CAPÍTULO SEIS



CAPÍTULO SEIS


 


Fazer compras não era algo que Gina considerasse um dos pequenos prazeres da vida. Ela não gostava de olhar nem de circular em frente às vitrines, e também não era de ficar navegando em sites de compras eletrônicas. Evitava, sempre que possível, as lojas e butiques de Manhattan, fossem elas na superfície, acima ou abaixo das ruas. Tremia só de pensar em um passeio por um dos shoppings aéreos que havia na cidade.


Provavelmente, a sua resistência visceral ao consumo e às compras em geral foi a responsável pelo fato de que Isis sacou que ela era uma policial assim que colocou os pés dentro da Busca Espiritual.


Até que, em se tratando de uma loja, Gina a considerou tolerável. Não estava interessada nos cristais nem nos cartões, estátuas ou velas, embora reconhecesse que estavam expostos de forma atraente. A música de fundo era suave, mais um murmúrio do que uma melodia, e a luz incidia sobre os cristais em estado bruto, brincando através deles e das pedras polidas, formando lindos arco-íris.


O lugar, sentiu ela, tinha cheiro de florestas, de natureza... de verde.


Se era com bruxas que estava lidando, decidiu Gina, Isis e Selina não poderiam estar mais dramaticamente opostas no que dizia respeito à aparência. Selina era pálida, magra e felina. Isis era uma mulher do tipo amazona exótica, com cabelos ruivos muito cacheados que se moviam como chamas, olhos redondos pretos, além de malares que pareciam entalhados. Sua pele tinha o tom dourado que atestava uma herança racial mista, e suas feições eram largas e marcantes. Gina estimou sua altura em mais de um metro e oitenta. Seu corpo de curvas generosas e bem distribuídas devia pesar cerca de setenta e cinco quilos.


Usava um manto esvoaçante, longo, em um ofuscante tom de branco e preso por um cinto cravejado de pedras. Seu braço direito ostentava um bracelete dourado em espiral que ia do cotovelo até quase o ombro, e suas mãos grandes faiscavam e cintilavam com pelo menos uma dúzia de anéis.


- Sejam bem-vindas... - A voz combinava com ela, tinha um sotaque diferente e um tom gutural. Seus lábios se abriram, mas foi um sorriso mais de pesar do que de prazer. - Você deve ser a policial amiga de Alice.


Gina levantou a sobrancelha ao exibir o distintivo. Pelo jeito, ela tinha mesmo toda a pinta de policial. Além do mais, desde que conhecera Harry, seu rosto aparecia na mídia o tempo todo.


- Sou Weasley. Você deve ser Isis.


- Devo ser... você está querendo conversar comigo. Com licença... - Foi até a porta de entrada. Com graça e leveza, do jeito que uma atleta pode ser graciosa e leve, virou para o lado de fora uma placa onde se lia a palavra “Fechada” manuscrita em caligrafia antiga, fechou a persiana sobre o vidro da porta e trancou a fechadura.


Ao se virar, seu olhar parecia mais intenso e sua boca, sombria.


- Você traz consigo sombras escuras que incomodam a minha luz. É ela, que deixa sua energia colada nas pessoas como uma espécie de... fedor. - Ao ver a cara feia de Gina, inclinou a cabeça para o lado, completando: - Estou me referindo a Selina, tenente. Um momento.


Foi até uma prateleira e começou a acender velas e incensos.


- Isso é para purificar e servir de escudo, a fim de nos proteger e defender. Você também tem suas sombras, Weasley - sorriu de leve para Hermione - e não estou me referindo à sua auxiliar.


- Estou aqui para falar de Alice.


- Sim, eu sei. E está impaciente pelo que encara como tolices de vitrine. Não me importo. Toda religião deve estar aberta a questionamentos e mudanças. Querem sentar? - Indicou um canto onde havia duas cadeiras junto de uma mesa redonda cheia de símbolos entalhados. Tornou a sorrir para Hermione e disse: - Posso pegar outra cadeira lá atrás para você.


- Não, não precisa... eu fico em pé. - Hermione não conseguia resistir; seu olhar vagava em volta da loja e pousava de vez em quando em uma ou outra bugiganga bonita.


- Por favor, fique à vontade para olhar o que quiser.


- Não viemos aqui para fazer compras. - disse Gina, sentando-se e lançando para Hermione um olhar de advertência. - Qual foi a última vez em que falou ou esteve com Alice?


- Na noite de sua morte.


- A que horas?


- Creio que por volta de duas da manhã. Ela já estava morta. - acrescentou Isis, cruzando as mãos grandes e lindas.


- Você a viu depois de morta...


- Seu espírito veio à minha procura. Pode achar isso tolice, tenente, eu compreendo. Tudo o que posso lhe dizer é como as coisas são e como aconteceram. Eu estava dormindo e acordei de repente. Ela estava ali, ao lado da minha cama. Soube então que a perdera. Ela acha que ficou em falta... consigo mesma, com a família, comigo. Seu espírito está agitado e cheio de pesar.


- E seu corpo está morto, Isis. Essa é a minha preocupação.


- Sim. - Isis pegou na mesa uma pedra bem polida, em um tom claro de rosa, e a segurou. - Mesmo para mim, com minha fé e minhas crenças, é difícil aceitar a sua morte. Era tão jovem, tão brilhante... - Seus olhos grandes e escuros ficaram rasos d’água. - Eu a amava muito, como a uma irmã mais nova. Não estava escrito, porém, que eu deveria salvá-la nesta vida. Seu espírito vai retornar, ela vai renascer. Sei que tornaremos a nos encontrar.


- Que ótimo! Vamos agora nos concentrar nesta vida. E nesta morte.


Isis piscou depressa para absorver as lágrimas antes que caíssem e conseguiu dar um sorriso rápido e sincero.


- Deve achar todo esse papo um tédio... você tem uma mente muito prática. Quero ajudá-la, tenente, por Alice. Por mim, talvez, e por você também... eu a reconheci quando chegou.


- Percebi.


