CAPÍTULO SETE



CAPÍTULO SETE


 


O Clube Athame tinha um certo ar de distinção que escondia algo de depravado, como um político corrupto que sai pela rua beijando bebês. Uma olhada em volta e Gina se convenceu de que preferia passar a noite toda em uma espelunca de baixo nível, agüentando bebida barata e suor fedorento.


Espeluncas não se davam ao trabalho de usar disfarces.


Balcões giratórios de vidro fumê com bordas cromadas dividiam o andar principal em dois níveis; as pessoas que preferiam uma visão mais elevada podiam circular mais lentamente, para conferir o movimento do lugar. O bar, instalado no centro, se lançava para fora em cinco pontos, cada um deles lotado de clientes empoleirados em bancos altos, desenhados para representar uma parte específica da anatomia masculina em proporções exageradamente otimistas.


Duas mulheres usando microssaias estavam sentadas com as pernas abertas sobre um par de gigantescos pênis, e riam sem parar. Um dos freqüentadores, com a cabeça raspada, estava ao lado delas, e de vez em quando enfiava a mão por baixo de suas blusas colantes.


Todas as paredes eram espelhadas e pulsavam com luzes vermelhas que se refletiam infinitamente em meio à névoa. Alguns dos nichos com mesas junto da pista de dança eram fechados, para oferecer mais privacidade, enquanto outros pareciam encobertos por vidro opaco; silhuetas de casais em vários estados de fornicação eram lançadas contra o revestimento, a fim de entreter a multidão. O piso dos nichos era revestido por uma camada de laca preta, e isso fazia com que eles parecessem flutuar em pequenas piscinas cheias de um líquido escuro.


Em uma plataforma elevada, a banda atacava, executando um rock pesado e desagradável. Gina se perguntou o que Luna ia achar deles, com os rostos pintados com motivos selvagens, os peitos totalmente tatuados e tapa sexos de couro preto com tachinhas prateadas. Decidiu que sua amiga provavelmente ia considerá-los mais que demais!


- E então, vamos sentar? - perguntou Harry, murmurando em sua orelha. - Ou você vai fechar esta baiúca?


- Vamos subir – resolveu Gina - para ter uma visão panorâmica. Que cheiro é esse?


Ele pisou na escada rolante logo atrás dela e respirou fundo, respondendo:


- Maconha, incenso... suor.


Gina balançou a cabeça. Havia algo que dava para sentir por cima de todos os aromas, algo metálico.


- Sangue! - reconheceu ela. - Sangue fresco.


Harry também sentira o cheiro, como uma camada densa.


- Em um lugar como este - explicou - eles devem colocar essa essência nas saídas de ar para levantar o astral.


- Encantador...


Saíram no nível superior. Ali, em vez de mesas e cadeiras, havia almofadões espalhados pelo piso, onde os clientes podiam se reclinar enquanto tomavam a bebida de sua preferência. Os que estavam em busca de companhia se debruçavam no gradil cromado, tentando achar algum parceiro ou parceira para levar para uma das salas privativas.


Havia umas dez dessas salas naquele nível, todas com pesadas portas pretas que exibiam placas com nomes como Perdição, Leviatã e outros menos sutis, na opinião de Gina, tais como Inferno e Danação.


Dava para imaginar direitinho o tipo de personalidade de alguém que pudesse achar esse tipo de convite sedutor.


Enquanto observava, um homem com os olhos vidrados pela bebida esfregava a mão lambuzada pelos tornozelos de sua acompanhante e veio subindo. Seus dedos desapareceram por entre suas pernas, por trás da saia muito curta, enquanto ela dava risadinhas. Tecnicamente, Gina poderia enquadrá-los por atentado ao pudor e prática sexual em público.


- De que isso ia adiantar? - comentou Harry, lendo seus pensamentos. Sua voz estava calma. Alguém que olhasse para ele veria um homem ligeiramente entediado com o ambiente. Mas ele estava preparado para atacar ou defender, o que quer que se tornasse necessário. - Você deve ter coisas mais interessantes a fazer do que levar para o xadrez um casal cheio de tesão que veio do subúrbio.


Não ia adiantar realmente de nada, pensou Gina, enquanto ouvia o velcro da braguilha da calça do sujeito se abrindo.


- Como é que você sabe que eles vieram do subúrbio?


