CAPÍTULO QUATORZE



CAPÍTULO QUATORZE


 


Neville queria ver Lupin antes de mais nada. Sendo assim, foi à casa dele bem cedo, pois o assunto era pessoal. Eles dois também já tinham um longo caminho percorrido juntos, pensou Neville, enquanto estacionava o carro em frente à linda casa de dois andares em um bairro elegante. Já estivera ali várias vezes em visitas sociais ao longo dos anos. A mulher do comandante adorava dar festas.


Seu espírito, porém, não estava nada sociável quando ele caminhou pela calçada pavimentada com pedrinhas em direção à casa, enquanto a vizinhança ainda despertava. Alguns metros além, um cão ladrava de forma cadenciada e monótona. Aquele latido não tinha o leve som metálico de eco, característico dos cães eletrônicos; exibia uma força e uma vibração que mostravam que aquele era um cão de carne e osso. O tipo de cão que fazia cocô no jardim, pensou Neville, balançando a cabeça, e logo depois se coava todo para se livrar das pulgas.


Folhas soltas se agitavam alegremente ao longo da rua, a maioria delas voando direto para os gramados. Gramados que eram, em um bairro como aquele, tão bem cuidados que mais pareciam elementos religiosos.


Neville, na verdade, não curtia muito a vida em bairros residenciais, pois isso significava que o morador tinha de varrer, cortar a grama, regar as plantas ou contratar alguém para fazer tudo isso por ele. Criara a família na cidade e utilizara os parques públicos. Afinal, todos pagavam impostos para tê-los, então por que não usá-los? Flexionou os músculos dos ombros, sentindo-se inquieto e desconfortável com o silêncio matinal.


Anna Lupin atendeu às batidas na porta e, embora não estivesse à espera de visitas àquela hora da manhã, já estava bem apresentável, vestindo uma roupa de ginástica toda enfeitada. Seus cabelos claros ondulavam com estilo, e sua maquiagem era sutil e perfeita. Seus lábios abriram um sorriso de boas-vindas. Mas seus olhos talvez tenham piscado mais depressa, de surpresa e curiosidade, porém, acostumada ao papel de esposa de policial, ela não fez perguntas.


- Neville, que prazer recebê-lo! Entre, por favor, e aceite um café. Remo já embarcou na segunda xícara, ele está na cozinha.


- Desculpe vir incomodá-la em casa, Anna. Preciso tomar alguns minutos do comandante.


- Claro! E como está Sheila? - perguntou enquanto seguia na frente pelo corredor, levando-o em direção à cozinha.


- Está bem, obrigado.


- Ela parecia ótima da última vez em que a vi. Seu novo cabeleireiro é fantástico. Remo, trouxe-lhe companhia para o café. - Entrou na cozinha, notando o olhar de surpresa e especulação nos olhos do marido. Sentiu que devia se retirar de fininho. - Bem, vou deixar vocês dois batendo papo. Tenho um monte de coisas para fazer agora de manhã. Neville, dê lembranças minhas a Sheila.


- Farei isso. Obrigado, Anna. - Esperou até que a porta se fechasse, sem tirar os olhos do rosto de Lupin nem por um segundo, e disse: - Mas que droga, Remo!


- Esse assunto devia ser discutido no trabalho, Neville.


- Não estou falando com o meu comandante, estou falando com você, Remo. - Neville levantou o indicador. - Estou falando com alguém que conheço há vinte e cinco anos, alguém que conhecia Frank. Por que me deixou de fora desse caso? Por que ordenou a Gina que mentisse para mim?


- Essa foi uma decisão minha, Neville. A investigação precisava ser conduzida por um número mínimo de pessoas, apenas as necessárias.


- E eu não era necessário...


- Não. - Lupin cruzou as mãos grandes. - E não precisava saber de nada.


- Frank e eu criamos alguns dos nossos filhos juntos. Alice era minha afilhada. Frank e eu fomos parceiros em rondas de rua durante cinco anos. Nossas esposas eram como irmãs. Quem você pensa que é para decidir que eu não precisava saber que ele estava sendo investigado?


- O seu comandante. - disse Lupin, de forma ríspida, colocando o café ainda fumegante de lado. - As razões que você acaba de me apresentar são as mesmas nas quais me baseei para tomar a decisão.


- Você me deixou de fora! Sabia muito bem que os recursos da Divisão de Detecção Eletrônica, na qual trabalho, precisavam ser utilizados. Vocês precisavam decifrar dados criptografados.


- Os dados foram apenas parte do problema. - disse Lupin, com a voz firme. - Não havia registro de problemas cardíacos nos arquivos médicos, nem o registro de conexão em nível pessoal ou profissional de Frank com algum traficante de drogas químicas ilegais com ficha na polícia.


- Frank não tinha nada a ver com drogas ilegais.


- Sim, realmente não havia nenhum dado a esse respeito. - continuou Lupin. - Só que o amigo mais chegado dele é também o melhor detetive eletrônico da cidade.


- E você achou que eu tivesse adulterado arquivos oficiais? - Os olhos de Neville se arregalaram e ele chegou a ficar pálido. - Você colocou Gina para me investigar também?


- Não, não acho que você tenha adulterado arquivos, mas era uma porta que eu não podia deixar desguarnecida com o Departamento de Assuntos Internos fungando na minha nuca. Quem você teria escolhido para fazer um trabalho desse tipo, Neville? - quis saber Lupin, com um gesto de impaciência. - Eu sabia que a tenente Weasley faria um trabalho meticuloso e completo, e que seria capaz de colocar o traseiro na reta para limpar o nome de Frank e o seu. Além disso, sabia também que ela tinha alguns... contatos que poderiam ajudá-la a acessar os tais dados criptografados.