- Não... eu a reconheci de outra época, de outro lugar... de outro plano. - Abriu as mãos. - A última vez em que vi Alice com vida foi no dia do funeral de seu avô. Ela se culpava pela morte dele, estava determinada a reparar o erro. Andou perdida por algum tempo, foi mal orientada, mas possuía um coração forte e radiante. Adorava a família. E tinha medo, muito medo do que Selina poderia fazer a ela, tanto ao seu corpo quanto à sua mente.


- Você conhece Selina Cross?


- Sim, já nos encontramos.


- Nesta vida? - perguntou Gina, com um tom seco, o que fez Isis tornar a sorrir.


- Sim, nesta vida e em outras. Ela não representa ameaça alguma para mim, mas é muito perigosa. Seduz os fracos, os confusos e aqueles que preferem trilhar o caminho dela.


- Selina afirma que é uma bruxa.


- Não é bruxa coisa nenhuma. - Isis deu de ombros e levantou a cabeça. - Nós, que seguimos esta Arte, o fazemos em plena luz e respeitamos um código rígido: jamais fazer mal a ninguém. Ela usa o patético poder que possui para invocar as trevas, a fim de explorar sua violência e sua repugnância. Nós sabemos muito bem o que é o Mal, Weasley. Nós duas já o vimos de perto... Não importa a forma sob a qual ele se apresente, isso não muda a sua própria natureza.


- Nisso eu concordo. Por que razão ela faria mal a Alice?


- Porque podia fazê-lo. Porque adoraria fazê-lo. Não há duvida de que ela é a responsável pela morte da menina. Você vai ver que não será fácil provar isso, mas não vai desistir. - Isis manteve os olhos fixos nos de Gina, fitando-a por muito tempo, de forma profunda. - Selina vai se surpreender e se enfurecer por causa da sua tenacidade, da sua força. A morte ofende você, e a morte de alguém jovem sempre deixa seu coração em pedaços. Você se lembra muito bem de muitas coisas, mas não de tudo. Seu nome não é Gina Weasley, mas se transformou nela, e ela em você. Quando toma o partido dos que morreram e fica ao lado deles, nada a demove. Em seu passado, a morte dele foi necessária para que você pudesse viver, Weasley.


- Pare! - ordenou Gina.


- Por que permite que isso a assombre? - A respiração de Isis era curta e pesada, e seu olhar mais profundo e brilhante. - Sua escolha foi acertada. A inocência se perdeu, mas nasceu a força em seu lugar. Para alguns, as coisas devem ocorrer desse modo. E você vai precisar de toda essa força antes que este ciclo termine. Um lobo, um javali e uma lâmina de prata. Fogo, fumaça e morte. Confie no lobo, destrua o javali e sobreviva...


De repente, ela piscou. Seus olhos pareceram se enevoar quando ela levantou a mão e massageou a têmpora com os dedos.


- Desculpe. Não tive a intenção. - Soltou um suspiro baixo e tornou a fechar os olhos, com a fronte franzida. - Uma dor de cabeça... terrível. Desculpe-me por um instante. - disse e, levantando-se, trêmula, foi depressa para os fundos da loja.


- Caramba Weasley, isso está ficando pra lá de esquisito... você sabe do que ela estava falando?


A morte dele foi necessária para que você pudesse viver. Seu pai, pensou Gina, fazendo de tudo para evitar um calafrio. Um aposento frio, uma noite escura e uma faca manchada de sangue nas mãos de uma criança desesperada.


- Não, não sei, é tudo baboseira! - As palmas de suas mãos estavam suadas e isso a deixou enfurecida. - Essa gente acha que precisa fazer truquezinhos baratos para manter as pessoas interessadas.


- Estudei no Instituto Kijinsky, em Praga. - informou Isis, voltando para a loja. - Fui examinada lá. - Colocou uma pequena xícara de lado e conseguiu exibir um sorriso, enquanto sentia a dor de cabeça ceder. - Minhas habilidades psíquicas estão oficialmente registradas para aqueles que precisam de documentação. Mas eu lhe peço desculpas, Weasley. Não pretendia entrar em transe daquela forma. É muito raro isso acontecer sem que eu controle a ação de forma consciente.


Voltou a se sentar no mesmo lugar de antes e ajeitou as pontas do manto com um gesto gracioso, continuando:


- Seria um inferno indescritível ser capaz de penetrar nos pensamentos e nas lembranças das pessoas sem poder controlar isso ou bloquear o processo. Não gosto de bisbilhotar pensamentos pessoais. Isso dói... - acrescentou, voltando a massagear a têmpora. - Quero ajudá-la a terminar o que Alice pretendia fazer, para que ela possa descansar. Quero também, por motivos pessoais e egoístas, ver Selina pagar por tudo o que provocou. Farei o que for necessário e o que quer que você me permita para ajudar.


Confiança não era um sentimento fácil para Gina, e ela pretendia conferir com todo o cuidado o passado de Isis. Por ora, no entanto, poderia usar suas informações.


- Conte-me tudo o que sabe a respeito de Selina Cross.


- Sei que ela é uma mulher sem consciência ou padrão moral. O termo que você usaria é sociopata, mas acho que essa é uma palavra muito simples e muito limpa para o que ela é. Prefiro um termo mais direto: diabólica. É uma mulher esperta, com um talento especial para descobrir as fraquezas das pessoas. Quanto ao seu poder real, o que ela consegue ver, prever ou fazer, não sei informar.


- E quanto a Alban?


- Sei muito pouco ou quase nada a seu respeito. Selina o mantém sempre junto dela. Imagino que seja seu amante, e que ela o considere útil, senão já o teria despachado há muito tempo.


- E quanto a esse clube que ela possui?


- Eu não freqüento estabelecimentos desse tipo. - Isis sorriu de leve.


- Mas sabe a respeito dele?