Antes de Harry ter chance de responder, um homem atraente, com uma cabeleira muito cheia, loura, e ombros nus e brilhantes se agachou ao lado do casal ocupado. O que quer que tenha dito fez a mulher dar outra risadinha e agarrá-lo, dando-lhe um beijo babado.


- Por que não vem com a gente, então? - perguntou ela, com um sotaque estranho. - Podemos fazer um manage e troá.


Gina levantou a sobrancelha diante do provinciano massacre do termo francês e da casualidade com que o rapaz louro, que era segurança do clube, conduziu o casal cambaleante para longe dali.


- Subúrbio. - confirmou Harry, com ar de convencido. - Com certeza! E o segurança atuou com muita habilidade. - Ele inclinou a cabeça na direção do casal, que estava sendo levado por uma porta estreita. - Agora ele vai acrescentar o preço do quarto privativo na conta e pronto... ninguém sai prejudicado. - Ouviu-se uma explosão de risos femininos enquanto o segurança tornava a sair e fechava a porta. - Todos estão felizes.


- Alguém no subúrbio não vai estar muito feliz amanhã de manhã. O preço de um quarto privativo em um lugar como este deve ser de arrasar o orçamento. Enfim, o problema é deles. - Gina lançou o olhar pela multidão de rostos. As idades variavam de muito jovens (alguns deles deviam ter entrado com carteiras falsas) a muito maduros. O tipo de roupa e as jóias, no entanto, bem como os rostos lisos e os corpos sarados que pareciam ter saído de salões de embelezamento mostravam que a clientela era basicamente formada pela classe média-alta.


- Dinheiro não parece ser um grande problema por aqui. Já avistei pelo menos cinco acompanhantes autorizadas especiais, daquelas que cobram bem caro.


- Pois, pelos meus cálculos, já vi umas dez.


Gina levantou uma sobrancelha e acrescentou:


- Doze seguranças com armas de atordoar portáteis.


- Esse número bateu com minhas observações. - Enlaçando a cintura dela, Harry a levou até o gradil. No andar de baixo, a pista de dança estava lotada, com corpos se esfregando de forma sugestiva em outros corpos. O som de gargalhadas loucas ecoava pelas paredes espelhadas e seguia para o andar de cima.


A banda continuava tocando em ritmo acelerado. As duas vocalistas estavam sendo amarradas por tiras de couro a correntes de prata que pendiam do teto. A música continuava a golpear, com o som pesado da bateria. Os clientes dançavam, aglomerando-se perto do palco, ávidos como uma turba disposta a linchar alguém. A participação da platéia tornou-se parte do espetáculo no momento em que um homem foi convidado e aceitou subir para despir as mulheres dos mantos esvoaçantes que usavam. Por baixo estavam nuas, exceto por estrelas brilhantes coladas nos mamilos e na genitália.


A multidão começou a entoar um cântico e a uivar, enquanto o sujeito da platéia as cobria com um óleo grosso e elas se contorciam, gritando e implorando por misericórdia.


- Eles estão no limite das regras para casas noturnas. - murmurou Gina.


- Trata-se de arte performática. - Harry observou o homem açoitar a primeira vocalista com um chicote de várias pontas. - Eles estão dentro dos limites permitidos.


- É, mas a simulação de um ato de humilhação incentiva esse povo a fazer a coisa de verdade, depois. - Rangeu os dentes ao ver um dos componentes da banda começar a esbofetear de leve a segunda vocalista, enquanto suas vozes cresciam em um dueto ardente. - Já era tempo da sociedade ter deixado para trás esse tipo de exploração da imagem feminina. Mas isso não aconteceu. Continuamos na mesma... o que essa gente está buscando?


- Estímulos. Do tipo mais rasteiro e cruel. - Sua mão acariciou a base das costas de Gina. Ela sabia como era ser amarrada, como era sofrer abusos sexuais. Não havia nada de artístico nem de divertido naquilo. - Não há necessidade de você ficar vendo isso, Gina.


- O que os faz proceder dessa maneira? - perguntou ela, quase para si mesma. - O que leva uma mulher a se deixar ser usada daquela forma, seja em simulação, seja de verdade? Por que ela não chuta o saco dele com toda a força?


- Ela não é você. - Beijando-a de leve na fronte, ele virou-a para o outro lado, com firmeza.


O gradil estava lotado de gente se espremendo para assistir ao show.