Inundado pela emoção, Neville se virou e ficou olhando para fora da janela limpíssima, vendo o quintal com um gramado cuidadosamente cortado e cheio de majestosas flores outonais.


- Você a colocou em uma situação delicada. Ordenou que ela desempenhasse um papel podre, Remo! É isso o que acontece quando as pessoas atingem o comando? Colocam as próprias fileiras contra a parede?


- Sim, é isso o que acontece. - Lupin passou os dedos pelos cabelos pretos que estavam começando a ficar grisalhos. - Você faz o que tem que ser feito e assume os atos. Eu estava com o Departamento de Assuntos Internos me rondando. Minha prioridade era limpar o nome de Frank e proteger a sua família de outros traumas. Weasley foi minha melhor escolha. Você a treinou, Neville, sabe que ela era a minha melhor escolha.


- Sim, eu a treinei. - concordou Neville, sentindo-se enjoado.


- E o que teria feito em meu lugar? - quis saber Lupin. - Seja sincero, Neville. Alguém chega com um tira morto... e ele foi visto comprando drogas ilegais de uma traficante fichada que estava sob vigilância. Então você descobre, pela autópsia, que havia drogas em seu organismo no momento de sua morte. Seu instinto lhe diz que não é possível e que não havia jeito de ele estar envolvido em algo sujo. Talvez o seu coração também esteja lhe dizendo a mesma coisa, porque você ainda se lembra do tempo em que ambos eram recrutas. O Departamento de Assuntos Internos, no entanto, não lida com instintos e não tem coração. O que você teria feito em meu lugar?


Como acabara de passar uma noite em claro pensando no assunto e abordando todos os ângulos, Neville balançou a cabeça, respondendo:


- Não sei o que teria feito. Só sei que não queria o seu posto... comandante.


- Você teria que ser louco para querer um posto como o meu. - O rosto largo de Lupin relaxou um pouco. - Weasley fez de tudo e conseguiu limpar o nome de Frank, e deixou você totalmente de fora apenas nas primeiras vinte e quatro horas da investigação. Ela teve pouco mais de uma semana para trabalhar, e já conseguiu abrir um caminho. Com seus relatórios, tenho conseguido segurar os caras do Departamento de Assuntos Internos. Eles não estão muito satisfeitos com o fato de Frank ter armado tudo por conta própria, mas aliviaram a pressão.


- Isso é bom. - Neville enfiou as mãos nos bolsos, enquanto se virava. - Ela é realmente muito boa em seu trabalho. Minha nossa, Remo, eu peguei pesado com ela!


- Devia ter vindo a mim antes. - As sobrancelhas de Lupin se uniram em sinal de preocupação. - Cobrar satisfações dela foi muito errado, Neville. Fui eu quem deu as ordens.


- Encarei tudo pelo lado pessoal. Tornei as coisas pessoais. - E se lembrou de como ela olhara para ele, com o rosto pálido e os olhos sem expressão. Ele já vira pessoas com aquele olhar antes... vítimas, refletiu naquele momento, gente que já se acostumara a levar socos na cara. - Preciso consertar as coisas com ela.


- Ela acabou de me ligar, poucos minutos antes de você chegar. Está seguindo uma nova pista, trabalhando em casa.


- Gostaria de uma permissão para tirar duas horas para tratar de assuntos pessoais, comandante. - pediu Neville, balançando a cabeça como quem sabe o que deve ser feito.


- Concedida!


- E gostaria de entrar na investigação.


- Isso vai depender de Weasley. - Lupin se recostou, considerando o pedido. - Ela é a investigadora principal desse caso. Estamos com as cartas todas na mesa agora, mas é ela quem escolhe a própria equipe.


 


- Atenda ao tele-link, por favor, Hermione... - Gina continuava a pesquisar os registros que passavam pela tela, enquanto o tele-link tocava insistentemente. Era espantosa a quantidade de nomes que ela conhecia, a partir dos dados sociais, políticos e profissionais das pessoas. Duvidava muito de que um ano atrás ela reconhecesse tantos daqueles nomes, mas a sua ligação com Harry lhe ampliara os horizontes.


- Médicos, advogados. - murmurou ela. - Caramba! Esse cara já veio até jantar aqui em casa. E acho que Harry já dormiu com essa mulher aqui... essa dançarina... está estrelando um musical de sucesso na Broadway, e suas pernas têm um quilômetro de comprimento.


- Tonks quer falar com você. - anunciou Hermione, perguntando a si mesma se Gina estava falando sozinha ou realmente queria compartilhar aquelas informações pessoais. Tossiu forte, espirrou e especificou, com a voz áspera: - Nymphadora Tonks, do Canal 75...


- Perfeito! - Gina limpou a tela, só para garantir, e se virou para o tele-link, perguntando: - E então, Tonks, qual é a história?


- Você é a grande história, Weasley. Duas pessoas mortas! É perigoso ser apresentado a você...


- Ora, mas você ainda está respirando.


- Até agora, pelo menos. Achei que talvez você pudesse se interessar em alguns dados que apareceram na minha mesa. Podemos fazer uma troca.


- Mostre suas cartas, Tonks, e talvez eu mostre as minhas.


