CAPÍTULO QUATRO



CAPÍTULO QUATRO


 


- Pode pagar!


Gina rolou para o lado e massageou a nádega esquerda, imaginando se ela não ficara ferida por roçar no tapete. Ainda vibrando devido ao último orgasmo, tornou a fechar os olhos, gemendo:


- Ahn?...


- Cinqüenta fichas de crédito! - Ele se inclinou por sobre ela e beijou-lhe o mamilo. - Você perdeu a aposta, tenente.


Os olhos dela piscaram um pouco, e então se abriram, observando o seu rosto lindo com um ar muito satisfeito. Eles estavam esparramados por sobre o tapete da sala privativa e suas roupas, pelo que ela conseguia lembrar, estavam espalhadas por toda parte. A começar pela escadaria principal, onde ele a empurrara de encontro à parede e começara a... ganhar a aposta.


- Estou nua. - argumentou ela. - Normalmente não carrego fichas de crédito enfiadas na minha...


- Tudo bem, aceito uma nota assinada por você, reconhecendo a dívida. - Harry se levantou, com os músculos retesados e brilhantes, e pegou um cartão no console. - Pronto! É só assinar. - disse e o entregou a Gina.


- Você está curtindo muito tudo isso, não está? - resmungou ela, olhando para o cartão e sabendo que sua dignidade desaparecera junto com os créditos.


- Olhe, você nem consegue imaginar o quanto!


De cara feia, ela escreveu no cartão e recitou ao mesmo tempo:


- Devo a você, Harry, cinqüenta fichas de crédito. Assinado: Tenente Gina Weasley. - E jogou o cartão para ele. - Satisfeito?


- De todas as maneiras possíveis. - Ele resolveu consigo mesmo, de forma sentimental, que ia guardar o cartão junto com o pequeno botão cinza que guardara, uma lembrança da primeira vez em que haviam se encontrado. - Eu amo você, tenente Gina Weasley, de todas as maneiras possíveis.


Ela não se agüentou e ficou toda comovida. Talvez pelo jeito com que ele dissera aquilo, ou pelo jeito com que olhou para ela, fazendo acelerar a pulsação sob sua pele, que se derreteu de emoção.


- Ah, não, você não me ama não... isso é só um papo para conseguir me arrancar cinqüenta paus. - Começou a se levantar, cambaleante, antes que ele começasse a distraí-la novamente. - Mas onde é que foram parar as minhas calças?


- Não faço a mínima idéia... - Caminhando até um local na parede, Harry tocou em um mecanismo oculto. Quando o painel se abriu, ele pegou um robe. Era de seda, finíssimo, e fez com que os olhos dela tornassem a se estreitar. Ele vivia comprando coisas como aquela para lhe dar de presente, e elas sempre arrumavam um jeito de aparecer de repente nas partes mais improváveis da casa, de forma bem conveniente.


- Isso não é roupa de trabalho. - disse ela.


- Podemos continuar pelados, mas você ia acabar perdendo mais cinqüenta fichas de crédito. - Quando ela agarrou o robe da mão dele, Harry se virou e pegou outro para si. - Isso vai levar algum tempo... é melhor pegar café.


Enquanto ela ia em direção ao AutoChef para programar café, Harry foi para trás do console. O equipamento ali era de primeira linha e não tinha registro. O sistema CompuGuard da polícia, preparado para proteger os arquivos do ataque de qualquer hacker, não conseguia detectar o sistema clandestino de Harry nem rastreá-lo, ou muito menos impedir que ele penetrasse em qualquer sistema que quisesse. Mesmo com todas essas vantagens, porém, encontrar um registro secreto escondido em um arquivo pessoal que podia ou não existir era o mesmo que separar e analisar individualmente cada grão de areia de um balde cheio até a borda.


- Ligar! - ordenou ele ao equipamento. - É mais provável que esteja no seu computador de casa, você não acha?


- Bem, qualquer coisa que estivesse arquivada no computador de Frank na Central de Polícia fatalmente seria transferido automaticamente para o sistema, e todos os registros oficiais são guardados. Se ele queria manter algo só para si, teria que usar um sistema pessoal.