- Ouço rumores, fofocas... - Levantou os ombros largos. - Cerimônias com magia das trevas, missas negras, ingestão de sangue. Estupros, assassinatos, infanticídios, invocação de demônios. - E então suspirou. - De qualquer modo, você deve ouvir a mesma coisa a respeito das pessoas ligadas à religião Wicca. Coisas divulgadas por pessoas que não possuem entendimento dos assuntos ligados à Arte; elas enxergam apenas velhas encarquilhadas cobertas de preto e lidando com olhos de salamandra sempre que pensam na palavra “bruxa”.


- Alice afirma ter visto uma criança sendo assassinada.


- Sim, e acredito que viu mesmo. Não poderia ter inventado uma coisa dessas. Estava em choque e sentindo-se mal quando veio me procurar. - Isis apertou os lábios e estremeceu, expirando com força. - Fiz o que pude por ela.


- Tal como incentivá-la a ir até a polícia, a fim de relatar o que testemunhara?


- Isso cabia a ela decidir. - Isis tornou a levantar o queixo e encarou os olhos de Gina, que transmitiam uma raiva gélida. - Eu estava mais preocupada com a sua sobrevivência emocional e espiritual. A criança já estava perdida. Minha esperança era salvar Alice do mesmo destino. - Baixou os olhos, que tornaram a se encher de lágrimas. - Arrependo-me profundamente de não ter agido de forma diferente. No fim, falhei com ela, talvez por orgulho... - Tornou a olhar para Gina, dizendo: - Você deve compreender o poder e o erro de se ter orgulho. Eu achava que podia lidar com isso, que era esperta o bastante, forte o bastante. Estava errada. Portanto, Weasley, para reparar minhas falhas, farei tudo o que quiser, colocarei à sua disposição todo o conhecimento e o poder com os quais a deusa me investiu.


- Só as informações já vão ajudar. - Gina olhou para ela com a cabeça meio de lado. - Selina nos deu uma pequena demonstração do que chamou de poder. Impressionou Hermione.


- Fui pega desprevenida. - resmungou Hermione, observando Isis com cautela. Não se sentia preparada para outra demonstração. Para sua surpresa, e de Gina também, Isis lançou para trás a magnífica cabeça e deu uma gargalhada. Era como ouvir alegres sinos de bóias sinalizadoras em um porto enevoado.


- Devo invocar a força dos ventos? - Com uma das mãos pressionando o peito, ela deu mais uma risada. - Invocar os mortos ou fazer surgir chamas teatrais? Ora Weasley, você não acredita em nada disso, seria um desperdício de tempo e energia, não? Talvez, porém, vocês estejam interessadas em assistir a um de nossos encontros. Vamos ter um, no fim da semana que vem. Posso providenciar isso.


- Vou pensar no assunto.


- Você faz cara de deboche. - comentou Isis, com ar casual. - No entanto, traz no dedo o antiqüíssimo símbolo da proteção.


- O quê?


- Sua aliança de casamento, Weasley. - Com um sorriso calmo, Isis levantou a mão esquerda de Gina. - Tem entalhada nela o velho símbolo céltico para proteção.


Completamente surpresa, Gina olhou para a linda gravação que enfeitava sua fina aliança, dizendo:


- É apenas um enfeite.


- Não, é um entalhe muito específico e poderoso, feito para oferecer à pessoa que o usa proteção total contra qualquer mal. - Com ar divertido, levantou as sobrancelhas. - Estou vendo que não sabia disso... está realmente tão surpresa assim? Seu marido possui o sangue dos celtas, e você leva uma vida muito arriscada. Potter a ama muito, e o que você usa nada mais é do que um símbolo disso.


- Prefiro fatos a superstições. - disse Gina já se levantando.


- E deve preferir mesmo. - concordou Isis. - De qualquer modo, será muito bem-vinda ao nosso próximo encontro... se resolver aceitar o convite. Potter também será bem-vindo, - sorriu para Hermione - bem como a sua auxiliar. Você aceitaria um presente meu?


- Isso é contra as normas.


- E as normas devem ser respeitadas. - Levantando-se, Isis foi até um dos balcões de exposição da loja e pegou um vaso, mais parecendo uma tigela, muito claro e com a boca larga. - Então, talvez queira adquirir isto. Afinal, perdi clientes em potencial por ter fechado a porta, a fim de conversar com você... vinte dólares.


- Parece-me justo. - Gina enfiou a mão no bolso, em busca de fichas de crédito. - Para que serve?


- Chamamos a isso “vaso de preocupações”. Você deve se visualizar colocando aqui dentro todas as suas dores, pesares e preocupações. Depois, deixe-o em um canto e vá dormir sem sombras na mente.


- Então é um bom negócio! - Gina colocou as fichas de crédito sobre o balcão e esperou enquanto Isis embrulhava o vaso em um papel reforçado, para protegê-lo.


 


Gina chegou em casa cedo, um fato raro. Achou que poderia mergulhar no trabalho, no sossego de seu escritório. Ia entrar direto e passar sem dar atenção a Moody, refletiu, enquanto estacionava o carro no fim da alameda. O mordomo ia simplesmente soltar uma exclamação de desdém e ignorá-la. Ela teria então umas duas horas, pelo menos, para pesquisar os dados sobre Isis, e depois entraria em contato com a Dra. Minerva, a psiquiatra da polícia, a fim de marcar uma hora para trocar idéias. Seria muito interessante, avaliou Gina, ouvir as avaliações de Minerva a respeito de figuras como Selina Cross e Isis.


Mal chegou à porta e viu seus planos irem para o espaço.


A música pulsava, os ruídos retumbando pela porta da sala de visitas como pequenas explosões nucleares. Quase cambaleando, tentando avançar em meio às ondas sonoras, Gina colocou as mãos acima da cabeça, bateu palmas com força e berrou.


Ninguém precisava lhe dizer que era Luna quem estava ali. Ninguém mais em todo o planeta poderia tocar notas conflitantes e dissonantes em um nível tão alto de decibéis. Ao alcançar o portal, o volume ainda estava muito alto. Suas ordens berradas para desligar o som não alcançaram o sensor de voz nem os ouvidos da única ocupante da sala.


