CAPÍTULO DOZE



CAPÍTULO DOZE


 


Em seu escritório em um andar muito alto no centro, que pairava sobre a cidade, Harry estava dando por encerrada a última reunião da manhã. Originalmente, fora planejado que ele ia concluir aquela negociação em Roterdã, mas ele arranjara as coisas de forma a participar da reunião através de via holográfíca, a fim de permanecer perto de casa. Perto de Gina.


Estava sentado à cabeceira de sua reluzente mesa de conferências e sabia que sua imagem estava sendo projetada em uma mesa similar, no outro lado do oceano. Sua assistente sentava-se à sua esquerda e lhe entregava todos os papéis importantes, para a sua aprovação e assinatura. Seu tradutor estava à sua direita, para servir de apoio caso ele tivesse algum problema com o fone computadorizado que usava, programado para decodificar idiomas.


A diretoria da ScanAir estava sentada nas outras cadeiras em volta da mesa. Ou, melhor dizendo, as suas imagens estavam. Aquele havia sido um ano muito bom para as Empresas Potter e suas subsidiárias. No entanto, não havia sido um ano agradável para a ScanAir, que vinha de uma série de anos seguidos no vermelho. Harry estava lhes fazendo um favor ao encampar a empresa.


Pelas expressões sisudas nos rostos de vários dos rostos holográficos, eles não pareciam muito agradecidos.


A companhia precisava de ajustes, o que significava que as confortáveis posições que algumas daquelas pessoas ocupavam teriam que ser enxutas, com redução de salários e responsabilidades. Alguns cargos seriam até mesmo eliminados. Harry já selecionara vários homens e mulheres que estavam dispostos a se transferirem para Roterdã, a fim de recolocar a companhia aérea nos eixos.


Enquanto a tradução era lida em um tom monótono por uma voz gerada por computador, ele observava os rostos e a linguagem corporal dos executivos. De vez em quando conferia com o tradutor algumas sutilezas do texto, bem como questões de sintaxe.


Ele já conhecia cada frase e cada termo do contrato de aquisição do controle da empresa. Harry não estava pagando o que a diretoria esperava. Os diretores, por sua vez, torciam para que o exame da situação da companhia não tivesse revelado algumas das suas dificuldades financeiras mais delicadas e bem escondidas.


Harry não podia culpá-los por isso. Ele teria feito o mesmo. Suas avaliações, porém, eram sempre abrangentes e mostravam tudo.


Ele assinou seu nome em cada cópia, datou o documento e passou os contratos para sua assistente assinar também, como testemunha, e selar o acordo. Ela se levantou e colocou os contratos em um fax a laser. Segundos depois, a cópia já atravessara o oceano e estava sendo assinada pela outra parte.


- Minhas congratulações por sua aposentadoria, Sr. Vanderlay. - cumprimentou Harry de forma simpática ao ver os contratos já assinados chegando de volta para ele. - Espero que o senhor a aproveite bem.


Isto foi recebido por um neutro aceno de cabeça e um agradecimento formal. Os hologramas se apagaram.


- As pessoas nem sempre parecem gratas quando recebem grandes quantidades de dinheiro, não lhe parece, Caro? - perguntou Harry para a secretária, recostando-se na cadeira, com ar divertido.


- Não, senhor. - Ela estava muito bem arrumada, com os cabelos brancos como neve e ofuscantes, que combinavam com um estilo glorioso. Levantando-se, ela pegou os documentos em papel, bem como os discos da transação gravados, para arquivá-los. Seu conjunto elegante, de cor ferrugem, exibia um par de pernas maravilhosamente torneadas. - Parecerão ainda menos agradecidos quando o senhor transformar a ScanAir em uma companhia de sucesso. Em menos de um ano, eu diria.


- Dez meses. - Ele se virou para o tradutor com um ar grato. - Obrigado, Petrov, seus serviços foram inestimáveis, como sempre.


- O prazer foi todo meu, senhor. - Petrov era um andróide, projetado por uma das companhias de pesquisa científica de Harry. Era magro e vestia um terno escuro muito bem cortado. Seu rosto era atraente, mas não tanto a ponto de distrair o interlocutor, e fora projetado para simular um homem de meia-idade com ar confiável. Vários exemplares daquele modelo haviam sido vendidos para a ONU.


- Gostaria de fazer uma hora de intervalo, Caro, antes da próxima reunião. Tenho alguns assuntos pessoais para resolver.