- Quero uma entrevista exclusiva, gravada na sua casa, onde você aparecerá analisando os dois assassinatos a faca, e tem que ir ao ar na edição de meio-dia.


Gina nem se deu ao trabalho de soltar uma exclamação de desdém e fez uma contraproposta:


- Entrevista genérica sobre a investigação, gravada na minha sala na polícia, e para a edição da noite.


- O primeiro corpo foi achado na sua casa, e é por isso que eu queria gravar lá.


- Foi encontrado do lado de fora, na calçada, e você não vai entrar em minha casa.


Tonks bufou... a reclamação foi para si mesma, pois sabia que aquilo não ia comover Gina.


- Pelo menos eu quero a entrevista para a edição de meio-dia.


Gina olhou para o relógio e fez cálculos, considerando tudo.


- Posso liberar a sua entrada em minha sala para as onze e quarenta e cinco da manhã. Se eu conseguir resolver tudo, estarei lá para recebê-la. Se não conseguir...


- Droga, Gina, nós precisamos de tempo para editar a matéria. Quinze minutos não dá nem para...


- É o suficiente, Tonks, para alguém tão boa como você. Só quero ver se suas informações vão compensar o tempo que vou perder.


- Tá bom, mas pelo menos se arrume, para não aparecer com cara de catadora de lixo em meu programa. - reagiu Tonks. - Faça alguma coisa interessante com o cabelo, pelo amor de Deus!


Em vez de responder, Gina encerrou a transmissão.


- Que obsessão é essa que as pessoas tanto têm pelos meus cabelos e pelas minhas roupas, hein?... - Passou os dedos pelos famosos cabelos, com a cara amarrada.


- Luna comentou comigo que esse seu corte já passou da validade há muito tempo, e que você precisa marcar uma hora com a estilista. Leonardo também anda reclamando disso.


- Você anda de amizade com a Luna, é?


- Já fui assistir ao seu show duas vezes. - Assoou o nariz com força. Esses medicamentos liberados para venda sem receita eram pura enganação, decidiu ela. - Gosto de ver Luna no palco.


- Bem, eu não tive tempo de marcar hora com estilista nenhuma. - resmungou Gina. - Quanto aos cabelos, eu mesma dei uma picotada neles há uns dois dias.


- É, dá para notar... - Gina apertou os olhos e, diante disso, Hermione sorriu docemente, completando: - Ficaram lindos!


- Baba-ovo!... - Gina tornou a ligar o monitor. - Agora, se já terminou com as críticas a respeito da minha aparência, talvez queira pesquisar alguns desses nomes.


- Reconheço alguns deles. - Hermione se inclinou por cima do ombro de Gina. - Louis Trivane: advogado bam-bam-bam das celebridades... livra as estrelas de apuros legais. Marianna Bingsley: herdeira de uma rede de lojas de departamentos e devoradora de homens profissional. Cario Mancinni, guru do aprimoramento cosmético, é médico, mas uma pessoa precisa ser muito rica para que ele sequer considere a possibilidade de fazer escultura corporal nela.


- Já conheço as figuras, Hermione. Agora, preciso de fatos do passado, dados pessoais, financeiros, médicos e possíveis passagens pela polícia. Quero os nomes de seus maridos, mulheres e cães. Quero saber quando e como cada um deles entrou em contato com Selina Cross e o motivo de terem decidido que Satã era um cara legal.


- Isso vai levar dias! - disse Hermione, com cara de tristeza, fazendo Gina se lembrar de Neville com pesar. - Vou levar muito tempo, mesmo pesquisando os dados no Centro Internacional de Pesquisas Criminalísticas (CIPC).


Gina não disse nada. O Centro Internacional de Pesquisas Criminalísticas era a fonte dos maiores orgulhos e alegrias de Neville.


- Se ao menos eu conseguisse algum detetive eletrônico para me ajudar, poderíamos fazer isso na metade do tempo, talvez em menos ainda... - Hermione encolheu os ombros. - Então, por onde quer que eu comece?


- Começamos por Wineburg. Cave bem fundo aí, e também em Lobar... Robert Mathias. Depois, passe para o topo da lista e vá descendo. Eu pego do final e vou subindo. Tente rastrear grandes retiradas de dinheiro a intervalos regulares. Garanto que vamos ter uma idéia do que precisamos quando nos encontrarmos, no meio da lista.


Gina estreitou os olhos, pensando. Os dados financeiros da seita de Selina talvez estivessem protegidos pela Lei de Privacidade, já que era uma religião registrada. Mesmo assim havia uma chance, mínima que fosse, de ela ser arrogante o bastante para fazer depósitos em sua conta pessoal.


Era só verificar. Por outro lado, ela teria de decidir se os dados iam poder ser usados, caso conseguisse acessá-los. Além do mais, para acessá-los, ela ia precisar de Harry.


Era melhor esperar um ou dois dias, decidiu. Uma vez estimada a quantia que os membros depositavam no bolso de Selina, ela poderia tornar a avaliar os valores individualmente.


Ia ser difícil convencer a promotoria a enquadrar contribuições religiosas como extorsão, mas já era um começo.


- Se fizermos a conexão de Wineburg com a seita de Selina Cross, posso rebocá-la para interrogatório. Acho que podemos fazer isso, digamos, às onze e meia.


- Você está com entrevista marcada com Tonks para as onze e quarenta e cinco.


- Eu sei. - O sorriso de Gina se ampliou. - Acho que o lance vai funcionar...


