surpreendentes, em um tom profundo de cinza. Quando sorriu, foi com a doçura que obriga as pessoas a sorrir de volta.


- Sinto muito conhecê-la sob circunstâncias tão tristes. Isis me disse que você era dona de uma alma muito forte e determinada. Vejo que tinha razão, como sempre.


Gina quase piscou ao ouvir sua voz. Tinha um tom de barítono, profundo e suave, o tipo de voz que qualquer cantor de ópera adoraria possuir. Ela se pegou olhando fixamente para a boca que se movia e imaginando um boneco de ventríloquo. Aquele não era o ripo de voz que alguém pudesse atribuir a um corpo e a um rosto como aqueles.


- Preciso conversar com você assim que possível. - Olhou em volta, como se estivesse à procura de um lugar para onde pudesse escapar, a fim de interrogá-la de forma discreta, mas viu que ia ter de esperar. - Este é Harry Potter. - apresentou Gina.


- Sim, eu sei. - disse Isis, oferecendo-lhe a mão. - Já nos encontramos.


- Já? - reagiu ele, com um sorriso educado, mas curioso. - Não me imagino esquecendo o rosto de uma mulher tão linda.


- Foi em outra época, em outro lugar... - seus olhos se mantiveram fixos nos dele -... em outra vida. Uma vida que você certa vez salvou.


- E fui muito sábio ao fazer isso.


- Sim, foi. E gentil. Talvez algum dia, ao revisitar o condado de Cork, você encontre uma pedra que se sobressai em meio a um campo não cultivado... e então se lembrará. - Tirando do pescoço a cruz de prata que usava, entregou-a a ele. - Você me deu um talismã naquela ocasião, parecido com esta cruz celta. Imagino que tenha sido por isso que senti vontade de usá-la hoje. Foi para fechar um círculo.


O metal, em contato com a sua mão, pareceu-me mais quente do que deveria e remexeu em algumas lembranças enevoadas que Harry não fez questão de explorar.


- Obrigado. - agradeceu simplesmente, guardando a cruz no bolso.


- Um dia devo retribuir o favor que me fez. - completou ela, virando-se em seguida para Gina. - Estamos à sua disposição para conversar quando quiser, tenente Weasley. Não é, Chas?


- Claro que sim, a qualquer hora que lhe for mais conveniente. Teriam interesse em assistir à nossa cerimônia? Gostaríamos muito de compartilhar essa experiência com vocês. Está marcada para depois de amanhã, à noite. Temos um pequeno lugar no campo. É calmo, muito privativo e, quando o tempo coopera, perfeito para rituais ao ar livre. Espero que vocês...


Parou de falar de repente e seus impressionantes olhos acinzentados se tornaram mais escuros. Seu corpo magro se mexeu, assumindo uma rigidez que Gina reconheceu de imediato como a postura de alguém que acaba de se colocar em guarda.


- Ele não é um de nós. - disse.


Gina olhou em torno e avistou um homem de terno preto. Seu rosto era incrivelmente pálido, emoldurado por um cabelo muito preto, com pontas cuneiformes. O terno caro e a pele descorada emprestavam-lhe a aparência de alguém adoentado e, ao mesmo tempo, bem-sucedido.


Encaminhou-se na direção do caixão, mas reparou no grupo que já estava lá. Em um movimento brusco, girou o corpo nos calcanhares e correu para fora.


- Vou verificar. - anunciou Gina.


Ela já estava se movendo a passos largos quando Harry a alcançou, dizendo:


- Nós vamos verificar.


- Seria melhor se você ficasse lá dentro, em companhia deles.


- Vou ficar em companhia de você.


- Não me venha tolher os movimentos e acabar com o meu estilo. - reagiu Gina, lançando-lhe um olhar de frustração.


- Nem sonharia em fazer isso.


O homem que se retirava já estava quase correndo para alcançar a porta de saída. Gina só precisou tocar em seu braço para provocar-lhe um susto.


- O que foi? O que quer de mim? - Ele se desvencilhou dela, empurrando a porta com força e saindo para enfrentar a noite chuvosa. - Eu não fiz nada!


- Não? Ele parece muito culpado para alguém que é inocente, não acha, Harry? - Tornou a agarrá-lo pelo braço, apertando com mais força dessa vez, a fim de impedir que ele fugisse correndo como um coelho assustado. - Acho que o senhor devia me mostrar a sua identidade.