- O senhor está com um almoço marcado para uma hora da tarde com os administradores da Sky Ways, a fim de discutir a compra da ScanAir, bem como estratégias publicitárias.


- Aqui mesmo ou fora do prédio?


- Aqui, senhor, na sala de refeições para executivos. O senhor aprovou o cardápio na semana passada, - sorriu ela - antes mesmo de conhecer o resultado final das negociações com a ScanAir.


- Certo, lembrei-me agora... estarei lá. - Saiu por uma porta lateral que dava para a sua sala. Antes de ir para a mesa, trancou todas as fechaduras. Não era estritamente necessário fazer isso. Caro jamais entraria ali sem se anunciar primeiro, mas em certas questões valia a pena ser cauteloso. O trabalho que tencionava realizar não poderia aparecer em seus registros. Seria melhor fazer aquilo em casa, mas ele estava com a agenda apertada. E Gina, lembrou, também estava.


Já sentado diante do computador em sua mesa, ligou o campo de interferência que servia para bloquear qualquer rastreamento que fosse feito pelo CompuGuard, o sistema anti-hackers da polícia. Qualquer atividade nessa área não era bem-vista pela lei e os castigos eram pesados.


- Computador! - ordenou ele. - Quero dados sobre os membros da filial nova-iorquina da Igreja de Satanás, dirigida por Selina Cross.


 


Pesquisando... Os dados estão protegidos pela lei de privacidade e proteção às atividades religiosas. Requisição negada.


 


Harry simplesmente sorriu. Ele adorava um desafio.


- Bem, - disse ele - acho que podemos fazer você mudar de idéia a respeito disso. — Preparando-se para se distrair, despiu o paletó do terno, arregaçou as mangas e pôs-se a trabalhar.


 


Também no centro, Gina andava de um lado para outro dentro do consultório da Dra. Minerva, lindo e projetado para acalmar as pessoas. Ela, porém, jamais se sentia completamente relaxada ali. Confiava nas avaliações de Minerva, sempre fora assim. Há alguns meses, passara a confiar na médica também em nível pessoal... na medida do possível. Mas isso não a deixava relaxada.


Minerva sabia mais a respeito dela do que qualquer outra pessoa. Mais até, Gina suspeitava, do que ela mesma. Encarar alguém com este tipo de intimidade e conhecimento sobre ela não era nada relaxante.


Mas Gina não fora até ali para falar de assuntos pessoais, e fez questão de lembrar isso a si mesma. Estava ali para falar de assassinato.


Minerva abriu a porta e entrou. Seu sorriso era suave, caloroso e pessoal. Ela sempre parecia tão controlada, tão... perfeita, decidiu Gina. Jamais espalhafatosa nem desarrumada, a médica passava uma sensação de calma e competência. Naquele dia, em vez da roupa de costume, Minerva usava um vestido reto, em um tom claro de cor de abóbora e um casacão com um único botão, que combinava e tinha o mesmo comprimento do vestido, um pouco acima do joelho. Seus sapatos eram em um tom ligeiramente mais escuro do que o da roupa e tinham aqueles saltos estonteantemente altos que algumas mulheres usavam por escolha, algo que deixava Gina sempre impressionada.


Minerva ofereceu-lhe as duas mãos como cumprimento, um gesto de afeição que deixava Gina confusa e ao mesmo tempo satisfeita.


- Que bom vê-la de volta em boa forma, pronta para a luta, Gina. Não teve mais problemas com o joelho?


- Como? - Com um leve franzir das sobrancelhas, Gina olhou para baixo, lembrando-se então do ferimento que sofrerá ao resolver um caso, recentemente. - Ah, não... os para-médicos fizeram um bom trabalho. Até me esquecera a respeito disso.


- Um efeito colateral do seu trabalho. - Minerva se acomodou em uma das suas aconchegantes poltronas. - Acho que deve ser algo congênito.


- Como assim?


- Essa capacidade de esquecer a dor e os traumas, tanto os do corpo quanto os da mente, e seguir em frente, fazendo o mesmo trabalho. Sempre acreditei que as mulheres são boas policiais e boas médicas por possuírem essa resistência inerente. Por que não se senta, toma um pouco de chá e me diz o que posso fazer para ajudá-la?