- Hein?


- Não vai ser culpa minha se uma repórter xereta descobrir que estou interrogando Selina Cross enquanto investigo dois homicídios recentes, somar dois mais dois...


- E jogar a história no ar.


- Isso pode balançar alguns desses importantes e refinados satanistas. Tem gente que começa a dar com a língua nos dentes assim que começamos a sacudi-los um pouco. Consiga-me alguns dados e vou poder sacudi-los com mais força ainda.


- Tiro o meu chapéu para você.


- Não faça isso ainda, é melhor ver se a idéia funciona antes. Pode usar este equipamento. Vou usar um dos aparelhos de Harry para dar o primeiro passo. Computador, copie o disco e imprima esta lista! - Olhou para trás ao sentir que vinha entrando alguém e ficou muda. - Cancelar ordem! - murmurou, e se preparou para tomar outra esculhambação de Neville.


- Hermione... - Neville lançou para a auxiliar de Gina um olhar calmo, com os olhos cansados. -...   preciso de um instante a sós com a sua tenente.


- Senhora?... - Mesmo tendo se levantado, Hermione esperou pela autorização de Gina para se retirar.


- Tire alguns minutos de folga, Hermione. Vá tomar um café.


- Sim, senhora. - Ela saiu, sentindo fagulhas de tensão no ar. Gina não disse nada, simplesmente se colocou em pé. Seu corpo estava preparado, ele notou, não para se defender, mas para absorver o próximo golpe. Seus olhos mantinham-se cuidadosamente sem expressão. A mão que se apoiava na mesa, porém, tremia de leve. Ele olhou para o tremor por um instante, surpreso e envergonhado por ser o causador daquilo.


- O seu mordomo... Moody me disse que eu podia subir direto. - Estava quente no quarto, mas ele não tirou o sobretudo amarrotado. Em vez disso, enfiou as mãos nos bolsos. - Agi muito mal com você ontem. Vir para cima de você não foi correto, Gina. Você estava fazendo o seu trabalho.


Ele viu os lábios dela tremerem, como se estivessem prestes a falar ou emitir algum som. Então ela tornou a firmá-los, sem dizer nada. Parecia ter sido açoitada.


“Você a deixou arrasada.”


“O pai dela a espancava, torturava e estuprava.”


Você vem sendo o pai dela há dez anos.”


Como ele ia conseguir lidar com aquilo? E como poderia ignorar tudo?


- As coisas que eu falei... eu não devia ter dito nada daquilo. - Tirou as mãos do bolso, esfregando-as com força no rosto. – Nossa Gina, eu sinto muito!


- Você falou tudo aquilo de coração? - As palavras saíram antes de ela conseguir impedi-las. Levantando a mão, ela se virou e olhou para fora da janela, sem conseguir ver nada.


- Queria ter falado, porque estava revoltado naquela hora. - Foi até ela com as mãos balançando no ar, sem finalidade. - Sei que não tenho desculpas para o que fiz. - começou. Ele a tocou, mas afastou os dedos ao sentir que ela se encolheu toda. - Não tenho desculpas. - repetiu, depois de respirar fundo. - Você tem toda a razão de se afastar de mim. Eu fui com tudo em cima de você, e não devia ter feito isso.


- Agora você já não confia mais em mim. - Ela passou as costas da mão sobre a face, com vergonha por ter deixado uma lágrima solitária escorrer.


- Isso não é verdade, Gina. Não existe ninguém em quem eu confie mais. Escute aqui, droga... é preciso apontar uma arma a laser para a minha cabeça, e só assim eu peço desculpas para a minha própria esposa. Estou lhe dizendo que sinto muito. - Com impaciência, ele a agarrou pelo braço e a virou de frente para ele. Ela congelou. Seus olhos ficaram brilhantes, com as lágrimas reluzindo, porém, graças a Deus, elas não caíram. - Não venha com esse olhar feminino para cima de mim não, Gina. Não consigo chutar a minha própria bunda com mais força do que já estou fazendo. - Levantou o queixo, apontando para ele com a ponta de um dos dedos. - Vá em frente! Um direto de direita, pode socar! Vai ficar apenas entre nós o fato de você ter agredido um oficial superior.


- Eu não quero agredir você, Neville.


- Droga, eu tenho um posto superior ao seu e estou mandando! Aplique um soco na minha cara!


A sombra de um sorriso surgiu nos lábios dela. Ele estava com uma aparência péssima, avaliou ela, com aqueles olhos de camelo cansado brilhando de raiva e frustração.


- Talvez eu cumpra essa ordem, mas só depois de você se barbear. Essa barba toda espetada vai acabar arranhando os nós dos meus dedos.


- Você está ficando molenga mesmo... - Uma sensação de alívio o inundou ao notar o leve sorriso nos lábios dela. - Levar essa vida de grã-fina com aquele irlandês filho-da-mãe dá nisso...


- Eu arranquei o couro de um andróide boxeador ontem à noite. E ele é um dos melhores do arsenal de Harry.


- Sério mesmo? - disse e se inchou todo de orgulho, sentindo-se ridículo.


- Fingi que ele era você. - provocou ela, cutucando a bochecha por dentro da boca com a língua.


Ele sorriu, pegou um saco com amêndoas açucaradas no bolso e ofereceu a ela, dizendo:


- Detetives eletrônicos não precisam usar os punhos. Eles usam o cérebro.


- Você me ensinou a usar ambos.