- Você sabe o endereço da casa dele? Ah, deixa pra lá. - disse Harry, antes mesmo de Gina conseguir responder. - Eu descubro por aqui. Dados de Frank Wojinski... qual era a patente dele?


- Sargento-detetive, trabalhando no Departamento de Registros.


- Dados na tela 1, por favor.


Enquanto as informações começavam a rolar pela tela, Harry olhou para a xícara de café que Gina segurava e balançou a mão apontando para si mesmo quando o tele-link tocou, dizendo:


- Atenda para mim, sim?


Era uma ordem descontraída, dada por um homem habituado a fazer isso. Automaticamente, Gina se encrespou, mas acabou deixando a irritação de lado. A situação exigia que ela fizesse papel de assistente.


- Residência dos Potter... Hermione?


- Você não atendeu o seu comunicador.


- Não, eu... - Só Deus sabia onde é que ele fora parar, pensou Gina. - O que houve?


- É uma má notícia, Weasley, muito má... - Embora sua voz estivesse firme, seu rosto estava pálido como papel e seus olhos, muito sombrios. - Alice está morta. Não consegui evitar... não consegui alcançá-la. Ela simplesmente...


- Onde você está?


- Na rua 10, entre a Broadway e a Sétima Avenida. Chamei os para-médicos, mas não pude fazer nada para...


- Você está em perigo?


- Não, não... só que não consegui impedi-la. Fiquei olhando e, de repente...


- Não mexa em nada no local do incidente, policial. Ligue para a emergência. Estou indo... chame reforços, como manda o regulamento, e me espere aí. Compreendeu?


- Sim, senhora... sim.


- Câmbio final. Ah, meu Deus. - murmurou ela, ao desligar.


- Eu levo você até lá. - Harry já estava em pé, com a mão no ombro de Gina.


- Não, é o meu trabalho. - E rezou para que não fosse sua culpa também. - Eu agradeceria se você ficasse aqui, tentando conseguir qualquer dado que puder.


- Certo. Gina... - Ele segurou-a pelos dois ombros, com firmeza, antes que ela se virasse. - Olhe para mim. Isso não foi culpa sua.


- Tomara que não tenha sido. - disse ela, sem olhar para ele, mas com pesar no rosto.


 


Não havia muita gente no local e Gina se sentiu grata por aquilo. Já passava das duas da manhã e só uns poucos curiosos aparvalhados se acotovelavam em volta da tela de isolamento que a polícia já instalara. Ela viu um táxi da Companhia Rápido atravessado meio de lado, perto do meio-fio, e um homem sentado ao lado dele com a cabeça entre as mãos, enquanto um para-médico conversava com ele.


Na rua molhada, fracamente iluminada pelo foco de uma lâmpada de segurança e com a névoa envolvendo-lhe o corpo, estava Alice. Seu corpo estava estendido, de barriga para cima, os braços e as pernas abertos, como em uma saudação selvagem. O sangue, dela mesma, empapara o fino tecido de seu vestido e se transformara em um amaldiçoado tom de vermelho.


Hermione estava ao lado dela, ajudando outra policial a terminar de erguer a tela de isolamento.


- Policial Hermione?... - Gina a chamou com calma e esperou que ela se virasse, erguesse os ombros e fosse até ela. - Qual é o seu relatório?


- Segui a jovem até sua casa, conforme suas ordens, tenente. Vi quando ela entrou no edifício, e em seguida observei a luz se acender na segunda janela do terceiro andar. Por iniciativa própria, resolvi montar guarda por um período de quinze minutos, para me certificar de que ela permaneceria em casa. Ela não permaneceu.


Hermione parou de falar de repente e seu olhar se desviou para o corpo. Gina deu um passo para o lado, bloqueando-lhe a visão, e ordenou:


- Olhe apenas para mim ao fazer seu relatório, policial.


- Sim, senhora. - concordou Hermione, a contragosto. - A jovem saiu do edifício aproximadamente dez minutos depois de ter entrado em casa. Parecia agitada, olhava o tempo todo por trás dos ombros enquanto caminhava na direção oeste, a passos rápidos. Parecia estar chorando. Mantive a distância padrão adequada, para não ser notada. Foi por isso que eu não consegui impedi-la. - Hermione sugou o ar com força. - Por me manter a uma distância adequada.