Quando começaram a circular pelo andar de cima, uma mulher usando um vestido comprido preto e totalmente transparente surgiu diante deles, dizendo:


- Sejam bem-vindos ao andar do nosso Mestre. Fizeram reserva?


Já era o bastante, pensou Gina, exibindo o distintivo, enquanto afirmava:


- Não estou interessada no que você tem a me oferecer.


- Estou falando de comida de boa qualidade e vinho. - disse a atendente, tropeçando de leve nas palavras diante da identificação policial. - Vai descobrir que estamos dentro da lei aqui, tenente. De qualquer modo, se desejar conversar com a dona do clube...


- Já fiz isso. Quero ver Lobar. Onde posso encontrá-lo?


- Ele não trabalha neste andar. - Com a sutileza e a discrição de um maître de restaurante fino, a atendente encaminhou Gina de volta às escadas. - Se a senhora tiver a bondade de se dirigir ao andar de baixo, será bem recebida, e uma mesa estará à sua disposição ao chegar lá. Vou entrar em contato com Lobar e pedir que ele vá procurá-la.


- Ótimo! - Gina a avaliou e viu uma mulher atraente com vinte e poucos anos. - Por que trabalha aqui? - perguntou, e lançou o olhar na direção de um dos telões, onde uma mulher se esgoelava e lutava, tentando escapar enquanto era amarrada sobre uma placa de mármore. - Como consegue trabalhar nisso?


A atendente simplesmente olhou para o distintivo e sorriu docemente.


- Como a senhora consegue trabalhar nisso? - rebateu, olhando para Gina e se retirando em seguida.


- Estou me deixando envolver demais. - admitiu Gina, enquanto seguiam para o andar principal. - Eu devia me controlar.


A banda continuava a tocar, e a música era ainda mais frenética agora. A performance passara a ser encenada em um imenso telão que preenchia toda a parede atrás do palco. Bastou uma olhada na cena para Gina descobrir o porquê daquilo. O clube não tinha licença para apresentar sexo ao vivo, mas uma pequena inconveniência como essa fora resolvida com o vídeo.


As vocalistas continuavam amarradas, cantando a plenos pulmões, sem sair do ritmo. Mas estavam atrás do palco agora. Suas imagens eram captadas por uma câmera; junto delas estava o sujeito da platéia e outro homem que vestia apenas uma máscara de javali.


- Porcos selvagens. - Foi tudo o que Gina comentou, e então se viu cara a cara com olhos vermelhos que brilhavam.


- Sua mesa está reservada. Acompanhem-me, por favor. - O rapaz sorriu, revelando dentes brilhantes, com os incisivos afiados para parecerem presas. Ele se virou. Seus cabelos pretos com pontas vermelhas como chamas desciam-lhe até a cintura por suas costas nuas. Abrindo a porta de um dos corredores privativos, seguiu à frente de Gina, dizendo: - Sou Lobar. - e tornou a sorrir. - Estava esperando pela senhora.


Ele poderia ser considerado um rapaz bonito, se não fosse pelas presas de vampiro e os olhos de demônio. Daquele jeito, mais parecia uma criança crescida demais fantasiada para a noite de Halloween. Se ele já tinha dezoito anos, Gina deduziu que devia ter acabado de completar. Seu peito era fino, sem pêlos, e seus braços, magros como os de uma garota. Gina, porém, não achava que a tinta vermelha em seus olhos fosse a responsável pela perda da sua inocência. O jeito dele olhar, sim...


- Sente-se, Lobar.


- Claro. - Ele se largou sobre a cadeira. - Vou pedir um drinque... a senhora paga. - avisou a Gina. - Se quer me alugar no horário de trabalho, tem que me compensar pelas gorjetas que vou perder. - Começou a apertar alguns botões no cardápio eletrônico e ajeitou a cadeira para poder ver o telão. - Grande show o desta noite.


Gina olhou para trás.


- O texto ainda precisa melhorar. - comentou, com um tom seco. - Está com a sua carteira de identidade, Lobar?


Afastando os lábios para tornar a mostrar as presas, em um arremedo de sorriso, levantou as mãos espalmadas, respondendo:


- Não, não estou com ela agora. A não ser que a senhora ache que eu tenho bolsos secretos por dentro da pele.


- Qual é o seu nome verdadeiro?