- E a cumprir ordens. - acrescentou, com os olhos novamente pousados nela. - Ficaria envergonhado se você tivesse se esquecido disso. Você fez o certo, Gina. Por Frank, pelo departamento... e por mim. - afirmou ele, reparando que os olhos dela tornaram a se encher de lágrimas. - Não, não faça isso! - Sua voz estremeceu com o pedido. - Não comece com essa história molhada. É uma ordem!


- Não estou fazendo nada. - reagiu ela, passando as costas da mão sob o nariz.


Ele esperou um momento, apenas para ter certeza de que ela não ia abrir a torneira, deixando os dois sem graça. Ao ver que seus olhos estavam secando, concordou com a cabeça, aliviado.


- Ótimo! - Balançou o saquinho de amêndoas na mão. - E agora, quando é que você vai me deixar entrar no caso?


Ela abriu a boca para dizer algo, mas tornou a fechá-la.


- Estive com Lupin. - disse Neville, quase com vontade de rir. Aquela era a policial que ele treinara. Firme, resoluta e correta. - Fui tirar satisfações com ele cara a cara, na cozinha de sua casa.


- Foi mesmo? - Gina levantou as sobrancelhas. - Essa cena eu queria ter visto!


- O problema é que, depois do papo, fui obrigado a concordar com ele. O comandante pegou a melhor policial para o trabalho. Soube que você cortou um dobrado para tirar o Departamento de Assuntos Internos de cena e limpar o nome de Frank... e o meu também. - acrescentou. - E sei também que você está correndo atrás de quem o matou, e Alice também. - Nesse ponto, ele teve que tomar fôlego, porque aquilo ainda machucava muito. - Quero entrar no caso, Weasley. Para ser franco, quero tirar esse peso da minha cabeça. Lupin disse que dependia apenas de você.


A tensão saiu como um peso retirado dos seus ombros. Ela poderia fazer aquilo por ele, e por ela também.


- Vamos cair dentro então, Neville. - convidou ela.


 


Gina ficou tão satisfeita por estar com Selina Cross na sala de interrogatório que nem se lembrou de que o melhor ainda estava por vir, pois ela estaria sendo representada por Louis Trivane. Ao abrir a porta da sala A, lançou sorrisos luminosos para ambos.


- Sra. Cross, aprecio muito a sua cooperação. Como vai, dr. Trivane?


- Tudo bem, Gina...


- Tenente Weasley, por favor. - corrigiu ela, arrancando o sorriso do rosto. - Isto não é uma reunião social, doutor.


- Vocês já se conheciam? - Os olhos de Selina se mostraram gélidos quando ela olhou fixamente para o advogado.


- Seu representante conhece o meu marido, socialmente. Aliás, eu conheço um grande número de advogados nesta cidade, Sra. Cross, e isso não afeta o meu desempenho no trabalho nem o deles. Vamos gravar o depoimento.


Gina ligou o gravador e recitou os dados pertinentes ao caso. Depois de informar oficialmente à interrogada sobre os seus direitos de permanecer calada e utilizar os serviços de um advogado, ela se sentou.


- Vejo que resolveu fazer valer o seu direito de ter um advogado presente, Sra. Cross.


- Certamente! Já fui por demais assediada verbalmente pela senhora, tenente Weasleu. Prefiro continuar a ser molestada diante de um gravador.


- Eu também... – Gina sorriu. - A senhora tinha um relacionamento com Robert Mathias, também conhecido como Lobar.


- Ele era Lobar. - corrigiu Selina. - Foi esse o nome que escolheu.


- Era certamente é a palavra adequada, já que o Sr. Mathias se encontra no freezer do necrotério. Junto de Thomas Wineburg. A senhora tinha algum relacionamento com ele também?


- Não, não tive o prazer de ter sido apresentada a este cavalheiro.


- Ora, mas isso é curioso... ele era um membro de sua seita.


Selina empinou o queixo, afastou Trivane quando ele se aproximou para cochichar algo em seu ouvido e disse:


- A senhora não pode esperar que eu reconheça os nomes de todos os membros de minha igreja, tenente. Nós somos... - espalmou as mãos sobre a mesa -... legião.


- Bem, então talvez essas imagens refresquem a sua memória. - Gina abriu uma pasta, pegou uma foto e a atirou sobre a mesa, na direção de Selina. Instantâneos de pessoas mortas sempre eram horríveis.


Selina pegou a foto e um leve sorriso dançou-lhe nos lábios. Um dos dedos, novamente preso a uma pequena rede de correntes nas costas de sua mão, acompanhou a trilha de sangue vermelho-escuro que escorria do corpo na foto, e ela disse:


- Não posso afirmar com certeza. Sempre nos reunimos no escuro. - Seu olhar se encontrou com o de Gina. - É o nosso costume...


- Pois eu posso afirmar com certeza. Tanto ele quanto Lobar eram conhecidos seus, e ambos foram mortos por um punhal no estilo do que é utilizado em seus rituais.


- Um athame, sim... não somos a única religião que usa tal instrumento em uma cerimônia. Creio que, depois desses atos de violência, a polícia deveria estar mais preocupada em nos proteger e não em nos acusar. Obviamente, existe uma pessoa, ou um grupo de pessoas, interessada em nos eliminar.


- Eu achava que vocês tinham proteção própria. O seu mestre não cuida de seus seguidores?


- Seu deboche serve apenas para demonstrar sua ignorância.