- Obrigada por ter me encaixado em seus horários apertados. - Gina se sentou, remexendo-se um pouco, meio agitada. Sempre se sentira inclinada a escancarar a alma quando se via ali naquela sala, em companhia daquela mulher. - É a respeito de um caso no qual estou trabalhando. Não posso lhe dar muitos detalhes, pois há restrições internas.


- Entendo... - Minerva programou chá no AutoChef. - Conte-me tudo o que puder.


- Uma das envolvidas é uma jovem de dezoito anos, brilhante e aparentemente muito impressionável.


- É a idade das descobertas, das explorações. - Minerva pegou o chá que fumegava, servindo-o em delicadas xícaras de porcelana, e ofereceu uma delas a Gina, que aceitou a bebida, embora soubesse que não iria apreciá-la, pois não era muito de beber chá.


- Suponho que sim. - concordou ela. - Essa jovem tem uma boa família e é muito ligada a ela. Apesar de um pai ausente, ela possui um núcleo familiar grande, com avós, primos, esse tipo de coisa. Ela não era... não é - corrigiu Gina - uma pessoa sozinha.


Minerva fez que sim com a cabeça. Gina fora uma pessoa sozinha, pensou a psiquiatra. Brutalmente sozinha.


- Bem, esta moça andava interessada em religiões antigas, culturas e cultos ancestrais, e os estava estudando. No decorrer deste último ano, desenvolveu um certo interesse pelas chamadas ciências ocultas.


- Humm... isso também é bem típico. Os jovens exploram diferentes fés e crenças, a fim de encontrar, construir e consolidar suas próprias doutrinas. As ciências ocultas, com seu misticismo e muitas possibilidades, mostram-se extremamente atraentes.


- Ela acabou se envolvendo com satanismo.


- Como amadora, apenas por curiosidade?


Gina franziu o cenho. Esperava que Minerva demonstrasse algum tipo de surpresa ou ar de desaprovação. Em vez disso, continuava a tomar chá com um educado sorriso atento que brincava em sua boca.


- Se está querendo saber se a menina estava apenas brincando com o assunto, eu diria que ela acabou indo mais fundo.


- Tornou-se uma iniciada?


- Não estou bem certa do que isso significa.


- Bem, dependendo da seita, pode haver algumas variações. De um modo geral, isso implica na exigência de um período de espera antes de fazer os votos, momento acompanhado de uma marca física, geralmente sobre ou próximo da genitália. O iniciado seria então aceito na convenção de bruxas, através de uma cerimônia. Tal cerimônia consiste em um altar, um altar humano, provavelmente feminino, colocado dentro de um círculo. Os príncipes do Inferno são invocados e o iniciado, ou iniciados, se ajoelha. O simbolismo que acompanha esse ritual poderia ainda envolver fumaça, o soar de um sino, terra trazida de um cemitério, de preferência recolhida do túmulo de uma criança. Nesse momento, o iniciado recebe para beber um pouco de água, às vezes vinho misturado com sangue ou urina. Nesse momento, o sumo sacerdote ou sacerdotisa marca o iniciado com um punhal cerimonial.


- Um athame.


- Sim. - Minerva sorriu, como uma professora satisfeita com a resposta de uma aluna brilhante. - Embora seja ilegal, caso o grupo consiga, sacrificarão em seguida um cabrito. Em algumas seitas, o sangue do cabrito é misturado com o vinho e consumido. Depois de feito isso, o grupo se entrega a práticas sexuais. O altar pode ser usado por todos, ou muitos dos reunidos no local. Isso deve ser considerado uma obrigação, mas também um prazer.


- Até parece que você já participou de um ritual desses, doutora.


- Desse tipo não, mas obtive autorização para assistir a uma cerimônia do Sabá de Litha, certa vez. Foi fascinante...


- Mas você não acredita realmente nesses troços, acredita? - Aturdida, Gina colocou a xícara de lado. - Invocar o demônio, por exemplo.


- Acredito que exista o Bem e o Mal, Gina. - respondeu Minerva, levantando uma sobrancelha suavemente arqueada - E de modo algum descarto a possibilidade da existência do Bem supremo ou do Mal supremo. Em minha profissão, como na sua, vemos exemplos de ambos em demasia, o bastante para que reconheçamos sua realidade.


Quem cometia o mal eram os humanos, pensou Gina. O Mal era humano.


- Mas adorar o demônio? - reagiu ela.