- Lobar. - Seu sorriso desapareceu e seus olhos subitamente assumiram um ar de criança contrariada. - E quem eu sou. Não sou obrigado a responder às suas perguntas não, sabia disso?... Estou sendo prestativo.


- Sim, você é um cidadão admirável! - Gina esperou que o drinque que ele pedira surgisse pela fenda ao lado da mesa. Outro pequeno show, refletiu, ao ver o cálice aparecer expelindo fumaça de seu conteúdo cinza opaco. - Alice Lingstrom. O que sabe a respeito dela?


- Não muito, apenas que era uma piranha burra. - Experimentou o drinque. - Andou em nossa companhia por algum tempo, mas de repente saiu correndo, chorando. Por mim, foi até bom... o Mestre não precisa de gente fraca.


- O Mestre?


- Satanás. - Tornou a sorrir, tomando mais um gole e saboreando com calma a bebida.


- Você acredita em Satanás?


- Claro! - Ele se inclinou para a frente, deslizando a mão, com unhas muito compridas e pintadas de preto, na direção de Gina. - E ele acredita em você.


- Cuidado aí!... - murmurou Harry. - Você é muito jovem e burro para perder a mão.


Lobar riu com ar de deboche, mas recolheu a mão de mansinho, perguntando:


- Este é o seu cão de guarda? O seu cão de guarda muito rico? Sabemos quem você é. - disse, fixando os olhos vermelhos em Harry. - Grande merda!... Você não tem poder algum aqui. Nem a sua amiguinha policial com cara de enfezada.


- Não sou a amiguinha policial enfezada dele não... - disse Gina, com a voz calma, lançando um olhar de advertência para Harry. - Sou a amiguinha enfezada de mim mesma. Quanto ao lance do poder... - ela se recostou -... eu tenho o poder de arrastar você até a Central de Polícia, direto para a sala de interrogatório. - Sorriu, deixando o olhar passear pelo peito nu de Lobar e os piercings de argola que brilhavam em seus mamilos. - O pessoal ia adorar a chance de dar uma boa olhada em você. Ele é uma gracinha mesmo, você não acha, Harry?


- Com um estilo assim, tipo... aprendiz de diabinho. Você deve ter um dentista muito... especial. - Como estavam em uma cabine fechada, pegou um cigarro e o acendeu.


- Gostaria de fumar um desses. - disse Lobar.


- Gostaria? - Dando de ombros, Harry fez deslizar sobre a mesa, na direção dele, outro cigarro. Quando Lobar o pegou e ficou olhando para Harry com ar de expectativa, ele sorriu. - Desculpe, mas... você quer fogo? Imaginei que fosse acendê-lo lançando chamas pelas pontas dos dedos.


- Não faço exibições para gente careta. - Lobar inclinou-se para a frente, tragando com força ao mesmo tempo em que Harry acendia o cigarro com seu isqueiro. - Olhe, você quer saber a respeito de Alice, tenente, e não posso ajudá-la. Ela não fazia o meu tipo. Era inibida demais, sempre fazendo um monte de perguntas... é claro que eu a comi umas duas vezes, mas era um lance comunitário, uma suruba, entende? Nada pessoal...


- E na noite em que ela foi assassinada?


Ele soltou fumaça e deu mais uma tragada no cigarro. Jamais fumara tabaco puro antes, e a caríssima droga o fez ficar com a cabeça mais leve, sentindo-se relaxado.


- Naquela noite eu não a vi. Estava ocupado. Participei de uma cerimônia particular, com Selina e Alban. Ritos sexuais. Depois, continuamos a trepar quase a noite toda.


Deu mais uma tragada profunda, prendeu a respiração, como se estivesse fumando maconha de boa qualidade, e então expeliu a fumaça pelas narinas, com visível prazer.


- Selina gosta de transar com dois ao mesmo tempo - explicou - e depois que acaba, gosta de ficar olhando e se aliviando sozinha. Já estava amanhecendo quando ela se sentiu saciada.


- E vocês três ficaram sozinhos a noite toda? Ninguém saiu, nem por alguns minutos?


- Essa é a vantagem de fazer a três. Ninguém precisa ficar esperando. - Moveu os ombros magros, bancando o olhar para os seios de Gina, de forma sugestiva. - Gostaria de tentar?