- Não devo lhe mostrar nada!


- Não é necessário. - disse Harry com um tom de voz suave, agora que conseguira olhar melhor para o homem. - Thomas Wineburg, não é? Do Grupo Financeiro Wineburg. Você está segurando uma figura perigosa, tenente. Um banqueiro! Da terceira geração de uma família de grandes capitalistas. Ou será da quarta?


- Sou da quinta. - disse Wineburg, tentando assumir um ar de desprezo ao olhar para alguém que sua família considerava um novo-rico, com fortuna obtida de forma não muito decente. - Não fiz nada que justifique ser importunado por alguém da polícia acompanhada pela escória do mundo das finanças.


- Eu sou da polícia. - afirmou Gina, olhando para Harry. - A escória do mundo das finanças só pode ser você...


- Ele está apenas revoltado pelo fato de eu não usar o seu banco em minhas transações. - reagiu Harry, lançando-lhe um sorriso de lobo. - Não é isso, Tommy?


- Não tenho nada para conversar com você.


- Bem, então pode falar comigo. - disse Gina. - Por que tanta pressa?


- Eu... tenho um compromisso do qual havia me esquecido. E já estou atrasado!


- Então uns minutinhos a mais não vão fazer diferença. O senhor é amigo da família da falecida?


- Não.


- Ah, entendi! Simplesmente, então, o senhor gosta de matar o tempo, em uma noite chuvosa, dentro de uma sala de velório. Ouvi dizer que essa é a nova onda para os solteiros.


- Eu... eu entrei no prédio errado.


- Acho que não... o que veio ver aqui? Ou quem?


- Eu... - Seus olhos se arregalaram quando Isis e Chás apareceram, saindo pela porta. - Fiquem longe de mim!


- Desculpe Weasley. - explicou Isis. - Ficamos preocupados quando vimos que vocês estavam demorando a voltar. - Desviou o olhar exótico para o rosto de Wineburg. - Sua aura é escura e turva. - afirmou. - Tem interesse pelo oculto, sem acreditar por completo. Brinca com poderes que estão além do seu alcance. Se não mudar de rumo, em breve encontrará a maldição!


- Mantenha essa mulher longe de mim! - Ainda tentando escapar da mão firme de Gina, Wineburg se encolheu todo.


- Ela não está machucando ninguém. O que sabe a respeito da morte de Alice, Sr. Wineburg?


- Não sei de nada. - Seu tom de voz ficou mais agudo. - Não sei de coisa alguma a respeito de nada. Errei de endereço. Tenho um compromisso. A senhora não pode me deter!


Não, ela realmente não podia, mas podia pelo menos deixá-lo um pouco assustado.


- Não posso prendê-lo, mas posso levá-lo para a Central de Polícia e brincar com o senhor por algum tempo, até o seu advogado conseguir chegar lá para libertá-lo. Isso não ia ser divertido?


- Eu não fiz nada. - E para surpresa e leve repulsa de Gina, ele começou a soluçar como um bebê. - A senhora tem que me deixar ir embora. Não faço parte de nada disso!


- Não faz parte do quê?


- Fui lá apenas pelo sexo. Só isso. Apenas pelo sexo. Não sabia que alguém ia morrer. Havia sangue em toda parte. Em toda parte! Meu Deus, eu não sabia!


- Onde havia sangue? O que o senhor viu?


Wineburg continuava a soluçar, e quando Gina ajeitou o corpo e diminuiu um pouco a pressão em seu braço, ele enfiou-lhe o cotovelo ossudo na barriga, o que a fez voar com violência sobre Harry, com tanta força que os dois caíram de costas na calçada.


Mais tarde, Gina ia se xingar por ter permitido que ele a pegasse desprevenida, com o seu choramingo. Naquele momento, porém, o que fez foi se levantar com alguma dificuldade. Sugou o ar com força para recuperar as forças e saiu correndo atrás dele.


Filho-da-mãe... era só nisso que Gina conseguia pensar. Ele a deixara sem ar e a impedira de xingar alto ou de lhe dar voz de prisão, se ele não parasse na mesma hora.


Pegou a arma no instante em que ele se virou e entrou em uma garagem subterrânea, desaparecendo em meio ao mar de veículos.