- E fazer sexo com um delinqüente de dezoito anos serve apenas para demonstrar a sua. A senhora também fez sexo com Thomas Wineburg?


- Já lhe disse que nem sequer tenho certeza se sei quem ele era. Se o conhecia, no entanto, provavelmente fiz sexo com ele.


- Selina! - Trivane a cortou com a voz firme. - A senhora está conduzindo as declarações de minha cliente, tenente. Ela já afirmou que não consegue identificar esta vítima.


- Mas o conhecia sim... vocês dois o conheciam. Ele era um “furão”. Sabe o que significa “furão” no jargão da polícia, Sra. Cross? Um informante. - Gina se levantou e se inclinou, colocando o seu corpo mais próximo de Selina. - A senhora ficou preocupada com as coisas que ele poderia ter me contado? Foi por isso que arranjou tudo para que morresse? A senhora o estava seguindo? - Lançou o olhar na direção de Trivane por um instante. - Talvez a senhora mande seguir todos os seus... devotos.


- Vejo tudo o que preciso ver na névoa.


- Sei... na névoa! A versão psíquica do voyeurismo. Foi muito arriscado para Wineburg ir até o velório... por que motivo a senhora acha que ele queria ver Alice morta? Wineburg havia estado lá na noite em que ela foi drogada e estuprada? A senhora deixou que ele a possuísse?


- Alice era uma iniciada, de bom grado.


- Ela era uma criança e muito confusa. A senhora gosta de atrair os jovens, não é? Eles são muito mais interessantes do que os baixinhos idiotas, como Wineburg. Possuem corpos mais firmes e mentes mais maleáveis. Gente do tipo de Wineburg ou do tipo do nosso distinto advogado aqui servem apenas para fornecer grana ou pelo toque de classe. Os outros, como Alice, são tão macios, não?... Tão tenros...


- Ela era mesmo... - Selina levantou a cabeça de forma arrogante, olhando através dos cílios pretos e espessos. - Ela desfrutava e era desfrutada. Não precisava ser atraída, Weasley. Foi ela que me procurou.


- E agora está morta. Três mortes. Os membros do seu grupo devem estar ficando nervosos... - Gina sorriu com malícia para Trivane -... eu estaria.


- Mártires não são novidade, Weasley. As pessoas vêm sendo mortas por causa de sua fé há séculos e, mesmo assim, a fé sobrevive. Nós sobreviveremos... vamos triunfar!


- Pois ele não triunfou. - Gina pegou outra foto e a atirou sobre a mesa.


Era Lobar, com o corpo mutilado bem retratado, sob as luzes brilhantes da cena do crime, o corte em sua garganta aberto como se representasse um grito de pavor.


Foi para Trivane que Gina olhou. Seus olhos piscaram muito rápido, demonstrando horror. Sua pele ficou pálida e seu peito se arqueou, subindo e descendo em espasmos ofegantes.


- Ele não sobreviveu nem triunfou. - disse Gina. - Não é verdade, Sra. Cross?


- Sua morte servirá de símbolo. Ele não será esquecido.


- A senhora possui um athame?


- Sim. Possuo vários, naturalmente.


- Como este aqui? - Pegou mais uma foto, dessa vez um dose da arma que fora espetada no corpo de Lobar. O sangue cobria toda a lâmina.


- Possuo vários, - repetiu Selina - alguns deles muito parecidos com este, como era de esperar. No entanto, não reconheço o objeto que aparece nesta foto.


- Alucinógenos foram encontrados no organismo de Lobar. A senhora usa drogas em seus rituais.


- Sim, algumas ervas e produtos químicos. Todos dentro da lei.


- É?... Nem todas as substâncias encontradas no organismo de Lobar estavam dentro da lei.


- Não posso ser responsabilizada pelas escolhas que outras pessoas fazem.


- Mas ele esteve com a senhora na noite em que morreu. Ele consumiu drogas?


- Tomou o vinho do ritual. Se ingeriu alguma outra coisa, foi sem o meu conhecimento.


- A senhora tem antecedentes como traficante...


- E já paguei meus débitos com a sociedade. A senhora não tem nada de concreto contra mim, tenente.


- Tenho três corpos. De pessoas ligadas à senhora. Tenho um policial morto, e ele também estava ligado à senhora. Estou fechando o cerco, Sra. Cross. Pouco a pouco...


- Saia da minha cola!


- Ou...?


- Você conhece a dor, tenente? - A voz de Selina ficou mais grave e baixa. - Por acaso conhece a dor que vai corroendo o estômago como se fossem gotas de ácido se espalhando por dentro do corpo? A pessoa implora por piedade, mas ela não chega. A dor se transforma em agonia, e a agonia é mais forte que o prazer. Ela se torna tão intensa, tão indescritível, que se uma faca cair nas mãos da pessoa ela é capaz de cortar as próprias tripas para se livrar da fonte da agonia.


- E isso aconteceria comigo? - perguntou Gina friamente. - Realmente aconteceria?


- Posso lhe provocar isso. Posso lhe causar muita dor.


Gina sorriu, mas seu sorriso foi lento e sem humor.


- Agora, finalmente, entramos no nível de ameaça a uma funcionária do Departamento de Polícia. Isso vai lhe proporcionar algum tempo no xadrez, até seu advogado conseguir libertá-la...


- Sua piranha! - Furiosa ao ver que caíra em uma armadilha tão bem preparada e de forma tão infantil, Selina deu um pulo, colocando-se de pé. - Não pode me prender por isso!