- Pare com isso! - reagiu Gina, sacudindo Hermione. - Complete seu relatório.


- Sim, senhora. - Os olhos de Hermione se tornaram subitamente frios e sem expressão ao olhar para Gina. - Ela parou de repente, deu vários passos para trás e disse algumas palavras. Eu estava a uma distância muito grande para perceber o que ela dizia, mas tive a impressão de que ela conversava com alguém.


Hermione tentava reviver a cena em sua cabeça, etapa por etapa, apoiando-se no rígido treinamento que tivera como se fosse uma muleta.


- Aproximei-me um pouco, diminuindo a distância entre nós, para o caso de a jovem estar em alguma situação de perigo. Não vi, porém, ninguém mais na rua, a não ser ela mesma. A névoa pode ter atrapalhado um pouco, mas não havia ninguém que eu pudesse ver, nem na calçada nem na rua.


- Então ela ficou parada ali, falando com o vento? - perguntou Gina.


- Foi o que me pareceu, tenente. Então, foi ficando cada vez mais agitada. Implorou para que alguém a deixasse em paz. Suas palavras foram: “Você já não fez tudo o que queria? Já não conseguiu tudo o que queria? Por que não me deixa em paz?”


Hermione tornou a olhar para a calçada e reviu toda a cena. Ouviu tudo também, com precisão... o som agudo de aflição e desespero na voz de Alice.


- Pensei ter ouvido uma resposta às suas palavras, mas não posso afirmar isso com certeza. - continuou Hermione. - A jovem estava falando muito alto e muito depressa para eu poder fazer uma declaração exata. Decidi chegar mais perto e me deixar ser vista.


Um músculo no seu maxilar pareceu latejar enquanto Hermione continuava a olhar por sobre o ombro de Gina.


- Nesse instante - prosseguiu ela - um táxi da Companhia Rápido chegou do lado leste e veio se aproximando. A jovem se virou, correu para a rua e pulou bem na frente do veículo que chegava. O motorista tentou parar e desviar, mas não conseguiu fazer isso e atingiu a moça violentamente, de frente.


Hermione parou mais um instante, apenas para tomar fôlego, antes de continuar.


- As condições da rua estavam péssimas e ajudaram a completar o quadro. Na minha opinião, mesmo com ótimas condições, sem névoa, chuva ou escuridão, o motorista não conseguiria ter evitado a colisão.


- Compreendi. Continue.


- Alcancei o corpo em poucos segundos e, embora tenha notado que ela já estava morta, chamei os para-médicos e tentei entrar em contato com a senhora, pelo comunicador. Ao ver que não consegui achá-la, utilizei o tele-link portátil em minha bolsa e procurei a senhora em casa, a fim de relatar o acontecido e colocá-la a par da situação. Seguindo suas ordens, liguei para a emergência, requisitei um policial para vir ao local de imediato e resguardei a cena do incidente.


Era um inferno para qualquer um sentir que chegara tarde demais. Gina sabia disso e não adiantava tentar ser solidária, pois isso não aliviava o amargor da culpa. Sendo assim, não demonstrou solidariedade alguma.


- Muito bem, policial. Aquele é o motorista?


- Sim, tenente. - Hermione continuava a olhar para a frente e sua voz parecia oca e sem vida.


- Providencie para que o veículo seja levado para análise; depois, verifique junto aos para-médicos e descubra se o motorista está em condições de fazer uma declaração.


- Sim, senhora. - Hermione fechou o punho, formando uma bola ao lado do corpo. Manteve a voz baixa, mas vibrava de emoção quando disse: - A senhora acabou de tomar um drinque com ela, há pouco mais de uma hora. E isso não significa nada!


Gina aceitou o golpe e esperou até que Hermione se virasse, antes de caminhar até onde estava Alice.


- Significa sim, - murmurou ela - e esse é o problema.


Abrindo o seu kit de serviço, Gina se agachou e deu início ao trabalho.