- Merda! - Pelo menos ela conseguiu ar suficiente para soltar o palavrão, e logo em seguida olhou para trás, irritada com Harry, que chegava correndo logo atrás. - Saia daqui! Que droga, Harry, imagino que ele esteja desarmado, mas você eu tenho certeza! Ligue para a emergência se quiser fazer algo de útil.


- O dia em que vou deixar um banqueiro bebê-chorão me jogar de bunda no chão e escapar ileso ainda não chegou. - Desviou, entrando em uma passagem entre os carros, circulando para pegá-lo pelo outro lado, o que a deixou de cara feia.


A iluminação do lugar era ofuscante, mas a oportunidade para se esconder era infinita. Os ecos dos passos de alguém que corria rebatiam pelas paredes, pelo piso e pelo teto baixo. Confiando em seu instinto, Gina se moveu para a esquerda.


- Wineburg, você não está se ajudando agindo dessa forma! Já vai ser fichado por agressão a uma policial. Se sair por conta própria, sem que eu precise ir aí para desentocá-lo, posso aliviar um pouco a sua barra.


Agachada, ela seguia ao longo de cada uma das estreitas fileiras entre os carros, se abaixava para olhar por baixo deles e seguia para a fileira seguinte.


- Harry, pare de correr por um instante, droga, para que eu consiga localizá-lo. - Os ecos diminuíram um pouco, permitindo que Gina escutasse com mais atenção, seguisse em frente e virasse à esquerda, correndo ainda mais depressa. Ele estava subindo a rampa, decidiu ela. Tinha esperança de escapar pelo andar de cima.


Ao subir a rampa, ela girou o corpo e se preparou, apontando a arma ao ouvir passos atrás dela... era Harry.


- Eu devia saber. - Foi tudo o que conseguiu dizer ao vê-lo ultrapassá-la, correndo. Ela foi em frente e continuou a perseguição. - Ele está pensando em ir para os andares de cima! - gritou na direção de Harry. - O idiota continua correndo e vai acabar se colocando em um beco sem saída. Tudo o que precisava fazer era parar e se agachar atrás de um pneu... eu ia precisar de um batalhão para localizá-lo.


- Ele está apavorado. Quando você está apavorado, corre... - Olhou para Gina e se sentiu ridiculamente revigorado quando os dois chegaram à rampa do andar seguinte. - Pelo menos, alguns fazem isso.


Então os passos silenciaram. Gina esticou o braço para manter Harry parado no lugar, prendeu a respiração e aguçou os ouvidos.


- Que diabo de som é esse?


- É um cântico.


- Minha nossa! - Seu coração deu um pulo. Saiu correndo novamente, no exato momento em que um brado longo e aterrorizante cortou o ar. O grito alucinante parecia continuar, sem fim, muito alto, de forma horrível e inumana. Então parou e fez-se um silêncio sepulcral. Gina pegou o comunicador, sem diminuir o passo. - Policial precisando de reforço! Policial precisando de reforço! Edifício-garagem na esquina da rua 49 com a Segunda Avenida. Repetindo: aqui é a tenente Gina Weasley! Estou perseguindo um... ora, que droga, responda!


- Aqui é da emergência, tenente Gina Weasley, por favor, repita.


Ela nem se deu ao trabalho de verificar o corpo estendido em uma poça de sangue que começava a se espalhar sobre o piso de concreto. Uma olhada nos olhos da vítima, arregalados de terror, e o cabo entalhado de um punhal que estava espetado em seu coração já foram o suficiente para determinar a morte. Wineburg correra na direção errada.


- Preciso de reforço, agora! Acaba de acontecer um homicídio. O criminoso, ou os criminosos, ainda devem estar nas dependências. Envie todas as patrulhas disponíveis para este endereço. Ordene que eles bloqueiem as saídas e efetuem uma busca minuciosa. Preciso também de meu kit de serviço e de minha auxiliar.


- Entendido! Patrulhas a caminho! Emergência desligando!


- Tenho que fazer uma busca. - disse a Harry.


- Eu compreendo.


- Não estou com o meu galhinho de proteção, senão eu o emprestaria para você. Preciso que fique aqui, junto do corpo.


- Ele não vai a lugar algum. - disse Harry, olhando para Wineburg estendido no chão e sentindo um pouco de pena.


- Preciso que fique aqui - repetiu ela - caso eles voltem por esse lado. Não banque o herói!