- Claro que posso, quer ver?... Selina Cross, a partir deste momento a senhora está presa por fazer ameaças de agressão física a uma policial.


Selina foi muito rápida, mas os reflexos de Gina estavam em forma e conseguiram bloquear o primeiro golpe da acusada, que voara em cima dela. O segundo ataque, porém, a atingiu, e sua garganta foi arranhada por unhas afiadas e letais. Gina sentiu o cheiro do próprio sangue e ofereceu a si mesma o prazer de levantar o cotovelo com toda a força, atingindo em cheio o queixo da oponente.


Os olhos pretos pareceram rolar para cima e perderam o brilho.


- Parece que vamos ter que acrescentar resistência à prisão, doutor. O senhor vai ter muito trabalho nas próximas horas.


Ele não movera um músculo sequer. Trivane continuava sentado, os olhos arregalados, analisando as fotos dos mortos. Quando Neville abriu a porta, acompanhado por um policial, Gina concordou com a cabeça e determinou:


- Pode fichá-la por ameaças verbais e resistência à prisão.


Selina cambaleou quando Gina a entregou ao policial. Seus olhos, porém, ficaram mais focados e se fixaram no rosto de Gina com um ódio borbulhante. Começou a murmurar algo, entoando um cântico que aumentava e diminuía de intensidade, de forma quase musical. Revirando a cabeça, ela olhou por trás do ombro enquanto o policial a carregava dali.


Gina passou os dedos no pescoço, fazendo uma cara feia quando os viu manchados de sangue.


- Conseguiu entender o que ela estava resmungando, Neville?


- Pareceu latim, só que ela maltratou o idioma. - Neville pegou um lenço e o entregou para Gina. - Sei disso porque minha mãe me obrigou a aprender essa língua quando eu era pequeno. Tinha esperanças de que eu me tornasse padre.


- Veja se consegue transcrever cada palavra através da gravação. Talvez consigamos aumentar ainda mais o número de acusações contra ela. Merda, isso arde!... Interrogatório encerrado! - acrescentou, registrando a hora, a data e desligando o gravador. - Dr. Trivane?... Deseja falar alguma coisa comigo?


- Como?... - Ele olhou para ela, engoliu em seco e balançou a cabeça. - Vou cuidar de minha cliente, tenente, assim que ela acabar de ser fichada. Essas acusações não vão mantê-la presa por muito tempo.


- Pois eu acho que vão... - Estendeu os dedos ensangüentados na direção dele. - Olhe só para isso, Louis. - E chegou mais perto dele, esfregando os dedos sob o nariz dele. - Esse sangue pode ser o seu da próxima vez.


- Vou ver a minha cliente. - repetiu, e seu rosto continuava branco como cera quando saiu correndo da sala.


- Aquela piranha é pirada! - comentou Neville.


- Agora me conte alguma novidade, meu amigo.


- Ela odeia a sua raça! - disse ele, com satisfação, feliz por estar novamente em campo. - Acho que você já sacou isso também. Ela jogou um vodu em você.


- Hein?


- Uma praga. - piscou ele. - Não se esqueça de me avisar se começar a sentir alguma eólica. Você está começando a atingi-la.


- Ainda não é o bastante. - murmurou Gina. - Mas estou apostando minhas fichas no advogado. Vamos mantê-lo sob proteção, Neville. Não quero que ele apareça morto antes de abrir o jogo. Reparei bem no jeito que ele olhou para a foto de Lobar. Sentiu choque, e em seguida fez uma expressão de quem reconhecia o morto. - Balançou a cabeça. - Não podemos perdê-lo. - Olhando para o relógio, cantarolou de satisfação, dizendo: - Olhe só... está bem na hora da minha entrevista ao vivo com a Tonks.


- Não quer que alguém dê uma olhada nesse pescoço ensangüentado, Gina? Você está horrível!


- Depois. - disse e saiu, andando a passos largos. Tonks não ia deixar de perceber os arranhões. Nem os olhos da câmera, que tudo captam...


- Que diabos aconteceu com você? - quis saber Tonks, parando na mesma hora e olhando para o relógio.


- Tivemos um pequeno problema na sala de interrogatório.


- Você chegou em cima da hora, Weasley, vamos entrar no ar em dois minutos. Não há tempo para limpar isso.


- Ótimo, então vamos em frente desse jeito mesmo...


- Teste de voz e de luminosidade. - declarou Tonks à operadora de câmera. Pegou um pequeno estojo de pó compacto e retocou a maquiagem enquanto se sentava, comentando: - Pelo jeito, esses arranhões foram feitos por uma mulher... quatro unhas compridas e cruéis, pelos sulcos paralelos.


- É... - Gina apertou as feridas de leve com um lenço já manchado. - Se alguém ficar curioso para saber quem fez isso, mande-o verificar quem foi fichado esta manhã.


- É uma boa idéia... - Os olhos de Tonks ficaram mais brilhantes e ela ronronou: - Você não fez nada com o seu cabelo.


- Eu o cortei.


- Quis dizer que você não fez nada de útil... no ar em trinta segundos. Tudo pronto, Suzanna?


A operadora fez um sinal positivo com o polegar.


- Esse sangue fresco vai ficar muito bem no ar. Vai dar um toque simpático à entrevista.


- Puxa, obrigada, Tonks. - Gina se recostou na cadeira e cruzou uma das pernas sobre o joelho. - Agora vamos ver se acabamos logo com isso, Tonks. Você ainda não me mostrou as suas cartas.