- Lobar, você não vai querer ser preso por assediar uma policial, vai? E eu gosto de homens, e não meninos magricelas com fantasias ridículas. Quem foi que ligou para Alice e tocou a gravação com os cânticos?


Ele tornou a ficar de cara emburrada, com o ego atingido. Se ela tivesse vindo sozinha, pensou, ele ia lhe ensinar umas coisinhas. Piranha era piranha de qualquer jeito, com distintivo ou não.


- Cânticos? Não sei do que está falando... Alice não representava nada! Todo mundo estava cagando e andando para ela, ninguém se importava.


- O avô dela se importava.


- Sim, e eu soube que ele morreu também. - Os olhos vermelhos brilharam ainda mais. - Velho bundão! Um burocrata, apertador de botões. Ele também não significava nada para mim.


- Mas significava o bastante para você se informar e descobrir que ele era um tira. - argumentou Gina. - Um tira que chefiava um departamento. Como foi que soube disso, Lobar?


Percebendo que cometera um erro, ele apagou a guimba no cinzeiro, com golpes curtos e furiosos.


- Alguém deve ter comentado isso comigo. - Expôs novamente as presas em um sorriso largo. - Provavelmente, foi a própria Alice que contou, na hora em que estava sendo comida.


- Puxa, deve ser meio desabonador para a sua performance sexual o fato de uma mulher ficar falando a respeito do avô bem na hora em que você a está... comendo.


- Olhe, ouvi essa história em algum lugar, falou? - Agarrou o drinque, bebendo em grandes goles. - O que importa o lugar onde ouvi?... De qualquer modo, ele era velho.


- Você alguma vez o viu? Aqui?


- Vejo um monte de gente por aqui. Não lembro de nenhum tira velho. - Balançou a mão, em sinal de pouco caso. - Isso aqui fica bombando assim, na maior agitação, quase toda noite. Como é que vou saber quem entra e quem sai? Selina me contratou para manter um ou outro idiota na linha, e não para ficar prestando atenção em rostos.


- Selina tem um tremendo negócio aqui neste clube. Ela continua fazendo tráfico de drogas? Ela vende para você?


- Eu obtenho poder através da minha crença. - afirmou ele, com um olhar maroto. - Não preciso de drogas ilegais.


- Alguma vez participou de sacrifícios humanos? Já retalhou uma criança para oferecê-la ao seu Mestre, Lobar?


- Isso deve ser alucinação de alguém de fora. - Bebeu de uma vez só o resto do drinque. - Gente como vocês gosta de fazer os satanistas parecerem monstros.


- Gente como nós. - murmurou Harry, dando uma olhada de cima a baixo em Lobar, passando pelos cabelos com as pontas vermelhas e as argolas que pendiam dos mamilos. - Sim, certamente é preconceito nosso, pois qualquer um pode ver que você simplesmente é um... devoto.


- Escute, trata-se de uma religião e existe liberdade religiosa neste país. Vocês querem empurrar o conceito de Deus por nossa goela abaixo? Pois bem, nós O rejeitamos. Rejeitamos a Ele e a todos os seus fracos seguidores. E vamos governar quando chegarmos ao Inferno! - Arrastou a cadeira para trás e se levantou. - Não tenho mais nada a dizer.


- Tudo bem, - disse Eve, baixinho, olhando fixamente para ele - mas pense bem no assunto, Lobar. Tem gente que já morreu nessa história. Alguém tem que ser o próximo. Pode muito bem ser você.


- Ou pode ser você. - replicou ele com os lábios trêmulos, que logo se firmaram, e em seguida saiu da cabine.


- Que rapaz simpático! - comentou Harry. - Tenho certeza de que ele vai ser uma adorável aquisição para o Inferno.


- Pode ser para lá que ele está indo. - Depois de dar uma rápida olhada em torno, Gina enfiou o copo vazio em sua bolsa. - O que quero descobrir é de onde ele veio. Posso investigar suas impressões digitais em casa.


- Ótimo! - Harry se levantou e a conduziu pelo braço. - Só que eu quero tomar um bom banho antes. Este lugar parece que deixa uma espécie de gosma na pele.


- Ah, nisso eu concordo totalmente com você.


 


- Robert Allen Mathias. - declarou Gina, lendo os dados em seu monitor. - Fez dezoito anos há seis meses. Nasceu em Kansas City, filho de Jonathan e Elaine Mathias, ambos diáconos da Igreja Batista.