- E você também. - disse ele, concordando com a cabeça.


- Droga! - Gina deu uma última olhada no corpo e desabafou, com a voz cansada: - Eu devia tê-lo segurado com mais força.


E se afastou dali, agachando-se e caminhando bem devagar, olhando para os carros e os cantos da garagem, mas sem muita esperança.


 


Ele já a vira trabalhar antes, observara e admirara a sua eficiência. Apreciara a área delimitada e completamente focada que ela criava em torno dos mortos. Harry se perguntou se ela chegava a compreender o porquê de agir daquela forma, ou como conseguia, ao examinar com objetividade um corpo sem vida e violentamente assassinado, ver através do pesar que assombrava os próprios olhos.


Jamais perguntara nada disso a ela. E duvidava de que algum dia fosse fazê-lo.


Observou-a enquanto ela ordenava a Hermione que gravasse a cena do crime por outro ângulo, e a viu chamar um policial em um canto. Certamente ele era um recruta que não estava agüentando muito bem o horror do que via. Gina mandou-o resolver alguma coisa fora dali, e Harry imaginou que ela fizera isso para que ele se sentisse à vontade para passar mal sem que ninguém testemunhasse.


Alguns daqueles profissionais jamais se acostumavam com o sangue ou o fedor dos intestinos das vítimas, que se aliviavam no momento da morte.


As luzes eram furiosamente brilhantes e realmente não tinham piedade. A ferida no coração sangrara em profusão. Ela vestira um conjunto preto e colocara saltos altos para ir ao velório. Agora, tanto os sapatos quanto a roupa ficariam arruinados. Ela estava ajoelhada ao lado do corpo, desfiando as meias no concreto enquanto removia a arma do crime, agora que a cena já fora devidamente gravada.


Ela colocou a arma em um saco plástico apropriado e o lacrou, para servir de prova, mas Harry conseguira dar uma boa olhada nela. O cabo era marrom-escuro, possivelmente feito com o chifre de algum animal. No entanto, não havia dúvida alguma a respeito da similaridade dessa arma com a que fora deixada cravada na vítima anterior. Um athame. Um punhal ritualístico.


- Mau sinal! - disse ela.


Harry emitiu um som de concordância, enquanto via Neville se aproximar, vindo em sua direção. Harry notou que ele estava com a aparência fragilizada, o que era incomum. Gina tinha razão por estar preocupada com ele.


- Sabe alguma coisa a respeito disso, Harry? Não consegui entender muita coisa, ouvi apenas que Gina estava conversando com um sujeito do lado de fora do velório quando ele fugiu e acabou morto.


- Foi o que aconteceu. Ele parecia nervoso por causa de alguma coisa. Aparentemente, tinha motivos para isso. - Harry não queria se envolver com o problema entre Gina e Neville e decidiu se manter de fora. - Espero que aceite o convite de Gina para passar alguns dias com a família em nossa casa no México.


- Ainda vou resolver sobre isso com a minha esposa. Muito obrigado. - Levantou os ombros em seguida e afirmou: - Acho que ela não precisa de mim por aqui. Vou para casa. - Mas ficou analisando a cena do crime por mais um minuto. A fadiga em seus olhos ocultava um policial astuto. - Que troço estranho um sujeito ser atacado aqui nessa área. O punhal sofisticado que cravaram no cara deixado ontem na porta de sua casa era parecido com esse, não era?


- O outro tinha um cabo preto. E era de metal, acho.


- É. Bem... - Ele se balançou para a frente e para trás sobre os calcanhares. - É melhor eu ir para casa.


Passou por Gina com cuidado, para evitar chegar muito perto da cena do crime sem passar spray selante nos sapatos. Ela olhou para cima, distraída, limpando o sangue das mãos com um trapo. Acompanhou a figura de Neville, até se assegurar de que ele saíra de vista. Levantando-se, passou as mãos ainda não limpas de todo pelos cabelos.


- Podem ensacá-lo! - autorizou, e foi até Harry. - Vou até a central para fazer o relatório, enquanto ainda estou com os fatos frescos na cabeça.


- Tudo bem. - disse e pegou-a pelo braço.


- Não, você deve ir para casa. Vou de carona com alguém da equipe.


- Vou levá-la.


- Mas Hermione...