- As pessoas que escolhem dirigir o foco de suas vidas, e podemos dizer de suas almas, para essa crença geralmente o fazem atraídas pela liberdade, pela estrutura e pela celebração do egoísmo. Outras são seduzidas pela promessa de poder... e muitas pelo sexo.


“Foi só pelo sexo.” Foi exatamente isso o que Wineburg dissera, soluçando, antes de morrer, lembrou Gina.


- Essa jovem, Gina, foi atraída em primeiro lugar pelo intelecto. O satanismo tem séculos de existência e, como a maioria das religiões pagas, persegue o cristianismo. Por que sobrevive e, em certas épocas, chega até mesmo a crescer? Porque está cheio de segredos, pecados e sexo, e seus rituais são misteriosos e elaborados. Essa moça, pertencendo a uma família presente e que a protegia, deve ter se perguntado se já não era hora de se rebelar contra o status quo.


- A cerimônia que você descreveu foi semelhante à descrita por ela. - afirmou Gina. - Só que ela estava apenas começando a observar os rituais, e foi sexualmente usada. Era virgem e suspeito que tenha sido drogada.


- Entendo. Sempre existem seitas que divergem do que está estabelecido em seus conceitos e leis. Algumas podem até mesmo ser perigosas.


- A memória da jovem dava uns brancos, e ela se tornou extremamente devotada a dois dos membros, quase a ponto de se tornar sua escrava. Chegou a se afastar da família e dos estudos. Até o dia em que testemunhou o assassinato ritualístico de uma criança.


- Sacrifício humano é uma prática ancestral e deplorável. - Minerva tomou mais um pouco do chá, de forma delicada. - Se houve envolvimento com drogas, é altamente provável que ela tenha se tornado dependente dessas pessoas. Isso explicaria os brancos em sua memória. Imagino que ao testemunhar o assassinato ela tenha se chocado a tal ponto que se afastou do culto e de seus rituais.


- Ela estava aterrorizada. Não buscou ajuda na família nem denunciou o incidente. Em vez disso, buscou uma bruxa.


- Uma bruxa ligada à magia branca, decerto... uma devota Wicca?


- Ela fez algo que poderia ser considerado como uma reviravolta de cento e oitenta graus. - Gina apertou os lábios. - Começou a queimar velas brancas, em vez de pretas. Vivia em um constante estado de pânico e afirmava que um dos membros se transformara em corvo.


- Mudança de forma... - Pensativa, Minerva se levantou para programar mais chá. - Isso é interessante.


- Ela acreditava que eles iriam matá-la, e que já haviam feito isso com alguém muito próximo dela, embora tal morte esteja oficialmente registrada como devida a causas naturais. Não tenho dúvidas de que eles a atormentavam, e encontraram uma forma de iludi-la e amedrontá-la. Acho que um pouco disso foi facilitado por sua própria vergonha e complexo de culpa.


- Você deve ter razão. Emoções influenciam o intelecto.


- Até que ponto? - quis saber Gina. - O bastante para fazê-la ver coisas que não estavam lá? O bastante para fazê-la fugir apavorada de uma visão e se atirar na frente de um carro que a matou?


- Ela está morta, então... - Minerva tornou a se sentar. - Sinto muito. Você tem certeza de que ela fugiu de uma imagem ilusória?


- Tenho. Uma observadora treinada estava no local. Não havia nada lá, exceto... - Gina acrescentou, torcendo o nariz: -... um gato preto.


- A imagem tradicional e familiar. Só isso pode ter sido o bastante para jogá-la no abismo. Porém, mesmo que o gato tenha sido colocado em seu caminho com a finalidade de assustá-la, vai ser muito difícil você enquadrar isso como assassinato.


- Eles brincavam com a cabeça dela, drogaram-na, possivelmente usaram hipnose. Atormentavam-na com truques e ligações para seu tele-link. Então, finalmente, a empurraram. Para mim, isso é homicídio, e vou fazer com que o promotor se convença disso.


- Levar religiões para a sala do tribunal, particularmente religiões não reconhecidas em grande escala, é uma tarefa difícil.


- Não estou atrás de facilidades. As pessoas por trás desta seita são sujas, e acredito que já mataram quatro pessoas ao todo, só nas últimas duas semanas.


- Quatro? - Minerva fez uma pausa e pousou a xícara sobre o pires. — O corpo que foi encontrado perto de sua casa... os detalhes que vi na mídia não foram objetivos. Há alguma conexão entre os casos?