 


Aquilo não era homicídio. Tecnicamente, Gina poderia ter passado o caso para o Departamento de Trânsito, depois do relatório de Hermione e da declaração do choroso motorista, confirmando tudo. Mas ela viu o corpo de Alice sendo colocado dentro do carro do necrotério e soube que não tinha a mínima intenção de fazer isso.


Deu uma última olhada na cena do incidente. A chuva já havia praticamente parado e não ia conseguir lavar todo o sangue. Os poucos curiosos que haviam se reunido para espiar já estavam começando a se dispersar e seguir em frente, rasgando a fina cortina de névoa enquanto caminhavam para casa.


Junto do meio-fio, um reboque do Departamento de Trânsito já estava carregando o táxi danificado, a fim de transferi-lo para o depósito da polícia.


Acidentes, alguns poderiam dizer, aconteciam com muita freqüência. O mesmo, pensou Gina, acontecia com assassinatos. Eram muito freqüentes.


- Você teve uma longa noite, Hermione. Está dispensada.


- Preferia ficar, tenente, e acompanhar os procedimentos até o fim.


- Você não vai conseguir ajudá-la nem a mim, a não ser que consiga manter uma visão abrangente e objetiva.


- Consigo fazer o meu trabalho, senhora. Os sentimentos pessoais são problema meu.


Gina recolheu seu kit de serviço e deu uma olhada em sua assistente, confirmando:


- Sim, eles são um problema seu. Só não quero que os coloque no meu caminho. - Pegando o gravador em seu kit, entregou-o a Hermione ligado. - Já estamos gravando, policial. Vamos examinar a residência da vítima.


- Pretende notificar o falecimento à família, senhora?


- Só quando acabarmos.


Encaminharam-se para leste, de volta ao prédio de Alice. Ela não fora muito longe, pensou Gina, pouco mais de um quarteirão. O que a fizera ir novamente para a rua? E o que a fizera se jogar na frente de um táxi?


O prédio era bonito, uma construção antiga, de três andares, com revestimento de tijolinhos, mas bem restaurada. As portas de entrada eram em vidro bisotado, com as imagens jateadas de um pavão. A câmera de segurança recebera manutenção recentemente e a fechadura era codificada para reconhecer impressões palmares. Gina a desarmou com um cartão mestre eletrônico e entrou em um pequeno saguão, muito limpo, com piso imitando mármore. O elevador tinha um revestimento de bronze tão polido que parecia espelhado e subiu com silenciosa eficiência.


Alice, pensou Gina, tinha bom gosto e recursos financeiros. Havia três apartamentos no terceiro andar e mais uma vez Gina usou seu cartão mestre para entrar.


- Aqui fala a tenente Gina Weasley e sua assistente, policial Hermione Granger. Estamos entrando neste instante na residência da falecida, a fim de proceder às investigações iniciais no ambiente. - disse ela, franzindo a testa ao notar que a sala continuou às escuras, apesar do som de sua voz.


Hermione foi até um interruptor ao lado da porta e o ligou, comentando:


- Acho que ela preferia deixar o sistema no manual, em vez de ativado por voz.


A sala tinha muitos objetos e era muito colorida. Lindas mantas e toalhas estavam atiradas casualmente sobre poltronas e mesas. Tapeçarias exibindo pessoas despidas, muito atraentes, acompanhadas de animais mitológicos, enchiam as paredes. Havia velas em toda parte, sobre as mesas, nas prateleiras, no chão, bem como tigelas largas cheias de pedras coloridas, ervas e pétalas secas. Pedaços de cristais que cintilavam para todos os lados haviam tomado conta de todas as superfícies lisas do lugar.


Um telão para relaxamento estava ligado e exibia uma vasta campina maravilhosamente gramada, como flores silvestres que balançavam suavemente na brisa. O fundo musical era composto por pássaros que gorjeavam acompanhados por uma brisa matinal.


- Ela gostava de coisas belas - observou Gina - e há muitas delas aqui. - Seguindo em frente, examinou os controles do telão e fez sinal de concordância com a cabeça, como se eles estivessem confirmando sua idéia. - Ela ligou o aparelho assim que chegou em casa. Queria se acalmar, pelo jeito.