- Hermione pode ir de carona com alguém da equipe. - Ela precisava de alguns minutos, ele sabia, para poder relaxar. Apertou um botão em seu aparelho de pulso para emitir um sinal para o motorista.


- Vou me sentir uma idiota, saltando de uma limusine na porta da Central de Polícia. - resmungou.


- É mesmo? Pois eu não. - Foi caminhando com ela até a saída da garagem e deu a volta pela calçada até chegar à porta do salão onde ocorria o velório. A limusine surgiu de imediato, parando junto ao meio-fio. - Você pode dar uma respirada pelo caminho - sugeriu ao entrar logo depois dela - e posso tomar um conhaque. - Serviu-se de uma garrafa de cristal e, conhecendo bem Gina, programou um café para ela.


- Bem, já que vamos ter um tempinho juntos, Harry, você pode aproveitar e me contar o que sabe a respeito de Wineburg.


- Era um daqueles irritantes rapazes riquinhos e paparicados.


Gina tomou um gole do café quente e encorpado que lhe foi servido em uma xícara de fina porcelana e lançou um olhar longo e frio para Harry, para sua limusine luxuosa e para o conhaque caríssimo, dizendo:


- Você é um rapaz riquinho...


- Sou. - Sorriu. - Mas paparicado?... Certamente não. - Balançou o conhaque dentro da taça, mantendo o sorriso. - Esse fato evita que eu seja irritante.


- Você acha? - O café ajudou e fez os seus circuitos começarem a trabalhar de forma mais afinada. - Então ele era um banqueiro. Administrava o Grupo Financeiro Wineburg.


- É pouco provável... seu pai ainda é forte e saudável. Tommy era peixe pequeno, uma espécie de subordinado. O tipo de sujeito que recebe do papai um título inútil e uma sala imensa. Devia torrar todo o dinheiro que caía em sua conta bancária, encaminhava alguns formulários na empresa e em seguida saía para a consulta semanal com a esteticista.


- Entendi, você não gostava dele.


- Na verdade, eu nem o conhecia pessoalmente. - Balançou a bebida mais uma vez de forma casual e tomou outro gole. - Simplesmente conheço o tipo. Não tenho negócios com os Wineburg. No início da minha... carreira, precisei de financiamento para alguns projetos. Eram projetos legalizados. - acrescentou ao ver o olhar especulativo de Gina. - Eles não me deixaram nem passar pela porta. Eu estava abaixo do padrão de sua clientela. Então arrumei financiamento em outro lugar e consegui me dar bem. As Organizações Wineburg não aceitaram muito bem o meu sucesso.


- Então eles são uma instituição conservadora, fundada e administrada pela família.


- Exato!


- Seria embaraçoso para o pai ver o primogênito... ele era o primogênito?


- Se existe algo do tipo primogênito de segunda classe, ele era.


- Bem, seria embaraçoso vê-lo envolvido com satanismo, além de não ficar bem na foto do piquenique anual da empresa.


- A diretoria toda ia ficar branca de choque, e então, sendo da família ou não, o pequeno Wineburg ia levar um pé na bunda.


- Ele não me pareceu o tipo de sujeito que se arrisca a passar por isso, mas nunca se sabe... Sexo, ele disse. Foi só pelo sexo... ele pode ter sido um dos sujeitos que estavam lá na noite que Alice descreveu. Sentiu-se culpado e apareceu no velório. Uma coisa eu garanto: estava apavorado. Ele viu alguma coisa, Harry, viu alguém ser assassinado, eu sei disso! Se eu tivesse conseguido levá-lo para a delegacia, ia acabar arrancando a história toda dele. Acho que levaria menos de dez minutos para dobrá-lo.


- Pelo jeito, mais alguém também achava isso.


- Alguém que estava bem ali, de olho no lance. Vigiando-o. Vigiando o velório.


- Ou vigiando você. - concluiu Harry. - O que é mais provável.


- Tomara mesmo que estivessem me vigiando, porque, quando menos esperarem, eu me viro, pulo em cima deles e ataco direto na jugular. - Olhou para cima quando a limusine parou na porta da Central de Polícia. Ligeiramente sem graça, ela olhou pela janela, a fim de ver se não havia nenhum tira circulando pela área. Se eles a avistassem descendo daquele carrão, iam ficar de zoação por vários dias. - Agora, vamos nos ver só em casa. Vou levar umas duas horas.