- Sim. Ele era um iniciado e teve a garganta cortada por um athame, que foi deixado espetado entre suas pernas com uma nota que condenava o satanismo. Ele estava amarrado a uma placa com a forma de um pentagrama invertido.


- Mutilação e assassinato. - Minerva apertou os lábios. - Se isso foi obra de pessoas ligadas à religião Wicca, é estranho... algo muito afastado de suas crenças.


- Pois é... mas as pessoas fazem coisas estranhas e contra suas crenças o tempo todo. - disse Gina, impaciente. - Nesse momento, no entanto, suspeito de que o crime foi praticado por um membro, ou membros da seita da vítima. Outro homem foi morto na noite passada, também por um athame. Seguramos a notícia, para que nada fosse divulgado nos noticiários matinais, mas vai estar estampado em toda a mídia em questão de horas. Eu estava no local, perseguindo a vítima, e não cheguei a tempo.


- Ele foi morto tão depressa assim, sem um ritual? Com uma policial em sua perseguição? - Minerva balançou a cabeça. - Isso foi um ato de arrogância ou desespero. Na minha opinião, se foi cometido pelas mesmas pessoas, mostra uma ousadia crescente.


- E também um gostinho especial... o sangue pode ser algo que vicia. Gostaria de saber qual é o tipo de personalidade da pessoa que comanda uma seita como essa. Há uma mulher que possui uma extensa ficha criminal envolvendo sexo ilegal e tráfico de drogas. Ela é bissexual. Administra um clube e vive bem. Seu companheiro é um homem forte que cuida dela, e ela gosta de se exibir. - acrescentou Gina, lembrando-se do truque da lareira. - Esta mulher se diz clarividente, é irritadiça e tem um temperamento instável.


- O orgulho é provavelmente a sua maior fraqueza. Caso esteja em uma posição de poder e autoridade, provavelmente não admite desrespeito. Ela é realmente uma clarividente?


- Está falando sério?


- Gina... - suspirou Minerva baixinho. - Habilidades psíquicas existem, sempre existiram. Estudos já provaram isso.


- Sei, sei... - Gina balançou a mão, afastando a idéia. - Os estudos do Instituto Kijinsky, por exemplo. Tenho um relatório detalhado a respeito da bruxa branca, fornecido por eles, que asseguram que ela está muito acima da média em termos de paranormalidade.


- E você não concorda com o Instituto Kijinsky?


- Bolas de cristal e quiromancia? Ora, vamos, você é uma cientista!


- Sim, sou, e como tal, aceito que a ciência é algo fluido. Ela muda à medida que aprendemos mais a respeito do Universo e das coisas que o habitam. Muitos cientistas respeitados acreditam que nós nascemos com o que poderíamos denominar de sexto sentido, ou de sentido intensificado, se desejar. Alguns de nós o desenvolvem, outros o bloqueiam. A maioria de nós o mantém em algum nível. Chamamos de instinto, pressentimentos ou intuições. Você mesma confia nisso.


- Confio em evidências e em fatos.


- Mas tem pressentimentos, Gina, e a sua intuição também é um instrumento muito afinado. Potter também... - Sorriu ao ver Gina unir as sobrancelhas em uma expressão de estranheza. - Um homem não consegue subir tão alto sem os instintos fortes para fazer o movimento exato na hora certa. A magia, se preferir um termo mais romântico, existe.


- Você está me dizendo que acredita ser possível ler mentes e lançar feitiços?


- Nesse instante, posso intuir perfeitamente o que vai pela sua cabeça. - Riu a doutora, terminando de tomar o chá. - “A Dra. Minerva só pode estar de brincadeira comigo!”


- Chegou perto. - Os lábios de Gina se abriram em um sorriso relutante.


- Deixe-me dizer uma coisa, já que creio que isso é parte do que veio buscar aqui. Feitiçaria, negra ou branca, existe desde a aurora da humanidade. E onde existe poder, existem também benefícios e abusos. Isso também faz parte da natureza humana. Não podemos, através de todo o nosso conhecimento científico e técnico, destruir um dos lados sem prejudicar o outro. O poder exige cuidados, assim como as crenças, e é por isso que temos nossas cerimônias e rituais. Precisamos da estrutura, do conforto e também dos mistérios que eles contêm.


- Não tenho problemas com cerimônias e rituais, dra. Minerva, a não ser quando eles cruzam as fronteiras da lei.