Sozinha, espremida em uma microssaia fúcsia ofuscante, que combinava com os caracóis espiralados que saíam do alto de sua cabeça, Luna Lovegood estava deitada no sofá, fazendo o impossível: dormia como um bebê.


- Meu Jesus! - Já que os comandos de voz eram inúteis, Gina, corajosamente, arriscou os tímpanos e tirou as mãos dos ouvidos, saindo em direção da unidade embutida de controle remoto. - Desligar! Desligar! Desligar! - berrou ela, enquanto apertava todos os botões. O barulho parou de repente, no meio de uma explosão, e a fez gemer de alívio.


Os olhos de Luna se abriram, arregalados, na mesma hora.


- Oi, Gina. Como é que estão as coisas?


- O quê? - perguntou Gina, balançando a cabeça com força para os lados, a fim de espalhar os sinos que sentia repicar dentro do cérebro. - O quê?...


- Esse é um grupo novo que descobri hoje de manhã. Mutilação é o nome da banda... eles são mais que demais!


- O quê? - repetiu Gina.


Dando uma risada, Luna se levantou de um salto e foi, pulando, com seu corpinho até o armário das bebidas, dizendo:


- Estou precisando de um drinque. Acho que cochilei... é que fiquei acordada a noite toda nos últimos dias. Queria conversar com você a respeito de uns... lances.


- Sua boca está se movendo. - observou Gina. - Você está falando alguma coisa comigo?


- Ah, não estava tão alto assim!... tome um drinque. Moody falou que não havia problema se eu ficasse aqui esperando. Ele não sabia a horas que você ia chegar.


Gina lembrou que, devido a motivos que escapavam por completo à sua compreensão, o mordomo da casa, que andava sempre empinado, duro como um dois de paus, sentia atração por Luna.


- Moody deve estar em sua jaula, compondo poemas dedicados às suas pernas, Luna.


- Ei, não é nada sexual o que ele sente. Simplesmente gosta de mim. E aí?... - Luna brindou, batendo com sua taça contra a de Gina. – Harry não está na área, está?


- Com essa música explodindo as paredes? - Gina bufou e tomou um gole. - Ele só pode estar na rua.


- Bem, então isso é bom, porque eu queria levar um lero com você. - E sentou girando a taça entre as mãos, sem dizer nada.


- Qual foi o problema? Você e Leonardo tiveram uma briga ou algo assim?


- Não, não... não dá para brigar com Leonardo, ele é um doce de coco. Está passando alguns dias em Milão, participando de um lance ligado ao mundo da moda.


- E por que você não foi com ele? - Gina se sentou, colocou os pés, sem tirar as botas, sobre a mesinha de centro de valor incalculável e cruzou as pernas na altura dos tornozelos.


- Tenho o meu show na boate Baixaria. Não posso deixar Crack na mão, porque ele sempre me deu o maior apoio.


- Humm... - Gina flexionou a musculatura dos ombros e começou a relaxar. A carreira de Luna, que executava canções (era difícil usar a palavra cantora para definir seus talentos vocais), estava decolando. Houve algumas pedras no caminho, mas tudo já fora superado. - Eu não achava que você fosse continuar a trabalhar lá por mais tempo. Não depois de ter conseguido contrato com uma gravadora.


- Pois é, esse é o lance. O contrato. Você sabe, depois de descobrir que Jess estava me usando, e usando você e Harry também, para seus jogos de mexer com a mente das pessoas, eu não pensei que aquela gravação demo que fiz com ele fosse me levar a algum lugar.


- Mas o número era bom, Luna, vibrante, único. Por isso é que você foi aprovada.


- Foi mesmo? - Tornou a se levantar, uma mulher baixa, com os cabelos eriçados e selvagens. - Descobri hoje que Harry é o dono da gravadora que me ofereceu o contrato. - Tomando alguns goles do drinque, começou a andar de um lado para outro. - Sei que temos uma história de amizade, você e eu, Gina, um lance de muito tempo, e agradeço por você querer me ajudar colocando Harry na jogada, mas eu não me sinto bem a respeito. Só queria agradecer a você. - virou-se para Gina, com os olhos prateados trágicos e vazios - E lhe dizer que vou rejeitar o contrato.


- Luna, não faço a mínima idéia sobre o que você está falando. Está me dizendo que Harry, o cara que mora aqui nesta casa, está produzindo o seu disco?


- A gravadora pertence a ele. É a Eclectic. Eles gravam todo tipo de música, desde clássica até estoura-tímpano. É a melhor gravadora, entende? Totalmente mais que demais! Foi por isso que fiquei tão empolgada com a proposta.


Eclectic, avaliou Gina. A gravadora. Tinha todo o jeito do Harry mesmo.


- Olhe Luna, não sei de nada a respeito disso. Não pedi coisa alguma a Harry por você, acredite!


- Não pediu? - Ela piscou e se sentou lentamente no braço da poltrona. - Sério mesmo?


- Estou falando sério. – repetiu Gina. - E ele também não me contou. - O que também era a cara dele. - O que tenho a lhe dizer, Luna, é que se a gravadora está lhe oferecendo um contrato é porque Harry, ou sei lá quem ele colocou à frente do negócio, acha que você vale o investimento.


Luna começou a respirar fundo. Ela se preparara para fazer o sacrifício da abnegação, não querendo tirar vantagens de uma amizade. Naquele momento, porém, começou a balançar o corpo, dizendo:


- Mas talvez ele tenha armado tudo, como se fosse um favor.


- Para Harry, negócios são negócios! - Gina levantou uma sobrancelha. - Eu diria que ele deve estar achando que você vai torná-lo ainda mais rico. E se fez isso como favor, o que duvido, você vai ter simplesmente que provar a ele que vale o contrato, não é mesmo, Luna?


- É... - Soltou um longo suspiro. - Vou ter que botar pra quebrar! - E abriu um sorriso. - Você bem que podia dar uma passadinha na boate hoje à noite. Tenho umas músicas novas, e Harry poderia avaliar de perto o seu mais novo investimento.