- Eu espero.


- Não seja ridículo. Vá para casa.


Ele simplesmente se recostou no banco e ordenou ao monitor que lhe informasse a lista com as cotações do dia na Bolsa de Valores.


- Eu espero. - repetiu, servindo-se de mais um conhaque.


- Cabeça-dura! - murmurou ela ao sair, e então se encolheu toda ao ouvir alguém chamá-la pelo nome.


- Weasley... você resolveu aparecer aqui na favela para trabalhar um pouco em companhia dos pobretões?


- Não enche, Carter! - reagiu, e entrou depressa, antes que a irritação causada pela sua risada a fizesse quebrar-lhe a cara.


 


Uma hora depois, ela já estava de volta, com cara de cansada e soltando fagulhas de raiva.


- Carter acabou de anunciar pelos alto-falantes que minha carruagem já estava à espera. Que idiota! Não sei se dou um chute na bunda dele ou na sua.


- Chute a dele. - sugeriu Harry, e envolveu-a com o braço. Ele já acabara de ver as cotações e trocara o trabalho pelo prazer. Assistia a um filme antigo na tela do carro.


Ela sentiu no ar o cheiro de tabaco do mais caro, e gostaria de poder dizer que aquilo a irritava. A verdade, porém, é que a deixava mais calma, bem como o braço dele em seu ombro e o velho filme em preto e branco.


- Que filme é esse?


- Humphrey Bogart e Lauren Bacall. O primeiro filme que fizeram juntos. Ela estava com dezenove anos, acho. Preste atenção nessa cena...


Gina esticou as pernas e ouviu Bacall perguntar a Bogart se ele sabia assobiar, e seus lábios se agitaram.


- Esperta... - comentou Gina.


- É um bom filme. Precisamos vê-lo inteiro, qualquer hora dessas. Você está tensa, tenente.


- Talvez.


- Vamos ter que cuidar disso. - Ele se virou para o lado, servindo-lhe um cálice com haste comprida, cheio de um líquido com cor de palha. - Beba.


- O que é isso?


- Vinho... apenas vinho.


Ela cheirou a bebida, com ar desconfiado. Era bem capaz de ele ter colocado algum calmante na bebida, e ela sabia disso.


- Olha lá, hein... vou ter que trabalhar um pouco quando chegar em casa, e preciso estar com a mente alerta.


- Mas você vai ter que parar para descansar em algum momento... relaxe. Sua cabeça pode ficar alerta pela manhã.


Ele tinha razão. Ela estava com dados demais na cabeça, e nenhum deles estava adiantando. Com aquela, já eram quatro mortes, e ela não estava nem um pouco mais perto da solução. Talvez sair do ar por algumas horas a fizesse enxergar melhor.


- Quem quer que tenha assassinado Wineburg, agiu de forma rápida, silenciosa... e astuta, atingindo-o direto no coração. Corte a garganta de alguém e você vai se cobrir todo de sangue. Atinja o coração e a morte vem depressa, com o mínimo de sujeira.


- Hum-hum... - Harry começou a massagear a nuca de Gina. Aquilo sempre funcionava para acabar com o seu estresse.


- Chegamos quanto tempo depois? Trinta, quarenta segundos? Foi rápido, muito rápido. Se Wineburg fraquejou, pode haver mais gente na mesma situação. Preciso conseguir a lista dos membros dessa seita. Tem que haver um modo. - Tomou um gole do vinho. - Sobre o que você e Neville estavam conversando?


- México. Pare de se preocupar com tudo.


- Certo, certo. - Recostou a cabeça para trás, fechando os olhos pelo que lhe pareceu três segundos. Quando tornou a abri-los, eles já haviam passado pelos portões e o carro já estava parando na porta de casa. - Eu dormi?


- Por mais ou menos cinco minutos.


- Aquilo era só vinho mesmo?


- Pode acreditar. O próximo passo do nosso programa é um banho quente.


- Um banho agora não tem nada... - Reconsiderou ao pisar dentro de casa. - Bem, na verdade a idéia me parece muito boa.


Dez minutos depois, enquanto a água enchia a banheira e formava redemoinhos sob o poder dos jatos, a idéia começou a lhe parecer ainda melhor. Mas ela arqueou uma sobrancelha quando viu Harry começar a se despir.