- Filho de pastor. - completou Harry. - Os filhos de pastores às vezes se rebelam de forma radical. Parece que o nosso Bobby foi um deles.


- E tem um histórico de problemas. - continuou Gina. - Acaba de aparecer na tela a sua ficha policial juvenil. Pequenos roubos, invasão de domicílio, gazetas constantes, assalto. Fugiu de casa quatro vezes antes de completar treze anos. Aos quinze, depois de pegar sem autorização um veículo para se divertir, foi fichado por furto de carro, e os seus pais o denunciaram como delinqüente. Cumpriu um ano em uma instituição estadual para menores. Acabou levando um chute na bunda e transferido para uma prisão, depois de tentar estuprar uma professora.


- Bobby é mesmo um encanto de pessoa. - murmurou Harry. - Sabia que havia uma razão para a vontade que eu tive de arrancar fora os olhinhos vermelhos dele. Não desgrudavam de seus seios.


- É... - De forma inconsciente, Gina passou a mão no peito, como se tentasse limpar algo repugnante. - O perfil psicológico é bem o que seria de esperar... tendências sóciopáticas, perda de controle, impulsos violentos. A figura em questão guarda ressentimentos não resolvidos contra os pais e contra figuras de autoridade em geral, especialmente mulheres. Demonstra medo e má vontade diante de mulheres. Nível de inteligência, alto. Nível de violência, alto. Demonstra completa falta de consciência e interesse anormal pelas ciências ocultas.


- Então o que está fazendo solto pelas ruas? Por que não está em tratamento?


- Porque essa é a lei. A instituição tem que colocá-lo para fora ao completar dezoito anos. Até conseguir enquadrá-lo de novo, já como adulto, ele está limpo. - Gina estufou as bochechas e bufou com força. - É um pequeno canalha e muito perigoso, mas não há nada que eu possa fazer para detê-lo legalmente. Ele confirmou a declaração de Selina a respeito da noite em que Alice morreu.


- Foi instruído a fazer isso. - argumentou Harry.


- De qualquer modo, é o que vale... a não ser que eu consiga desmontar esse álibi. - Empurrou a cadeira para trás. - Tenho o seu endereço atual. Posso investigar, fazer perguntas pelos arredores e ver se os vizinhos podem me informar algo mais a respeito dele. Se eu conseguir alguma coisa e fizer um pouco de pressão, acho que nosso pequeno Bobby pode desmontar.


- E se não conseguir?


- Se não conseguir, continuamos cavando. - Ela esfregou os olhos. - Nós vamos conseguir pegá-lo. Mais cedo ou mais tarde, ele vai voltar aos hábitos de sempre: vai quebrar a cara de uma pessoa, atacar alguma mulher, cutucar alguém que não devia. Nesse dia, a gente o tranca dentro da jaula.


- Seu trabalho é terrível.


- Na maior parte do tempo. - concordou Gina, e então olhou para Harry, por trás do ombro. - Você está cansado?


- Depende... - Tornou a olhar para a tela, onde os dados a respeito de Lobar continuavam surgindo. Teve uma visão de Gina mergulhando mais fundo naquela pesquisa, avançando pela noite adentro através da podridão. Não se importou de dar um suspiro. - Do que está precisando?


- De você. - Ela sentiu o rubor no rosto quando ele alteou uma sobrancelha. - Sei que já está tarde, e foi um longo dia. Acho que eu tipo assim... gostaria de ficar com você, do mesmo modo que gostei da idéia de tomar um banho. Bem que eu precisava de algo para lavar essa imundície. - Meio sem graça, ela voltou a se virar para a tela, olhando fixamente para o monitor. - Besteira minha...


Para ela, era sempre difícil pedir, refletiu ele. Pedir qualquer coisa.


- Para lavar essa imundície, é?... não foi a proposta mais romântica que já recebi na vida, - colocando as mãos nos ombros dela, ele começou a massageá-los, lentamente - mas está longe de ser uma besteira. Desligar! - ordenou ele em voz alta e a tela se apagou. Girando a cadeira até colocá-la de frente, Harry colocou Gina em pé. - Vamos para a cama.