- Sou obrigada a dispensar o convite. Tenho um monte de trabalho. Tenho que descobrir tudo sobre o Clube Athame.


- Que diabos você anda fazendo por lá? - Luna fez uma careta. - Aquele lugar é tétrico.


- Você conhece o clube?


- Só de nome e fama. Saiba que a reputação que ele tem está abaixo da linha da encrenca brava.


- Tem uma pessoa com quem preciso conversar que trabalha lá. Está ligada a um caso que estou investigando. - Gina pensou por um instante. Não havia ninguém que ela conhecesse e que pudesse ter mais a ver com coisas incomuns do que Luna. - Você conhece alguma bruxa, Luna?


- Conheço... mais ou menos. Duas garçonetes do Esquilo Azul estavam envolvidas com esse lance. Isso ainda foi na época em que eu enrolava as pessoas.


- E você acredita nessas coisas? Cânticos mágicos, feitiços e leitura de mãos?


- É a maior enganação. - respondeu Luna, virando a cabeça e assumindo um ar pensativo.


- Você não deixa de me surpreender. - decidiu Gina. - Eu jurava que você sacava tudo a respeito e acreditava nesse tipo de história.


- Bem, participei de uma picaretagem dessas uma vez. Trabalhei como guia espiritual. Eu era Ariel, reencarnação de uma rainha do Reino das Fadas. Você ia ficar de queixo caído se eu lhe contasse sobre a quantidade de pessoas legais que me pagavam para eu entrar em contato com parentes mortos ou prever o futuro delas.


Para demonstrar, deixou a cabeça pender para trás, de repente. Suas pálpebras começaram a tremular e ela ficou com a boca mole. Lentamente, seus braços se elevaram, com as palmas das mãos voltadas para cima.


- Sinto uma presença aqui... - começou ela. - É alguém forte, que está em busca de contato e sofrendo muito. - Sua voz ficou mais grave e exibiu um sotaque indefinido. - Há forças das trevas que estão trabalhando contra você neste momento. Elas se escondem, esperando o momento certo para prejudicá-la. Tenha cuidado!


Abaixou os braços e sorriu, completando:


- Nesse momento, você avisa ao otário que precisa de toda a sua confiança, a fim de poder oferecer proteção contra as forças do mal. Tudo o que ele tem a fazer é colocar, digamos, mil paus em dinheiro, tem que ser em dinheiro, senão não funciona, em um envelope e depois lacrá-lo. Não se esqueça de dizer que o envelope precisa ser lacrado com uma cera especial, que você tem ali para vender. Depois, é só entoar uns mantras que você também ensina para o mané, aconselhando-o a enterrar o envelope em um local secreto na noite de lua nova. Depois que a lua completar um ciclo, ele pode desenterrar o envelope e entregá-lo a você de volta. A essa altura, as forças do mal terão desaparecido por completo.


- Só isso? E as pessoas traziam mesmo o dinheiro de volta e o entregavam para você?


- Bem, eu tinha que fazer um teatro mais elaborado, fazia uma pesquisa para poder citar nomes de pessoas da família dele, eventos e coisas marcantes. Mas, basicamente, era só isso. As pessoas querem acreditar.


- Por quê?


- Porque a vida sem essas coisas pode se tornar sacal demais!


 


Sim, pensou Gina, quando se viu novamente sozinha... Ela imaginava que a vida podia ser realmente horrível. A dela certamente fora, por longos períodos. Agora ela estava morando em uma mansão, com um homem que, por alguma razão, a amava. Ela nem sempre compreendia sua vida ou o homem com o qual a compartilhava, mas estava se ajustando. Tão bem, na verdade, que Gina decidiu não se enterrar no trabalho, e sim sair, em plena tardinha de outono e tirar uma hora para si mesma.


Estava cansada das ruas e calçadas, passarelas aéreas lotadas e esteiras rolantes entulhadas de gente. A amplitude de espaço que Harry tinha condições de possuir ali, em plena cidade, sempre a deixara impressionada. O terreno da casa era imenso, mais se parecia com um parque bem cuidado, calmo e luxuriante, com a folhagem típica dos ricos assumindo os tons flamejantes do outono. O aroma era fornecido por flores especiais, que espalhavam no ar a suave fragrância rural dos campos em pleno mês de outubro.


Acima dela, o céu parecia quase sem tráfego aéreo e o pouco ruído que se ouvia era um murmúrio constante e digno. Nenhum dos ônibus aéreos trovejantes nem dos dirigíveis turísticos barulhentos ousava invadir o espaço aéreo sobre a propriedade de Harry.


E o mundo que ela conhecia, e que a conhecia, ficava do outro lado dos portões, além dos muros, na escuridão desagradável.


Ali, ela podia se esquecer de tudo por algum tempo. Podia esquecer que Nova York existia, com suas mortes, fúrias... e sua arrogância perpétua e atraente. Ela precisava da quietude e do ar puro. Ao caminhar sobre a grama muito verde e densa, rodou a aliança no dedo, olhando para os peculiares símbolos nela representados.


Na parte norte do terreno, havia um caramanchão feito com varões de ferro trabalhado, que parecia quase fluido. As videiras que se entrelaçavam nas hastes de ferro e tombavam, penduradas de forma graciosa, estavam carregadas de flores em um tom forte de vermelho. Gina se casara com Harry naquele local, em uma cerimônia tradicional, à moda antiga, onde votos eram trocados e promessas, feitas. Uma cerimônia, pensava ela naquele momento. Um ritual que incluía música, flores, testemunhas e palavras que vinham sendo repetidas ano após ano, em todos os lugares do mundo, através dos séculos.


Do mesmo modo, pensou ela, outras cerimônias também eram preservadas, e muitos acreditavam que elas atraíam poder. Desde os tempos de Caim e Abel, refletiu. Um plantava e o outro era pastor. Ambos ofereciam sacrifícios. Um deles foi aceito, o outro ignorado. A partir daí, podia se dizer que nasceu o Bem e o Mal. Cada um desses dois elementos precisava do equilíbrio e do desafio do outro.