- Para quem é o banho, afinal, para mim ou para você?


- Para nós. - Deu-lhe um tapa no traseiro, empurrando-a na direção da banheira.


- Por mim, tudo bem. Vou lhe dar a oportunidade para explicar tudo sobre essa história de salvar a vida de uma linda mulher.


- Humm... - Ele deslizou para dentro da água cheia de espuma, colocando-se de frente para ela. - Bem, não posso me responsabilizar por fatos que aconteceram em uma vida passada. - Entregou a Gina outra taça de vinho que ele tivera a perspicácia de encher. - Ou posso?


- Não sei. Não existe aquela teoria segundo a qual as pessoas repetem as coisas que fizeram ou aprendem com elas? - Segurou a taça acima da cabeça e submergiu com a cabeça para trás, voltando à superfície logo em seguida, com um gemido de prazer. - Você acha que era amante dela?


Pensando bem na resposta que ia dar, ele fez deslizar a ponta do dedo para cima e para baixo da perna de Gina, e disse, por fim:


- Se ela tinha a aparência que tem agora, eu espero que sim.


- Sei... - Lançou-lhe um sorriso azedo. - Você tem mesmo cara de quem procurava mulheres grandes, lindas e exóticas. - Encolhendo os ombros, bebeu mais vinho e brincou com a haste comprida da taça. - Muita gente acha que você fugiu totalmente do seu estilo, que não tinha nada a ver com o meu.


- Muita gente?


- Claro. - Ela bebeu todo o resto do vinho e colocou a taça de lado. - Sinto os olhares e os sussurros quando temos que ficar fazendo sala para alguns dos seus sócios ricos e esnobes. Não posso culpá-los por se perguntarem o que deu em você. Eu não sou grande, nem linda, nem exótica.


- Não, não é. É magra, adorável, forte. Não é de admirar que eu tenha caído de quatro.


Gina se sentiu ridícula e desconcertada. Ele conseguia fazê-la ficar assim só com o jeito de olhar para ela.


- Não estou querendo elogios. - murmurou.


- O que me surpreende é você ter dado alguma importância ao que algum dos meus sócios possa pensar de nós dois.


- Eu não dou importância. - Droga, ela ia acabar estragando as coisas. - Estava apenas fazendo uma observação. O vinho deve estar deixando a minha língua solta.


- Você me deixa aborrecido, Gina... - sua voz estava perigosamente fria, um sinal que ela reconhecia bem -... ao criticar o meu gosto dessa forma.


- Ah, deixa isso pra lá!... - Tornou a mergulhar a cabeça, voltando à superfície depressa, quando as mãos dele a seguraram pela cintura. - Ei, o que está tentando fazer, me afogar? - Piscou para fazer escorrer a água dos olhos e viu que ele realmente parecia chateado. – Escute Harry...


- Não, escute você, e escute bem! - Esmagou sua boca contra a dela, de forma ardente, faminta e apressada, deixando-a tonta e excitada. - Vamos passar para a terceira parte do programa um pouco mais cedo. - disse ele, o que deu a ela a chance de sugar um pouco de ar para os pulmões. - Agora eu vou lhe mostrar por que eu não fugi nem um milímetro do meu estilo ao me envolver com você, tenente, nem um milímetro! Eu não cometo erros.


Ela lançou-lhe um olhar de deboche, apesar de sentir o sangue fervilhar sob a pele.


- Esse papo arrogante de sempre não funciona comigo não. Já disse que tudo deve ter sido efeito do vinho.


- Você não vai poder culpar o vinho pelo que vou fazer com você. - prometeu ele, inclinando as mãos de forma que seus polegares se colocaram no espaço vulnerável entre a coxa dela e a virilha. - Você não vai poder colocar a culpa no vinho quando eu a fizer gritar.


- Eu não vou gritar. - Mas sua cabeça tombou para trás quando um gemido saiu dos seus lábios. - Mal consigo respirar quando você faz isso.


- Então não respire. - Ele a levantou pelas costas até que seus seios surgissem acima da linha d’água, enquanto suas mãos trabalhavam sem parar na parte de baixo. Abaixando a cabeça, cravou os dentes em um ponto onde a água escorria. - Vou possuí-la agora, e você vai me deixar fazer isso.