- Harry... - Ela o enlaçou com os braços e apertou com força. Não conseguia explicar como ou por que as imagens que vira naquela noite a deixaram tão abalada por dentro. Com ele ali, não precisava se sentir assim. -... Eu amo você. - Sorrindo de leve, ela levantou a cabeça e fitou os olhos dele. - Está começando a ficar mais fácil de dizer... acho que estou gostando disso.


- Vamos para a cama - repetiu ele, dando uma risada curta e beijando-lhe o queixo - e você vai poder dizer essa frase mais uma vez.


 


O ritual era antiqüíssimo e o objetivo, tétrico. Encapuzados e mascarados, os componentes da convenção se reuniram dentro da câmara privada. O cheiro de sangue fresco era forte. As chamas que se lançavam de velas pretas bruxuleavam e enviavam sombras escorregadias sobre as paredes, como aranhas em busca da presa.


Selina escolheu ser o altar da cerimônia e jazia nua, com uma vela queimando entre as coxas e uma tigela com sangue de sacrifício aninhada entre os seios generosos.


Sorriu ao olhar na direção do recipiente de prata que transbordava de notas e fichas de crédito, contribuições pagas pelos membros que desejavam ter o privilégio de participar. A riqueza deles era, agora, a riqueza dela. O Mestre a salvara de uma vida ganha nas ruas e a trouxera até ali, para um mundo de poder e conforto material.


Ela teria negociado a alma, com alegria, para obter tudo aquilo.


Naquela noite, haveria mais. Naquela noite, haveria morte e o poder que se obtinha a partir da submissão da carne e do derramamento do sangue. Eles não se lembrariam de nada, pensou. Ela adicionara drogas ao vinho misturado com sangue. Com as substâncias corretas na dosagem certa, todos ali fariam, diriam e seriam qualquer coisa que o Mestre determinasse.


Somente ela e Alban sabiam que o Mestre exigira um sacrifício, para a proteção deles, e tal exigência seria alegremente cumprida.


O grupo formou um círculo em volta dela, com os rostos cobertos e os corpos balançando para a frente e para trás, à medida que a droga, a fumaça e os cânticos os hipnotizavam. Em pé, atrás de sua cabeça, estava Alban, com a máscara de javali e o athame.


- Nós adoramos o Único. - disse ele, com uma voz clara e bela.


- Satanás é o único. - respondia o grupo.


- O que pertence a Ele, pertence a nós.


- Nós Te saudamos, Satanás!


Quando Alban levantou a tigela, seus olhos e os de Selina se encontraram. Pegando a espada, ele a enfiou nos locais que representavam os quatro pontos cardeais. Os príncipes do Inferno foram invocados, em uma lista de nomes muito longa e exótica. O fogo crepitava em um pote largo, escurecido e colocado sobre uma placa de mármore.


Ela começou a gemer.


- Destrói nossos inimigos!


Sim, pensou ela. Destrói!


- Traz dores e moléstias para os que querem nos fazer mal!


Muitas dores. Dores insuportáveis.


Quando Alban colocou a mão em sua carne, ela começou a gritar:


- Tomamos o que queremos, em Teu nome. Morte para os fracos! Sorte e riqueza para os fortes!


Alban deu um passo para trás, e embora fosse um direito seu tomar o altar antes dos outros, gesticulou para Lobar, dizendo:


- Recompensa para os leais. Possua-a! - comandou. - Conceda-lhe dor e também prazer.


Lobar hesitou por um instante. O sacrifício deveria acontecer antes. O sacrifício de sangue. O bode já deveria ter sido trazido e morto. Mas olhou para Selina e seu cérebro enevoado pelas drogas se abstraiu. Ali estava a mulher. A piranha! Ela o observava com olhos frios e provocantes.


Ele ia mostrar a ela, pensou. Ia mostrar-lhe que ele era um homem, afinal. Não seria como da última vez, no clube, quando ela o usara e humilhara em público.


Dessa vez, era ele quem ia se colocar no comando.


Despiu o manto, atirando-o de lado, e se aproximou dela.


 


 


 


Agradecimento especial:


 


Bianca: vamos para a Irlanda sim... ela não foi mesmo a primeira pessoa a comentar sobre isso para a Gina, agora eu não me lembro exatamente quando e nem quem falou com ela dessa maneira.... bem, no geral acredito que tudo está em aberto e no oitavo capitulo Selina deixa um presentinho para a Gina. Vou deixar você ler, pois os capítulos falam por si próprios. Beijos.


 


 

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