Deixando Hermione para trás e seguindo em frente, Gina entrou no quarto adjacente. O aposento era pequeno, aconchegante e igualmente cheio de coisas. A colcha sobre a cama de solteiro era bordada, toda trabalhada com imagens de luas e estrelas. Um móbile de vidro preso no teto balançava, movimentando pequenas fadas que dançavam esbarrando umas nas outras e emitindo sons musicais na brisa que entrava pela janela aberta.


- Deve ter sido pela janela desse quarto que você viu a luz ser acesa.


- Sim, senhora.


- Então ela ligou o telão e veio direto para o quarto, provavelmente para mudar de roupa, tirar o vestido úmido. Só que não fez isso. - Gina pisou em um pequeno tapete com o rosto sorridente de um sol. - O quarto está entulhado, mas arrumadinho, ao seu jeito. Não há sinais de perturbação no ambiente nem de luta.


- Luta?


- Você disse que ela estava muito agitada e chorando quando voltou para a rua. A campina verdejante não conseguiu acalmá-la, ou não houve tempo suficiente para isso.


- Ela nem se deu ao trabalho de desligar o aparelho quando tornou a sair.


- Não. - concordou Gina. - Ela não o desligou. Existe a possibilidade de que alguém estava aqui quando ela chegou. Alguém que a deixou chateada ou a assustou. Vamos verificar nos registros da segurança. - Abrindo o que imaginou que fosse um closet, fez um som musical com os lábios. - Ora, olhe só isso... ela transformou este closet em uma espécie de espaço destinado a alguma finalidade. Não há muitas coisas aqui dentro. Grave isso.


Hermione entrou e deu uma panorâmica no cômodo pequeno com paredes brancas. O piso era de madeira e havia um pentagrama branco pintado sobre ele. Um círculo de velas brancas estava colocado em cuidadosa simetria em toda a volta do pentagrama. Uma mesinha ao lado tinha uma bola de cristal muito clara, uma tigela rasa, um espelho e um punhal com cabo escuro e uma lâmina curta e cega.


Gina cheirou o ar, mas não sentiu nenhum indício de fumaça ou cera de vela.


- O que acha que ela fazia aqui? - perguntou a Hermione.


- Diria que é um tipo de sala de rituais, usada para meditação ou para lançar feitiços.


- Eu, hein!... - Balançando a cabeça, Gina deu um passo para trás. - Vamos deixar isso pra lá, por enquanto, a fim de verificar o tele-link. Se não havia ninguém aqui que tenha deixado Alice tão apavorada a ponto de fazê-la tornar a sair, talvez ela tenha recebido alguma ligação que conseguiu fazer isso. Ela veio primeiro para o quarto. - murmurou Gina, encaminhando-se para o pequeno tele-link ao lado da cama. - Talvez ela estivesse com a idéia de ir ali para dentro, a fim de brincar de bruxa, depois de ter mudado de roupa e se acalmado. Não estava carregando nada quando tornou a sair para a rua. Acho que não veio até aqui só para pegar alguma coisa e tornar a sair. Não... ela estava chateada, queria voltar para casa.


Gina ligou o tele-link e ordenou a repetição da última chamada transmitida ou recebida. O quarto se encheu com o som baixo e ritmado de um cântico.


- Que diabo é isso?


- Sei lá... - Sentindo-se desconfortável, Hermione chegou mais perto.


- Repita mais uma vez! - ordenou Gina.


“Ouça bem os nomes. Ouça os nomes e os tema. Loki, Belzebu, Bafomet. Eu sou a aniquilação. Eu sou a vingança. In nomine Dei nostri Satanas Luciferi excelsi. Vingança para os que se afastaram da lei. Ouça os nomes e tema.


- Pare! - Gina sentiu um tremor rápido e involuntário. - Belzebu, isso é um troço que tem a ver com o diabo, não é? Os canalhas estavam brincando com ela, atormentando-a. E ela já estava quase pirada. Não é de espantar que tenha saído correndo daqui. Onde é que você estava, seu filho-da-mãe, onde é que você estava? Quero a localização exata dessa última transmissão! - Seus lábios se apertaram ao ler os dados. - Rua 10, esquina com Sétima Avenida, bem adiante aqui mesmo nesta rua. Provavelmente, eles usaram um tele-link público. Safados! E ela estava indo bem na direção deles.