- Concordo. Mas a lei também pode ser fluida. Ela se transforma e se adapta.


- Mas um assassinato sempre é um assassinato. Não importa se foi perpetrado com uma lança com ponta de pedra lascada ou com uma arma a laser. - seus olhos se tornaram sombrios e ferozes - Nem se foi feito com a ajuda de fumaça e espelhos. Vou encontrar o assassino e nenhuma mágica no mundo vai me impedir de alcançar isso.


- Não. - Uma pequena sensação de medo, diminuta, porém preocupante, e que poderia ser chamada de pressentimento, fez o estômago da dra. Minerva se retorcer. - Concordo com isso. Você também tem poder, Gina, e vai colocá-lo em rota de confronto. - Cruzou as mãos. - Posso lhe fornecer um material mais detalhado sobre satanismo e Wicca, se isso ajudar.


- Gostaria de saber com o que estou lidando, e agradeceria muito por esse material. Você poderia me fornecer um perfil de um membro típico das duas seitas?


- Não existe um membro típico, do mesmo modo que não há membros típicos na fé católica ou no budismo. O que posso fazer é generalizar certos tipos de personalidade que são com freqüência atraídos pelas ciências ocultas. A sacerdotisa Wicca que a jovem procurou também é suspeita?


- Não é a principal, mas é suspeita sim. Vingança é um motivo muito forte, e se os satanistas continuarem aparecendo na minha frente com punhais ritualísticos enterrados em órgãos vitais, eu não vou poder desprezar a possibilidade de vingança. - Sem conseguir resistir, Gina passou a língua pela frente dos dentes, completando: - Porém, suponho que era mais provável ela lançar uma maldição sobre as vítimas.


- Verifique as unhas e os cabelos das suas vítimas, e também das outras que possivelmente aparecerem. Se alguma maldição estiver envolvida no crime, deve haver sinais de unhas e cabelos cortados recentemente.


- Ah, é?... Vou fazer isso, então. - Gina se levantou. - Obrigada pela ajuda.


- Envio-lhe o material até amanhã.


- Ótimo! - Começou a sair, mas parou. - Você parece conhecer muitas coisas a respeito desse assunto. Isso é o tipo de coisa que se estuda para ser psiquiatra?


- Em certa medida, sim, mas tenho um interesse mais pessoal no assunto, e já o estudei bastante. - Seus lábios se abriram em um sorriso. - Minha filha é wiccana.


- Ah... - O queixo de Gina caiu. O que poderia ela dizer diante disso? - Bem, então isso explica tudo. - Desconfortável, enfiou as mãos nos bolsos, perguntando: - Sua filha mora por aqui?


- Não, ela reside em Nova Orleans, pois acha que há menos restrições por lá. Talvez eu não consiga ser muito objetiva nesse assunto, Gina, devido às circunstâncias, mas acho que se você pesquisar a respeito vai descobrir que a religião Wicca é um tipo de fé adorável, muito generosa e ligada à terra.


- Claro... - Gina foi saindo de fininho em direção à porta. - Vou assistir a um encontro amanhã à noite.


- Depois, quero que me conte o que achou. E se houver alguma pergunta que eu não seja capaz de responder, certamente minha filha ficaria feliz em conversar com você.


- Eu lhe conto. - Saiu, dirigindo-se para o elevador e soltando o ar com um sopro. Então a filha de Minerva é uma feiticeira, pelo amor de Deus, pensou. Aquela era uma novidade e tanto!


 


Gina foi direto à central com a intenção de pegar Hermione para irem juntas à casa de Wineburg. Ela queria dar uma olhada em seu estilo de vida, seus arquivos e registros pessoais. Tinha o palpite de que um sujeito como ele mantinha uma lista particular com nomes e lugares.


Os técnicos já haviam efetuado as buscas de rotina, sem encontrar nada de interessante, mas ela achou que talvez tivesse mais sorte.


Encontrou Hermione na sala de detenção, ao passar por ali, e lhe disse:


- Encontre-me no meu carro em quinze minutos. Quero verificar minhas mensagens e fazer umas ligações.


- Sim, senhora. Tenente...


- Mais tarde! - cortou Gina, passando direto, sem perceber o momento em que sua auxiliar contraiu o rosto.


A razão para isso estava à espera dela, dentro de sua sala.