E as coisas continuaram assim, desde então. A ciência e a lógica os desqualificaram, mas os rituais continuavam a existir, com incenso e cânticos, oferendas, ingestão de vinho, que simbolizava sangue...


E sacrifícios de inocentes.


Aborrecida consigo mesma, Gina passou as mãos pelo rosto. Filosofar era uma tolice inútil. Assassinatos eram praticados por mãos humanas. E eram também as mãos humanas as responsáveis por trazer justiça. Era esse, afinal, o equilíbrio definitivo entre o Bem e o Mal.


Sentando-se no gramado sob o caramanchão e as flores vermelho-sangue que pendiam, Gina respirou fundo, inspirando o aroma quente da noite que chegava.


- Esse não é um comportamento muito comum em você. - Harry chegara por trás dela, sem fazer barulho, de forma tão inesperada que o coração de Gina deu um pulo quando ele se sentou na grama ao seu lado. - Está entrando em comunhão com a natureza?


- Talvez eu tenha passado tempo demais em lugares fechados hoje... - Teve que sorrir ao vê-lo entregar para ela uma das flores vermelhas. Brincando com ela entre os dedos, ela observou as pétalas que giravam, antes de olhar para ele.


Harry parecia relaxado, com os cabelos escuros caindo até perto dos ombros, enquanto se recostava apoiado no cotovelo e esticava as pernas, cruzando os pés na altura dos tornozelos. Gina imaginava que aquele terno lindo e caríssimo ia ficar com manchas da grama que acabariam por deixar Moody horrorizado. Exalava um perfume másculo, igualmente caro. Uma fisgada de desejo atingiu-lhe o estômago.


- O dia foi um sucesso para você?


- Acho que vai dar para colocar o pão na nossa mesa por mais um ou dois dias.


- Não se trata do dinheiro, não é? - Ela passou os dedos nas pontas dos cabelos dele, enrolando-as. - O grande lance é o prazer de gerá-lo.


- Não, o lance é o dinheiro sim. - Sorriu para ela com os olhos. - Aliado ao prazer de gerá-lo. - Em um movimento rápido, que Gina já deveria estar esperando, ele inclinou o corpo na direção dela, segurou sua cabeça pela nuca, puxou-a na direção dele e desequilibrou-a, enquanto lhe aplicava um beijo ardente.


- Espere um instante, segure sua onda. - disse ela, mas não foi rápida o bastante para se desvencilhar e acabou embaixo dele.


- Estou me segurando, querida. - Sua boca se fixou gulosamente na garganta de Gina, enviando pequenos estímulos de calor por todo o seu corpo, até os dedos dos pés.


- Quero conversar com você, Harry.


- Certo. Vá falando enquanto eu livro você dessa roupa toda. Ora... ainda está com a sua arma. - Observou, soltando a correia do coldre. - Planejava atordoar algum animalzinho do jardim?


- Isso seria contra o regulamento. Harry... - Ela o segurou pelo pulso no instante em que sua mão cobria, de forma casual, o seu seio. - Eu quero falar com você.


- E eu quero fazer amor com você. Vamos ver quem ganha. - O fato de que ele já conseguira abrir sua blusa e deixara seus seios ardendo de desejo deveria deixá-la enfurecida. Quando sua boca se fechou sobre aquela porção de pele tão sensível, os olhos de Gina ficaram quase vesgos de prazer. Mesmo assim, nada daquilo ia adiantar, pois ela não ia permitir que ele ganhasse o jogo assim tão depressa.


Deixou o corpo ficar mole, deu alguns gemidos e enterrou os dedos entre os cabelos dele, descendo com força até seus ombros.


- Seu paletó... - murmurou ela, tentando despi-lo. Quando ele mudou de posição para também se livrar das roupas, ela o pegou de jeito.


Era um princípio básico da luta corpo-a-corpo: jamais baixe a guarda. Gina fez um movimento de tesoura, lançou a perna sobre ele em um piscar de olhos e o prendeu de costas no chão, com um dos joelhos sobre a área entre suas pernas e um cotovelo sobre sua garganta.


- Você é ardilosa! - Ele calculou que conseguiria escapar do cotovelo, mas do joelho... havia coisas que um homem jamais estaria disposto a arriscar. Ele manteve os olhos nos dela, e então, lentamente e com todo o cuidado, passou as pontas dos dedos pelo seu torso nu, fazendo círculos em torno do seio. - Admiro essa qualidade em uma mulher.


- Você é muito fácil de subjugar. - O polegar dele continuava a acariciar de leve seu mamilo, fazendo sua respiração ficar mais curta. - Admiro isso em um homem.


- Bem, você realmente me imobilizou. - Ele desafivelou o cinto e abriu o zíper, fazendo com que os músculos do estômago de Gina tremessem. - Agora, seja gentil comigo.


Ela riu e afastou o cotovelo, envolvendo-lhe o rosto com ambas as mãos.


- Acho que não vou ser gentil não. - Abaixando a cabeça, atacou sua boca com a dela. Ouviu a respiração dele ficar densa, quando ele sugou o ar, e sentiu seus braços a envolverem, os dedos apertando-a com força. Seu gemido aumentou e ressoou na pulsação dela.


- Seu joelho! - conseguiu ele, afinal, balbuciar.


- Hein? - Com o desejo no nível máximo, quase rugindo por dentro, ela levou os lábios e os dentes para a garganta dele.


- O joelho, querida! - Gina se moveu com força para atacar sua orelha e quase esmagou a virilidade dele. - Seu joelho é muito eficiente! - falou ele, quase soprando.


- Oh!... desculpe. - Fazendo uma cara levada, ela abaixou o joelho, amoleceu o corpo e deixou que ele rolasse por cima dela. - Esqueci!


- Até parece, você podia ter causado algum dano permanente, sabia?


- Que nada! - Com um riso maroto, ela acabou de abrir as calças dele, puxando-as para baixo. - Aposto que conseguimos superar isso.