- Não havia ninguém lá. - Hermione estava olhando para o rosto de Gina nesse instante e notou a fúria que queimava dentro de seus olhos. - Mesmo com a névoa e a chuva, eu teria visto alguém se eles estivessem ali à espera dela. Não havia nada na calçada, a não ser um gato.


- Um o quê? - O coração de Gina deu um pulo.


- Apenas um gato. Deu para perceber que havia um gato em seu caminho, mas não havia ninguém na rua.


- Um gato. - Gina foi até a janela. Subitamente, sentia a necessidade de respirar um pouco de ar puro. Ali, no peitoril, viu uma pena preta, muito comprida. - E um pássaro. - murmurou. Pegou a pinça e segurou a pena de encontro à luz. - De vez em quando, ainda temos um ou outro corvo passeando à noite por Nova York. Corvo e gralha são a mesma coisa, não são?


- Mais ou menos... acho.


- Guarde isso como prova! - ordenou Gina. - Quero que seja analisado. - Esfregou os dedos sobre os olhos, como que para espantar a fadiga. - A parente mais próxima é Brenda Wojinski, mãe... pesquise o endereço dela.


- Sim, senhora. - Hermione pegou seu computador de mão e então ficou simplesmente parada com ele, sentindo-se coberta de vergonha. - Tenente, eu queria me desculpar pelo comentário que fiz no local do incidente, e também pelo meu comportamento naquela hora.


- Não me lembro de nenhum comentário, Hermione, nem reparei em nenhum tipo de comportamento inadequado de sua parte naquela hora. - Gina pegou o disco no tele-link e o lacrou pessoalmente, para pesquisa, lançando um olhar significativo para Hermione e dizendo: - Aproveite enquanto o gravador continua ligado e dê mais uma passada com ele por todo o apartamento.


Mesmo compreendendo tudo, Hermione inclinou a cabeça, afirmando:


- Sei que o gravador ainda está ligado, tenente. Quero que isto fique registrado. Fui insubordinada e saí da linha, tanto em nível pessoal quanto profissional.


Sua cabeça-dura!, pensou Gina, e por pouco não soltou um palavrão.


- Não houve insubordinação alguma, na minha opinião, policial. Não que eu me lembre...


- Weasley... - Hermione deu um suspiro. - Você sabe muito bem que agi mal. Ainda estava trêmula e com alguma dificuldade para lidar com a situação. Uma coisa é ver um corpo já morto, e outra, bem diferente, é ver uma mulher ser jogada três metros para cima no ar e cair feito uma boneca de pano na calçada. E ela estava sob minha vigilância.


- Fui dura com você.


- Sim, a senhora foi... e precisava ser. Achei que, pelo fato de a senhora conseguir manter a calma e ser capaz de desempenhar bem o seu trabalho, isso significava que não se importava com a vítima. Estava errada, e sinto muito.


- Aceito a sua declaração. Agora, registre também o que vou lhe dizer, Hermione. Você seguiu minhas ordens, seguiu os procedimentos adequados. Não teve culpa alguma pelo que aconteceu esta noite. Não poderia adivinhar o que ia acontecer. Agora, deixe toda essa história de lado, para podermos descobrir por que ela está morta.


 


Gina imaginava que a filha de um policial já sabia que, quando um tira bate na sua porta às cinco da manhã, é porque traz as piores notícias. E notou, no minuto que Brenda a reconheceu, que tinha razão.


- Ah, meu Deus, ah, meu Deus! Foi a mamãe?


- Não, não foi a sua mãe, Sra. Wojinski. - Só havia um modo de dar a notícia, Gina bem sabia, e esse modo era ser direta: - Foi Alice. Podemos entrar?


- Alice? - Ela piscou os olhos arregalados e se apoiou no portal para não cair. - Alice?