- Não quero ser possuída, a não ser que eu também possua você. - Mas no instante em que seus braços tentaram enlaçá-lo, ele provocou-lhe um orgasmo, seu corpo corcoveou e os braços ficaram moles.


- Dessa vez, não... - Subitamente, ele se sentiu ávido por ela, exatamente como ela estava naquele momento, com o corpo mole, aberto e descuidado.


- Como você consegue fazer isso? - Suas palavras saíram fracas e engroladas. Ele quase riu, embora o desejo estivesse tão forte que chegava a doer. Sem dizer nada, ele ficou em pé e a pegou no colo. Seus olhos estremeceram, tentando permanecer abertos, enquanto ele a carregava para fora da banheira.


- Quero você na cama! - disse. - Quero você toda molhada, por dentro e por fora. Quero que o seu corpo estremeça quando eu tocá-lo. - Ele a colocou de costas sobre o lençol, levando a boca direto para a sua garganta. - Quero saborear você!


Ela parecia bêbada, sem controle e dócil demais para se sentir chocada, enquanto as mãos dele voltaram a trabalhar. Ela empinou o corpo, em busca dele, mas ele se deixou escorregar por cima dela e veio descendo pelo seu corpo úmido, com as mãos ágeis e a boca apressada. Ela não conseguia acompanhar o ritmo dele. Agora seu corpo ficara rígido, como um punho cerrado, pronto para golpear. Ela gozou de forma violenta e abrupta, sem conseguir ouvir o próprio grito.


Ele tomava tudo o que queria. Tudo. O sangue dele pulsava mais depressa e se tornava mais quente a cada vez que ele a fazia ultrapassar os próprios limites. A pele dos dois estava molhada e quente, banhada em suor enquanto ele continuava a reger os acontecimentos de forma implacável.


Quando a necessidade de estar dentro dela se tornou insuportável, ele a elevou um pouco e abriu mais as suas pernas, até senti-las dobradas e apertando a sua cintura. E quando os braços dela o enlaçaram com força, seu corpo tremendo de encontro ao dele, ele apertou-lhe os quadris e a penetrou de uma vez só, em uma estocada profunda.


Sua boca encontrou o seio dela e sentiu a batida selvagem e descompassada do seu coração por baixo da carne úmida. Quando ela tornou a alcançar o clímax, apertando-lhe o membro com os músculos como se fossem mãos de ferro em luvas de seda, ele se segurou.


- Olhe para mim! - Ele arqueou o corpo dela, sentindo os quadris que se mexiam e o corpo que estremecia sob o dele. Uma nova onda de excitação o atingiu quando ele se impulsionou mais fundo dentro dela. - Olhe para mim, Gina. - Ele passeava as mãos pelo corpo dela, moldando cada curva enquanto continuava com novas investidas, lentas e constantes. A respiração dele se acelerou e seu controle parecia estar sobre um cordão fino que se desfiava.


Ela abriu os olhos. Estavam vidrados, pesados, mas olhavam para ele.


- Você é a mulher certa! - disse ele, colando ainda mais seu corpo com o dela. - Você é a única!


Sua boca tornou a se lançar sobre a dela, encontrando-a aberta e faminta, enquanto ele se esvaziava dentro de seu corpo.


Pela primeira vez, ele dormiu antes dela. Gina ficou deitada no escuro, ouvindo-o respirar, roubando um pouco do calor do corpo dele enquanto o dela esfriava. Já que ele estava dormindo, ela acariciou seu cabelo.


- Eu amo você. - murmurou ela. - Amo tanto que me sinto uma idiota por causa disso.


Dando um suspiro, deixou-se acomodar junto dele, fechou os olhos e se obrigou a esvaziar a mente.


Ao seu lado, Harry sorria no escuro.


Ele jamais dormia antes dela.


 


 


 


 


Agradecimento especial:


 


gilmara: acho que você está mais certa se supor que eles estão fazendo as duas coisas ao mesmo tempo, primeiro porque a Selina gosta de matar e sente prazer em fazer isso e em segundo lugar eles matam aqueles que possam acabar os entregando para a policia. O coração não vai ser enviado para a Gina não, e o Jamie, bem pelo menos ele vai demorar algum tempo para aparecer novamente. Ah, não tem coisa melhor do que comer pizza fria pela manha, principalmente se for acompanhado por uma xícara de café bem quente. Beijos.


 


 

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