Os olhos dele ficaram escuros quando ela começou a massageá-lo com força, mas permaneceram abertos e voltados para ela quando seus lábios tornaram a se encontrar. O beijo, surpreendentemente suave, se misturou com a emoção forte e o desejo familiar.


O horizonte ao crepúsculo estava tão vermelho quanto as flores que explodiam em cor acima deles. As sombras eram longas e suaves. Gina ouvia pássaros cantando ao longe e também o farfalhar do vento por entre as folhas secas. O toque das mãos dele sobre seu corpo parecia um milagre, e espantava todo o horror e a dor do mundo no qual ela vivia.


Ela nem percebeu que precisava ser acalmada, pensou ele, enquanto a penetrava, sentindo-se também mais calmo, como se toda a excitação do momento fosse algo lento, quente e líquido. Talvez ele também não tivesse percebido que precisava daquilo, até abraçá-la daquela forma e tocá-la tão lá no fundo. O romance que pairava no ar, a luz que cedia e a submissão gradual de uma mulher tão forte eram coisas gloriosamente sedutoras.


Ele se sentiu à vontade dentro dela, olhando com atenção para o seu rosto quando o primeiro orgasmo a rasgou por dentro. Nesse instante, sentiu seu corpo se retesar, estremecer e, depois, ficar flácido, enquanto o dele continuava bombeando-a e preenchendo-a.


Ela mantinha os olhos abertos, tão fascinada pela intensidade do olhar dele quanto pelas ondas de prazer que se sucediam dentro dela. Tentou acompanhar-lhe o ritmo suave e liso como seda, mesmo sentindo que seu fôlego fraquejava. E quando viu aqueles escuros olhos de origem celta se nublarem, tornando-se turvos, ela emoldurou seu rosto em suas mãos e puxou sua boca de encontro à dela, a fim de saborear seu longo gemido de liberação total.


Quando seu corpo ficou largado e muito pesado sobre o dela, ele enterrou o rosto em seus cabelos, e ela o envolveu com os braços, de forma carinhosa e amiga.


- Eu deixei que você me seduzisse. - afirmou ela.


- Hã-hã... - concordou ele.


- Não queria ferir seus sentimentos.


- Obrigado. Você agüentou tudo de forma valente também.


- É o treinamento. Tiras têm que ser valentes.


- Aqui está o seu distintivo, tenente. - disse ele, depois de apalpar a grama em volta até encontrá-lo.


Ela soltou um riso abafado e deu um tapa no traseiro dele, ordenando:


- Agora saia de cima de mim! Você pesa uma tonelada!


- Continue me tratando assim, com palavras gentis, e só Deus sabe o que pode acontecer... - De forma preguiçosa, ele rolou para o lado, reparando que o céu mudara de azul enevoado para um tom de cinza-perolado. - Estou morrendo de fome. Você me distraiu, e agora já passa muito da hora de jantar.


- E vai passar ainda mais. - Ela se sentou e começou a vestir as roupas, de forma desajeitada. - Já teve sua sessão de sexo, meu chapa, agora é a minha vez. Precisamos conversar.


- Podemos conversar enquanto jantamos. - Suspirou ao ver o olhar duro como aço que ela lhe lançou. - Ou podemos conversar aqui, também. Problemas? - perguntou, passando o polegar de leve sobre a covinha no queixo de Gina.


- Vamos dizer apenas que eu tenho algumas perguntas a fazer.


- Talvez eu tenha as respostas. Pode começar...


- Em primeiro lugar... - Parou de falar na mesma hora e bufou. Ele estava sentado ali, ainda pelado, se parecendo muito com um gato satisfeito, com aquela pele brilhando. - Vista alguma coisa, está bem? Assim, eu é que vou acabar me distraindo. - Atirou a camisa na direção dele, que se limitou a sorrir. - Luna estava à minha espera quando cheguei em casa.


- Ah... - Ele balançou a camisa, notou o estado deplorável em que ela estava, mas vestiu-a assim mesmo. - E por que não ficou para jantar?


- Vai se apresentar hoje na boate Baixaria. Harry, por que você nunca me contou que era dono da gravadora Eclectic?


- Não é segredo para ninguém. - Enfiou as calças, entregando em seguida o coldre a Gina. - Eu possuo um monte de empresas.


- Você sabe sobre o que estou falando. - Ela precisava ser paciente naquela questão, lembrou a si mesma, porque era uma área delicada para todos os envolvidos. - A Eclectic ofereceu um contrato de gravação para a Luna.


- Sim, eu sei.


- Eu sei que você sabe. - rebateu ela, dando um tapa na mão dele, quando viu que ele tentava ajeitar seus cabelos. - Droga, Harry, você podia ter me contado! Eu estaria preparada para quando ela viesse me perguntar a respeito disso.


- A respeito de quê? É um contrato padrão. Ela certamente vai arrumar um agente ou representante para dar uma olhada, antes de assinar, mas...


- Você fez isso por mim? - interrompeu ela, e seus olhos ficaram fixos no rosto dele.


- Fiz o que por você?


- Ofereceu o contrato de gravação para Luna? - disse ela, entre dentes.


- Você não está planejando abandonar a luta em favor da lei para agenciar artistas, está? - Ele entrelaçou os dedos, virando a cabeça de lado.


- Não, claro que não, eu só...


- Bem, se é assim, esse assunto não tem nada a ver com você.


- Você não vai ter agora a cara-de-pau de me dizer que aprecia a música de Luna.


- Música é um termo que não se aplica aos talentos de Luna.


- Isso mesmo! - Cutucou o peito dele com o dedo.


- No entanto, seus talentos possuem, acredito, um bom potencial comercial. O objetivo da Eclectic é produzir e distribuir o trabalho de artistas com possibilidade de retorno financeiro.


- Então é um lance de negócios. - disse e se recostou, apoiada nos cotovelos. - Puramente comercial.


- Naturalmente! Eu levo os negócios muito a sério.