- Então aqui vai uma prévia... Que bruxo do pedaço é filho do famoso David Baines Conroy, assassino em série que está atualmente cumprindo pena por cinco homicídios na prisão de segurança máxima da Estação ômega, sem direito à condicional?


- Quem...


- Se liga... - disse Tonks, com um tom doce na voz, feliz por ter captado a atenção de Gina. -... Quatro, três... - e contou os dois últimos segundos com os dedos, abaixo da altura alcançada pela câmera. No momento exato, olhou direto para a lente com um olhar sóbrio, dizendo: - Boa-tarde. Aqui fala Nymphadora Tonks, apresentando uma entrevista ao vivo, com exclusividade. Estamos com a tenente Gina Weasley, em sua sala na Central de Polícia...


Gina estava preparada para as perguntas. Conhecia Tonks muito bem, o bastante para não se deixar abalar pela informação que acabara de ser jogada em seu colo segundos antes de o programa entrar no ar, como imaginava que Tonks gostaria que acontecesse. Respondeu a tudo de forma objetiva e cuidadosa, e sabia que estava fazendo a audiência do Canal 75 e da própria Tonks subir a cada segundo da entrevista.


- O departamento está procedendo com a possibilidade de os casos terem ligação uns com os outros, como as evidências parecem indicar. Embora armas de diferentes tipos tenham sido deixadas no local dos assassinatos, elas possuem similaridades.


- Poderia descrevê-las, tenente?


- Não posso comentar nada a esse respeito.


- Mas eram punhais.


- Eram instrumentos pontiagudos e cortantes. Não estou autorizada a dar mais detalhes. Fazer isso poderia prejudicar as investigações.


- A segunda vítima... a senhora o estava perseguindo no momento de sua morte. Por quê?


Gina estava preparada para esta pergunta, e decidira explorá-la em benefício próprio, respondendo:


- Thomas Wineburg nos oferecera indícios de conhecer informações que poderiam ser úteis para a resolução do caso.


- Que tipo de informações?


Nenhuma, pensou Gina, mas manteve o olhar sereno e firme, repetindo:


- Não estou autorizada a divulgar isso. Posso adiantar apenas que nós conversamos, e então ele se mostrou agitado e fugiu. Eu o persegui.


- E ele foi morto.


- Correto. Fugir não lhe adiantou de nada.


Parecendo aborrecida pelo fato de seu diretor avisá-la pelo fone de ouvido que o tempo estava acabando, Tonks deu por encerrada a entrevista, virando-se para Gina assim que a câmera foi desligada e dizendo:


- Agora estamos só nós duas. Suzanna!... - Tonks simplesmente gesticulou em direção à porta e a operadora saiu da sala. – Olhe Gina, não posso revelar a fonte...


- Tudo bem, solte a língua.


- Certo... - Tonks se recostou na cadeira e cruzou as lindas pernas. - Charles Forte assumiu legalmente o nome de solteira de sua mãe há doze anos, depois de seu pai ter sido condenado pelo assassinato ritualístico de cinco pessoas. Acredita-se que ele matou inúmeras outras, mas isso jamais foi provado. Os corpos nunca foram encontrados.


- Conheço bem a história de David Baines Conroy, mas não sabia que ele tinha um filho.


- É informação sigilosa, protegida pela Lei de Privacidade. A família toda cortou os laços que a ligavam ao nome de Conroy. A mãe de Charles Forte se divorciou do marido e se estabeleceu em outra cidade alguns anos antes de Baines Conroy ser pego. O menino tinha dezesseis anos quando sua mãe o pegou e carregou com ela. Acabara de completar vinte e um quando o pai foi julgado e condenado. Minhas fontes afirmam que o filho assistiu a todo o julgamento, sem deixar de comparecer um dia sequer.


Gina se lembrou do homem baixo e discreto que conhecera no velório de Alice. O filho de um monstro... quanto dessa herança poderia ser transmitida pelo sangue? Lembrou-se na mesma hora de seu próprio pai e quase estremeceu.


- Obrigada pelas informações, Tonks. Se elas trouxerem algum resultado, vou ficar lhe devendo uma.


- É, vai mesmo... levantei um monte de dados sobre todas as seitas espalhadas pela cidade. Nenhum deles é tão dramático quanto a história que acabei de lhe passar, mas podem levar a alguma coisa. Nesse meio-tempo, se você estava na sala de interrogatório com alguém revoltado o bastante para voar na sua jugular, devo concluir que temos um suspeito?


- Não posso comentar nada a esse respeito. - Gina ficou observando as unhas. Muita gente devia comentar também que ela estava precisando ir à manicure. – Sabe Tonks, as câmeras externas são proibidas na sala de detenção.


- Não é uma pena?... De qualquer modo, obrigada pela dica, Weasley. Vou manter contato.


- Certo. - Gina a observou sair da sala, e não teve dúvidas de que Tonks estava indo direto para a sala de detenção... e que Selina Cross ia ter seu nome divulgado pela mídia antes do noticiário do meio-dia terminar.


Considerando tudo, decidiu, até que não fora uma manhã desperdiçada.


Franzindo o cenho, vasculhou as gavetas em busca de um estojo de primeiros socorros.


 


 


 


 

Compartilhe!

anúncio

Comentários (0)

Não há comentários. Seja o primeiro!
Você precisa estar logado para comentar. Faça Login.