- Acho que devíamos entrar. - Da forma mais gentil possível, Gina a tomou pelo braço e seguiu com ela para dentro de casa. - Vamos nos sentar um pouco.


- Alice? - tornou a perguntar. O pesar parecia estar rachando seus olhos vidrados e as lágrimas começaram a escorrer. - Não, não a minha Alice. Não a minha filhinha!...


Brenda se desequilibrou e parecia que seu corpo ia se liquefazer, escorrendo até o chão, mas Gina a segurou com firmeza e a encaminhou depressa para a poltrona mais próxima.


- Sinto muito. Sinto pela sua perda, Sra. Wojinski. Houve um acidente nesta madrugada e Alice foi morta.


- Um acidente? Não, não... deve haver algum engano. Foi outra pessoa. Não pode ter sido Alice. - Apertou com força o braço de Gina, com os olhos em prantos e um ar de quem está implorando. - Você não pode ter certeza de que o acidente foi com Alice.


- Mas foi... sinto muito.


Ela desabou então, enterrando o rosto entre as mãos e depois levando-as até a altura dos joelhos, de modo que o corpo formou uma bola, como defesa.


- É melhor eu preparar um chá para ela. - murmurou Hermione.


- Sim, é uma boa... - Essa era a parte de seu trabalho que deixava Gina se sentindo mais indefesa, mais incapaz. Não havia solução para uma dor repentina como essa. - Há alguém que eu possa contatar para a senhora? Quer que eu ligue para a sua mãe? Ou o seu irmão?


- Mamãe... Ah, meu Deus, Alice! Como é que nós vamos agüentar esse golpe?


Não havia resposta para isso, pensou Gina. No entanto, eles agüentariam. A vida exigia isso, pois tinha que seguir em frente.


- Posso lhe dar um calmante ou entrar em contato com o seu médico, o que a senhora preferir.


- Mãe?...


Enquanto Brenda continuava a se embalar para a frente e para trás, Gina olhou às suas costas. O menino estava na porta do corredor, piscando de sono e com os olhos confusos, parecendo desnorteado. Seus cabelos estavam em desalinho, da cama, e ele usava um moletom velho com buracos na altura dos joelhos.


Era o irmão de Alice, lembrou Gina. Ela havia se esquecido dele.


Nesse momento, o menino focou os olhos em Gina, se mostrou subitamente alerta e muito adulto.


- O que houve? - quis saber. - O que aconteceu?


Como era mesmo o nome dele? Gina lutava, tentando se lembrar, mas então resolveu que não importava no momento. E se levantou. Ele era um menino alto, avaliou ela. Estava com vincos no rosto, causados pelo travesseiro, e seu corpo já estava posicionado para receber o golpe.


- Aconteceu um acidente. Sinto muito, mas...


- Foi com Alice. - Seu queixo tremeu um pouco, mas os olhos permaneceram fixos nos de Gina. - Ela está morta.


- Sim, eu sinto realmente...


Ele continuava a olhar para Gina no momento em que Hermione voltou com uma xícara de chá e a colocou, meio sem graça, sobre a mesa.


- Que tipo de acidente? - quis saber ele.


- Ela foi atropelada por um carro, nesta madrugada.


- O carro a atropelou e fugiu?


- Não. - Gina o observou com cuidado, um pouco pensativa. - Ela pulou na frente de um táxi. O motorista não conseguiu parar a tempo. Ainda estamos processando as informações e analisando o veículo, mas há uma testemunha que confirma o depoimento do motorista. Não acredito que a falta tenha sido dele. Ele não tentou fugir da cena do acidente e seus registros como motorista estão limpos.


O menino simplesmente concordou, com os olhos secos, enquanto o choro de sua mãe enchia a sala.


- Pode deixar que eu cuido dela. - disse o menino. - Seria melhor se a senhora nos deixasse sozinhos agora.


- Certo. Se você tiver mais alguma pergunta, pode me encontrar na Central de Polícia. Sou a tenente Weasley.


- Sei quem a senhora é... deixe-nos sozinhos agora, por favor. - tornou a pedir, e foi se sentar ao lado da mãe.