- Você também pode estar me enrolando. - disse, depois de um momento. - Você é bom nisso.


- Sou mesmo. - Satisfeito por saber que era um dos poucos que conseguiam enrolá-la, ele sorriu. - De qualquer modo, o acordo já foi fechado. Isso é tudo?


- Não. - Soltando um suspiro sibilante, ela se inclinou na direção dele e o beijou. - Obrigada por isso, de qualquer modo.


- De nada...


- Agora, o outro problema. Preciso ir até o Clube Athame hoje à noite, para investigar um cara. - Viu as faíscas em seus olhos e a tensão em seu maxilar. - Gostaria que você fosse até lá comigo. - Teve que morder a ponta da língua para impedir o riso ao ver os olhos dele se estreitarem ao se virar para ela.


- Simplesmente isso? É um assunto de polícia, mas você não vai criar caso por causa da minha presença?


- Não. Primeiro, porque você talvez possa me ser útil, e segundo, porque economiza tempo. A gente ia brigar por causa desse assunto e você ia acabar indo comigo do mesmo modo. Fazendo do meu jeito, eu peço para você ir, você vai e fica subentendido que quem está no comando sou eu.


- Muito esperta! - Pegou a sua mão e puxou-a, para colocá-la de pé. - Combinado, mas só depois do jantar. Eu não almocei.


- Tem mais uma coisa... por que você mandou entalhar um símbolo celta para proteção na minha aliança de casamento?


- Como é que é? - Ele se sentiu surpreso, mas tentou disfarçar o melhor que pôde.


- Não, dessa vez você não conseguiu me enrolar tão depressa. - Gina se sentiu satisfeita por ter percebido nele a surpresa diminuta e a tentativa de escondê-la. - Você sabe exatamente sobre o que estou falando. Uma das agradáveis bruxas da vizinhança descobriu tudo hoje.


- Entendo... - Fui pego, compreendeu ele, e tentou ganhar tempo levantando a mão dela, a fim de examinar a aliança. - O design do entalhe é muito atraente.


- Não tente me enrolar, Harry! Sou uma profissional. - Ela deu um passo à frente, até que seus olhos ficaram no mesmo nível dos dele. - Você acredita mesmo nessas coisas, não é? Você realmente embarcou nessa história de abracadabra.


- Não se trata disso. - Ele se sentiu embaraçado e percebeu que não conseguira esconder o sentimento ao ver que ela juntou as sobrancelhas, dizendo:


- Você ficou sem graça! - Sua testa se levantou, tanto pela surpresa quanto por achar aquilo divertido. - Você jamais fica sem graça, por nada... isso é estranho. Que bonitinho!...


- Não fiquei sem graça. - Mortificado é o termo, não sem graça. - Eu simplesmente... não fico completamente à vontade quando tenho que dar explicações. Eu amo você. - disse ele, e fez desaparecer o risinho de Gina. - Você arrisca a sua vida, uma vida que é essencial para mim, só pelo fato de você ser do jeito que é. Isto aqui... - passou o polegar sobre a aliança dela -... é um pequeno escudo, muito pessoal.


- Isso é lindo, Harry. De verdade. Mas você não acredita mesmo nessa maluquice de magia, acredita?


Seu olhar se levantou para fitar o rosto dela e, à medida que o crepúsculo se transformava em noite, seus olhos pareciam brilhar na escuridão. Como os de um lobo, pensou ela.


E era em um lobo, lembrou no mesmo instante, que ela devia confiar.


- Seu universo é relativamente pequeno, Gina. Não diria protegido, mas limitado. Você jamais viu a dança de um gigante nem sentiu o poder de pedras ancestrais. Jamais passou os dedos sobre uma inscrição em alfabeto Ogham entalhada no tronco de uma árvore petrificada, nem ouviu os ventos que parecem vozes sussurrando pela névoa que cobre os solos sagrados.


- De que se trata tudo isso, são tradições celtas? - Espantada, ela balançou a cabeça.


- Se quiser, trata-se disso, embora essas coisas não estejam limitadas a uma determinada raça ou cultura. Você tem os pés no chão. - Passou as mãos pelos braços dela, subindo até os ombros. - É quase brutal em seu foco preciso e sua honestidade. Eu já vivi... uma vida mais flexível, por assim dizer. Preciso de você, e vou usar o que me cair nas mãos para mantê-la a salvo. - Levantou a aliança, levando-a aos lábios. - Vamos dizer que isso é uma tentativa de proteger você por todos os lados.


- Certo. - Aquele era um aspecto novo dele, que ia levar algum tempo para ela explorar. - Escute, Harry... você não tem uma sala assim, tipo... secreta, onde você dança nu entoando cânticos, tem?


- Eu tinha. - respondeu ele, empurrando a bochecha por dentro com a língua, para não rir. - Só que resolvi transformar aquele espaço em um escritório. É mais versátil.


- Foi uma boa idéia. Muito bem, agora vamos jantar.


- Graças a Deus! - Ele a tomou pela mão e a foi levando em direção à casa.


 


 


 


Agradecimentos especiais:


 


Bianca: realmente essa tem como base o tema bruxaria tanto branca como negra, nós vamos sim para a Irlanda, mas não vai ser dessa vez e sim na próxima que se chamará Vingança Mortal. Foi a Selina sim, na verdade ela e o Alban. Com certeza a negativa da Gina de ajudar Alice foi um baque pesado para a garota, dessa vez vai ser muito difícil para a Gina conseguir provar que Selina possa ter matado a Alice e o Frank, mas a ruiva é perseverante, entao esperemos pelo melhor. Ah, o Neville não ajudou o Frank não... Sobre esse livro que você indicou, vou dar uma olhada sim e quando eu terminar de ler aviso você sobre o que achei dele. Beijos.


 


Nanny Black: que bom que gostou, com certeza essa vai ser bem diferente do normal. Beijos.


 

Compartilhe!

anúncio

Comentários (0)

Não há comentários. Seja o primeiro!
Você precisa estar logado para comentar. Faça Login.