- Neville? - Gina tirou o casaco e o atirou sobre uma cadeira. - Resolveu ir para o México? Se foi isso, vai ter que ligar para Harry, a fim de combinar os detalhes. Ele deve estar... - Parou de falar na mesma hora, quando viu Neville se levantar, passar por ela e fechar a porta, deixando-os a sós. Foi preciso apenas olhar para o seu rosto para descobrir.


- Você mentiu para mim, Gina! - Havia um tremor em sua voz que vinha tanto da raiva quanto da mágoa. Seus olhos, porém, estavam firmes e frios. - Você mentiu descaradamente para mim. Eu confiei em você, que andava investigando Frank pelas minhas costas, por cima do seu cadáver.


Não havia como negar nem perguntar como ele descobrira. Gina sabia que ele ia acabar sabendo de tudo.


- Estava rolando uma investigação interna. Lupin queria que eu limpasse o nome de Frank, e é o que estou fazendo.


- Investigação interna porra nenhuma! Ninguém era mais limpo do que Frank.


- Sei disso, Neville. Eu estava...


- Mesmo assim, investigou. Xeretou em seus arquivos, e fez tudo isso escondido de mim.


- É como deveria ser feito.


- Papo furado! Fui eu quem treinou você! Você ainda estaria usando farda até hoje se eu não a tivesse colocado aqui. E você me apunhalou pelas costas. - Chegou mais perto dela, com os punhos fechados ao lado do corpo.


Ela preferia que ele os usasse.


- Você abriu uma investigação sobre Alice, com suspeita de homicídio. Ela era minha afilhada e você nem sequer teve a decência de me contar que suspeitava de que um filho-da-mãe a matara? Deixou-me de fora do inquérito e mentiu para mim. Olhou bem na minha cara e mentiu para mim!


- Sim. - Seu estômago parecia um bloco de gelo.


- Achava que ela podia ter sido drogada, estuprada e assassinada e me deixou de fora?


Ele tivera acesso aos relatórios, compreendeu Gina. Os arquivos estavam lacrados e codificados, mas isso não serviria de barreira se Neville tivesse farejado algo. E pelo jeito foi o que acontecera, devido à morte de Wineburg.


- Eu não poderia, Neville. - disse ela, com a voz firme. - Mesmo se não estivesse cumprindo ordens, não poderia colocá-lo na investigação. Você era muito chegado à família. Não poderia ser objetivo nem dar assistência em uma investigação envolvendo alguém que era quase da sua família.


- E que diabos você sabe a respeito de família? - explodiu ele, fazendo-a se sentir sacudida. Sim, ela preferia os punhos.  - Estava cumprindo ordens? - continuou ele, com amargura, atacando-a sem dó. - Que porra de ordens? É essa a sua desculpa, Weasley? Esse é o motivo para me tratar como um recruta de fraldas? “Tire umas férias, Neville. Aproveite a casa do meu maridinho rico lá no México.” - Seus lábios se retraíram em um risinho sarcástico. - Isso ia ser ótimo para você, não é, Gina? Tirar-me do caminho, me jogar para escanteio, bem longe de você, já que eu não ia ter utilidade dessa vez.


- Não. Por Deus, Neville...


- Já encarei tiroteios junto com você... - Sua voz subitamente mudou de tom e fez a garganta de Gina arder. - Confiei em você. Confiaria a qualquer tempo e em qualquer lugar, mas agora... Nunca mais! Você é boa no que faz, Weasley, mas é fria. Vá para o inferno!


Ela não disse nada quando ele saiu, deixando a porta balançando, semi-aberta. Não havia o que dizer... ele descobrira e viera com tudo para cima dela.


- Weasley! - Hermione entrou correndo pela porta. - Eu não consegui...


Gina a cortou simplesmente levantando um dedo e virando-se de costas. Lentamente, com inspirações profundas, ela conseguiu acalmar o estômago. Mesmo assim, restara a dor. Ela ainda conseguia sentir o cheiro dele na sala. O cheiro daquela colônia idiota que a mulher sempre lhe comprava.


- Vamos dar mais uma busca na casa de Wineburg, Hermione. Pegue suas tralhas.


Hermione abriu a boca para falar alguma coisa, mas desistiu. Mesmo que soubesse o que dizer, achou que qualquer observação que fizesse não seria bem recebida.


- Sim, senhora. - assentiu, simplesmente.


Gina se virou para ela. Seus olhos estavam sem expressão, frios, controlados.


- Então, vamos nessa!


 


 


 

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