- Esse garoto sabe de alguma coisa. - afirmou Gina, enquanto elas saíam para a rua.


- Também me pareceu... talvez Alice se sentisse mais à vontade conversando com ele do que com os outros membros da família. Tinham quase a mesma idade. Irmãos e irmãs vivem de implicância, mas confiam uns nos outros.


- Eu não saberia dizer... - Deu partida no carro, louca por um café. - Onde, diabos, você mora, Hermione?


- Por quê?


- Vou deixá-la em casa. Pode tirar uma soneca e se apresentar na central às onze da manhã.


- Isso é o que você vai fazer? Tirar uma soneca?


- É... - Provavelmente era mentira, mas servia para o que ela pretendia. - Para onde, então?


- Eu moro em Houston.


Gina fez uma careta e disse:


- Bem, já que vou sair do meu caminho mesmo, tanto faz que seja tão longe... - Seguiu para o sul. - Houston?... Hermione, esse é um bairro boêmio!


- Era a casa da minha prima. Quando ela resolveu se mudar de vez para o Colorado, a fim de fazer tapetes de tear, assumi o aluguel. Saiu mais barato...


- Uma história interessante a sua... provavelmente você passa todos os seus momentos livres circulando por bares cheios de poetas e clubes de arte com artistas performáticos.


- Bem... na verdade, prefiro freqüentar os bares só para solteiros. A comida é melhor.


- Provavelmente você conseguiria transar mais vezes se não pensasse tanto no assunto.


- Não, não funciona, já tentei fazer isso. - De repente soltou um bocejo muito alto. - Desculpe!


- Você tem todo o direito de estar cansada. Assim que se apresentar à central, vá verificar o resultado da autópsia. Quero ter certeza de que não há nada de estranho no relatório de substâncias tóxicas. Aproveite que você vai em casa e troque esse vestido ridículo.


- Não é tão ridículo assim... - Hermione se ajeitou no banco. - Alguns caras no Clube Aquarius pareceram gostar muito dele. Harry também...


- Foi, ele mencionou o fato comigo.


- Mencionou? - Com o queixo caído, Hermione se virou para olhar Gina. - Verdade mesmo?...


Conversar abobrinhas, pensou Gina, ajudava a acalmar a mente.


- É verdade. - confirmou. - Ele comentou que você estava muito atraente. E dei um soco nele... só por garantia.


- Atraente... meu Deus! - Hermione deu tapinhas no peito. - Vou ter que começar a desencavar outras roupas desse tipo entre as que a minha mãe fez para mim. Atraente... - Soltou um suspiro. - Harry não tem nenhum irmão, primo ou tio que esteja disponível?


- Pelo que sei, Hermione, ele é uma figura única.


 


Ela o encontrou cochilando. Não na cama, mas sobre o sofá, na sala de estar da suíte principal. No momento em que ela entrou no quarto, ele abriu os olhos.


- Já vi que teve uma noite longa e difícil, tenente. - Esticou a mão para ela. - Venha até aqui.


- Vou tomar uma ducha e me encher de café. Tenho algumas chamadas a fazer.


Harry se conectara à rede da polícia e sabia exatamente com o que ela estivera lidando durante toda a noite.


- Venha até aqui. - repetiu, entrelaçando os dedos com os dela e puxando-a, até ela concordar, meio a contragosto. - Vai fazer alguma diferença se essas ligações forem feitas daqui a uma hora?


- Não, mas...


Então ele começou a puxá-la, até que ela caiu no sofá, sobre ele. Como sua briga para se desvencilhar dele não foi muito entusiasmada, ele conseguiu colocá-la deitada ao seu lado com um movimento rápido.


- Durma um pouco... - disse ele, baixinho. - Você está exausta e não há necessidade disso.


- Ela era tão jovem, Harry...


- Eu sei. Deixe esse assunto do lado de fora, desligue um pouquinho.


- E os dados? Os arquivos pessoais de Frank? Descobriu alguma coisa?


- Vamos conversar a respeito depois que você acordar.


- Uma horinha, então... só um cochilo de uma hora... - Entrelaçando os dedos com os dele, ela se deixou mergulhar no sono.


 


 


 


 


 

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